domingo, 4 de fevereiro de 2024

GRACILIANO RAMOS

  


GRACILIANO RAMOS
Vidas Secas
Posfácio de Álvaro Lins
Editora Record
62ª Edição, S. Paulo, 1992


       O HOMEM

Graciliano Ramos de Oliveira foi um escritor brasileiro, nascido em Quebrangulo, município do Estado de Alagoas, em 27 de outubro de 1892, que se celebrou como romancista, contista e memorialista. Exerceu, entre outras atividades, a de jornalista e político, como perfeito (presidente da câmara municipal) de Palmeira dos Índios, e mais tarde a de inspetor do ensino no Rio de Janeiro. Era proveniente de uma família numerosa da classe média: o mais velho de quinze irmãos. Viveu os primeiros anos da sua vida no Nordeste Brasileiro, na cidade de Buíque, do Estado de Pernambuco, e depois em Viçosa, no de Alagoas. Em 1910 estava em Palmeira dos Índios, onde o seu pai montou um comércio. Um incidente o marcou sobremaneira: em 1915, perdeu três irmãos e um sobrinho, vítimas da peste bubónica. Estava no Rio de Janeiro, para onde tinha ido depois de concluir o segundo grau de ensino, e regressou a Palmeira dos Índios, onde casou, e chegou a ser perfeito em 1927, a que renunciou dois anos depois. Na década de 1930 viveu em Maceió, capital do Estado de Alagoas, e voltou a trabalhar na imprensa. Era um homem de convicções, voltado para os desfavorecidos. Com o autogolpe de Estado de Getúlio Vargas, em 1936, foi preso e acusado de apoiar a Intentona Comunista. Esta paragem na prisão inspirou-o a escrever algumas das suas mais importantes obras, como Vidas Secas. Foi libertado onze meses depois sem culpa formada e voltou à sua vida ativa. Continuou a escrever. Em 1938 era inspetor do ensino no Rio de Janeiro. Em 1940 ingressou no Partido Comunista Brasileiro a convite do seu então secretário-geral, Luís Carlos Prestes. Fez então viagens pela Europa, visitando vários países, incluindo a então União Soviética. Casou duas vezes e teve oito filhos. Em 20 de março de 1953, padecendo há algum tempo de um tumor pulmonar, morria no Rio de Janeiro, aos 60 anos.  


A OBRA

A obra de Graciliano Ramos inclui romances, contos, memórias, crónicas, correspondência epistolar, traduções e até trabalhos de crítica literária. Alguns dos seus livros são mundialmente conhecidos, sendo-lhe atribuídos vários prémios. Não nos vamos alongar aqui muito na análise de Vidas Secas, ao gosto dos brasileiros, que o tem estudado muito justamente sob os mais variados aspetos. Há por aí uma extensa bibliografia desses estudos, a que os interessados poderão recorrer. Aqui, usando o formato reduzido destes estudos, iremos simplificar as coisas. O objetivo destas modestas páginas é salientar a importância do autor e promover a sua leitura. Assim, destacaremos apenas as seguintes obras:


   – Caetés - romance (1933) (Prêmio Brasil de Literatura)
   – São Bernardo - romance (1934
   – Angústia – romance (1936)
   – Vidas Secas – romance (1938) (Prémio Fundação William Faulkner – EUA)
   – A Terra dos Meninos Pelados - contos infanto-juvenis (1939)
   – Infância - memórias (1945)
   – Insônia - contos (1947)
   – Memórias do Cárcere - memórias (1953) (obra póstuma)
   – Linhas Tortas - crônicas (1962) (obra póstuma)
   – Viventes das Alagoas - crônicas (1962) (obra póstuma)
   – Cartas - correspondência (1980) (obra póstuma)
   – Cangaços (livro) - crítica literária (2014) (obra póstuma)
   – O Anti modernista: Graciliano Ramos e 1922 (2022); (obra póstuma)

  


O ROMANCE Vidas Secas

 

a.       Principais Personagens: 

 

 Fabiano: a personagem principal do romance, proveniente de uma família que comporta a mulher, dois filhos, uma papagaio e uma cachorra, (em Portugal usa-se mais o termo cadela). Trata-se de um homem rude mas determinado, lutando contra as adversidades do meio miserável, afetado por uma seca milenária, e contra a própria sociedade, feita à sua imagem.

 Sinhá Vitória: a mulher de Fabiano. Senhora forte e fria, de cor morena, que encara a vida com generosidade e resignação. Apesar de analfabeta sabe fazer contas, e dá muita alma àquela família. O seu maior sonho é ter uma cama de verdade como o patrão.

 O Menino Mais Velho: já espigadote e um tanto independente, começa a despertar para a vida e faz as perguntas inconvenientes aos pais. É muito curioso e quer descobrir o significado de algumas palavras, a que os adultos nem sempre têm resposta pronta. 

 O Menino Mais Novo: talvez com não mais de cinco anos, débil para poder acompanhar os pais no seu percurso, que a mãe ainda tem de pegar ao colo de vez em quando. Sonha a tornar-se um grande vaqueiro. Tal como o anterior, não lhe é dado nome, é apenas mais um.

Baleia: é a cadela da família, sem raça, que, no meio de personagens descaraterizadas sofre o processo inverso, o de humanização, adquirindo um nome. Apesar da sua fidelidade à família, sofre com os seus fracassos, e acaba por ter um trágico fim.

 O Soldado Amarelo: no livro é antagonista de Fabiano, representando, assim como o fiscal da prefeitura e o dono da fazenda, a opressão do poder institucional. Chegou a sovar Fabiano e a metê-lo na cadeia. Ele não tem nome, a sua farda personifica a repressão policial. 

Tomás da Bolandeira: o modelo de erudição e de conhecimento para as demais personagens. Sabia ler e escrever e podia votar. Era dono da fazenda onde Fabiano se alojou e olhado com respeito. Contudo, não tinha respostas para tudo.


Do filme Vidas Secas dirigido por Nelson Pereira Dos Santos, com Átila Iório e Maria Ribeiro
A foto retrata bem a aridez da paisagem, dá-nos a noção do espanto, da angústia vivida pelo casal perante tanta depravação

b.      Resumo:

 Capítulo 1, Mudança: Na planície avermelhada de juazeiros, Fabiano, de espingarda ao ombro segue ao seu destino, levando a esposa, sinhá Vitória, os dois filhos, a cadela e o papagaio. Tinha sido um dia inteiro a caminhar. A mulher leva o filho mais novo ao colo, e ele, vendo o filho mais velho a desfalecer, teve que o carregar aos ombros a certa altura. Iam cansados e cheios de fome e não havia quase nada para comer. Sinhá Vitória, num repente resolveu apanhar o papagaio e cozinhá-lo. O mesmo destino iria ter um preá que a cadela, Baleia, apanhou. Param numa fazenda abandonada. Fabiano foi à procura de água, que trouxe para dessedentar a família. Chegou a noite, e à volta da fogueira eram uma família feliz, quanto se pode ser.

 Capítulo 2, Fabiano: Apossado da quinta abandonada, Fabiano sente-se tomado pela dureza do meio. Era um homem rude, no dizer dele, um bicho, e disto até tinha muito orgulho, pois significava que estava à altura daquele mundo adverso. Encontrou a quinta ao abandono, mas ao vir chuva o dono veio ali reclamar a sua posse. Fabiano ficou a tomar dela como capataz, mas sob condições humilhantes. Recebeu para tal um cavalo e outros apetrechos, mas tinha de os devolver quando fosse embora. Troca com a mulher impressões sobre o dono da quinta, seu Tomás da bolandeira, um homem que lia muito e falava muito bem, mas que não tinha soluções para aquela seca. Sinhá Vitória sonhava em possuir uma cama como a do patrão, o que, segundo ele era doidice. Andava preocupado com a pouca comida que tinham, e a educação a dar aos meninos.

 Capítulo 3, Cadeia: Um tempo depois. Fabiano já tem dinheiro e vai à feira comprar farinha, feijão, sal e um corte de chita vermelha para a mulher. Foi à bodega de seu Inácio beber uma pinga de querosene e dá-se conta que ela tinha sido batizada e manifesta-lhe a sua indignação. Ele nem lhe respondeu. Para passar o tempo resolve ir jogar o 31 com o sodado amarelo e acaba perdendo dinheiro. Sai dali aborrecido e nem de despede bem dele, acabando por seu preso. Na cadeia pôde meditar na situação lastimável em que ficara. Apeteceu-lhe dar cabo da vida do carcereiro, mas depois pensou na mulher, nos filhos e na cachorrinha e aceitou a situação. Na fazenda viviam desgraçadamente. A mulher dormia numa cama de varas, e os filhos andavam por lá, eram uns brutos, e quando crescessem iam ter uma vida miserável como a dele. Sentiu-se esmagado perante tal destino adverso.

 Capítulo 4, Sinhá Vitória: Acocorada junto das pedras que fazia de trempe, sinhá Vitória soprava ao lume. Era uma mulher amarga, sobre a qual pesavam muitas responsabilidades, vivendo com dois filhos cercada de miséria. A cadela fez-lhe um gesto de satisfação e ela deu-lhe um pontapé, não estava para festas. Acordara de mau humor, ainda a lamentar-se não ter dormido numa cama decente, e ter de se sujeitar a um leito de varas. Um bafo quente (mormaço) levantou-se do chão e ela temeu o pior e pôs-se a rezar. Aliás, para qualquer dificuldade, não tendo outros meios para lhe acudir, ela recorria à reza. Bebeu um pouco de água e foi levantar o testo à panela. Provou a sopa. Estava feita e acrescentou-lhe água. Veio-lhe à lembrança o papagaio que tivera de matar para alimentar a família e mortificou-se a pensar no destino do pobre animal. E ela continuava a dormir numa cama de varas, não de  couro e sicupira como a do seu Tomás da bolandeira. Bem, talvez se vendesse as galinhas…

Capítulo 5, O Menino Mais Novo: Fabiano, devidamente equipado de vaqueiro, metido nos couros, de pederneiras, gibão e guarda-peito, montando o seu cavalo sentia-se ali o homem mais importante do mundo. O Menino mais novo, que estava a um canto a brincar, ao ver cair o pai da cavalgadura deu um grito. Vai aconchegar-se à mãe, que catava lêndeas ao filho mais velho e não ligou a todo aquele espalhafato do marido, dando-lhe um “afasta-te para lá”. Ele foi deitar-se numa esteira, adormeceu e sonhou. Acordou e foi brincar ali à volta. A mãe à hora do almoço repreendeu-o por ser tão irrequieto. À tarde ele voltou a pensar fazer das suas, ainda se lembrou de pedir ajuda ao irmão mais velho, mas desistiu da ideia, antes que ele se risse na sua cara. Andou a brincar com as cabras e o bode. Viu o irmão com a cachorra e quase sentiu raiva deles, por lhe serem tão indiferentes. Meteu-se com o bode e caiu na água. Viu o tropel da cabras perder-se na ladeira e periquitos a voar. Depois receou que o pai e a mãe talvez o viessem a castigar por causa do seu acidente. Sonhou em crescer, dormir numa cama de varas, fumar cigarros de palha, calçar sapatos de couro cru e chegar a casa vestido de vaqueiro, para admiração da mãe e do irmão. Mas isso ainda estaria longe, ele o irmão eram meninos sem nome.

Capítulo 6, O Menino Mais velho: o filho mais velho do casal, a que os pais e o próprio autor se escusava de nomear, por fazer parte da paisagem incaracterística. Estavam a crescer e manifestou as suas dúvidas à mãe sobre o que seria o inferno, a que ela não deu resposta, indo de seguida perguntar ao pai, que depois lhe tirar as medidas ao pé para umas alpergatas lhe deu um tabefe para se afastar, não estava para responder a doidices. O menino foi para um canto contar a sua história para as paredes – o seu vocabulário seria tão pobre como o papagaio que comeram. Ele soube por uma vizinha, através de uma reza que fizeram, que era um lugar mau e ficou admirado – ele só conhecia lugares bons, mesmo o chiqueiro que havia junto dos currais do gado. Insistiu em perguntar aos pais e eles lá lhe foram dizendo que nem sempre as relações entre as criaturas foram amáveis e fora criado um lugar ruim, com espetos e fogueiras. Ele ficou desiludido por um nome tão bonito como inferno servir para designar uma coisa má. Andava espantado por haver estrelas na terra, não falou do céu, talvez não lhe soubesse o nome. Abraçou-se a seguir à cachorra, Baleia, ali ainda encontrava algum carinho e compreensão. 

– Capítulo 7: Inverno: Veio a estação das chuvas, que não seria muito demorada, e choveu torrencialmente. À volta de uma fogueira, sinhá Vitória, Fabiano, os meninos e a cadela, Baleia, aqueciam-se. Lá fora estava um frio medonho, ouviam-se as goteiras a pingar no chão. Fabiano esfregava as mãos de contente, aquela chuva era esperança para uma boa criação. O menino mais velho foi buscar uma braçada de lenha a um canto da cozinha, a mãe concordou, mas o pai desconcordou, dizendo que aquilo era uma falta de respeito, e tentou mesmo dar-lhe uma sapatada, o que a mãe evitou, condenando a braveza do marido. A chuva caíra de chofre, levando terra, pedras e árvores à sua frente. Sinhá Vitória receou que tal enxurrada arrastasse a casa, embora ela estivesse bem amarrada. Se a água a invadisse tinham de subir para um morro. O rio subira a ladeira e as vacas encostaram-se à casa. A mãe abanava a fogueira, que estava a murchar, e o pai comprazia-se com aquela chuva. Os meninos, indiferentes a esta ameaça, entretinham-se a brincar na cozinha. Chegou a noite e tiveram de se acomodar. Sinhá Vitória teria de apagar a lareira, tirar os carvões e a cinza, e só depois se iam deitar, o casal na cama de varas e os meninos numa esteira debaixo do caritó (nicho ou vão de parede). 

Capítulo 8, Festa: havia festa de Natal na cidade, e a família foi toda. Fabiano veste uma roupa de brim branco, e sinhá Vitória um vestido de ramagens vermelhas e sapatos de salto alto. Mas chegam ao rio seco e depressa se descalçam para melhor poderem chegar à cidade. A cachorra Baleia seguiu com eles. Chegaram e entraram na igreja, os meninos ficam admirados com os santinhos dos altares. Fabiano não gostou de se ver apertado no meio de tanta gente, que olhava como sua inimiga. Não ousou fazer nada, lembrou-se da surra que levara na noite passada na cadeia. Não ia assistir à novena porque a camisa deixava ver os pelos do peito e era um desrespeito. Ao comparar-se às pessoas da cidade, Fabiano considerava-se inferior. Convidou a mulher e os filhos para os cavalinhos e bebeu uma cachaça. A partir dali sentiu-se mais animado. Como se julgasse injuriado pelo povo desafiou alguém a dizer que ele era feio. Sinhá Vitória teve uma necessidade fisiológica e não encontrou melhor sítio que as traseiras das barracas. Perderam a cachorra Baleia, que depois os localizou. Os meninos estavam maravilhados por verem à sua volta tantas coisas bonitas, que nem sabiam os nomes. Como podiam as pessoas arranjar nomes para tantas coisas! Livres dos nomes as coisas ficavam distantes e misteriosas. Começaram a falar mais baixo para não desencadear forças adversas. Pararam num sítio, sinhá Vitória ficou a olhar a casa de seu Tomás da bolandeira com uma cama de verdade, enquanto o marido dormia de barriga para o ar.  

Capítulo 9, Baleia: A cachorra dava um pouco de alegria àquela casa. Mas estava a morrer, muito magra, com várias doenças – era uma dor de alma vê-la. Fabiano pensou que ela estivesse com hidrofobia e amarrou-lhe um rosário de sabugos de milho ao pescoço. Mas ela estava cada vez pior, coçava-se nas estacas, babava-se, era pasto das moscas. Então ele resolveu matá-la. Foi buscar a espingarda de pederneira. Procurou uma posição em que lhe pudesse acertar, mas fê-lo com tanto azar que só lhe acertou nos quartos traseiros. Ela ficou a mancar e fugiu dali a ladrar desesperadamente. Sinhá Vitória procurou esconder isto dos filhos, mas respeitava a decisão do marido. A cachorra ainda tentou correr para debaixo de uma juazeiros, arrastando-se apenas com as pernas da frente, onde havia terra e se costumava esponjar. Parou finalmente exausta antes do destino. Não compreendia aquela atitude do dono. O que lhe estaria acontecendo? Notou a presença de animais à sua volta. Uma angústia a despertou, ela precisava de vigiar as cabras, e estava ali sem se poder mexer. Sentia-se cada vez mais fraca, respirava com dificuldade. Queria dormir e acordar feliz a lamber as mãos ao dono, Fabiano, a afagar sinhá Vitória e a brincar com os meninos. E lá se finou. Ela pensava e sentia como as demais criaturas de Deus.

Capítulo10, Contas: Fabiano recebia uma quarta parte da receita dos bezerros e uma terça das cabras. Depois de fazer as contas com sinhá Vitória foi à cidade receber o que lhe era devido, pois não vivia do ar, precisava de dinheiro. Porém, o patrão, que o sabia analfabeto, prejudicou-o nos cálculos, dando-lhe menos do que ele esperava. Queixou-se de um modo bruto daquela diferença, e ele atribuiu-a aos juros. Desgostoso com aquele protesto veemente, achou que Fabiano devia procurar serviço noutra fazenda. Fabiano estava numa situação de inferioridade, e acabou por lhe pedir desculpa  ele ainda sabia guardar respeito aos homens, aquele seu resmungo devia-se provavelmente à ignorância da mulher. Parou mais à frente a contar o dinheiro e achou que tinha sido roubado, a mulher era esperta, não se tinha enganado. Tomava conta do gado quase de graça e ainda lhe vinha com os juros. Ladroeira! Recordara-se como já tinha sido roubado pelo operador da prefeitura quando fora vender carne de porco à cidade. A pagar aqueles impostos não compensava criar porcos para venda. Estava a ter dificuldade em aceitar aquela triste sina de os pobres trabalharem para os ricos, como o fizeram o seu pai e o seu avô. A sua vida não tinha futuro – a matar-se de trabalho e morar numa casa alheia enquanto o deixassem. Acendeu um cigarro, não se recordava de factos agradáveis na sua vida. Levantou a cabeça e viu as estrelas lá em cima. Depois pensou na mulher, nos filhos e na cachorra morta. Pobre Baleia. Era como se tivesse matado uma pessoa da família.

Capítulo 11, Soldado Amarelo: Fabiano sai da fazenda para ver onde andaria o gado, seguiu a direção que a égua tinha tomado. Mas havia por ali muita vegetação já grossa, e para conseguir andar mais depressa teve de cortar as quipás e as palmeiras que se punham à frente. Teve a noção que fizera ali alguns estragos, algo lhe pesava na consciência, quando lhe aparece o soldado amarelo. Os dois confrontaram-se com o olhar. Fabiano lembrou-se do que passara com ele na cidade, da surra que levara na cadeira, pensou mesmo em atacá-lo se ele o viesse prender. Mas ponderou, e achou que não estava nele matar um cristão. Meteu o facão na bainha, mas ainda não sabia como iria reagir se o viesse embaraçar. Ele pertencia à cambada dos safados, era um homem que ganhava dinheiro a maltratar as criaturas indefesas. Foram momentos de muita tensão, aqueles que os dois enfrentaram, um à frente do outro. Fabiano imaginou-o morto, a arrastá-lo para dentro da catinga para ser devorado pelos urubus. Achou melhor afastar-se do sítio, e o soldado vendo-o acanhado, ganhou coragem e avançou para ele a perguntar-lhe o caminho. Governo era governo. Fabiano tirou o chapéu de couro, curvou-se e indicou o caminho ao soldado amarelo.  

Capítulo 12, O Mundo Coberto de Penas: O bebedouro da fazenda cobria-se de arribações. A chuva que caíra no inverno não fora suficiente. As aves vinham aos bandos. Era mau sinal, provavelmente o sertão ia pegar fogo. O casal antevia grandes desgraças, o sol chupava os poços, aquelas aves levavam os restos da água que o gado carecia para beber, e começou a morrer de sede. As aves cobriam de penas o mulungu, arbustos a que devoraram as folhas e as flores. Fabiano veio à fazenda buscar a espingarda e foi lá tentar afastá-las. Fez uns disparos, matou umas seis, mas depressa os arbustos se cobriram de mais penas. Fez um novo tiro, nova queda de aves, tinha ali muito que comer, mas elas voltavam a cobrir os arbustos, era inútil este processo para as afastar dali. Ficou desanimado. Lembrou-se do patrão que o roubava, do soldado amarelo que o oprimia, e agora vinha mais aquela infelicidade da seca. Continuou a atirar às aves, iam ser salgadas. Tentou animar-se, talvez a seca não viesse. Pegou na caça e desceu a ribanceira, se a Baleia estivesse viva ia regalar-se. Matara-a forçado por causa da moléstia, a cólera podia pegar-se aos meninos. Chegou a casa já a escurecer, a pensar na maldição do lugar, por onde a alma da Baleia andaria. Mas esmorecera, era desgraça sobre desgraça, teria de abandonar o local. Ia consultar sinhá Vitória e pensar na viagem, ela pensaria como ele. 

Capítulo 13, A Fuga: A vida na fazendo tornou-se cada vez mais difícil. O Sol esturricava o chão, os ventos trituravam as folhas secas da vegetação, que estiolava de secura. Deixaram de aparecer arribações no céu azul. Pouco a pouco os bichos da fazenda foram morrendo, devorados pelo carrapato. Sinhá Vitória fartava-se de rezar, mas as coisas não melhoravam. Fabiano ainda esperava um milagre, que não aconteceu. Não tiveram remédio senão partir. Matou um bezerro de que aproveitou as carnes para salgar e levar na viagem. Saíram de madrugada, deixando as coisas ao abandono. Sinhá Vitória levava à cabeça um baú de folha pintado, e os dois meninos pequenas trouxas de roupa. Fabiano com o aió a tiracolo, levava a espingarda e o facão. Seguiram ainda a ruminar no que deixaram para trás, mas estavam mais velhos, iam cansados. Todavia, ainda havia neles uma réstia de esperança. Veio-lhes a fome e foram sentar-se sob uns garranchos de uma quixabeira. Comeram o que havia: punhados de farinha e pedaços de carne. Beberam uns goles de água. Fabiano tentou deslumbrar por ali perto um bebedouro, sinhá Vitória deu-lhe ânimo para o encontrar, mas ele não via aonde. Os meninos adormeceram. Viram então ao longe os urubus à volta de um cavalo agonizante. E aconteceu o impensável, os urubus a seguir começaram a volteá-los de cada vez mais perto. Sinhá Vitória teve de pôr um chapéu na cabeça dos meninos e sair dali. Caminharam na esperança de encontrar um bebedouro, imaginando um destino melhor para a família. Cultivariam um pedaço de terra e depois mudar-se-iam para a cidade. Seguiram naquela toada, alimentados por sonhos. O sertão se esvaziaria, ficaria deserto, repelindo para a cidade homens fortes e brutos como eles.  



Paisagem caraterística do Nordeste Brasileiro mais agreste (por deferência do Google)

c.       Comentário Geral:

O romance Vidas Secas, não sendo muito volumoso, deixou uma marca indelével na Literatura Brasileira. A sua importância reside em ser uma das fontes do movimento modernista brasileiro, do realismo social e do regionalismo, em que os escritores brasileiros começaram a libertar-se da influência estrangeira. Aqui, Graciliano Ramos volta-se para a cultura do Nordeste, retratando sem floreios desnecessários a vida, os costumes e a linguagem simples do seu povo. Está mais preocupado em nos reproduzir a sua história, mostrando-noso drama de um povo pobre e inculto, acossado pela seca e pela exploração, que em se esmerar na riqueza literária. Usa palavras do Português antigo, e as próprias da região, ricas de significado. Citamos aqui algumas para facilitar a leitura do livro: aió é bolsa de caça; alpercata é sapatilha; bambo, lasso; brabo, bravo; brim, tecido tipo sarja; caritó, nicho da casa; catinga, o bioma, o tipo de vegetação do Nordeste; cocorote era o mesmo que cascudo, tabefe; jatobá e juazeiro, árvores ou arbustos da região; mormaço, tempo quente; mofino, triste, desagradável; preás, tipo de roedores; pirralho, criança, pequenote; querosene, uma cachaça vendida no Nordeste.

O livro deu origem a um filme com o mesmo nome, dirigido por Nelson Pereira dos Santos. A dureza do clima do Nordeste, quente e seco, traz à paisagem uma aridez própria das fraldas dos desertos, tornando nalguns locais a vida das pessoas muito difícil, quase impossível. Graciliano Ramos conhecia bem esta região, pois nasceu e viveu ali muito tempo. Narra a vida de uma família pobre, que, face às secas endémicas na região é obrigada a deambular de fazenda em fazenda à procura de trabalho. Se o meio ambiente é hostil, as pessoas que o habitam tendem a encoiraçar-se psiquicamente, voltando-se mais para si, são menos sensíveis à desgraça alheia, e por vezes cruéis. O autor, que sentiu bem na pele o desamparo daquele povo, denuncia no livro o estilo opressivo das autoridades locais face aos desfavorecidos, e a voracidade exploratória dos fazendeiros, que se aproveitavam da sua situação de miséria. Um tal sistema era propício a fomentar vagas de retirantes em direção às cidades. Eles viviam desintegrados do meio social, eram passivos, sem consciência de classe.

A linguagem desta obra é simples e austera, como o eram a paisagem e os seus habitantes. O autor, talvez por as (os) personagens serem analfabetas e rudes, não terem traquejo para se expressar adequadamente e descrever as suas emoções, recorre a uma narrativa preferencialmente na terceira pessoa. É curioso que durante todo o livro, as personagens raramente se atrevem a fazer um diálogo, limitando-se a pequenas interjeições para manifestar a sua revolta contra a adversidade. A aspereza da paisagem, abrasadora e estéril, que o autor tenta reproduzir, como que expressa a frieza e severidade das pessoas. O mesmo se poderá dizer quanto ao seu inverso. Ele economiza nos adjetivos e nas palavras eruditas. Estávamos em 1938, o tempo ali é inclemente, e como persegue as pessoas, é mais psicológico que cronológico, e nem sempre linear. O espaço, embora não bem localizado, é caraterístico do Nordeste do Brasil.   

Vidas Secas é um romance original, não só quanto ao modo como o autor analisa o tema, retratando de forma universal a luta do ser humano pela sobrevivência, como também pela linguagem que utiliza, concisa e vernácula, evitando como se disse os diálogos, como forma de tornear o vocabulário reduzido das pessoas mais humildes. Ele descreve com objetividade a subjetividade das personagens, que estende aos animais domésticos, ali providos de alma. Põe em destaque a pobreza, a ignorância, a fome e a exploração económica. No livro torna-se evidente como a opressão e a angústia podem isolar as pessoas, petrificando-lhes a sensibilidade, minguando-lhes a identidade. Há aqui e ali uma crítica velada aos políticos. Põe a nu o modo de produção antigo, desigualitário e injusto, ainda de matriz colonial. Por tudo isto o livro de Graciliano Ramos é considerado uma obra-prima com um lugar proeminente na literatura brasileira e reconhecimento mundial.


        Martz Inura
        04/02/2024



segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

MORRIS WEST


 


MORRIS WEST

O Advogado do Diabo
Tradução de Maria Luísa Santos 
Edição do Círculo de Leitores (1992)

 

 O HOMEM

            Morris Langlo West nasceu em 26 de abril de 1916 em St Kilda, Victoria, Austrália. Era o mais velho de seis irmãos. Viveu algum tempo com um avô e depois frequentou um colégio religioso em Sydney. Aos 14 anos entrou para o Colégio de S. Patrício, onde prosseguiu os seus estudos como seminarista, um pouco para fugir à miséria. Em 1834 começou a lecionar ema escolas primárias da Tasmânia e Nova Gales do Sul, onde prosseguiria os seus estudos superiores na Universidade da Tasmânia. Em 1940 abandonou a ordem dos Irmãos Cristãos, lecionou e foi vendedor. Em 1941, alistou-se na força aérea australiana, onde atingiu o posto de tenente, sendo especializado em criptografia. É notável que ainda seguindo a carreira militar lançou em 1945 Moon in My Pocket, usando o pseudônimo de "Julian Morris", vendendo 10.000 exemplares. Este sucesso seria prenúncio do que ia ser a sua carreira de escritor.

            Acabada a guerra trabalhou com agente de publicidade e produtor de rádio. A seguir criou a sua própria empresa radiofónica, emitindo peças e séries de rádio, que tiveram algum êxito, porém, sujeito a um intenso trabalho e grandes preocupações acabou por ter um colapso nervoso. O seu casamento entrou em crise. Divorciou-se de Elisabeth Harvey, de quem teve dois filhos, e casou com Joyce (Joy) Lawford, de quem teve quatro. O primeiro casamento trouxe-lhe alguns problemas com a Igreja Católica, ao ficar fora da comunhão. Vendeu a sua empresa e dedicou-se à escrita, onde obteve grande sucessos, prémios e honrarias importantes.

Em 1957 vem para a Europa, para a Itália, mas visita e vive em vários países, incluindo os Estados Unidos, só regressando à Austrália em 1982. Alcançou os píncaros da fama com As Sandálias do Pescador e O Advogado do Diabo. Foi nomeado Membro da Ordem das Honras do Dia da Austrália de 1985, e promovido a Oficial da Ordem nas Honras do Aniversário da Rainha de 1997. Morreu a 9 de outubro de 1999, em Clareville, na Nova Gales do Sul, aos 83 anos. Recebeu, entre outros prémios, o James Tait Black Memorial de 1959, por mérito de O Advogado do Diabo. Ainda na década 60 ajudou a fundar a Sociedade Australiana de Autores. Teve uma vida muito preenchida cultural e socialmente.

 

 A OBRA

            A obra de Morris West é muito extensa, incluindo desde séries radiofónicas a peças de teatro, desde obras de intervenção ou não ficção a romances. Três dos seus romances foram adaptados ao cinema e traduzidas em mais de 30 línguas, tendo atingido mais de 60 milhões de exemplares vendidos. Deve perceber-se que ele escrevia para três continentes: para a Oceânia, como natural da Austrália; para Europa, sobretudo na Grã-Bretanha, como escritor de íngua inglesa; e para a América. Alguns dos seus livros foram adaptados ao cinema, como The Crooked Road (1965), estrelado por Robert Ryan; As Sandálias do Pescador (1968), estrelado por Anthony Quinn; O Advogado do Diabo (1977), estrelado por John Mills. A Salamandra (1981); The Second Victory (1986); e Cassidy (1989). Citam-se aqui alguns dos seus romances, na sua maioria publicados em Língua Portuguesa. (Neste rol, os títulos do Brasil estão em primeiro lugar):


 Moon in My Pocket (1945, usando o pseudônimo "Julian Morris")
– Forca na Areia (O Tesouro) (Gallows on the Sand) (1956)
– Kundu (1956)
– A Grande História (1957) The Crooked Road
– Os Filhos das Trevas (Os Filhos do Sol) (1957)
– A Segunda Vitória (A Estrada Sinuosa) (1958) Backlash
– McCreary Moves In (1958, usando o pseudônimo "Michael East"
– O Advogado do Diabo (1959)
– The Naked Country (1960, usando o pseudônimo "Michael East")
– A Filha do Silêncio (1961)
– As Sandálias do Pescador (1963)
– O Embaixador (1965)
– A Torre de Babel (1968)
– O Herege (1969)
– Verão do Lobo Vermelho (1971)
– A Salamandra (1973)
– Arlequim (O Duelo da Morte) (1974)
– O Navegante (1976)
– Proteu (1979)
– Os Palhaços de Deus (1981)
– O Mundo é Feito de Vidro (1983)
– O Preço da Honra (Cassidy) (1986)
– Fora de Série (Golpe de Mestre) (1988)
– O Milagre de Lázaro (Lázaro) (1990)
– O Mestre de Cerimônias (1991)
– Os Amantes (1993)
– Ponto de Fuga (O Ponto de Viragem) (1996)
– Do Alto da Montanha (Uma Visão Sublime) (1997)
– A Eminência (Eminência) (1998)
– A Última Confissão (2000, publicado postumamente)

 

 


O ROMANCE: O Advogado do Diabo

a.      Personagens

        – Blaise Meredith: Sacerdote inglês, culto e meticuloso, que viveu grande parte do seu sacerdócio em Roma e é nomeado pelo cardeal Eugenio Marotta para advogado do diabo, no caso da pretensa beatificação de Giacomo Nerone. É um homem de fé, talvez desprovido de caridade, mas consciente dos seus deveres, iniciando as suas aturadas investigações em Gemello, onde despoletou o caso. Por estar presente em quase todo o trama é a personagem principal do romance. Sofre de uma doença terminal.

  – Giacomo Nerone: Um homem que apareceu subitamente em Gemello com uma bala numa omoplata. É recolhido na cabana de Nina Sanduzzi, uma jovem viúva, que chama o Dr. Meyer para o tratar. Depois de curado fica ali a viver. A Condessa Anne Louise de Sanctis dá-lhe uma ocupação em sua casa com o administrador. Vive maritalmente com a viúva, que lhe dá um filho, Paolo. Mas tarde sabe-se que é um desertor do exército inglês com a patente de oficial. Depois da sua morte, por fuzilamento, à mão dos guerrilheiros, tendo uma vida marcada pela retidão e generosidade é tido ali como santo.

  – Dr. Aldo Meyer: Médico de origem judaica, talvez refugiado, que se acolhe a Gemello Maggiore. Acredita mais nos homens que em Deus, é um humanista liberal. Foi ele que tratou de Giacomo Nerone, quando este apareceu ali com uma bala alojada numa omoplata. Bem relacionado com a população, chegou a seduzir-se por Nina Sanduzzi, de quem tinha ciúmes por se ter ligado àquele.

  – Nicholas Black: Um inglês com pretensões a pintor, que a Condessa de Sanctis acolhe em sua casa. É homossexual, e prende-se de atenções para o jovem Paolo Sanduzzi. Ele vai servir-lhe de modelo para pintar um quadro. Sente-se rejeitado pela sociedade e mais tarde, depois de uma discussão com Blaise Meredith, corta o quadro que estava a pintar em tiras e enforca-se numa oliveira.

  – Bispo Aurélio: Bispo de Valenta, que quer saber se tem um servo de Deus na sua diocese, o que traria grandes vantagens àquele pobre povo do Sul da Itália. Tem dificuldade em afastar o padre Anselmo da sua diocese, embora tenha recebido ali queixas de ele ter uma viúva a viver em sua casa. Apoia Meredith nas suas investigações como advogado do diabo.

  – Cardeal Eugenio Marotta: Arcebispo de Acropolis, perfeito da Sagrada Congregação dos Ritos e senhor de muitos outros títulos. Pretende reunir dados sobre a apregoada santidade de Giacomo Nerone, e, como tal, envia o padre Blaise Meredith a Gemello Maggiore esclarecer o caso.

  – Nina Sanduzzi: Jovem viúva, amante de Giacomo Nerone, de quem teve um filho, Paolo. O Dr. Meyer chegou a andar apaixonado por ela e tinha ciúmes de Nerone. É uma mulher ainda jovem e atraente, por quem muitos homens se deixaram enfeitiçar, e a quem o povo chama prostituta.

  – Paolo Sanduzzi: Filho de Nina e de Nerone, questiona-se por ser filho de um santo e de uma prostituta. É disputado por Black e pela Condessa, que lhe dá emprego em sua casa como ajudante de jardineiro. É namorado de Roseta.

– Roseta: Pretensa namorada do jovem Paolo Sanduzzi. A mãe deste simpatiza com esta relação, que o afastava de Nicholas Black.  

 – Il Lupo: Chefe dos guerrilheiros, que vive com o seu bando mas montanhas. É comunista e apoiante dos Aliados. Mais tarde vai mandar fuzilar Giacomo Nerone como traidor à causa dos Aliados, embora lhe desse a oportunidade de fugir.

 


A Condessa de Sanctis recebe na sua mansão o padre Meredith. Estão presentes o Dr. Meyer e Nicholas Black.
Filme de 1977, Des Teufel Advokat, dirigido por Guy Green, com John Mills, Stephane Audran, Jason Miller e Paola Pitagora

b.      Breve Resumo

Em Gemello Maggiore, pequena localidade da Calábria, no Sul da Itália, há falatórios sobre a santidade de Giacomo Nerone, personagem sobre quem se sabe pouco da sua origem. O bispo de Valenta, Aurelio, quer ver esclarecido estes ditos e diligencia para que o caso seja investigado. O cardeal Eugenio Marotta envia com esta missão Blaise Meredith, um padre inglês que passou a maior parte da sua vida sacerdotal em Roma. É um homem reservado, afastado das paixões humanas, mas rigoroso nas suas análises. Está doente, mas disposto a cumprir este último encargo. Apanha o comboio para a Calábria, onde é recebido pelo bispo Aurelio, com quem troca impressões sobre o caso.

Em Gemello Maggiore corre a notícia de que tinha chegado ali um eclesiástico romano investigar a santidade de Giacomo Nerone. O Dr. Meyer, médico judeu na localidade é uma das pessoas ali mais influentes a receber a notícia. Mas há outras personagens importantes com quem vai interferir, como a Condessa Anne Louise de Sanctis, de origem inglesa, que alberga em casa o pintor, também de origem inglesa, Nicholas Black. Está a pintar num quadro, servindo-se como modelo de Paolo, filho de Nina Sanduzzi e de Giacomo Nerone. Para ela, na sua ideia e pela análise dos factos ele é mesmo santo. Está enterrado na Gruta de Fauno, onde acenderam dezenas de velas, e é já venerado por algum povo. Nicholas Black é homossexual e atraído por Paolo, que namora Roseta.

O bispo Aurelio escreve cartas às pessoas influentes da terra para apoiar Meredith. A Condessa de Sanctis recebe uma dessas cartas e é convidada a aceitá-lo na sua casa. Está a ser massajada por Black e pede-lhe para ele a apoiar na receção do enviado do bispo, prometendo apoiá-lo da sua relação com Paolo. Meredith vai acoitar-se na casa da Condessa, marcando-se um jantar de boas vindas. Ele quer informar-se sobre Nerone, mas todos parecem esconder-lhe qualquer coisa. Durante o jantar, o padre Anselmo, não muito bem visto na terra por viver com a viúva Rosa Benzoni, bebeu demais e começou a falar do caso, o que parece atemorizar os demais convidados, que dizem que ele está bêbado e o conduzem a casa.

Blaise Meredith Começa a coligir informações. Em 1943, em plena Segunda Guerra Mundial, foi ali fuzilado Giacomo Nerone, por Il Lupo, chefe dos guerrilheiros comunistas que ocupavam as montanhas, inimigo dos alemães e apoiante dos Aliados, imaginando tomar o poder em Itália, uma vez terminada a guerra. Entretanto, a Condessa que ainda tinha uns restos de juventude, muda de ideias e resolve atrair Paolo para si, levando-o com Zita e Pietro para uma casa que tem em Roma a pretexto de lhe dar uma melhor educação. Meredith não gosta do assédio de Black a Paolo e vai ter uma conversa com ele ao quarto. Black não gostou de ver todo o mundo voltado contra si, e ficou a remoer o facto.

Blaise Meredith vai obter informações do padre Anselmo, que é parco em palavras. Já o Dr. Meyer é mais expansivo. Diz-lhe que lhe pediram para ir tratar de Nerone a Casa de Nina, que então trabalhava para um tal Enzo Benzoni. Retirou-lhe uma bala implantada numa omoplata. Nerone melhorou e foi trabalhar como administrador da Condessa. Da sua relação com Nina nasceu um filho, Paolo. Trata-se, porventura, de um oficial inglês, desertor. Na primavera, receando a movimentação de tropas, fugiu para a Gruta de Fauno, nas montanhas, onde trabalha e socorre a população faminta. Pede a compreensão de Nina. Ele desertara porque não suportar ter matado um casal e um filho bebé, quando pedira a quem estava lá dentro para sair. Como ninguém lhe respondeu, pensando tratar-se de uma patrulha inimiga, lançou para lá uma granada. Aquela guerra tinha perdido todo o sentido para ele.

O eclesiástico inglês vai colher a seguir informações de Nina Sanduzzi à sua cabana, quer esclarecer a sua relação com Nerone, saber porque não casaram e ele foi para as montanhas. Ela disse que quando chegou a primavera, com a chegada dos alemães ele tivera de fugir, por ser inglês. Ela tinha tido recentemente um filho, Paolo, que nascera cego devido à rubéola, mas Giacomo garantira-lhe que ele três semanas depois recuperaria a visão. Meredith lê as cartas de Nerone, que Meyer lhe dera, e confirma que ele fugira dali porque podia ser preso pelos alemães por ser um oficial inglês, ou pelos Aliados, por ser um desertor do exército inglês. Pede mesmo ajuda a Meyer para o filho, no caso de ter algum fracasso. Não sai dali da zona e acaba por ser preso por Il Lupo e fuzilado como traidor da causa dos Aliados. Meredith verifica que Giacomo é um homem de Deus, e disso dá conta numa carta ao bispo Aurelio.


Paolo Sanduzzi depois de sondado pela Condessa para ir para Roma vai pedir autorização à mãe, que ela lhe nega. Ele não aceita esta proibição, faltando-lhe ao respeito, ao recusar ser filho de um santo e de uma prostituta, e vai para casa da Condessa. Entretanto, Meredith sobe ao quarto de Black e dá com o quadro que ele estava a pintar cortado às tiras. Algo de grave acontecera. Vão à sua procura lá fora e dão com ele enforcado numa oliveira. O caso foi muito sentido e fazem-lhe um funeral cristão. A Condessa já não saiu para Roma, e Meredith morre quase a seguir. Os seus relatórios iriam parar à Sagrada Congregação dos Ritos, onde numa segunda-feira seguinte os seus membros se reuniriam para decidirem quanto à beatificação ou canonização dos servos de Deus.  

 

Uma cena do mesmo filme de Guy Green com a receção de Nina Sanduzzi a Giacomo Nerone

 

c.       Comentário Geral

 O “Advogado do Diabo” na Igreja Católica é o chamado promotor da fé, aquele a quem compete questionar ou averiguar a fraqueza de provas para a beatificação ou canonização de um santo. Morris West foi buscar aqui o título para este romance, mas enriqueceu a narrativa deslocando-a para o seio de uma comunidade remota e pobre do Sul da Itália, num período conturbado da História, em que prosperava o ateísmo e a religião revelava alguns fracassos. Está escrito com grande fluência e riqueza de pormenores, vencendo prémios literários importantes. A sua adaptação ao cinema, com um filme curiosamente lançado na então, Alemanha Ocidental, deu-lhe grande notoriedade. O livro é considerado um clássico da literatura australiana.

 Sob o ponto de vista moral, este livro destaca o facto de alguns sacerdotes sem esposa e filhos, afastados do seio do povo, se tornarem por vezes um tanto egocêntricos e esquisitos, desvio recentemente reconhecido pelo Papa Francisco. Destaca o aspeto de Nicholas Black ser homossexual, personagem que se justifica num diálogo dizendo que nascera atraído por homens, não por mulheres, não pedira para nascer como era, e só Deus sabia o que tinha sofrido por causa disso. Mas fora Deus que o criara assim, e o desejo dele era viver de acordo com a natureza que Ele lhe dera. Ora a apresentação assim desta questão, escrita em 1959, retrógrada, representa um enorme avanço na análise da homossexualidade para a sua época.

 Há quem não aprecie muito este romance por não se identificar com os ideais do autor, ou por o livro poder não ter ido mais longe na análise do aspeto político, religioso e social do caso. Algumas vezes o autor recorre à redação de cartas ou exposição de documentos para desenvolver o trama, simplificando a narrativa, que podia ser mais aprofundada e absorvente ao ser descrita, e, ao fim, ao não revelar a decisão do Vaticano sobre a pretensa santidade de Giacomo Nerone produz um anticlímax que frusta as expectativas do leitor. Por outro lado, Meredith morre logo de seguida, quando se esperaria que, por qualquer milagre recuperasse a sua saúde, como pedira o bispo Aurélio, dando um sinal da santidade de Nerone. Contudo, mesmo aceitando estas críticas, ainda fica muito mérito a dar este romance.

Morris West sabe bem do que fala, foi seminarista católico durante muitos anos, e agora leigo, continuava tocado pela mesma fé. Com As Sandálias do Pescador ele como previu a vinda de um Papa de Leste, dando vislumbres de um outro voltado para os pobres. Não tendo acertado quanto à pobreza da China, que economicamente é hoje progressiva, fez ressaltar a expansão inexorável do cristianismo naquele país, que, neste momento, com as Novas Tecnologias de Informação se vai propagando. Devemos ter em atenção que no Império Romano, mesmo vindo para Roma alguns dos seus primeiros apóstolos, o cristianismo demorou 280 anos a ser autorizado e reconhecido como religião, facto que só aconteceu em 313 d. C. com o imperador Constantino, através do Édito de Milão, estimando-se que já fosse seguido por uma população considerável, porém, minoritária, só se ampliando por volta de 380 d. C. com Teodósio I, quando terá passado a religião oficial.

Advogado do Diabo é um romance que analisa o processo de atribuição da santidade a um membro da Igreja Católica em plena Segunda Guerra Mundial, um tempo ínvio de morte e violência, propício a fomentar a religiosidade entre o povo. O autor vai fazer aqui uma narrativa abrangente, mostrando-nos como coexiste na sociedade o sagrado e o profano. Para ele há muito de política na Igreja, tudo é política, fazendo uma velada crítica às instituições ligadas à religião e ao poder. Um padre mesmo seguindo caminhos impérvios pode ser um instrumento da divina graça, é ténue a fronteira entre um pecador e um santo, entre os cristãos há sempre lugar ao arrependimento e ao perdão de Deus. Este livro é um protesto contra a guerra, equaciona conflitos morais e éticos existentes na sociedade, induz à procura da verdade e à tolerância. Trata-se de um excelente romance.  


     22/01/2024
     Martz Inura


 

 


quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

STEPHEN KING

 


STEPHEN KING
The Shining
Tradução: Maria Filomena Duarte
BERTRAND EDITORA 2021

O HOMEM

            Stephen Edwin King é um escritor, roteirista e contista norte-americano, nascido em Portland, em 21 de setembro de 1947. A sua mãe chegou a trabalhar num instituto psiquiátrico como cuidadora, e o pai, que era marinheiro, um dua desapareceu, ficando ela a tomar conta da família. Este facto terá pesado no seu psiquismo. Tinha mais um irmão e viveram em vários Estados até voltarem ao Maine em 1958.

Passando por muitas dificuldades, King rapidamente se tornou adulto, aos 11 anos escrevia num jornal escolar. Já a frequentar o liceu, publicou com o seu maior amigo Chris Chester 18 contos. Usa já títulos muito sugestivos, dando uma imagem daquilo que viria a ser com o: O Hotel no outro lado da EstradaA Coisa no Fundo do PoçoA Expedição Amaldiçoada ou O Outro Lado do Nevoeiro. Mais tarde publicou um livro em duas partes, The Stars Invaders, e colaborou numa revista.

Em 1966 acabou o ensino liceal, e, através de uma bolsa entrou para a universidade. Apesar da sua facilidade em escrever, os seus interesses dispersavam-se por diversos assuntos, era um aluno médio. Ainda muito jovem escreveu o seu primeiro romance, The Long Walk”, em que depositou grandes esperanças, mas o livro foi rejeitado pelo editor. Em 1970 concluiu o curso universitário para ensinar no ensino médio. Porém, não arranjou logo colocação e chegou a trabalhar numa bomba de gasolina.

Em 1971 casou-se com Tabitha Jane Spruce e entrou como professor no ensino na Hampden Academy. O casal mudou-se então para a cidade de Hermon no Estado Nova Iorque. Ainda no ensino começou a trabalhar num conto a que chamou Caritta White, mas aborreceu-se do livro, que lhe pareceu desinteressante, indigno do seu estatuto, e deitou as folhas ao lixo. Porém, a esposa leu a história, achou-a interessante e pediu-lhe para ele o continuar.

Em 1973 ele dava-a por concluída com o nome de Carrie. Recebeu adiantados 2.500 dólares, e posteriormente mais 200.000, estava lançado na vida literária, isto permitia-lhe sair do ensino. Contudo, seria a partir da adaptação de alguns das suas obras ao cinema que ganharia mais projeção. A partir daqui afirma-se como escritor e guionista. Depois de tantos êxitos literários continua a viver naquela cidade, escrevendo fora de casa.

Em 1999 sofreu um grave acidente. Foi atropelado quando seguia a pé numa estrada por uma carrinha ou van. Chegou a recear-se o pior, ele sofreu perfuração num pulmão, partiu algumas costelas, fraturou uma perna e a anca. Como um herói saído dos seus romances, milagrosamente, depois de várias operações, ao fim de três semanas tinha alta do hospital e regressava a casa para continuar a trabalhar.

            É considerado um mestre dos livros de terror, um tema que não tem muitos criadores, que ele trata magistralmente. Algumas das suas obras passaram a filme ou foram adaptadas à televisão, dando uma grande notoriedade aos seus romances. Recebeu, entre outros, em 2004 o World Fantasy Award, em 2007, o Mystery Writers of America, e em 2015 a Medalha Nacional das Artes do National Endowment for the Arts. O seu âxito literário tem-lhe permitido obter grandes recursos, com os quais tem subsidiado instituições de caridade e de interesse cultural. A esposa Tabitha também escreve e partilha com ele três filhos (dois filhos e uma filha).  


 

A OBRA

             A sua obra é vasta, abrange a ficção sobrenatural e científica e obras de suspense e terror próximas do género policial. Ele já escreveu mais de sessenta romances explorando os temas atrás referidos, para além de centenas de contos, livros e fantasia, ou mesmo obras fora da ficção. Já vendeu mais 400 milhões de exemplares de livros, foi traduzido em mais de quarenta países e adaptado ao cinema e à televisão. A lista completa consta nalgumas das suas biografias e na Wikipédia. Vamos citar aqui só alguns, os mais significativos que os leitores podem começar a ler:

        Carrie (Carrie, a Estranha/Carrie) (1974)
        Salem’s Lot (Salem’/A Hora do Vampiro) (1975)
        – The Shinning (O Iluminado) 1977
        The Stand (A Dança da Morte) (1978)
        The Dad Zone (A Zona Morta/Zona Mortal) (1979)
        The Firestarter (A Incendiária) (1980)
        Cujo (Cujo/Cão Raivoso) (1981)
        Pet Sematary (O Cemiterio de Animais) (1983)
        Doctor Sleep (Dr. Sono) (1983)
        – The Dark Tower Series (A Série da Torre Negra) (1983)
        It (A Coisa) (1986)
        Misery (Angústia) (1987)
        Gerald’s Game (Jogo Perigoso) (1992)
        The Green Mile (À Espera de Um Milagre) (1996)
        Bag of Bones (Saco de Ossos) (1998)
        The Lisey’s Story (A História de Lisey) (2006)
        Duma Key (A Maldição) 2008)
        Under the Dome (Sob a Redoma/A Cúpula) (2009)
        Mr. Mercedes (O Sr. Mercedes) (2014)
        The Institute (O Instituto) (2019)



a. O ROMANCE The Shining




Personagens Principais

Jack Torrance: Aparentemente é um pai e um marido extremosos, mas com dificuldade em se manifestar. Casou com Wendy e tem um filho de cinco anos, Danny. É alcoólico, o queo torna violento. Dá aulas de literatura de literatura numa escola preparatória, mas um dia agride um aluno. O conselho escolar suspende-o provisoriamente de funções até que se esclareça o caso. Um amigo, como ele, também alcoólatra, arranja-lhe um emprego sazonal como guarda do Hotel Overlook. São-lhes mostradas as instalações, cheias de esquisitices. Mais tarde, nas suas pesquisas pelo hotel encontra um álbum com fotos e recortes de jornal, que dão uma imagem sombria do que fora aquele local durante décadas. Tem mesmo a intenção de escrever um livro sobre o assunto, no que é contrariado pelo gerente do hotel, Stuart Ullman. Ainda vai voltar à bebida, tomando-se dos fantasmas daquele hotel, ficando completamente transtornado. Depois de alguns indícios de violência, tenta matar o filho e a mulher, que lhe consegue escapar com a ajuda de Dick Hallorann. Com a instalação elétrica disfuncional e o elevador a subir e a descer ininterruptamente, a caldeira, a que negligenciara a manutenção, explode e incendeia o hotel, morrendo lá dentro.

Wendy (Winifred Torrance): A esposa de Jack e mãe de Danny. Jack e Wendy conheceram-se na faculdade e ela foi morar com ele depois da mãe a expulsar de casa. Wendy tem uma história difícil com a mãe, que a culpa do divórcio com seu pai. Quando Wendy se casou com Jack não compareceu ao casamento. O primeiro ano de casamento de Jack e Wendy foi o mais feliz, até que Jack começou a beber depois de Danny nascer. A bebida de Jack era uma fonte constante de preocupações para Wendy, que chegou a considerar divorciar-se dele quando, estando bêbado partiu um braço a Danny. E a situação ainda se agravou quando ele agrediu um aluno e foi suspenso da escola em que lecionava. Aceitou, porém, ir com Jack para o Overlook Hotel, onde ele conseguiu um emprego como guarda de inverno. Talvez aquele retiro lhe fizesse bem. As primeiras semanas no hotel são pacíficas. Ainda assim está preocupada com Danny e os seus ataques catatônicos. Quando o fantasma do quarto 217 tenta estrangular Danny, deixando fortes hematomas no seu pescoço, suspeita de Jack. Ela chegou a pensar em levar o seu filho montanha abaixo em segurança, quando fica claro que Jack estava a ficar louco e planeava matá-los. Ao fim conseguiu do hotel com o filho, ajudada por Dick.

 

No filme de Stanley Kubrick de 1980, Jack Nicholson, Shelley Duval e Danny Loyde
Então Jack, Wendy e Danny ainda estavam bem

Danny Torrance: Um menino de cinco anos, filho de Jack e Wendy. Dotado de faculdades paranormais, tem visões aterrorizadoras sobre o hotel, é um vidente. Ama os pais, mas tem uma especial inclinação pelo pai, apesar de este, com a bebida o maltratar. Um mês depois, depois de um período de acalmia entra no quarto 217, apesar de proibido por Dick Hallorann, onde se dá conta que aquele lugar está amaldiçoado. Revela então aos pais as suas qualidades sobrenaturais, que eles interpretam como doença psíquica. Mais tarde um fantasma tenta-o estrangular nesse mesmo quarto. O pai, tomado pela bebida e pelo espírito do hotel torna-se cada vez mais violento. No fim do romance Danny apercebe-se que o pai quer fazer mal à mãe, e pede ajuda a Dick. Há uma cena em que o pai persegue a mãe, e ele vai tentar protegê-la. Avisado pelo seu amigo Tony (ele na idade adulta), verifica que a caldeira do hotel não foi desligada e vai explodir. Tenta sair dali. Ajudado por Dick, com a mãe conseguem os três fugir antes que o hotel se incendeie, deixando lá dentro o pai, que já não era ele próprio, mas o espírito do hotel.

Dick Hallorann: É o chefe de cozinha do hotel, que antes de ele fechar leva o casal Torrance e o filho a darem uma volta pelas instalações. Fala com Danny e confessa-lhe que tem como ele, qualidades telepáticas, e quando quiser pode comunicar-se com ele. Mais tarde, já longe daquele local é contactado por Danny, que lhe conta que o pai, influenciado pelos espíritos maus do hotel constitui um perigo para ele. É então que Dick, no meio de grandes dificuldades volta ao hotel para salvar Danny e a mãe de Jack, e os três se afastam dali depois do hotel se ter incendiado com o pai lá dentro.

Stuart Ullman: O gerente do hotel, um homem gordo e mesquinho, odiado pelo pessoal. Jack Torrance aparece com a família mais cedo do que esperava, encontrando ali ainda muito movimento, sendo mal recebido por aquele, que conhecia o seu passado. Depois de estar a contar o dinheiro das receitas do hotel com o rececionista, dá com Jack uma volta às instalações, mostrando-lhes a suíte presidencial. Antes de sair fica aborrecido por um funcionário ainda estar no átrio do hotel. Ele queria ser o último a sair. É contactado mais tarde por Jack para escrever um livro sobre o hotel, o que o deixa furioso, diligencia mesmo, sem sucesso, para que ele seja afastado daquelas funções.

Horace Derwent: Era o dono do Hotel Overlook em 1945, tendo sido o responsável pela sua restauração. Andou envolvido na morte de um tal Roger num baile de máscaras ali realizado, personagem que ficou a infernizar o local. Não se sabe se estará vivo ou morto. Na mente de Jack talvez seja ele o verdadeiro gerente do hotel ou o próprio diabo em pessoa.

Tony: É um amigo imaginário de Danny. No princípio do livro parece real, mas para o fim desvanece-se, residirá, pois, na mente do menino. É um espírito bonomioso que consegue ver acontecimentos passados e prever os futuros. Tony será portanto uma reconstrução de Danny já adulto, a querer ajudá-lo, é Daniel Anthony Torrance.

George Hatfield: Ex-aluno de Jack, que ao ser excluído de uma sua equipa de debates lhe furou os pneus do carro. Jack bateu-lhe, ferindo-o com gravidade, o que levou o conselho disciplinar da escola a suspendê-lo enquanto se fazia o processo. 


As mesmas personagens do filme quando as coisas começaram a correr mal

 

b.    Breve resumo (vai ser um pouco mais longo do que tencionava para incluir todos os capítulos)


Parte I

            Jack Torrance é professor numa escola de ensino médio na Nova Inglaterra. É casado com Wendy e tem um filho de cinco anos, Danny. É um pai extremoso, mas com a bebida torna-se violento, tendo partido um braço ao filho quando este lhe mexeu nuns papéis e batido numa criança da sua escola por esta lhe ter furado os pneus do carro. O conselho escolar suspendeu-o de funções até investigar o caso. A esposa chegou a considerar por essa altura o divórcio. Um seu amigo, Al Shockley, alcoólatra em recuperação, arranja-lhe um emprego ocasional como vigilante e zelador no Hotel Overlook, no Colorado, que fechava durante o inverno. Ao chegar lá é entrevistado por Stuart Ulmann, o gerente do hotel, que conhecendo o seu passado, o recebe com frieza. Conta-lhe que o anterior vigilante matara a família no hotel. Watson, o encarregado da manutenção do hotel foi-lhe mostrar a casa das máquinas e advertiu-o para a necessidade de controlar dos níveis de água e o termostato da caldeira, que sendo velha, deixada sem controlo poderia explodir e destruir o hotel.

Jack lembrou-se então de quando fora ao escritório e vira que Danny lhe remexera nas gavetas e lhe batera, a ponto de lhe partir um braço. A mulher teve de o levar ao hospital. Aquilo foi lamentável. Watson continuou o périplo pelo hotel, falando-lhe agora dos seus antigos donos, dos escândalos que ali ocorreram, do seu passado tenebroso. Como Jack se mostrasse admirado, reiterou-lhe que todos os hotéis têm os seus fantasmas.

Danny era um menino dotado de faculdades paranormais – vivia no país das sombras. Tinha um amigo imaginário, a que chamava Toy, que de vez em quando ouvia. Teve por essa altura algumas visões e conseguiu ler a palavra OINÍSSASSA, o contrário de assassínio, cujo significado desconhecia. Jack recorda-se de uma viagem que fizera de carro com o seu amigo dos copos, Al Shockley, e de um acidente que tiveram com um triciclo na estrada, não socorrendo o sinistrado. Normalmente, quando se encontravam corriam os bares todos da cidade. Por aquela altura ainda controlava a bebida. Pediu em casamento Wendy, e mais tarde tiveram o filho. No hotel, Danny acorda com Tony a gritar por si. Vem à janela ver o que é. Não vê nada e regressa à cama, vendo espelhada na escuridão em tons vermelhos a palavra OINÍSSASSA.

 

Parte II

O último dia desta parte será o da viagem para o Overlook. O autor volta para trás no romance. Wendy está preocupada, Jack diz que estava quase a chegar e por fim avistam o hotel, que Tony já tinha prevenido Danny ter ali havido um assassinato. Entram, lá dentro há uma grande azáfama. Stuart Ullmann, o gerente, só se mostrou simpático para Danny. Dick Hallorann, o cozinheiro negro, foi mostrar o hotel a Wendy e ao filho. Detiveram-se na cozinha e na despensa. A eles se junta Jack. Falam dos Watson, antigos donos do hotel. Pouco depois Hallorann vai buscar as malas para as pôr no carro e regressar à Flórida. Segue com Danny, a quem diz que ele tem muito “brilho”, isto é, faculdades de um iluminado. Falam de assuntos como se ele fosse já adulto. O menino confessa-lhe que sonha acordado, quando se depara com Tony. Hallorann pergunta depois aos pais quem é esse Tony, e eles dizem-lhe que é o seu amigo invisível. Numa conversa que Hallorann e Danny têm a sós, o menino confessa-lhe que aquele “brilho” toma às vezes a forma de pesadelo, mas que não quer contar a pai. Hallorann confessa-lhe que o dia em que tivera mais “brilho” fora quando antevira um comboio a descarrilhar, onde ia o seu irmão. Explica-lhe que as pessoas “brilham” por verem as coisas que vão acontecer ou já aconteceram. Os pais vão entretanto dar uma volta pelo hotel. Dick Hallorann termina aquela conversa dizendo a Danny que ali ninguém lhe fará mal, mas se ele tiver algum problema, que chame por ele. Pressupõe-se que os dois possuem qualidades telepáticas.

            O átrio do hotel ficou então quase deserto, para além deles estavam ali apenas o gerente, Stuart Ullman e o rececionista, duas criadas e Watson, encarregado da manutenção. O gerente levou o casal a dar uma volta pelo hotel, fazendo-lhes algumas recomendações. Passaram pelo elevador, que disse ser seguro embora Jack não se mostrasse tão certo disso, pois também diziam o mesmo do Titanic. Danny seguia com ele e viu sangue nas paredes de um daqueles quartos. Não quis alertar os pais, pois eles não podiam ver isto. O senhor Ullmann levou-os depois à suíte presidencial, mostrou-lhe dois quartos, mas não entrou no 217. Já no átrio, Watson despediu-se de Ulmann até ao dia doze de maio, quando entraria a época alta. Watson, cujos antepassados chegaram ser donos do hotel, seguiu depois com o seu carro pela estrada fora. Danny sentiu-se então muito só. Estavam os quatro debaixo do coberto em frente do hotel. Ullman perguntou se Jack já tinha as chaves e estava bem instruído acerca da caldeira, ao que ele deu uma resposta afirmativa, e pouco depois seguiu no seu Lincoln Continental para a Flórida. Ficaria ali apenas a pick-up do hotel e o WW de Jack. Estava frio e entraram para o átrio do hotel, onde havia uma lareira acesa.  

  

Parte III

            O Overlook não era um lugar amigável. Disso se deu conta Jack, quando deu com um ninho de vespas no telhado. Dali a vista era deslumbrante e começou a pensar na peça de teatro que andava a escrever. No dia 20 de outubro foi à cidade fazer as compras de Natal, embora ainda fosse cedo. Volta ao telhado para destruir as vespas, que ainda o voltaram a ferrar. Lembra-se de Al Shokley, como ele alcoólico, e de George Hatfield, seu ex-aluno, que era gago mas se parecia com Robert Bedford. Wendy vai à cidade às compras, e por momentos aquela família é feliz. Jack voltou-se então para os seus livros e para a máquina de escrever. Tinha trazido para ali o ninho de vespas, aparentemente inerte. Entretanto Danny vai à casa de banho e demora-se lá uma eternidade. A mãe estranhou o caso e chama por ele, que não responde. Fica assustada. Vem o pai e ameaça estroncar a porta. Por fim o miúdo abre a porta e diz ter estado a falar com Tony, tendo visto por lá a palavra OINÍSSASSA. Os pais resolvem então levar o filho ao médico no dia seguinte. Mas estão no quarto e o miúdo e a mulher são picados por vespas. Ora ela era alérgica e o filho também podia ser. Começaram a odiar o Overlook. Vão ao médico com Danny. Este pergunta-lhe por Tony, e Danny diz que o vê sempre ao longe, que deve ter pelo menos onze anos. Faz então várias perguntas ao menino e troca impressões com os pais, para ele é normal haver crianças com esquizofrenia.

            No dia primeiro de novembro Wendy sai com o filho passear à volta do hotel. Jack vai à cave fazer o controlo habitual. Dá então com um álbum de recortes relativos ao hotel e uma pilha de livros. Começa a ler e deu-se conta que tinha ali havido um baile de máscaras, onde se falou da Morte Vermelha. Descobriu que aquele hotel tinha sido lugar de crimes hediondos. Houve ali também um suicídio, o de Grady. Pensou então no que lhe disse Watson: todos os hotéis têm os seus fantasmas. No dia seguinte Danny ficou com a mãe, enquanto Jack volta aos seus afazeres. A mãe ficou satisfeita ao ouvir o filho dizer que já não tinha sonhos maus. Voltam ao hotel, e pouco depois Danny ficou só e veio-lhe à ideia ir ao quarto 217, que Hallorann lhe aconselhara a não entrar. Verifica então que todo o ambiente ali lhe é hostil, inclusive uma mangueira, que se mostra com um aspeto ameaçador. Entretanto, Jack telefona a Dick Hallorann a dizer que ia escrever um livro sobre o hotel, o que aquele se opõe ferozmente. Quis mesmo substitui-lo no lugar, só não o conseguindo por Al Stockley ter intervindo a favor dele. Wendy continuava preocupada com a situação do marido. Tinha medo que ele voltasse à bebida, e o mesmo receio tinha Danny, a quem ensombrava a palavra OINÍSSASSA.

Certo dia Wendy vai com o filho à cidade a um parque infantil. Conduzia uma velha carripana do hotel, onde tocavam no rádio os Credence Clearwater Revival, que a mãe pedir para desligar. Danny manifesta-lhe o desejo de saírem do Hotel Overlook, mas ela dissuade-o, pois o pai não podia perder o emprego. Entretanto, na sebe, Jack tentava aparar os animais ali esculpidos a partir de arbustos. Também eles parecem animados de vida. Quando a mulher chega ao coberto do hotel começa a nevar, mas está tudo bem. A seguir Wendy foi tricotear um cachecol para o quarto, Jack vai à cave fazer os seus controlos, onde sente que tudo ali é ameaçador. O filho vai de novo ao quarto 217. Ao tentar abrir a porta ouve repetidamente: CORTEM-LHE A CABEÇA. Entra, e depara-se com um cadáver de mulher na banheira. Tem um rosto arroxeado e um aspeto aterrador. Ele deu um grito e fugiu. Já cá fora, de olhos fechados e punhos cerrados, disse para si mesmo: NÃO HÁ ALI NADA. 

 

Parte IV

            Isolado pela neve no país dos sonhos, Jack à noite tem pesadelos e vê o espetro do pai a afrontá-lo. Grita de aflição, e com isso acorda Wendy, que vem dar com ele no escritório. Vão então ter com o filho, que também está sobressaltado e tentam acalmar. Jack desce a seguir ao rés-do-chão e algo o perturba: vem-lhe à mente vislumbres da Morte Vermelha. O seu passado de bêbado atormenta-o. Danny aparece-lhe a gritar assustado, dizendo que foi ela. Ela quem? Wendy acompanhava-o, e Jack levou o filho para a cozinha para o serenar. Ele viu qualquer coisa na banheira que o perturbou. Jack sai com o argumento de ter de ir trabalhar, e vai ao quarto 217 ver o que se passa. Achou ali o ambiente perturbador, mas a banheira estava vazia. Voltou à cozinha e disse à mulher que não estava lá nada. Vão para o quarto. Jack está a pensar em continuar o seu livro. A mulher mostra-se preocupada com os arranhões que o filho tem no pescoço, desconfia que ele lhe tivesse feito qualquer coisa. O menino parece catatónico, isto é, aparenta ter uma rigidez excessiva.

Jack adormece e tem sonhos tenebrosos com George Hatfield, o seu ex-aluno. Acordou com um grito e foi verificar a caldeira. Passou pela arrecadação e viu a mota de neve. Pairam sobre a sua cabeça ideias tenebrosas. Em 29 de novembro, três dias depois do dia de Ação de Graças, estava bem e andou cá por fora, onde se sentia mais leve, livre de responsabilidades. Danny desceu até ao parque infantil do hotel. Ali sentiu-se vigiado por seres sobrenaturais e teve uma experiência medonha num túnel. Chegou ao coberto do hotel a chorar com um rasgão nas calças. No átrio do hotel, onde ardia uma fogueira, tentam acalmar o filho, que conta parte do que se passou lá em baixo no parque. À noite vão para o quarto e ouvem um barulho estranho. Jack explica que é o elevador, talvez movido por um curto-circuito. Vão ver e deparam-se com fenómenos macabros. Tony andava por ali a dar indicações a Danny. Este, no primeiro dia de dezembro vai ao salão de baile e pressente que aquele espaço é possuído por outras vidas. A Morte Vermelha passou por ali. Viu um vulto a persegui-lo e fugiu dele, mas foi deter-se numa redoma de vidro, onde estava espelhada a palavra ASSASSINO. Aquele ambiente parecia-lhe ameaçador. Foi então que, desesperado, voltou a clamar pela vinda de Dick Hallorrann.  

Parte V

            Na Flórida, o velho cozinheiro sentiu o chamado de Danny: – OH DICK, POR FAVOR, VEM. Era com se alguém tivesse apontado uma arma psíquica à sua cabeça. Vai ter com o patrão pedir três dias de dispensa e corre com o seu Cadillac para o Overlook. Vem-lhe à sua mente episódios macabros passados no quarto 217, quando a senhora Massey, uma criada, ficara histérica e fora despedida por vir contar tudo cá para fora. Aquele incidente destabilizara o hotel. Vai de carro tentar apanhar um avião. Seguia em certo ponto do trajeto em excesso de velocidade e um polícia mandou-o parar. Já não chegou a tempo. Um chamamento ecoou de novo na sua cabeça: VEM POR FAVOR, DICK! No hotel Danny tinha um lábio inchado. Wendy pensou que tivesse sido o marido a fazer aquilo, mas foi o próprio filho que a desmentiu. Este confessou-lhe que chamou por Tony, mas que ele não veio, não o deixaram. Diz-lhe que há coisas no hotel a induzir o pai a fazer-lhes mal.

            Jack Torrance estava na cave, no seu pensamento surgiu-lhe o aviso de que se a temperatura da caldeira subisse demasiadamente corriam perigo. Foi fazer um controlo à fornalha e a caldeira atingira os 14 bares. Ouviu então uma voz: – Esquece, deixa a Wendy e o Danny e vai-te daqui embora. Mas ele tinha a sua dignidade e começou a repensar episódios da sua vida com o pai e os seus três irmãos. Lembrou-se que tinha feito com Wendy feito um seguro elevado, no caso de lhes acontecer qualquer coisa. Danny acordou de um pesadelo terrível, e olhou para as sebes e elas estavam com um aspeto horripilante. Dentro da sua cabeça ouviu uma voz pronunciar: SAI DA MENTE DELE, CABRÃOZINHO. De repente vê um homem-cão de olhos avermelhados. E o mais terrível de tudo foi ameaçar ir comê-lo. O espírito do Overlook apoderara-se do pai. Foi então que voltou a chamar: DICK, VEM DEPRESSA QUE ESTAMOS EM APUROS. Entretanto, depois de ter perdido um avião, Hallorann consegue arranjar lugar noutro da TWA. Está preocupado com o pedido de ajuda de Danny.

            Entretanto, Jack Torrance sente-se habitar o Hotel Overlook nos seus tempos áureos, quando houve ali um baile de máscaras, num tempo em que havia grandes festas. Nessa manhã os quartos estavam todos ocupados. O bar tinha sido reabastecido de bebidas, e elas eram por conta da casa. Assim diisse para ele o barista Loyde. Estas personagens já tinham morrido há muito tempo, mas movimentavam-se ali cheios de vida, entre os quais Grady, que se tinha suicidado. Riam-se de Danny, e pareciam querer trazê-lo para o seu domínio. Jack a certo ponto ouviu no Salão Colorado alguém pedir para deixarem cair as máscaras. A Morte Vermelha pairava sobre todos eles. Chamou por Grady, que não respondeu. Fugiu então dali mas caiu e perdeu os sentidos. Por fim recuperou-os arrastando-se na leve. Eram oito e meia da manhã.  

            Por sua vez, Dick Hallorann toma o avião da TWA e uma mulher começou a gritar, dizendo que o avião ia cair. Passaram por dois poços de ar e ela logo o confirmou, dizendo que já sabia que aquilo ia acontecer. O ambiente no avião era perturbador. Uma hospedeira foi tentar acalmá-la. Estava enjoado. Quando desceu por entre as nuvens lembrou-se de um desastre recente de avião e temeu-se. Cá fora nevava. Por fim o avião aterrou e parou no terminal. Mas ainda era preciso passar na portagem e levantar as bagagens. E precisava de alugar um automóvel. Lá conseguiu partir, mas ainda iria encontrar uma estrada fechada ao trânsito devido à neve. Voltou para trás, tinha de comprar nalgum sítio umas correntes para passar por aquela neve. Chegou à área urbana de Denver e a polícia aconselhou-o a não se meter a caminho.

            Por volta do meio-dia, Wendy, com Danny na casa de banho desceu à cozinha para fazer o almoço. Não sabia onde estava o marido. Chamou por ele e não obteve resposta. Parecia-lhe ver ali Hallorann. Tentou controlar-se e foi fazer a refeição. Voltou a chamar pelo marido e ouviu um gemido indefinido no bar. Espreitou lá para dentro, vendo-o no chão, bêbado com um cacho. Ele tinha encontrado bebidas na despensa. Entram em diálogo, mas ele está transtornado, tem um sorriso malévolo e dirige-se-lhe em termos ameaçadores. Fala-lhe de Grady. Receia que ele a vá matar, e a seguir ao filho. Jack pôs mesmo as mãos no pescoço de Wendy. Danny apareceu a gritar:  Papá, para! Estás a magoar a mamã.  Wendy deu-se então conta que os espíritos do hotel se apoderaram deles. Ela conseguiu por fim libertar-se dele, e com a ajuda do filho fechou-o na despensa. Ele gritou para o tirarem dali. Eram três da tarde e Danny andava cá fora a brincar quando ouve o pai a gritar na despensa. A mãe chora, não sabe como resolver situação. Tem, contudo, a esperança que o Hallorann ou outra pessoa qualquer passem por ali e os ajudem. Às quatro e meia o dia escurece e o elevador começa a funcionar. Acordaram e no hotel parecia ter reaberto ao público. Ela receou que Jack tivesse saído da despensa. Ele já teria recuperado da bebedeira. Está sentado na despensa a comer bolachas. Verificou que bebera demais, e ele com a bebida fazia disparates. Começou então a pensar na educação severa que o pai lhe dera, a ele e aos irmãos. Pressente Grady estar da parte de fora da despensa e pede-lhe para sair. Este exige que ele lhe traga o filho, o que promete. Wendy iria opor-se, e ele tinha de matá-la. Conseguiu arrombar a porta e pareceu ouvir lá de dentro dele a voz de Grady: – Cumpra a promessa, senhor Torrance

            Eram duas da tarde Dick Hallorann tentar chegar com o seu Buick ao Hotel, mas com o nevão que fazia estava a ter dificuldade. Encontrou um limpa-neves que ainda o ajudou, mas a sua experiência em conduzir naquelas circunstâncias era pouca. A esta hora Wendy estava no quarto a olhar para Danny, que adormecera. No hotel andava tudo numa roda-viva, as portas abriam-se e fechavam-se, o elevador descia e subia, voltara a ter vida, aquilo era medonho. Ouviu as doze badaladas do relógio e alguém gritou: – Tirem as máscaras. Todas as luzes do salão de baile se acenderam. Jack apareceu então com um maço para a matar. Ela conseguiu defender-se, embora ficasse ferida, fugindo a custo pela escadaria. No hotel, Wendy conseguiu fechar Jack no terceiro andar e fugiu para uma casa de banho, onde se trancou. Contudo, ele conseguiu libertar-se e vai tentar arrombá-la com um maço. 

           Já perto do hotel, Hallorann caiu da mota, um leão persegue-o. Ele só o conseguiu afastar quando lhe lançou gasolina e lhe deitou fogo. Chega finamente ao Overlook e chama por Danny, pensando que teria chegado tarde demais. Mas ele ainda ali estava. Tony chama por Danny, e é aqui que se revela como o seu Ego adulto. Danny foge por aqueles corredores até que se depara com o pai. Wendy vai à procura do filho. Hallorann já o teria encontrado? Deu com ele e foram ao terceiro andar à procura de Danny. Jack estava tentando matar Danny a pedido de Grady. Quando o filho exclama que ele não é o seu pai deixa então cair o maço na passadeira e diz para o filho: – Foge Danny, e lembra-te que gosto muito de ti. Danny diz que a caldeira não era controlada desde há dias e que ia explodir. O miúdo desceu a seguir em direção à escadaria, onde sentiu a presença de Hallorann. Os três fugiram do local. Jack corre para a caldeira para ainda a controlar, mas ela explodiu com ele lá dentro, pegando fogo ao hotel, que ardeu completamente. Hallorann, Wendy e Danny descem até à cidade mais próxima na mota de neve. Wendy ia a desfalecer, e foi com alívio que Hallorann chegou ao consultório do doutor Edmonds para a tratar.

 

Epílogo

            Dick Hallorann arranjou emprego num Resort do Maine por influência de Al Shokley. Um dia chega lá, vê Wendy sentada numa cadeira de baloiço a ler um livro. Está a recuperar dos ferimentos sofridos no Hotel Overlook. Recebera um avultado seguro pela morte do marido e vive sem grandes dificuldades. Conversam os dois amenamente. Ela diz-lhe o filho está melhor, já tem menos pesadelos, embora os incidentes lá passados ainda pesem na sua mente. Danny está a pescar, e vão os dois ter com ele. Hallorann abraça-o. Danny ainda é ajudado por ele a tirar da água um peixe maior. Há entre os dois uma grande afinidade. Danny tem saudades do pai, mas aceita-o como figura paternal. 

 

O Hotel Stanley do Colorado, onde King se inspirou para escrever o romance 
 

 

c.       Comentário Geral

The Shining tem muito de autobiográfico. Foi uma espécie de catarse que Stephen King fez a si próprio, quando teve problemas com o álcool e viu que estava a pôr em perigo a sua carreira e a própria família. Tendo ficado cedo sem a mãe, dá indicações de ter tido uma educação bastante rígida por parte do pai. Foi um processo que o autor encetou para se moderar não só no consumo de álcool, como também no controlo da violência, que o apoquentaram durante uma década. Ele se inspirou no Stanley Hotel do Colorado, quando por lá passou em 1974 como único ocupante e teve uma experiência menos agradável.

            O livro é fortemente influenciado pela atmosfera de A Máscara da Morte Vermelha de Edgar Allan Poe, e isto não tem nada de pejorativo, pois Poe era e é uma referência neste tipo de histórias. King, embora cultivando um género com poucos criadores, que recorre predominantemente ao absurdo e ao horror, de início não teve muita aceitação, mas a passagem de algumas das suas obras para o cinema, de que se destaca The Shining, rapidamente o tornaram mundialmente conhecido. Também terá influências de Goya, que ao pintar as suas águas-fortes, denominadas Follies, explora as fronteiras entre a realidade e o sonho.  

            As três personagens do livro completam-se: Wendy é bela, sensível, maternal, mas ao mesmo tempo corajosa, a âncora daquela família. Jack é um pai extremoso, que a bebida torna irresponsável e violento, passível de ser tomado pelos espíritos malignos. De um momento para outro passa de pessoa responsável a alienado, e por fim a um potencial assassino. Danny é um menino sobredotado, dotado de faculdades paranormais, com o tal “brilho” que faz dele um iluminado, um vidente, capaz de prever acontecimentos futuros e ver os passados.

            A adaptação deste romance ao cinema por Stanley Kubrick deu projeção a este livro. O filme excederá em mestria o livro, pois é considerado, no género um dos melhores filmes de sempre. Para isto também terá contribuído a excelente representação de Jack Nicholson. Inicialmente o filme não foi muito bem recebido por King, por Kubrick não ter explorado o problema da desintegração familiar e pôr o acento tónico da obra em Jack, em vez de Danny. Kubrick quis potenciar o efeito terrificante do filme em vez de explorar o seu lado social, que seria menos comercial. Todavia, Stephen King tem sempre o mérito de ser o criador original da ideia, e mais tarde passou a aceitar melhor o projeto de Kubrick.

            Enfim, este livro tem sido objeto de muitas apreciações, naturalmente subjetivas. Há quem pura e simplesmente repudie este tipo de livros, e temos de os respeitar. Outros há, porém, que se deixam fascinar por estes ambientes fantasmagóricos, capazes de lhes causar calafrios, fazendo-os vivenciar novas experiências, como quando se entra numa montanha russa. Também estão certos. Haverá outros ainda que verão o livro sobretudo pela qualidade da escrita e construção do trama, analisam-no cientificamente, e nesse caso não acreditam muito na história, riem-se até das cenas de terror, apreciam-no sobretudo sob o ponto de vista criativo. Quanto ao filme houve quem adormecesse ao vê-lo. Este livro é para quem gosta do género, para quem se impressione com cenários estranhos e assustadores, acredite ou pelo menos aceite o fantástico, o sobrenatural, delire com cenas sinistras, medonhas, aterradoras, e, sendo assim, pode ver em The Shining um livro clássico de terror, para alguns críticos, como Peter Straub, uma obra-prima do género.

 


04/01/2024
Martz Inura