Viagem
ao Centro da Terra
JÚLIO VERNE
Tradução
de Mariano Cirilo de Carvalho
Editora
QUIDNOVI (2008) (192 páginas)
O HOMEM
Jules Gabriel Verne nasceu em 8 de fevereiro de 1828,
em Nantes. Era o primogénito de um irmão e quatro irmãs. Gostava de visitar o
porto da cidade, e ali aguçou a sua imaginação e se inspirou para muitas das
suas histórias. Chegou a frequentar o seminário. Em 1839 tentou embarcar para a
Índia para entregar uma joia a uma sua prima, Carolina, tendo sido intercetado
pelo pai. Já era um aventureiro. Em 1844 vai estudar filosofia e retórica em
Nantes, e depois direito, em Paris. Escreveu uma tragédia em verso sobre a sua
relação com a prima, o que desgostou a família –, ela viria a casar com outro,
e isto marcou-o. O pai mandou-o continuar os estudos de direito em Paris, mas na sua vocação para as letras não permitiu este desiderato: ele prosseguiu com a sua atividade literária, ligando-se a vários escritores,
como Alexandre Dumas e Victor Hugo. O pai não gostou e cortou-lhe o apoio
financeiro.
Ele preferiu as letras, tendo de
começar a dar aulas para sobreviver. Em 1856 conhece Honorine de Viane Morel,
viúva, já com duas filhas, com quem casa e tem o único filho, Michel. Reconciliado
com a família, com o apoio do pai e influência do sogro ingressa na Bolsa de
Paris, na casa de câmbio Eggly, passando a viver mais desafogadamente. Até ali
as viagens que fazia era através dos livros que escrevia, que iam da Islândia à
Antártida. É então que faz uma viagem à Inglaterra, à Escócia, à Escandinávia.
Em 1872 é já um homem famoso e rico, graças à publicação dos seus livros,
traduzidos em quase todas as línguas. Com esse dinheiro compra mesmo dois
iates, com um dos quais faz uma viagem aos Estados Unidade da América,
escrevendo a bordo Vinte Mil Léguas Submarinas.
Já afirmado como escritor, o seu
filho, Michel, estava a ser difícil de educar, aliás, como ele também o fora.
Contra a sua vontade casou-se com uma atriz, de quem teve dois filhos. Em 1886,
o verdadeiro azar bate-lhe à porta: um sobrinho disparou sobre ele dois tiros,
atingindo-o num joelho e num tornozelo, de que saiu muito maltratado. Passou a
manquejar. Este seu sobrinho acabou por ser internado como louco num hospício.
Este desaire serviu para aproximar mais dele o filho, Michel. Pouco depois foi nomeado
para o Conselho Municipal de Amiens, era uma pessoa muito conhecida e
prestigiada. Perdeu o pai, a mãe e o irmão, sofreu de uma catarata em 1902. Escreve
agora menos, e era escrevendo que se furtava à depressão. Foi sendo invadido
pela melancolia, e em 24 de março de 1905 faleceu na sua casa de Amiens.
A OBRA
Júlio
Verne escreveu mais de uma centena de livros. É considerado o introdutor na literatura
dos livros de ficção científica. Acompanhando o desenvolvimento científico e
tecnológico do seu tempo, com os seus livros fez mesmo algumas previsões que
nos reservaria mais tarde a ciência. Vão citar-se aqui apenas algumas das suas
obras, que os leitores mais curiosos poderão ler na íntegra nas suas numerosas
biografias:
– Cinco Semanas em Balão
(pt); Cinco Semanas em um Balão (br) (1863)
– Viagem ao Centro da Terra
(1964)
– Da Terra à Lua (1865)
– Os Filhos do Capitão Grant
(1867)
– À Roda da Lua (pt); À
Volta da Lua (br) (1869)
– Vinte Mil Léguas Submarinas
(1870)
– Uma Cidade Flutuante (1871)
– A Volta ao Mundo em Oitenta
Dias (1872)
– A Ilha Misteriosa (1874)
– Michel Srogoff, o Correio do
Czar (1876)
– A Casa a Vapor (1880)
– A Jangada (1881)
– O Senhor do Mundo (1904)
O ROMANCE, Viagem ao Centro da
Terra
– Professor Otto Lidenbrock:
A principal personagem do romance. Pessoa fria, excêntrica, muito erudita, que
fala várias línguas e é professor no Johannoœum. Especialista em mineralogia e geologia
segue as ideias do inglês Humphry Davy, e preconiza um núcleo da Terra oco, e
água nascentes nas suas rochas. Possui uma mente curiosa e gosta de pesquisar. O
seu grande entusiasmo e persistência fazem que que consiga alcançar os seus objetivos.
– Axel: É o narrador do
romance. Sobrinho de professor Lidenbrock, herdou dele o gosto pela geologia e
mineralogia. É ele que decifra o criptograma de Arne Saknussemm. Esta noivo na menina
Graüben. Mostra-se incrédulo com a expedição do tio, mas depois segue-o com
algum entusiasmo, embora com algum criticismo. Era de complexão física frágil,
desmaia mais do que uma vez durante a viagem. Perde-se e chega a duvidar chegar
ao fim daquela viagem. Todavia, é muito inteligente, ao fim dá pistas para o
tio descobrir o seu erro na interpretação da bússola, que se despolarizou.
– Hans Bjelk: Islandês, caçador de êideres (uma espécie de ganso cujas penas são preciosas para agasalho), que a conselho de Fridriksson é contratado por Lidenbrock em Reiquiavique para servir de guia na expedição. Ele conhece bem o local, é discreto, fiel e competente, resolvendo com mestria várias dificuldades sem manifestar qualquer temor, não defraudando as perspetivas que quem o contratou.
– Menina Graüben: Aluna e afilhada do professor Lidenbrock. Vive no distrito de Vierlande, perto de Hamburgo. O seu aparecimento no início do romance justifica-se para lhe dar um vislumbre de romantismo. É noiva de Axel, menina reservada, de caráter doce, que o exorta a seguir na expedição com o tio. Ele não a esqueceu durante a expedição e deu o nome dela a um monte.
– Marta: Crida do professor Lidenbrock. Servil, suporta com paciência, o caráter tirânico e excêntrico do patrão. É ela que espalha pela cidade a notícia da viagem ao centro da Terra pelo professor e seu sobrinho.
– Professor Fridriksson: O professor de ciências naturais que recebe Lidenbrock em Reiquiavique e lhe recomenda Hans como guia. Conversa em islandês com Lidenbrock e em Latim com Axel.
– Arne Saknussemm: Um naturalista e alquimista do século XVI, que o precedeu nesta viagem. Foi perseguido por heresia e os seus livros queimados em Copenhaga. O criptograma que deixou num pergaminho forneceu dados para a descoberta do caminho para o centro da Terra.
b) Localização Espacial e Temporal:
Cronologia
. Domingo, 24 de maio de 1863, Hamburgo,
professor Lidenbrock (p. 5)
. Terça-feira, 26 de maio, com Axel
prepara a viagem para a Islândia (p. 34)
. Terça-feira, 2 de junho, esperam
pela escuna dinamarquesa Valkyrie (p. 39)
. Quinta-feira, 11 de junho,
avistam o cabo Portland na Islândia (p. 43)
. Terça-feira, 16 de junho, partem
para a sua aventura ao centro da Terra (p. 52)
. Terça-feira, 23 de junho, estão
junto ao vulcão, prontos para descer (p. 67)
. Quarta-feira, 24 de junho,
avistam do cone a Groenlândia (p. 73)
. Quinta-feira, 25 de junho, o céu
está encoberto, não podem prosseguir (p. 76)
. Sexta-feira, 26 de junho, o tempo
continua mau (p. 76)
. Sábado, 27 de junho, o tempo mantém-se encoberto (p. 76)
. Domingo, 28 de junho, aparece o
Sol, e avançam para o vulcão (p. 76)
. Terça-feira, 30 de junho, prosseguem
a descida da gruta (p. 85)
. Sexta-feira, 3 de julho, começam
os tormentos da sede (p. 90)
. Sábado, 4 de julho, chegam a uma enorme escavação (p. 90)
. Domingo, 5 de julho, partem de
madrugada (p. 92)
. Segunda-feira, 6 de julho, resolveram
o problema da sede (9. 102)
. Terça-feira, 7 de julho,
continuam a descer a falha que encontraram (p. 104)
. Quarta-feira, 15 de julho,
estão 15 léguas abaixo da superfície da Terra (p. 104)
. Sábado, 18 de julho, chegam a uma
gruta bastante ampla e descansam (p. 105)
. Sexta-feira, 7 de agosto, estão a
30 léguas de profundidade (110)
. Quinta-feira, 13 de agosto, iam
embarcar numa jangada rápida (p. 132)
. Sexta-feira, 14 de agosto, a
jangada segue veloz em linha reta (p. 133)
. Sábado, 15 de agosto, no mar
interior não se avista terra (p. 137)
. Domingo, 16 de agosto, a mesma
monotonia (p. 138)
. Segunda-feira, 17 de agosto, medo
dos animais da era secundária (p. 138)
. Terça-feira, 18 de agosto, veem luta de animais (p. 140)
. Quarta-feira, 19 de agosto, a
viagem retoma à mesma monotonia (p. 142)
. Quinta-feira, 20 de agosto, brisa
de NNE, calor, seguem devagar (p. 142)
. Sexta-feira, 21 de agosto, estão
à vista de um geiser que desapareceu (p. 146)
. Domingo, 23 de agosto, estão a
ser arrastados a uma grande velocidade (p. 148)
. Segunda-feira, 24 de agosto, a
jangada corre veloz para sudoeste (p. 148)
. Terça-feira, 25 de agosto, Axel
acorda de um desmaio (p. 150)
. Quinta-feira, 27 de agosto, subida
aterradora pelas galerias (p. 172)
. Segunda-feira, 31 de agosto, saem
pelo Stromboli, na Sicília (p. 189)
. Sexta-feira, 4 e setembro,
embarcam no Volturne para Marselha (p. 189)
. Quarta-feira, 9 de setembro,
chegam finalmente a Hamburgo (p. 189).
c) Ciência e Ficção Nesta Obra
Júlio Verne em Viagem ao Centro da Terra procurou
documentar-se das teorias científicas mais avançadas do seu tempo sobre esta
matéria. Para tornar possível este romance baseou-se nas
teorias de Humphry Davy, do núcleo da Terra oco, com mares interiores, em detrimento das teorias de Siméon Denis Poisson, do núcleo da Terra quente. A
existência de um “Mar de Lidenbrock” está hoje posta de parte, embora existam
grandes galerias no interior da terra. A temperatura nas profundezas da Terra é
insuportável para o ser humano. Há mesmo um núcleo, o exterior, ígneo, em estado líquido. Ele, veladamente já se teria dado conta
disso através das dúvidas que pôs na boca de Axel. A maneira como entraram no Sneffels e foram
sair ao Stromboli, quase ilesos, é praticamente irrealizável, e eles nem o podiam
fazer em tão pouco tempo. A forma como saíram, empurrados pela água de um mar
interior, e expelidos por um vulcão, é surreal. Se eles saíssem dessa maneira dócil,
improvável, mesmo assim iriam sair despedaçados. Foi tudo escrito maravilhosamente em prol da aventura. Todavia, a descrição dos
fósseis que encontram, a definição das eras geológicas, os instrumentos que
utilizaram, revelam que o autor estava bem a par da ciência do seu tempo. Embora fale de metros lá para o fim do livro, ainda usa as medidas antigas: a polegada (2,54 centímetros); o pé (30,48 centímetros); a légua (6.660 metros). É bom que o leitor se familiarize com as rochas magmáticas como os granitos, formados nas profundidades da Terra, e os basaltos, formados quase à supeerfície. Os mais curiosos poderão estudar o que hoje é sabido sobre a crosta terreste. A Terra é o planeta mais denso do Sistema Solar.
O Sneffels
d) Resumo do Romance
O livro é constituído por XLV
capítulos. A sua história inicia-se em 24 de maio de 1863, em Hamburgo (p. 5
cap. I). O professor Lidenbrock comprou um manuscrito escrito no século XII por
Snorre Tuleson, o Heims-Kringla, e ficou intrigado quando descobre nele
um criptograma desafiante. Anda exaltado, e o seu humor reflete-se no sobrinho,
Axel, e na própria criada, Marta. Os dois têm uma conversa acesa sobre
geologia, mas Axel não o pode contrariar muito, o tio segue as teorias de Davy,
do núcleo da Terra oco, com água abundante, enquanto o ele discorda, é seguidor
das teorias de calor de Denis Poisson. O sobrinho, não dando grande valor inicial
ao livro, era curioso, e foi ao escritório do tio, onde pegou num pergaminho, escrito
em latim por Arne Saknussemm, no século XVI, acabando por decifrar um
criptograma. Disso dá conta ao professor (p. 24). Tio e sobrinho ficam
empolgados. Na posse dessa chave estava decifrado o segredo da mensagem e
descoberta a forma de chegar ao centro da Terra a partir da cratera do vulcão
Sneffels na Islândia. O Doutor Lidenbrock é muito impulsivo, e resolve partir
para a Islândia logo no dia seguinte, levando consigo Axel, antes que outros
lhe roubem a glória de serem os primeiros a chegar ao centro da Terra. Antes de
partir, porém, Axel ainda se quis despedir da sua noiva, Graüben (p. 31), que o
exorta a acompanhar o tio. Preparam-se para a viagem reunindo o material
necessário: bússolas, barómetro, cronómetro, manómetro, termómetro, explosivos e
a nova pilha elétrica de Ruhmkorff, bem como mapas de Saknussemm que indicam o
local exato da cratera,
Iniciam a jornada a partir de
Altona, perto de Hamburgo (p. 36, cap. VIII). seguem de comboio até Kiel, onde
tomam um navio para Copenhague. Aí têm de esperar cinco dias pelo veleiro que o
iria transportar à Islândia, e detêm-se a colher mais dados sobre a viagem no
Museu de Antiguidades, onde o seu diretor, Sr. Thompson, lhes fornece algumas
indicações preciosas sobre aquele país e lhe dá uma carta de recomendação. O
tio aproveita para fazer subir o sobrinho a uma torre sineira para perder as
vertigens. Ficam no Hotel Fénix. No dia 2 de junho partem a bordo do veleiro Valkyrie
para a Islândia. Atravessam o Mar do Norte, passam pelas Ilhas Faroé, e pouco
depois avistam a ilha. Chegam finalmente a Reiquiavique. Levam a carta de recomendação.
São recebidos pelo governador da Islândia, (p. 41) e pelo presidente da câmara municipal,
Finsen. Ficam hospedados em casa do professor de ciências naturais, Fridriksson,
que lhes dá informações sobre Saknussemm, um alquimista que foi morto por
herege no século XVI, e os seus livros queimados em Copenhaga. Colhem os dados
que podem, mas guardam segredo sobre a expedição. Por mar era mais perto, mas
seguem por terra, que era mais seguro.
Preparam-se para partir. Axel faz
uma visita à cidade (p. 51, cap. XI). O professor Fridriksson recomenda-lhe
como guia excelente, Hans, o caçador de êideres, uma espécie de gansos. É natural
de Sape, que fica na costa meridional do vulcão. Como levam bastante carga
contratam alguns carregadores temporários para a transportar até à boca do vulcão.
Passam por várias aldeolas. Fazem uma paragem em Stapi, onde são bem recebidos
pela família de Hans-Bach, que lhes dá hospedagem. O cone do Sneffels tem 5.000
pés de altura. Já dentro da cratera do vulcão, de cone bifurcado, chegam a uma espécie
de planura pelas sete horas e param para comer (p. 68). Estavam cansados, mas não
era prudente parar, e prosseguem a viagem, chegando ao cone do vulcão às onze
horas da noite. Mas atenção, na Islândia, nos meses de junho e julho há sol 24
horas por dia. Foram comer. É magnífico, avistam dali a Groenlândia (p. 73).
Partem no dia seguinte, e três dias depois o professor Lidenbrock descobre uma
inscrição rúnica que atribui a Arne Saknussemm. Está ali um pico alto, cujo
sombra em julho ao meio dia lhes indica o caminho a seguir, pois o vulcão tinha
três chaminés. Porém, o céu estava encoberto, não lhes permitindo tal
desiderato. Chegaram a temer pelo falhanço da expedição. Finalmente, em 28 de
junho o tempo clareou e eles puderam prosseguir. Levavam os utensílios
necessários e abastecimentos para muitos dias.
Iniciam a verdadeira viagem, a descida
da cratera (p. 77, cap. XVII), agora os três: o professor Lidenbrock, Axel e
Hans. O professor, que sobre a viagem fazia um diário, não terá seguido a
entrada certa, já que as camadas geológicas eram demasiado recentes para serem
profundas. Receiam que estas não os levem para o centro da Terra. Pouco depois
chegam a uma chaminé vertical, são dez horas da noite, comem e dormem naquele
local. De manhã fazem um estudo e verificam que se encontram ao nível do mar,
ainda têm muito a descer. A temperatura está a subir um grau em cada cem pés.
Em 30 de junho, pelas seis da manhã, depois de uma longa jornada param de novo
para comer. Detêm-se a observar vestígios de animais extintos, O calor
aumentou, estão com problemas de água, que só dá para mais três dias, e o animo
da expedição fica abalado. Ela começou a escassear, e Axel fica afetado, julgava
que enlouquecia, tendo de ser socorrido pelo tio. Têm que regressar à
encruzilhada anterior e seguir por outra galeria, onde Hans descobriu o ruído
de água numa parede, da qual fez brotar, após fazer uma pequena perfuração (p. 98).
Contudo, a água era fervente, não a puderam beber logo. Esperaram que esfriasse
e resolveram seguir pelo caminho que ela própria rasgara ao descer. A
temperatura não aumentava na proporção que se descia, conforme previa Axel, de
que se vangloriava o tio.
No dia seguinte (p. 102, cap. XXIV)
esquecidos dos tormentos por que passaram, prosseguem a viagem. A 10 de julho
param numa caverna, deviam estar a 30 léguas sudoeste de Reiquiavique, e a duas e
meia de profundidade. Comem e põem em ordem os seus apontamentos. Há dúvidas por
onde prosseguir. A 15 de julho estavam já a 15 léguas abaixo da superfície
terrestre e a 50 do Sneffels. As temperaturas não seguem as teorias de Davy. A
18 de julho chegam a uma gruta bastante ampla e resolver descansar (p. 105).
Tio e sobrinho discutem sobre o sucesso da expedição. Embora os dados ainda não
o comprovassem, Axel continuava a crer na teoria do calor central (p. 107). Iam
cada vez mais calados, por aquele andar nunca mais chegariam ao centro da
Terra. Pouco depois numa bifurcação da galeria, estavam a 7 de agosto, à
profundidade de 30 léguas, quando Axel se perde do tio, correndo riscos de vida
(p. 110). Segue por uma galeria por onde a água já não corria. Tem de parar, está
aterrorizado, sobretudo quando perde a pilha de Ruhmkorff. Tem de voltar para
trás, mas a sua situação é aflitiva. Finalmente, descobre a presença do tio e
de Hans através do som das paredes. Mas caminha até à exaustão, caiu e perdeu a
consciência. Voltou a si e começou a tentar falar com ele através das paredes, o
que conseguiu, embora não muito distintamente, voltando a perder os sentidos.
Axel voltou a si, vendo Hans e o
tio à volta dele (p. 114, cap. XXVIII). Tinha algumas contusões e puseram-no
sobre mantas. Dormiu um pouco, e quando acordou estava boquiaberto –, ele
estava perante um grande mar com marés, a que o tio já tinha designado por mar
de Lidenbrock (p. 122). Não era bem uma caverna onde estava, aquilo parecia-lhe
um submundo ali perdido. Acordou curado, naquele momento confirmava-se a teoria
de Davy, de que o interior da Terra era oco. A teoria do calor do núcleo não se
confirmava. Havia madeira fóssil e Hans fez uma jangada. Deu uns passos em
redor e deu com uma floresta petrificada de cogumelos do período secundário. A
bússola parece estar louca, talvez devido a um fogo de santelmo (p. 129). Em 13
de agosto embarcaram e partiram à descoberta de terra. Ao lugar onde partiram
consideraram um porto, a que deram o nome de Graüben, disso fizeram registo no
diário da viagem. Eles deparam-se com algas enormes, monstros marinhos que já
desapareceram. Por fim presenciam a luta de um ictiossauro com um plesiossauro,
que foi tão feroz que os mastodontes nem dão pela sua presença. E veem perto de
si golfinhos, baleias, lagartos e tartarugas. Mais além dão com uma ilha com um
geiser, a quem dão o nome de Axel. O ictiossauro venceu a luta, mas onde estaria
ele agora? Axel via-se rodeado de perigos tremendos.
Em 21 de agosto está tudo calmo,
desapareceu a ilha com o geiser, mas dois dias depois, com mil demónios,
levanta-se uma tempestade enorme e são arrastados a grande velocidade por
aquele mar dentro indo parar abaixo da Inglaterra, ou porventura, da França. (p.
146, cap. XXXV). Axel acorda depois de ter desmaiado, sujeito aquela fúria.
Estão desnorteados, tentam localizar-se, estão no Norte, a tempestade levou-os
para lá. A bússola dá-lhes resultados contraditórios, voltaram aonde partiram!
Mas ali à volta está tudo alterado, iam ter de sair por onde não entraram.
Foram um joguete das ondas. É aqui que deixam de atualizar o diário (p. 150). Exploram a zona e encontram a seguir mais vestígios
de história natural da era terciária e quaternária, e mesmo um crânio humano
com uma antiguidade até ali desconhecida. Puseram então em questão haver ainda homens
a viver naquele local. Para sua grande surpresa, junto à costa encontram uma
adaga do século XVI e uma nova inscrição com as iniciais de Arne Saknussemm! Isto
deu-lhes a ideia de estarem a seguir o caminho certo. A seguir avistam um
rebanho de mastodontes e um homem com doze pés de altura. Estão abismados e vão
parar à entrada de um túnel medonho (p. 163).
Continuam a viagem, maravilhados
com o que encontraram. A Axel, agora já nem tinha vontade de regressar (p. 169,
cap. XL). Porém, pouco depois dão com uma caverna obstruída. Com algodão pólvora
que levavam, vão tentar rebentá-la. Em 27 de agosto dá-se a explosão, mais
violenta do que tinham imaginado, fazendo com perdessem parte da sua carga.
Ficaram apenas com a bússola e o cronómetro, alguma carne e bolachas. De
repente notam que a água está a subir com bastante violência, transportando-os não
sabiam para onde. Confirmava-se mais uma vez as teorias de Humphry Davy, a Terra
era oca, havendo água fervente no seu interior. A própria bússola parecia doida,
Axel achava que estavam perdidos e o tio tentou animar com o seu habitual
sangue-frio. Estavam a percorrer a chaminé de um vulcão, o calor era sufocante.
Animados por aquela força extraordinária são por fim arremessados para fora da
cratera, para as vertentes de um vulcão. Ainda tiveram de correr para sair de
lá. Não sabiam onde estavam, aparece por lá um homem, que depois do tio lhe fazer
perguntas em alemão, inglês e italiano, respondeu que estavam na Sicília. Eles
acabavam de ser expelidos pelo Stromboli. Algo confusos, queriam que os
levassem a Messina para regressarem a casa. Claro, quiseram passar por
náufragos, se lhe contassem a sua história ninguém ia acreditar. Em 9 de
setembro estão em Hamburgo, Lidenbrock é agora famoso, Axel vai casar com Graüben.
Hans regressa à Islândia. É então que ele pega na bússola e descobre que ela
está despolarizada, em vez do norte, indicava o sul, fruto do fogo de santelmo.
Isto deu para explicar a desorientação do tio na gruta.
e) Apreciação geral do Romance
Viagem ao Centro da Terra é um romance de aventuras que
explora as emoções da literatura de viagens e inicia com outros livros do autor
a ficção científica. Tem como ingredientes a descoberta de um antigo manuscrito
rúnico pelo Doutor Lidenbrock, com criptogramas escritos pelo escritor Islandês
do século XII, que o seu sobrinho, Axel, vai decifrar através da leitura de um pergaminho
do explorador islandês do século XVI, Arne Saknussemm. Para dar veracidade e
emoção aquela viagem de exploração ao centro da Terra recorre a várias
ciências, com o nível de conhecimentos daquela altura, como sejam criptografia, geologia,
geografia, paleontologia e mineralogia. Está ligado ao segredo e à descoberta, a
paisagens fantásticas, o que o torna sedutor. As suas personagens vangloriam-se
da honra de dar nomes à geografia do mundo. Assim, há um mar de Lidenbrock, um monte Axel, um porto Graüben.
O livro teve uma rápida difusão,
foi traduzido em mais de uma centena de línguas, adaptado ao teatro, ao cinema
e à televisão em diversas versões e em mais de um país. No cinema houve quem tivesse a ousadia de lhe introduzir um guia feminino para melhor explorar o romantismo e tornar o filme mais comercial. É uma história que recorre
à imaginação, cheia de espírito de aventura, muito ao gosto dos jovens, com uma
componente científica e cariz moral que o tornam apelativo. Convida à leitura e
ao estudo, proporciona conhecimento e recreação. A sua influência na literatura,
apesar de se tratar de uma obra despretensiosa, veio a ser considerável. Num
tempo em que a escrita estava voltada para os adultos, muitos jovens iniciaram nele
a sua leitura, e muitos livros vieram a ser influenciados pela sua narrativa e até
pelo seu título, casos de Viagem ao Fim da Noite de Louis
Ferdinand Céline, ou de Viagem ao Fim do Império de Martz Inura.
As personagens, não são muito numerosas,
mas são fortes e distintas, com carisma. O professor Otto Lidenbrock é uma
pessoa impulsiva, obcecada pelos escritos antigos, pelas explorações
científicas, pelo estudo dos minerais. Durante a expedição é determinado e
otimista, contrastando com Axel, que às vezes é tomado pelo desânimo, fraqueja,
e até se perde. Durante todo aquele percurso, o tio é que o ampara e anima. Encara
com sangue-frio as situações de vida ou morte. Mostra-se entusiasmado e feliz
por poder participar numa tal expedição. Para ele, chegar até aquele lugar e
encontrar um mundo tão belo e vivo dentro do planeta era só por si motivo
suficiente para ter vivido. Hans-Bach, seu guia fiel, de caráter paciente e reservado,
é a eminência parda à volta dos dois, algumas das tarefas mais difíceis é ele
que as realiza.
O romance está dividido em 45
capítulos, todos bastante pequenos, para que a grande massa de leitores juvenis
o possa compreender sem dificuldades de maior. Está escrito com simplicidade e rigor. Traz a ciência e a investigação para a literatura sem ser fatigante.
Esboça duas teorias sobre como seria o interior da Terra: a do núcleo superaquecido,
inexpugnável; e a do núcleo oco, com mares interiores navegáveis. Na altura
este era um tema apaixonante, sobre o qual havia muitas dúvidas. Para alguns leitores os termos
usados no âmbito da mineralogia, da geologia e da química são, contudo, difíceis de
compreender, mas, dado ao caráter fantástico daquela
aventura, aos medos, aos dramas que por vezes as personagens vivem, não atrapalham a sua leitura,
antes dão credibilidade ao seu conteúdo. É um livro marcante da literatura
universal.
Martz Inura
03/01/2020
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