UMBERTO ECO
O Nome da Rosa
GRADIVA
O
HOMEM
Umberto Eco nasceu
a 5 de Janeiro de 1932 em Alessandria, Piemonte, na Itália. Estava destinado a
ingressar na carreira jurídica, mas acabou por entrar para a Universidade de
Turim, onde cursou Filosofia, coroando estes estudos com a defesa de uma tese
sobre S. Tomas de Aquino. A partir daqui desenvolveu uma intensa carreira
universitária, publicando numerosos ensaios, com os quais granjeou elevado
prestígio, que ampliaria com a publicação de mais cinco romances. Ensinou em Yale, na Universidade
Columbia, em Harvard, no Collège
de France, na Universidade
de Toronto. Foi
colaborador em diversos periódicos académicos, dentre eles colunista da revista
semanal italiana L'Espresso, de grande difusão, na qual fez
luz sobre muitos dos seus ensaios. Foi director da faculdade de Ciência Humanas
da Universidade de Bolonha.
A
OBRA
A sua obra é diversificada, ele
estudou Filosofia, tornou-se medievalista, crítico literário, um ensaísta da
Cultura e dos Mass Media, da Semiótica, da Linguística, enfim, dos conteúdos
significativos. Dos seus ensaios destacamos Obra
aberta (1962), Diário mínimo
(1963), Semiótica e filosofia da
linguagem (1984), História da Beleza
(2004), mas outros poderão interessar mais a alguns leitores, ao tratarem de
assuntos muito específicos: é consultar a sua vasta obra. Entre os seus
romances, O Nome da Rosa, de 1980 deu-lhe
grande notoriedade, e o Pêndulo de
Foucault, de 1988, também foi muito lido.
O NOME DA ROSA
Breve
sinopse do romance
O livro está
repartido por sete dias, a corresponde sete capítulos, que por sua vez se
dividem em subcapítulos, as diversas horas do dia naquele mosteiro. Matinas,
Laudes, Prima, Terça, Sexta, Nona, Vésperas e Completas, como explica melhor no
início do livro. Não se vai dizer muito nesta sinopse, já que é no mistério do
enredo que reside a principal atracção do romance. A acção estender-se-ia entre
1316 e 1334. Há aqui um confronto entre o Papa João XXII em Avinhão, e Luís II
da Baviera, entre a fé cega e as novas ideias racionalistas, entre a Idade
Média e os novos tempos que se avizinhavam. Este livro foi adaptado ao cinema
em 1989.
Primeiro
Dia: Chegam ao
mosteiro beneditino na Itália Setentrional, a pedido do seu abade, o franciscano
inglês Guilherme de Baskerville e o alemão, Adso de Melk, seu jovem escrivão,
com a missão de investigarem a morte de Adelmo de Otranto (1ª vítima). Tem toda a liberdade para investigar o caso embora lhe
seja restringido o acesso à biblioteca. Estávamos em vésperas do que seria Grande
Cisma do Ocidente, quando a Igreja Católica se dividiu em dois e até três
papados, com as ordens religiosas por vezes também desavindas: os franciscanos
mais perto de Avinhão e os beneditinos mais perto de Roma. Dá-se o encontro de
Guilherme de Baskerville com Ubertino di Casale, que chegou ser líder dos
espiritualistas franciscanos na Toscana. Está ali refugiado com fama de santo,
mas fora dali a sua vida corre perigo. O autor gasta estas primeiras cem
páginas a descrever a vida no mosteiro e a falar da situação cismática da Igreja,
como que a preparar o autor para o romance que viria a seguir.
Segundo
Dia: A acção
está a abrandar o ritmo, quando o mosteiro é assombrado com mais a ocorrência
de um assassinato, o de Venâncio, tradutor de grego (2ª vítima). É então que se entra mais a fundo na intriga, se
compreende melhor os contornos que dividem a Igreja, e emerge a figura de
velho, Frei Jorge de Burgos, cego, quase senil, mas ainda assim acreditado, que
faz um sermão contra o riso, tratado num pretenso livro de Aristóteles. É então
que ficam mais bem delineadas as divisões entre beneditinos e franciscanos,
entre ortodoxos e heréticos, e mais evidente a influência da política na
religião e vice-versa.
Terceiro
Dia: Mantém-se o
caso por definir quando desaparece Berengário. Guilherme e Adso chegam à
conclusão que o enigma que envolve aqueles crimes se prende com a biblioteca,
cujo espaço lhes tinha sido vedado por Abbone, o seu abade. É necessário ir lá
investigar, mas isto só pode ser feito à noite, à luz da candeia, e, para
complicar as coisas, aquela está construída na forma de labirinto. Não é fácil
entrar nas suas divisões e só se pode ir lá de noite para não levantar
suspeitas. Uma rapariga é encontrada por Adso no mosteiro, daquelas que, de
entre o povo, estão em contacto com os monges para as inevitáveis trocas
comerciais. Ele acaba por ter uma relação com ela, que descreve quase no
domínio do sonho.
Quarto
Dia: Aparece
finalmente o corpo de Berengário, ajudante de bibliotecário, tem a ponta de
alguns dedos negra e a língua escurecida, ainda não se sabem as causas da sua
morte, embora pareça ter morrido afogado (3ª
vítima). Aparece um texto de Venâncio indecifrável. Mais uma vez a solução
daqueles assassinatos parece estar ligada à biblioteca, que em vez de se abrir
aos monges, está destinada a preservar dentro de si o conhecimento, vedando os
seus segredos. Chega entretanto uma delegação do papa de Avinhão, composta pelo
cardeal de Poggetto e pelo inquisidor implacável, Bernardo Guí. Querem trazer
os beneditinos à ordem papal. Imiscuem-se na investigação, com a autoridade que
se sentem investidos, a rapariga, que era uma simples campónia, acaba por ser
presa, acusada de bruxaria. A mulher era então desconsiderada, e o sexo apenas
um instrumento para a procriação.
Quinto
Dia: Discussão
sobre a pobreza de Jesus. Enfoque acerca de determinado livro e, por fim, o
assassinato de Severino, o herbanário ou boticário (4ª vítima). A delegação papal culpabiliza Remígio, não com muito
critério, bem como Salvador e a rapariga. Relato sobre as perseguições inquisitórias
aos membros opostos ao papado. É relatada a condenação à fogueira do herético
Dolcino, depois de horríveis tormentos, que hoje escandaliza qualquer mente bem
formada. Fuga suspeita de Ubertino, que se sabia recear pela sua vida, e um discurso
de Bêncio sobre os tipos de luxúria: há diversos tipos de luxúria, como a
luxúria do saber. Mais um sermão de Frei Jorge sobre a vinda do Anticristo,
inspirado no apocalipse. A rapariga iria ser queimada pelo crime que não
cometera, assim era a moral e o direito daquela época.
Sexto
Dia: Há mais um
ofício, que é interrompido com a morte do bibliotecário Malaquias (5ª vítima). É então que se vê melhor o
ambiente de intriga existente na Igreja de então, do valor ridículo que davam
às relíquias. Adso de Melk tem um sonho, uma visão, que Guilherme diz ser
apenas um conto de S. Cipriano, que ele terá ouvido na infância. Muitas
escrituras não são mais que sonhos. O abade fala repentinamente com
Guilherme e quer suspender as investigações. Há uma grande agitação na abadia e
manda todos para o catre. Não sabem de Frei Jorge. Guilherme descobre o segredo
para entrar no labirinto a partir da sala “Finis Africae”. Faz-se ali algumas
considerações filosóficas. Para os ortodoxos Jesus Cristo nunca se terá rido.
Mas para Guilherme: “O riso desvia por alguns instantes a vida do medo”, e a “A
lei impõe-se através do medo, cujo nome verdadeiro é o temor a Deus (Pág. 546”.
“Jorge temia o segundo livro de Aristóteles talvez porque ele ensinava a
deformar realmente o rosto de toda a verdade, a fim de que não nos tornássemos
escravos dos nossos fantasmas (Pág. 566)”.
Sétimo
Dia: É neste
capítulo que tudo se esclarece. Adelmo ter-se-á suicidado. Guilherme sabe que
Malaquias matou Severino, mas quer desvendar completamente todo o segredo, que
está guardado na biblioteca. Descobre que alguns frades morreram normalmente ao
desvendar o enigma dos labirintos e ao lerem os livros apócrifos, cujas páginas
estavam apeçonhentadas, e que, curiosos, ao dedilhá-los, lentamente eram
envenenados. Frei Jorge dominava há muito o clã italiano dos monges e fizera
nomear Abbone abade, bem como quem estava à frente da biblioteca, queria
dominar o conhecimento. Por esta altura o abade perde-se no labirinto (é a 6ª vítima), e à volta dele anda
Frei Jorge de Burgos, que também morrerá no incêndio (7ª vítima). É nesta fase da investigação uma candeia incendeia
alguns livros, que ardem como pólvora, e por lá os dois se perdem. Durante três
dias e três noites a abadia ardeu completamente, nenhum esforço para apagar as
chamar foi suficiente para o fragor daquele inferno. Do convento restaram
apenas ruínas. Talvez aquilo que o autor prediga para aquela Igreja.
Aspectos
mais discutíveis desta obra
É evidente que com o prestígio
intelectual do autor, de âmbito internacional, conseguido em Turim, em Bolonha, e noutros prestigiados centros
de cultura, ao focar o Grande Cisma do Ocidente, o Papa, e a Igreja Católica
num dos seus períodos mais críticos, não lhe havia de faltar leitores. Por
outro lado, ao introduzir elementos históricos, e pretensamente históricos ligado
à Inglaterra (Guilherme de Baskerville, Bacon), à Alemanha (Luís II da Baviera
e Adso de Melk), à França, com Filipe, O Belo e a cidade de Avinhão, à Itália
(onde acção decorre), à Espanha com Jorge de Burgos, e até a Portugal, referindo-se
a Pedro Hispano, o único Papa português, tinha a receita para a que este
romance despertasse muito interesse.
Mas, ainda que gostemos do livro,
sejamos lúcidos, o romance introduz a técnica do romance policial na Idade
Média, uma época da História em que a vida não obedecia ao formalismo do século
XX, ainda que possa atrair hoje os leitores familiarizados com este tipo de
literatura. Admitamos a elevada craveira intelectual do autor, mas há aspectos
menos inocentes neste livro, derivadas do artificialismo a que recorre,
tornando o romance mais ficcionado que histórico. A sua intenção foi lúdica,
como diz ao fim, a romance policial cria a urgência de sair da incerteza, de se
desvendar o mistério, explicar a realidade, solucionar, enfim, o imbróglio.
Porém, toda aquela encenação trata-se de um verdadeiro engodo, um processo
menos sério, amoldado ao gosto desta época, para nos narrar historicamente o
que se passou.
O romance decorre durante sete dias,
verificam-se sete mortes. Tantos assassinatos em tão pouco temo naquele
mosteiro parecem-me exagerados, pouco plausíveis, e a sua motivação forçada. Podemos
achar elucidativa da posição da igreja de então, mas, se estivermos informados
podemos não acreditar no seu modo explicativo. Tudo sacrificado pelo
secretismos de uma biblioteca, falando de um suposto livro de Aristóteles. A
acção para quem conheça a Idade Média pode revelar-se pouco convincente, ainda
que possa seduzir os leitores actuais, desligados da História. Uma mulher faz a
sua aparição no mosteiro, é interessante e lógico, mas a sua acção é descrita
de um modo muito rebuscado, redutiva, que pode não convencer um leitor
exigente.
O livro está cheio de transcrições
em Latim, em Alemão, em Inglês, em Italiano. O autor usa e abusa delas, sem as
traduzir, o que dá uma amostra da sua erudição, sim, mas das quais, o leitor
dificilmente compreenderá o sentido. Na edição americana, sob pretexto destes
estarem pouco familiarizados com essas línguas, foram mesmo reduzidas. No filme
põem-se legendas em inglês aqui e ali. O Latim terá pelo menos o mérito de
criar uma falsa neblina da Idade Média, que nos possa ocultar aspectos menos
trabalhados daquela época. Terá, porém, o mérito de nos chamar à atenção para o
estudo do Latim, uma língua admirável, sobre a qual assenta a moderna
civilização, que devia voltar aos nossos currículos.
Aspectos
que nos parecem mais interessantes nesta obra
O ter tentado recriar, com os
escassos meios de que dispomos, a vida no interior dos mosteiros da Idade Média,
pondo em relevo, para além do campo religioso, a sua estrutura social, organizacional
e laboral, aguça a nossa curiosidade, é atractivo. Desenvolve a inevitável
tendência para homossexualidade nos ambientes fechados de homens. Relata a
intriga que por vezes se vivia, com os frades professando ideias conservadoras,
por vezes intolerantes. O ter mostrado algumas cambiantes das interferências
entre o poder laico, secular, e o religioso dos conventos, é uma faceta curiosa a explorar.
Dá uma leve ideia de como se iria desenrolar do
Grande Cisma do Ocidente, visto de dentro das paredes dos mosteiros,
descrevendo alguns dos seus contornos menos claros, fazendo uma plena
demonstração de uma Igreja desavinda e intolerante, e de um papado,
dificilmente inspirado por Deus, ao sabor das perversas ideias do mundo, fomentando
a intransigência dos ditos ortodoxos contras os chamados, heréticos, e mesmo aqueles
ódios mesquinhos entre as ordens religiosas, e mesmo no seio delas, atingindo
limites de uma desumanidade, nada coerente com a doutrina professada por
Cristo.
No livro tenta-se explicar como
algumas vezes a Igreja Católica serviu de travão à difusão do conhecimento, à
emergência do pensamento científico, perseguindo quem fosse mais ousado nas
suas descobertas, mesmo tratando-se de puras verdades, afirmando-a como a
guardiã da Idade das Trevas (embora saibamos que noutras épocas serviu para o
preservar). Dai muitas vezes ter fomentado a ignorância, propícia à
intransigência contra os desvios doutrinários no seu seio, e contra as novas
descobertas, o conhecimento científico, servindo-se de uma autoridade que
reforçava com o temor de Deus, mas, apenas para manter os seus privilégios
económicos, culturais e morais, estabelecendo uma espécie de cegueira
colectiva.
A investigação de Guilherme de
Baskerville (estilo Sherlock Holmes) vai toda no sentido trazer luz à vida,
acabar com o reino da ignorância, é contra a crendice, conta a superstição,
propagadoras do ódio, da intolerância, arremetendo-nos para o pensamento
científico, para a tolerância, para a difusão das ideias criativas, no desiderato
imperioso de libertar a humanidade dos seus fantasmas, para que não fique
prisioneira da ilusão. Embora ao assumir-se como ateu consumado, com a mesma
legitimidade com que o crente afirma a sua fé, o seu carácter quase professo, não
direi obstinado, possa colocar reservas ao rigor científico deste trabalho, que
talvez não pretenda ser mais que um romance.
Já depois do romance o autor escreve
um longo texto de crítica literária, recreando-se em mais um belo ensaio, para
se justificar perante os seus leitores e críticos, onde põe à evidência a sua subida
capacidade de análise, as suas inúmeras leituras, o seu poder interpretativo. Sim,
este livro é de uma leitura enriquecedora. James Joyce e José Luís Borges
devem-no ter inspirado. Depois da justificação do título, O Nome da Rosa, fala do romance como facto cosmológico, fruto da
elaboração do autor mas também a construção do leitor, que o primeiro pode
tentar modelar, condicionar, inventar, mas que o segundo pode reinventar,
dando-lhe novas explicações. Fala daquilo que o leitor quer ler e daquilo que o
autor lhe dá. Está aqui muito da sua teoria semiótica.
O autor tem de preparar o leitor
para o conteúdo que lhe quer administrar, a tal “respiração” de que fala. Há
muitos tipos de leitores, desde o ingénuo ao mais sofisticado, ao crítico
literário, diz ele. Justifica o modelo policial que utilizou na sua “metafísica
policial”. Este tipo de romance implica um mistério, um segredo a ser revelado,
o que nos leva ao labirinto. Há três espécies de labirinto, o de Teseu, que
leva obrigatoriamente a uma saída; o maneirista, em forma de árvore, mais
complicado; e o em rede, em forma de rizoma, ainda mais complexo. Ele queria
também um romance que divertisse, e foi por isso que no enredo usou estes
recursos. Desenvolve o tema do romance histórico, que servirá para se
compreender melhor a História, e fala do moderno e do pós-moderno. Para ele
todo o moderno terá um pós-moderno.
Conclusão
em síntese
Trata-se de um romance histórico com
peculiaridades de romance policial, aproveitando o gosto desta época, feito com
o rigor de quem domina o ensaio e conhece os mestres do romance, que está bem
dentro da Idade Média, e nos leva até àquele recuado tempo através das suas
potentes lentes linguísticas e históricas, para nos dar uma faceta do que foi o
Grande Cisma do Ocidente, sobretudo no meio conventual, expondo assuntos que
muitos outros autores nos têm vedado. O livro pode ter várias interpretações,
tão rico de elementos ele está constituído. Há aqui um confronto entre a Idade
Média e a Modernidade, entre a crença cega e a razão. É um rasgo de crítica
contra a intolerância religiosa daquela época, que, infelizmente, se estende
até aos dias de hoje. Há aqui também uma condenação ao fechamento da Igreja, iluminando
a sua faceta obscurantista, uma crítica à inquisição emergente, à riqueza
concentrada na Igreja, nos conventos e mosteiros, uma crítica à corrupção no
seio das instituições religiosas. O livro, pelo “suspense” que cria, é um
desafio à nossa inteligência, frequentemente diverte-nos e, ainda que haja
muita ficção no que escreve, enriquece o nosso conhecimento. É um belo romance.
31/10/2015 21:47
horas. Acabei de ver o vídeo O Nome da
Rosa com Sean Connery. Não corresponde inteiramente ao livro, estás mais sintético e mais
dramatizado. Tem a vantagem de as personagens ficarem mais evidentes perantes nós, através da sua parecença física e indumentária. A biblioteca não será a mesma. Deste livro se podiam fazer outros filmes O Nome da Rosa.
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