ITALO CALVINO





 ITALO CALVINO
As Cidades Invisíveis
Tradução de José Colaço Barreiros
Editorial Teorema (1972) (169 p.)

           O HOMEM
Italo Calvino nasceu em Santiago de las Vegas, em Cuba, em 15 de Outubro de 1923, e faleceu em Siena, Itália, em 19 de Setembro de 1985. Distinguiu-se como romancista, contista, e ensaísta, como difusor do "Realismo Mágico". Viveu no período conturbado de Mussolini, na meninice educado segundo os seus princípios, mas com o início da Segunda Guerra Mundial torna-se um resistente ao fascismo, organização de que faz parte de 1943 a 1945. Com o fim da guerra aderiu ao Partido Comunista Italiano, de que se desfiliou em 1957, após a invasão da Hungria pelas tropas da então União Soviética. Continuou, contudo, um intelectual de esquerda, viajou por diversos país, era muito solicitado para palestras e conferências nas universidades, e muito interventivo, cívica, cultural e politicamente. Ganhou o prémio António Feltrinelli, entre outros. Esteve quatro meses em Nova Iorque, e ainda voltou a Cuba para casar.

A OBRA
Na sua obra há, para quem o quiser estudar mais pormenorizadamente, três períodos: o Neo-realista, o do Realismo Fantástico, e o Híbrido,  Entre as suas obras podemos destacar os seguintes romances:
- O Atalho dos Ninhos da Aranha  (1947) (No Brasil A Trilha dos Ninhos de Aranha)
- O Visconde Partido ao Meio (1952)
- O Cavaleiro Inexistente (1959)
- As Cidades Invisíveis (1972)
- Palomar (1983)

Italo Calvino é um dos escritores mais influentes do século XX. Deu um grande contributo para a afirmação do “Realismo Mágico”. Vamos ler e analisar As Cidades Invisíveis. Trata-se de um romance construído no imaginário como um poema extraído da beleza e fragilidade com que se terá concebido o mundo, de um encanto que não pode ser imediatamente apreendido, qual fluído que nos fuja por entre os nossos dedos sequiosos, quando o pretendamos apanhar. 

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O ROMANCE As Cidades Invisíveis 
 O romance As Cidades Invisíveis possui nove capítulos descrevendo onze tipos de cidade, ao todo cinquenta e cinco. Trata de uma descrição de Marco Polo a Kublai Khan, imperador dos mongóis no século XIII. Passemos em revista uma síntese dos nove capítulos, talvez impossível de se fazer, pois de cada vez que o façamos sairá uma síntese diferente:
            Capítulo I – É enunciada a questão: nada garante que o imperador acredite na descrição que lhe está a ser contada, mas torna-se necessário descrever o que resta dessas milhentas cidades, tentando distinguir nelas algo de substantivo, talvez a filigrana de um desenho tão fino que escape ao roer das térmitas. 
            Capítulo II – Os outros embaixadores falam a Kublai Khan de como vão os negócios nas cidades, mas Marco Polo descreve-as como uma reminiscência ao cair da tarde. São longas viagens ao passado, embora se possam considerar também uma visita ao futuro, descritas de um modo tão vago, tão assombroso que as torne mais ricas, ao criar à sua volta um vazio de palavras.
            Capítulo III – O Kublai Khan acha que as cidades descritas são demasiado parecidas e decidiu que a partir dali será ele a descrevê-las e Marco Polo a ouvi-las, para se certificar se realmente existem. O que este confirma, pois as cidades são sempre uma criação da nossa imaginação. Estas são as cidades em que só se parte.
            Capítulo IV – Marco Polo prossegue com a sua descrição das cidades, mas Kblai Khan num acesso de pessimismo acha que elas talvez já não existam, ao que o primeiro aquiesce, afirmando que o seu objectivo é revelar-lhe vestígios de uma felicidade que ainda se entreveja. O imperador quer que ele lhe revele a grandeza do seu destino e ele recorda-o que deve saber da fragilidade do seu império, revelando-lhe as cinzas das cidades possíveis, que já não podem ser reconstruídas.
            Capítulo V – Kublai Khan sabe que o seu império cresce em grandeza e complexidade e receia que atinja um peso tal que entre em desagregação. Fala então de uma cidade quimérica, que Marco Polo acaba por reconhecer. Este, detêm-se a descrever-lhe uma ponte, mas ao imperador não lhe interessa agora o pormenor, mas o todo: a finalidade, não a razão.
            Capítulo VI – Marco Polo julga já ter esgotado o seu rol de cidades, e o imperador alerta-o para Veneza, de que ainda não tinha falado, ao que este se recusa, com receio de a perder no meio das suas palavras, já que ela é a matriz de todas as outras. O imperador desmistifica-o então, acusando-o de ser um contrabandista de sonhos.
            Capítulo VII – Bastante céptico, Kublai Khan põe em dúvida que as cidades que Marco Polo lhe descreveu possam existir. O mundo talvez seja uma síntese desbotada das nossas lembranças, pois a realidade é tão ténue que às vezes parece só existir no nosso pensamento e se confundir com a sua negação.
          Capítulo VIII – O imperador cansa-se por fim das descrições de Marco Polo, chegando à conclusão de que nas cidades, a vida talvez não passe de um jogo de xadrez que joguemos. E jogá-lo para quê, para ganhar o quê? Talvez o mundo possa ser ilusório, fugidio, uma invenção do nada, e a vida não passe de um sonho.
            Capítulo IX – O jogo de xadrez perde sentido. As cidades dependem mais de quem as ouve do de quem as descreve. Enovelam-se à frente de um atlas. Kublai Khan receia desembarcar nas cidades infernais, ao que Marco Polo o tenta tranquilizar, asseverando que o inferno a existir é aqui. Há duas maneiras de evitar o sofrimento: uma é ignorá-lo, outra é evitá-lo. 

               APRECIAÇÃO GERAL
            São cinquenta e cinco as cidades descritas no romance, e todas têm nome de mulher. O primeiro e o último capítulo incluem dez, e os restantes, apenas cinco. Existem onze tipos de cidade que vão sendo descritas umas entrelaçadas nas outras. São eles: As cidades e a memória, muito erguidas no passado; as cidades e o desejo, centradas na motivação, na avidez; as cidades e os sinais, centradas no simbolismo; as cidades subtis, finas, engenhosas, que escapam à observação; as cidades e as trocas, relacionais; as cidades e os olhos, que têm a ver com o subjectivismo; as cidades e o nome, centradas na identidade; as cidades e os mortos, prevendo a duração, os ciclos; as cidades e o céu, ligadas a ideias de perfeição; as cidades contínuas, que são disformes, colossais; as cidades ocultas, que têm a ver com a sua dualidade, com aquilo que escondem.  

           CONCLUSÃO
          O romance cultiva uma realidade desconforme, descontínua, distorcida. É híbrido de prosa e poesia, capaz de inebriar a inteligência, experimental. As cidades são mais que imaginárias, serão refinadas de sonhos que se esqueceram de acordar na consciência de nascituros. Vivem da sua irrealidade, e só existem porque interagem às provocações de si mesmas. A sua beleza resultará de se suspeitarem nas interrogações trazidas pelo vento. São cidades miríficas que nos obrigam a parar em desertos verbais na convicção de delas vermos apenas um vislumbre etéreo, encobertas na suspeição de não existirem.
            As cidades não são construídas só de casas, de ruas e praças, mas tecidas por relações, desejos, confrontos e ligações, diluídas no espaço e no tempo. Derivam de um molde e procuram inutilmente fixar-se numa forma, tendo de ser a imaginação reconstruí-las. São cidades fantásticas que tanto nos maravilham ou desiludem com a sua presença como com a sua ausência, e só existem porque pensamos nelas. A realidade tem o seu quê de ilusório, possui os seus alicerces no nada.
A vida residirá nessas cidades inverosímeis, improváveis, contraditórias, incongruentes, tão incertas como paradoxais, cabendo apenas na nossa imaginação. Elas são tantas, tão grandes e tão complexas que nunca se poderão conhecer completamente, a sua posse é inexequível, mesmo para o imperador. Elas escondem segredos, magia e perfeições que se diriam pertença de mulheres Que sejam pois, dada a ilusão da realidade, a expressão daquela filigrana tão fina que escape à degradação do tempo.
Toda realidade flui, não estagna numa única configuração, é recôndita, fugidia, difícil de se atingir, impossível de conter, uma substância elástica na nossa imaginação. A grandeza do mundo reside na sua infinita reconstrução, que, sendo volátil, a cada momento modificada, ao evoluir continuamente dá-nos a impressão de ser um imenso vazio que se refaça refulgente a partir do nada. A vida e a morte são ciclos que se anulam mutuamente, recreando-se de mistério em mistério até à exaustão impossível. 


20/9/2013
Martz Inura

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