JOSÉ CARDOSO PIRES
Balada da Praia dos
Cães
(Publicações Dom Quixote 1982)
Editora Narrativa Actual
O
HOMEM
José
Augusto Neves Cardoso Pires nasceu na aldeia de Peso, do distrito de
Castelo Branco, em 2 de Outubro de 1925, e faleceu em Lisboa em 26 de Outubro
de 1998. Veio cedo para a cidade de Lisboa e chegou a frequentar a Faculdade de
Ciências, que abandonou, para exercer as mais diversas ocupações. Sendo filho
de oficial de marinha tentou a sua sorte na Marinha Mercante, queria ser piloto
de alto mar, função de que teve de sair compulsivamente. O seu espírito de
aventura levou-o às letras. Foi tradutor de obras de Artur Miller e McCoy, colaborou
em jornais e revistas, dirigiu uma editora e chegou a ser professor de
Literatura Portuguesa no King`College.
Ao longo da sua dilatada carreira literária recebeu inúmeros prémios, de que se
destaca em 1964, o Prémio Camilo Castelo Branco pelo romance O Hóspede de Job, e o Grande Prémio do
Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores pela Balada da Praia dos Cães, em 1982.
A
OBRA
José Cardoso Pires é autor de vasta
obra literária, constituída sobretudo por romances, mas também crónicas,
contos, ensaios, peças de teatro. Destacam-se alguns romances, que pode começar
a ler: O Anjo Ancorado (1958), O Hóspede de Job (1963) O Delfim
(1968) Dinossauro Excelentíssimo (1972), Balada da Praia dos Cães (1982) Alexandra Alpha (1987).
Sinopse
A leitura do livro de início não é
fácil, mas vale bem a pena, estamos num processo investigativo, e é natural que
haja um período menos iluminado, e que não nos localizemos logo na história.
Esta maneira pouco linear de abordar o caso pode criar nalguns leitores a
curiosidade de o continuar a ler, mas em outros, demoverá, por ver nestas primeiras
páginas pouco sentido. Porém, com esta sinopse já não vai ler este romance às
escuras, não vai precisar de tanta memória para se localizar. O romance reporta-se
aos inícios da década de 60, e foi publicado em 1982. Começa perante um cadáver
descoberto por cães, nas areias da Praia do Mastro. É necessário investigar aquele
crime. Esta sinopse vai descrever mais aquilo que aconteceu, sem descrever
exactamente a forma como o romance está escrito, que é feito de uma forma
gradual e oblíqua, como o terá sido a própria investigação policial. Com este
resumo apenas se pretende facilitar a leitura do livro, que contém muito mais
do que a simples narração de um crime.
Ora bem, perante tão macabra descoberta,
na Polícia Judiciária é nomeado para tomar conta do caso, Elias Santana, chefe
de Brigada, a quem o inspector Manuel Otero vai fornecendo instruções. Na
sequência da investigação pouco depois fica a saber tratar-se do corpo de major
do exército Luís Dantas Castro, recentemente fugido do Forte de Elvas, e logo a
seguir, através de telefonema interceptado pela PIDE, localizam o covil onde
ele e os seus companheiros de fuga se esconderam, a chamada Casa da Vereda. O
que é que tinha acontecido para eles terem vindo para ali? Vejamos, umas
semanas antes tinha havido uma sedição militar para depor o regime salazarista,
que fracassou, indo parar alguns dos seus conspiradores ao Forte de Elvas, a
funcionar então como Depósito Disciplinar. Ali são encarcerados entre outros o
major Luís Dantas Castro; o alferes miliciano, arquitecto, Fontenova; e o cabo
Barroca da GNR, prestando ali serviço, que lhes facilitou e acompanhou na fuga.
Como conseguem empreender a fuga? Vejamos,
fugir dali não era fácil: atrás de uma boa programação, com ajuda interna através
de alguém ali prestando serviço, e apoio exterior, vindo da parte dos seus
familiares. Mena, a amante do major Dantas Castro, com o carro da mãe espera-nos
à saída do forte após a fuga. Conduzem o veículo em direcção à fronteira com
Espanha, precipitando-o para um barranco e incendiando-o de seguida, para dar a
ideia às polícias de que tinham fugido para a França. Porém, em vez disso
seguem até Lisboa, onde esperam a ajuda do advogado Gama e Sá, a quem referem
como “Comodoro”, ligado à oposição, ao Habeas Corpus, instituto com o qual se
invocava a libertação dos réus. Era então uma expressão jurídica muito citada, usada
para tirar os presos políticos de atrás das grades, um último recurso que raramente
surtia efeito.
Vão ocupar a Casa da Vereda, localizada
para os lados de Sintra, uma vivenda abandonada e em ruínas, em que se refugiam
os quatro. Major Dantas, alferes Fontenova, Cabo Barroca e Mena. Tencionam sair
dali para o estrangeiro, mas a sua situação complica-se, faltam apoios,
dinheiro, instruções. A vida naquele antro é deprimente, ao fim de alguns dias
insuportável. Estão foragidos, têm medo de se mostrar, comem mal e dormem sobressaltados.
No meio de um tal ambiente é natural que haja atritos entre eles. O major
Dantas, que fora amigo do pai de Mena em Moçambique, tem uma fixação doentia
por ela, daqueles tais amores obsessivos que em vez de amar são capazes de
ferir, de matar, e para complicar as coisas está impotente, tem frequentes
crises de ciúme, ameaçando matá-la, bem como aos seus três companheiros. Tem
atitudes intimidatórias sobre os três, e pratica sevícias brutais sobre a
amante, fazendo-a por vezes gritar de dor, ao queimar-lhe as costas com pontas
de cigarro em brasa (isto só se sabe quase ao fim).
Os quatro sentem-se ali um tanto
perdidos, o major Dantas anda desvairado de ciúmes, é cada vez menos confiável,
pondo em causa a segurança da fuga e mesmo vida dos seus companheiros. Então na
cabeça de cada um formou-se a ideia imparável de que a solução é matá-lo. (A
mesma situação ocorreu no romance Por
Quem os Sinos Dobram de Hemingway). Depois de alguma conspiração o cabo
Barroca aproxima-se dele e dá-lhe um tiro pelas costas, mas ele não terá ficado
bem morto, foi o alferes Fontenova encarregado de lhe dar mais um tiro, contudo,
azar dos azares, a arma dele encravou, e teve que lhe dar com uma tenaz na
cabeça, processo ainda mais horroroso. Por fim impuseram à Mena que lhe desse
mais um tiro, o que ela fez compungida por eles, para que ficassem os três
comprometidos e ligados pelo sangue àquele crime. Estes factos só ficarão bem
evidentes na reconstrução do crime.
NOTA FINAL: A Balada da Praia dos
Cães foi adaptada ao cinema por José Fonseca Costa em 1987. Faz jus ao livro, do
que nem todos os realizadores se podem gabar. Vale a pena ver, e sobretudo
recordar a bela representação de Raul Solnado no papel de chefe de brigada,
Elias Santana. O autor tem outros livros passados a filme.
Personagens mais importantes
- Elias Cabral Santana, chefe de brigada da Polícia Judiciária, indivíduo de fraca compleição física,
placidez acentuada, com a unha do
dedo mínimo, que é crescida e envernizada, trajando frequentemente com
casaco de xadrez, calça lisa e gravata de
luto (para os devidos efeitos). Olhos
salientes, denotando um avançado estado de miopia, cor de pele e outros sinais
reveladores de perturbações digestivas. Lentes grossas à
toupeira e comportamento mortiço.
È natural de Lisboa, perdeu cedo os pais e ficou aos cuidados de uma tia.
Entrou na Judiciária onde é conhecido por Covas, talvez por prestar serviço na
secção de homicídios, onde desde há vinte anos não faz outra coisa senão
desenterrar mortos, mas só o inspector Otero o trata dessa maneira informal. A
sua vida rotineira é cheia de vazio, desabafa com o lagarto, Lizardo, dá
indícios de ser um frustrado sexual, obcecado com a morte. Mesmo assim há algo
humano nele que nos cativa ou intriga. Usa uma linguagem forense, é tomado pelo
passado e não vai muito à bola com a PIDE, a quem faz comentários depreciativos.
Andante, andante! Exclama, para fazer as coisas correr mais depressa.
Inspector Santana do filme Balada da Praia dos Cães de José Fonseca Costa (o actor Raul Solnado)
- Manuel F. Otero, inspector da Polícia Judiciária, um homem de
expressão sarcástica, porte altivo, olhar distante. Alcunha de “Cenoura” por
ser ruivo. Era amanuense do Tribunal Cível e entrou na Judiciária como estagiário,
subindo rapidamente de agente de agente de 2ª classe para agente de 1ª classe,
subindo a inspector, depois de um curso de direito que tirou prejudicado pelos seus romances com
divorciadas. Tem complexos de afirmação, pretensiosismo de distinção no vestuário, vestígios de anticlericalismo
derivados talvez de ter frequentado o seminário. Bem relacionado, não muito
crente no sistema, mas a querer aproveitar-se dele. Anda a estagiar para
exercer advocacia, talvez nestas funções ganhe mais e se aborreça menos. O seu
perfil é mais carreirista que o de Elias Santana.
Inspecto Otero do filme Balada da Praia dos Cães de José Fonseca Costa (actor Henrique Viana)
- Filomena de Ataíde (Mena). A principal figura feminina do romance, pelo
menos aquela que o chefe de brigada Elias Santana mais ouviu, e em volta da
qual parece girar toda a história, tão ligada que está ao morto. É uma mulher
ainda jovem, mas com coxas serenas e
poderosas, um corpo atraente de desassossegar os homens, um olhar longínquo
mas fatal. Vemo-la quase sempre a fumar, talvez para disfarçar o nervosismo que
a corrói. Todos os homens que circulam sua volta acabam por ser tomados pela
sua beleza, e ficarem se não apaixonados, pelo menos tocados pelo seu fascínio.
Bem, tem um corpo sumptuoso; e todo
concreto, cada coisa no seu lugar. É amante do major Luís Dantas de Castro,
amigo do ai desde os tempos de Moçambique, que seduziu. Sobre ela são
perpetradas violências pelo major, impotente e ciumento, que lhe chega a
queimar as costas com pontas de cigarro acesas, como se disse. Foi detida no
Novo Hotel Residencial em 10 de Abril. Está envolvida na morte do major, mas é
mais uma vítima das circunstâncias. Talvez como os demais interventores deste
caso.
Mena do filme Balada da Praia dos Cães de José Fonseca Costa (actriz Assumpta Serna)
- Luís Dantas Castro. Major do exército, o corpo foi encontrado em 3
de Abril de 1960 nas areias da Praia do Mastro. Pessoa de razoável compleição
física e bela fisionomia, um tanto revoltado com o mundo e com o regime, de
quem tinha tiques autoritários. Tomou parte num golpe militar para derrubar o
regime de Salazar e foi preso no Forte da Graça, à data uma prisão militar, onde
aguardava julgamento, e donde se evadiu. Era amigo do pai de Mena em
Moçambique, tornando-se amante dela. Depois da fuga, como se disse, simulou uma
saída para o estrangeiro e refugiou-se na Casa da Vereda, esperando apoio do
advogado Gama e Sá, que acossado pela PIDE não lho pôde prestar. Para dar-se a
ares de ter o seu apoio, com Mena simulou contactos com ele. Num ambiente de
medo e inquietação em que vivia começou a desvairar, ao ficar impotente tornou-se
mais inseguro e violento, com os nervos incontroláveis. Praticava sevícias,
violências graves sobre a amante, a quem queimou as costas com cigarros acesos,
como foi dito.
- Renato Manuel Fontenova Sarmento, alferes miliciano, e arquitecto.
Jovem cheio de ideias libertadoras, ligado à resistência e à oposição
estudantil, com sonho de altos voos em tomar parte na deposição de Salazar.
Ficou preso com os outros no Forte de Elvas (Forte da Graça), e acompanhou o major
Dantas Castro na fuga, estando envolvido na sua morte. Fugiu depois deste
incidente para o Algarve com Bernardino Barroca, onde foi preso na Praia do
Areal em 2 de Maio.
- Bernardino Barroca, Cabo da GNR da guarnição do Forte de Elvas, que
foi aliciado a colaborar na fuga dos dois militares, e com quem fugiu. Está envolvido
em elevado grau com a morte do major, a quem foi o primeiro a dar um tiro.
Depois disto fugiu com o alferes Fontenova para Algarve, onde foi preso como
ele.
Gama
e Sá, advogado ligado à oposição salazarista, a quem chamavam Habeas
Corpus (direito de alguém ser presente a um juiz ou
tribunal em caso de suspeita de privação ilegal da liberdade). Na altura
este era um instituto muito invocado para a libertação de presos políticos, que
raramente funcionava, repete-se, para os mais jovens o poderem decorar. E nem
todos os advogados tinham coragem de o fazer, pois eram logo conotados com a
oposição, podendo ter a carreira comprometida. Esteve envolvido, mas a sua
acção foi contida, dado estar a ser perseguido, mas mesmo assim acabou por ser
preso.
- Marta Aires Fontenova Sarmento: Mãe do alferes Fontenova, viúva de
63 anos de idade. Negou estar envolvida no caso e recusou-se a admitir a
culpabilidade do filho. Mostrou-se doente perante a Judiciária mas mesmo assim
foi detida, passando alguns dias no hospital.
Silvino
Saraiva Roque, agente de 1ª Classe que colaborou nas investigações, está
presente na reconstrução do crime.
Francisco
de Ataíde, o pai de Mena, pessoa abastada e com boas relações, veio da
África do Sul tentar apoiar a filha.
Breve apreciação do romance
O livro começa como a descoberta do
cadáver na Praia do Mastro, desenterrado pelos cães, o “De cujus” (termo do
meritíssimo juiz que servia para evitar o nome do falecido), e depois se verá
que isto tem um pouco a ver com a oposição ao regime salazarista, que também estará
cadavérico. A acção decorre perante uma paisagem de ruínas, não só físicas,
visíveis no carro destruído e nos prédios que os fugitivos habitam, mas também
humanas, se analisarmos o escoramento psicológico das personagens. O investigador
Elias Santana, ele próprio articulado de passado bolorento, é eficaz quanto
baste, vê a situação política com distanciação, sendo apesar de tudo simpático,
mas um homem só, dialogando com afecto apenas para o seu lagarto de estimação,
Lizardo, fechado numa redoma de vidro. Pode-se fazer uma analogia desta
clausura que ele sentirá, sufocado perante o autoritarismo que o cerca, e o
próprio país, a quem é cerceada a liberdade. Vemo-lo a deambular com desdém com
a sua unha pérfida através de situações tão tétricas como escabrosas. Usa
frequentemente expressões sarcásticas, ridicularizando não só os podres das
personagens como também os da política.
Trata-se de um romance policial, mas
vestindo uma roupagem que não era esperado encontrarmos, carregado de um peso
político e social que dá a ilusão de o autor estar a olhar para o colectivo
português, fazendo deste livro quase um romance de costumes, uma história de
amor que acaba mal. O seu estilo integra-se no neo-realismo: sensibilidade
social, inspiração marxista. Há todo um processo de investigação policial,
cronometrado pelo ritmo e vícios de uma Polícia Judiciária, a quem a PIDE
intimida. À sua estrutura linguística não escapa o olho forense, a métrica dos
autos de averiguações, dos processos-crime, sim, mas também aquele ambiente
pesado em que se vive, com as esquinas das ruas vigiadas, os telefones sob
escuta, os cafés frequentados pelos esbirros da PIDE. O clima totalitário parece
apossar-se do ar das salas em que decorre a acção. O que valoriza este livro,
mais do que uma história obsessiva, cujo segredo só é revelado ao fim, é o
funcionar como um retrato de uma época. Há por traz de todo o crime uma
ambiência conspirativa contra o regime, um clima de medo perante a polícia
política, ideias de um outro país com que muitos sonham.
A polícia política (PIDE) sobressai
como a eminência tutelar do regime, imperando mesmo perante a Polícia
Judiciária. O próprio poder judicial pode pouco contra os instrumentos que ela
consegue manipular. A dita tem informadores por todo o lado, tem controlo sobre
a correspondência, sobre as chamadas telefónicas: a ideia que se tem dela é a de
ser omnipresente. O regime de então, sobretudo no espaço político e policial,
com as fotografias de Salazar espalhadas pelos gabinetes e instituições do
Estado Novo, sempre em posição altaneira e com o seu olhar grave, como que
parecem presidir dali aos destinos do país, espiando a vida dos cidadãos, refreando
as suas ousadias políticas, impondo-lhes uma moral de cariz conservador. A
cidade de Lisboa é aqui sombria, talvez o ambiente austero e depressivo que
impera nos ares lhe configure aquele carácter de mausoléu frio e opaco que o
autor lhe dá. O seu espaço carregado de medos e inibições, fingindo uma paz que
não existe, estender-se-á ao resto do país. O chefe de brigado Elias Santana,
sendo um homem do sistema, vê o regime com um olhar esquivo de quem não
acredita totalmente nele, embora o sirva, mas de um modo passivo, pouco
entusiasmado.
O livro baseia-se num caso real,
embora o autor defenda que entre o facto
e a ficção há distanciamentos e aproximações a cada passo. Sim, um autor
por mais documentado que esteja nunca pode reproduzir o que se passa
exactamente na cabeça das pessoas, daí elas serem personagens, e é confortante
que nos refugiemos na ficção para não sermos acusado de menor rigor. Existe um narrador, mas muitas
páginas do texto são simples leituras de notícias que interessam ao processo
investigativo, ou mera reprodução dos autos, indo o autor seleccionar aquilo
que mais interessa à solução do caso. Há múltiplos discursos. O livro como que
desafia o leitor a colaborar na investigação, saltita pelas personagens, pondo
de permeio documentos que é preciso analisar, utiliza a linguagem forense,
precisa mas desprovida de emoção, a não ser aquela que cabe aos intervenientes
dos autos, para os quais é repulsiva, causadora de calafrios. É óbvio que
nenhum depoimento corresponde inteiramente à verdade, é sempre uma sua aproximação
ao favorecimento de quem o debita. O próprio autor, José Cardoso Pires, disse
numa entrevista que o seu romance era uma
valsa de conspiradores, os quais espelham a necessidade de mentir sempre, numa
pátria em que é preciso passar uma fachada de normalidade.
A narrativa do romance não é linear,
é fragmentária, como são estes processos, e pode situar-se a três níveis, o primeiro consiste no interrogatório da sedutora
Mena, a despertar a nossa curiosidade e a infundir um radicado erotismo à
narrativa, que está a ser ouvida perante o processo a fim de se esclarecer o crime,
mas que só desvenda dele aquilo que lhe interessa; o segundo nível é o correr do próprio processo, perdido pelo país, com
os dados que se foram colhendo, as provas que vão sendo feitas e levadas
perante Mena, com as quais Elias Santana, obcecado pelas suas coxas soberanas, pretende desmontar toda
aquela história, fazendo uma reprodução dos métodos das polícias do Estado
Novo; o terceiro nível é tecido à
volta da própria vida rotineira do inspector, mergulhado entre objectos antigos
de um passado decrépito, os seus altares familiares, os seus santos e amuletos,
o seu lagarto de estimação, Lizardo, fechado numa redoma de vidro, com quem
desabafa as suas frustrações, tem os seus comentários pessimistas perante o
processo e perante a vida, numa visão que funcionará como amostra da sociedade em
que vive. Daqui também se pode retirar excertos de uma filosofia niilista que o
inspire. Conclusão: é um livro curioso, deveras original, que retrata com
fidelidade o quadro policial e repressivo de uma época, um romance que ajuda a
compreender o Portugal do século XX, obrigatório nas nossas bibliotecas.
16/3/2016
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