ERNEST HEMINGWAY
POR QUEM OS SINOS
DOBRAM
EDIÇÃO «LIVROS DO BRASIL» LISBOA
Tradução de Monteiro Lobato
O
HOMEM
Ernest Miller Hemingway é natural do Estado de Idaho, dos Estados Unidos da
América do Norte. Nasceu em 21 de Julho de 1899 e faleceu em 2 de Julho de 1961. Fez apenas o segundo
ciclo liceal, aventurando-se ainda jovem à carreira do jornalismo. Quis-se
oferecer para a Primeira Grande Guerra, mas foi recusado por ter problemas de
visão, contudo, não iria desistir da ideia de entrar na guerra, conseguindo um
lugar de motorista na Cruz Vermelha em Itália. Vem dali O Adeus às Armas. Regressa à Europa em 1921, e aqui estabelece aqui
relações privilegiadas com personalidades, que se viriam a tornar famosas, como
Ezra Pound, Scott Fitzgerald, e Gertrude Stein.
Teve uma vida muito atribulada, com
quatro casamentos e outras paixões à mistura. Foi premonitória a confissão de
Fitzgerald, quando disse que ele precisava de uma mulher a cada livro. Acabada
a guerra volta para a América, instala-se na Florida, mas cedo se aborreceu
daquela monotonia em que vivia. Em
1930 está em Havana, a capital de Cuba, e entre 1936 e 1939, durante a Guerra Civil de Espanha, em Madrid, como
correspondente de um jornal. Esta experiência inspirou Por Quem os Sinos Dobram. No fim da Segunda Guerra Mundial instalou-se em Cuba,
mais outra paixão e um novo
romance, O Velho e o Mar. Com a idade a sua saúde debilitou-se, sofria de
diabetes, hipertensão, perda de memória, entrou em depressão, doença que já
tinha afectado fatidicamente seu pai, e que o veio a levar a ele também ao
suicídio com uma espingarda de caça.
A
OBRA
Ele foi jornalista, repórter de
guerra, tem uma produção literária variada, que consta de literatura de viagens,
como As Verdes Colinas de África, As Neves do Kilimanjaro, crónicas de
grandes momentos como Morte na Tarde,
Paris é uma Festa, cartas, contos,
histórias, e dez romances, de que se destacam: O Adeus às Armas, Por Quem os
Sinos Dobram e O Velho e o Mar.
As
suas obras ganham mais sentido e tornam-se mais veemente quando retratam as
suas experiências pessoais, de que ele se socorre para lhes dar um realismo
muito intenso. Ganhou o prémio Pulitzer em 1953,
depois de ter publicado O Velho e o Mar,
e em 1954, foi laureado com o Nobel de Literatura. É conhecida a paixão do autor por Espanha.
POR QUEM OS SINOS
DOBRAM
Sinopse
do romance
Como estratégia para uma ofensiva
republicana, o general Goltz destaca Robert Jordan para a zona de Segóvia, onde
vai dinamitar uma ponte, integrado numa operação mais vasta, destinada a
conquistar aquela cidade. Tem ali a apoiá-lo dois grupelhos instalados em
cavernas, o de Pablo, com 11 elementos e 5 cavalos e o de El Sordo, com 17 e
sete cavalos, relativamente afastado.
O grupo tinha elementos vindos da
Estremadura, de destruir comboios. Pablo dá nome ao grupo, mas é um bêbado impenitente,
descrente daquela acção ofensiva, e é a mulher, Pilar, que verdadeiramente manda
ali. Pensam mesmo em matar Pablo, dado perigo que ele representa para o grupo,
mas a mulher opõe-se e fica-se por aí. Esta apresenta a jovem Maria a Jordan,
que com ela vai desencadear a relação romântica do romance. Mesmo de cabelo
rapado, por acção dos falangistas, é graciosa e bela.
Reconhecem a ponte que se pretende
destruir, mas a missão é difícil, está ali um destacamento militar galego a
protegê-la. Um forte nevão obriga a atrasar a operação. A vida na gruta é
estúpida, ainda que cheia de sobressaltos, sobretudo quando sobrevoados por aviões.
Aproveitam para recordar o passado recente, a acção de Pablo na tomada de Ávila
e a morte horrenda de 20 fascistas com manguais de malhar trigo.
Fazem uma visita ao grupo de El
Sordo, que os vai apoiar, e regressam ao seu covil. A missão é difícil, questionável, não tem o apoio de Pablo, mas mesmo assim estão determinados a sacrificar-se pela República.
Na ausência do marido, Pilar conta excertos da sua vida antes da guerra e a sua
relação com Pablo. Este deve ter ouvido qualquer coisa a seu respeito que se
mostra mais colaborante. Aguarda-se pelo melhor momento para desencadear a
acção, na gruta fala-se de episódios recentes da guerra, a morte de
misericórdia de um dos seus amigos, Kachkine, que foi gravemente ferido numa acção.
Pela caverna passa um elemento
destacado de uma patrulha falangista, aproxima-se demasiado e é abatida por
Jordan e o cavalo recolhido. Temem um assalto e colocam quatros metralhadoras
em posições estratégicas. Pouco depois aparece o resto da patrulha, que passa
sob a mira das suas armas. Os falangistas parecem não dar pela sua presença e
estes não desencadeiam o ataque, passando despercebidos, o que os terá salvado
de uma morte certa.
Pouco depois, ali perto, o grupo de
El Sordo é atacado. Ele tinha mandado procurar cavalos e denunciado a sua posição.
Há quem no grupo de Pablo queira ir ajudá-los, mas acabam por desistir da
ideia, isso ia ser inútil, os dois grupos iam ser dizimados e não seria
possível levar a cabo a missão de destruir a ponte. El Sordo resiste aos
falangistas, desloca-se para cimo do monte, mas pouco depois vem a aviação que
desfaz o grupo, que acaba por ser aniquilado pelos falangistas.
É uma sensação terrível de saber que
os seus amigos tinham sido todos mortos, mas felizmente encontra-se vivos, não
foram detectados. Perante esta situação Jordan escreve uma carta a Goltz, enviando
o seu emissário, Andrés. Aguardam naquela sofreguidão, Maria acaba por contar a
Jordan as sevícias, as violências e atrocidades por que passou às mãos dos
falangistas. Uma história de um horror difícil de ouvir da sua boca.
O nevão foi forte, ainda se demoram,
na gruta, entretanto Jordan aproveita para evocar o seu passado, falando do seu
avô, e do seu pai, que se suicidara. Naquele impasse desaparece Pablo, bem como
os explosivos destinados a fazer a detonação. Entretanto, Andrés, que fora
levar a mensagem a Goltz, encontra especiais dificuldades em penetrar nas
linhas amigas, onde há muita desconfiança, muita burocracia. No grupo, depois
de um reconhecimento à ponte fazem um ponto da situação e dão-se conta da sua
insuficiência para empreender a missão.
Entretanto, Pablo, arrependido,
regressa com cinco camaradas, ingénuos militantes da causa, dispostos a dar a
vida pela República, mas sem os explosivos, que deitara ao rio. Jordan, com
algumas granadas e uns restos de explosivos, consegue reunir material para ir
fazer explodir a ponte, improvisando. O resto pode o leitor saber ao ler o
livro. A acção decorre num intervalo de quatro dias, sempre na eminência do
perigo, com a morte a rondar por perto, alguma paixão à mistura, e
reminiscências de carnificinas a povoar-lhes o pensamento.
Personagens
mais importantes
Robert
Jordan: americano que se ofereceu para as Brigadas Internacionais em apoio
à República Espanhola, e é destacado para destruir uma ponte. Tem uma paixão
por Maria.
Pilar:
Mulher de Pablo, personagem forte de mulher, que cheira o futuro, e quem
verdadeiramente manda ali no grupo, a sibila do romance.
Maria:
Jovem que foi estuprada pelos falangistas, e se deixa apaixonar por Robert
Jordan. Figura frágil, vitimizada, a dar um lampejo de romantismo no meio de tanta tragédia.
Pablo:
quem dá nome ao grupo, corajoso no passado, mas que está afectado psicologicamente
pela guerra. É um bêbado inveterado, por vezes cobarde.
Anselmo:
Guia de Robert Jordan, corajoso mas sensato, ainda tocado pela humanidade que
escasseia por ali.
Rafael:
o cigano, pessoa ingénua, bem-intencionada, mas pouco vocacionada para aquela
guerra.
Linguagem.
Utilizada uma linguagem objectiva,
fria, sem grandes artifícios, jornalística, dando vida a factos intensamente
vividos, abrangendo os episódios mais horríveis daquela guerra, as cenas mais
desumanas, qual rosário de calamidades, cada qual a mais horripilante, mas
também com momentos de doçura, de esperança e lirismo, a vida, toda ela, no seu
selvagem esplendor.
Recorre muito ao discurso directo. Usa
e abusa de longos diálogos sem qualquer comentário ou descrição, mas estes são
tão intensos e verdadeiros que os conseguimos suportar sem enfado. O ambiente
de guerra é pesado, o futuro imediato imprevisível, o que leva a que as
palavras se tornem densas, cheias de um significado que é imperioso apreender.
Importância
desta obra
Por
quem os Sinos Dobram é uma obra marcante, com uma intensidade e uma riqueza
de pormenores com que se costumam distinguir os romances de cariz autobiográfico.
Apesar de, ao longo da narrativa as personagens estarem sempre sob o espectro
de uma morte iminente, a vida ocorre ali nas suas diversas cambiantes, transborda
de humanidade. Hemingway consegue traduzir com alguma exactidão os efeitos do egocentrismo
e do divisionismo espanhol: Onde se
encontrarem três espanhóis juntos, dois aliam-se contra o terceiro, e depois o
dois primeiros começam a trair-se mutuamente. Nem sempre, é claro, mas com a
frequência suficiente para tirar uma conclusão. E infelizmente, esta
característica não será estranha a toda a humanidade, desde Abel a Caim.
Embora alguns críticos possam
encontrar fraquezas neste romance: como sejam a linguagem por vezes obscena; o
amor salvífico entre Jordan e Maria, por demais repentino para ser crível;
algumas paragens na narrativa, justificadas pelo nevão, que ele aproveita para
evocar o passado; longos diálogos com pouco enquadramento; uma linguagem por
vezes coloquial, jornalística; quanto a nós, estas debilidades são pouco relevantes,
o livro relata com grande veemência as consequências do ódio e da intolerância,
com o seu caudal de perseguições despóticas, processos vexatórios, suplícios cruéis,
condenações demenciais, atentados irracionais, e todo um rosário de desvarios, que
ele descreve com uma grande leveza de meios, sem descurar o rigor narrativo.
Quase sem querer, leva-nos ao interior de uma guerra civil, de violência
estrema, a que assistimos à distância, interessados, ainda que com alguma
repulsa.
As insuficiências que se apontam ao livro
serão apenas artifícios para escrever o romance, que é sobretudo uma obra de
arte, não um exemplar de realismo e convenções que se queiram apresentar ao
leitor. O livro obriga-nos a uma reflexão profunda sobre a vida e a morte, o
amor e o ódio, a coragem e a cobardia, a relatividade das ideias, a baixeza a
que pode descer o género humano. É o testemunho da insanidade a que leva à
guerra, aqui civil, que opõe irmãos, cidadãos do mesmo país, e, por amor a ideias
de um valor passageiro, mesquinhas. Os fins defensáveis não podem justificar os
meios perversos. Ele conduz-nos a ambientes, realmente vividos, em que se mata
e morre por ninharias, a sociedade perdeu a sua consciência moral, entrou em
anomia.
Este livro, pondo a nu a violência que ainda existe no género
humano, gerada no interior do caldo económico, social e cultural em que se
insere, é, sem dúvida, uma obra que
consegue iluminar historicamente um período dos mais importantes do século XX,
premonitor da Segunda Guerra Mundial, em que o imperialismo económico e
político e as ideologias estão no seu auge, é um dos manifestos anti-guerra mais
veementes que se possam ler, uma obra a vários títulos fundamental para a
compreensão deste período. Ainda que Hemingway não se detenha em grandes
explanações morais, a vida está lá, com toda a evidência, para o leitor tirar
as suas ilações de ética. Os sinos dobravam pelos milhares de mortos que estavam
a ocorrer a cada momento por toda a Espanha católica, vitimizando as duas
facções em luta, e continuam a dobrar pelas vítimas das guerras que sobrevêm ainda
hoje, estupidamente, por esse mundo fora.
Por Quem os Sinos Dobram de Ernest Emingway é enfim, um romance poderoso, um clásicco da literatura do século XX, que combina uma narrativa direta e emocionante com uma análise detalhada e profunda daquela guerra, equacionando magistralmente as suas diversas compnentes: a ideologia e a convição, o amor e o sacrifício, a solidariedade e a traição, a morte e todos os aspetos a que está associada, de privação, tragédia, choro, desolação, injustiça. Há que ler este livro
Martz Inura, 21 de
Junho de 2015
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