JOHANN
WOLFGANG VON GOETHE
Fausto
EDIÇÃO
AMIGOS DO LIVRO LISBOA
ÉDITIONS
FERNI GENÈVE
O
HOMEM
Johann
Wolfgang von Goethe
nasceu em 28 de agosto de 1749 em Frankfurt am Main, e faleceu em 22 de março
de 1832 em Weimar, aos 82 anos. Era filho de pais abastados, ainda com descendência nobre,
que viviam dos seus rendimentos. Recebeu uma educação esmerada. Teve como
mestres o pai, jurista e homem culto, e a mãe, que o introduziu à leitura da Bíblia.
O ensino não se ficava pela Literatura, Filosofia, Matemática e Ciências Naturais,
incluía também a Dança e a Equitação, a Religião e o Desenho. Recebeu mesmo
aulas e piano e violoncelo. E não negligenciaram o cultivo das línguas, ele
sabia falar alemão, francês, inglês, italiano, latim e grego. Dispunha em casa
de uma biblioteca de cerca de 20.000 livros. Em 1771 licenciava-se em Direito. Sendo
um privilegiado, soube aproveitar-se destas benesses.
O
pai queria que ele seguisse a carreira jurídica, mas ele cedo deu primazia à
vida literária e daqui a pouco estava envolvido na criação do movimento
literário, denominado «Tempestade e Ímpeto» como reação ao classicismo e
Iluminismo, postulando um poesia impetuoso em que a emoção sobrelevasse a razão.
O pai ainda queria virá-lo e chamou-o a Wetzal para trabalhar na corte e
atraí-lo à política, mas ele apaixona-se pela noiva do seu melhor amigo, a
jovem Charlotte Buff. Foi grande o escândalo. Num período em que os casamentos
ainda eram tratados pelos pais teve de afastar-se dela de coração partido. Daí
escrever Sofrimentos do Jovem Whether, uma obra de cariz romântico até
ali desconhecido que o tornou rapidamente conhecido por toda a Europa.
Em
1775 é convido pelo Grão-Duque, Carlos Augusto, para funções administrativas e
ministeriais no ducado de Weimar, onde viveu até 1786. Tem pouco tempo e
deixa-se envolver pelas ideias da época, adere à «Maçonaria Iluminada», que
chegou a ter muita influência na altura até ser extinta em 1787 pelo governo da
Baviera. Mas mais uma vez apaixona-se por uma mulher, Charlotte von Stein, que
o vai trazer empolgado durante algum tempo, de que resultam muitos poemas e
cerca de 2000 cartas. Porém, em 1786 o seu amor com Charlotte von Stein
desmorona-se, e mais uma vez ele vai sofrer um grande desgosto, é a sua sina.
Parte então para a Itália, sob um pseudónimo, para não ser reconhecido. Aqui
toma contacto com a cultura clássica, que admirava, e se restabelece
psicologicamente.
Em
1791 regressa finalmente a Weimar, onde assume novas funções administrativas e
políticas no ducado. Chega a dirigir o Teatro de Weimar e a ser conselheiro da
Universidade de Jena. Ele tem contactos com Friedrich Schiller, George Hegel e
Friedrich Schelling, grandes vultos da cultura alemã. Em 1806 conhece
Christiane Vulpius, mulher do povo, com quem casa e permanece até à sua morte,
em 1816. Estava num período de dominação napoleónica, difícil de digerir pelos
alemães. Todavia, aceitou uma condecoração de Napoleão em 1808 no Congresso de
Erfurt. Tem diversas intervenções na política e na cultura e continua a escrever
e a rever algumas das suas obras, entre as quais Fausto, a que dá uma
versão definitiva. Está sepultado no cemitério de Weimar ao lado de
Schiller.
A
OBRA
Wolfgang
Goethe Insere-se no romantismo alemão, com Herder e Schiller, em oposição ao Iluminismo
e Racionalismo francês. A sua obra é variada e vasta. Estende-se ao romance, ao
teatro, à poesia, ao ensaio, à literatura de viagens, às cartas. Fez mesmo
incursões nas ciências naturais. Vamos aqui citar só algumas que pode ler,
deixando a outra para as biografias dele, que contém mais de uma trintena de
originais. Vejamos:
Novelas:
–
Os Sofrimentos (As Mágoas) do Jovem Wertheer (1774)
–
Os Anos do Aprendizado de Wilhelm Meister (1796-97)
–
As Afinidades Eletivas
(1789)
Teatro
–
Urfaust (1775) (O
Primitivo Fausto ou Fausto 0)
–
Egmont (1775-78)
–
Torquato Tasso
(1780)
–
Fausto I (1806)
–
Fausto II (1832)
(obra póstuma)
Obra
poética
–
O aprendiz de Feiticeiro (1797)
–
Divã Ocidento-Oriental (1827) (versão ampliada)
Obras
épicas
– Hermann
e Doroteia
(1996-97)
Obra
científica
–
Teoria das Cores (1810)
Obra
autobiográfica
– Viagem
à Itália (1813-17)
FAUSTO, a obra aqui em análise
a)
Principais
Personagens:
–
Henrique Fausto: Um erudito com sede de saber e riquezas, porventura
baseado na vida de Joahnn George Faust (1480-1540)
–
Mefístófeles: um demónio, não muito mau, pois até gosta de visitar o
Senhor, ligado ao desejo e à tentação. É a metamorfose de um cão.
–
Margarida Gretchen: o amor de Fausto, de 14 anos, a natureza em flor,
representa a Terra maltratada pelo homem.
–
Marta: a vizinha de Margarida
–
Valentim: irmão de Margarida
– Wagner: assistente de Fausto
–
Senhor: aparece no prólogo do Céu, representa Deus
b)
Breve
resumo:
–
Fausto começa com três trechos introdutórios, como que a preparar-nos
para a tragédia que se vai desenrolar. O primeiro é a Dedicatória, que
aparentemente não se dirige a ninguém, não é senão um olhar nostálgico para o
passado do autor, como algo que só existe nele, saído da sua memória, não mais
que nada. Passa para um Prólogo sobre o Teatro, que é uma discussão
sobre o teatro, em que equaciona a sua função, mas também a problemática da sua
realização, a sua aceitação pelo público, a sua rentabilidade comercial.
Segue-se o Prólogo no Céu, este já integrado na peça que se vai seguir,
desempenhando nela um papel fulcral. Aqui o leitor é levado para um mundo
medieval, onde há um Céu e um Inferno, Deus e o Diabo, a Terra e o Homem. Este
prólogo é estrutural no livro, é nele que intervém Deus, aqui na forma de o
Senhor, e o diabo com o nome de Mefístófeles, o homem, representado por Fausto.
O diabo faz uma visita ao Senhor e desdiz do homem, que pede dos céus as
mais belas estrelas, e na Terra as mais sublimes alegrias. Acontece que
falam de Fausto, em quem o Senhor deposita grandes esperanças, diz que ele o procura
ardentemente na escuridão, e que o quer conduzir brevemente à luz. Mefístófeles
faz então uma aposta com o Senhor, insinuando que ele é tão leviano como os
outros, e o conseguirá descaminhar.
A
Primeira Parte (Fausto 1) inicia-se em plena noite, com Fausto inquieto
numa sala abobadada à volta da Filosofia, da Jurisprudência, da Medicina e da
Teologia. Tem o desejo de saber, e consegue progredir neste desiderato através
da ciência e da magia. Tem uma vida solitária. Vive com o seu assistente
Wagner, e um cão que encontra na rua. Um dia ao ler a Bíblia lê o versículo «Em
princípio era o verbo» e o seu cão transforma-se em Mefistófeles, um diabo. Este
tem aparência humana, é amigável, pois até fala com o Senhor, e, ao vê-lo refém
da ambição, mediante um pacto vai proporcionar-lhe a satisfação de todos os seus
desejos. De repente sente-se belo e triunfante. É a partir daqui que a ação
toma forma, ele conhece a jovem Margarida, de 14 anos, bela e esplendorosa. Ele
deseja-a, Mefistófeles adverte-o que ela é virgem e inocente. Mas ele persiste
em a possuir. Para que possa satisfazer o seu desejo o diabo aconselha-o a
oferecer presentes, a que nenhuma mulher resiste. Fausto segue os seus
conselhos e consegue ter Margarida, indo resultar desta fruição uma série de
desgraças. Margarida aparece grávida, o que na altura era uma desonra, sendo
ela solteira. O irmão de Margarida, Valentim, para salvar a honra da família desafia-o a um duelo, no qualquer perde a vida, pois Fausto tinha a proteção do diabo. Margarida fica louca, já não
consegue reconhecer ninguém, e no meio deste drama acaba por ser acusada de
matar a mãe e o próprio filho, sendo encarcerada. Contudo, tem fé em Deus e
acaba por ser perdoada e Fausto condenado por ter feito um pacto com o diabo.
A
Segunda Parte (Fausto II) começa com Fausto na corte de um imperador,
cansado da sua curiosidade científica, e com o coração dilacerado por aquele
amor falhado com Margarida. Segue-se um Intermédio em que ele vai mergulhar na
mitologia greco-romana e na crença cristã. Ele está a viver como que num sonho,
que é a vida, na eterna procura, seduzido pelas maravilhas fátuas da ciência e
pela beleza volátil das coisas, quando descobre o vazio que é a existência, e
mergulha na noite mais profunda. De tanta procura esgota-se, e acha que não
vale a pena procurar mais. É levado pelos espíritos para um mundo arcaico só sonhado
por ele. O «homem moderno» é um eterno insatisfeito, ele não chegará a lado
nenhum. Talvez o sentido da vida esteja em simplesmente viver, na ação e na
criação, talvez não haja nada de transcendente com que se preocupar. Ele resume-se
a um segmento de passado, redime-se em simplesmente viver. Fausto é salvo no
epílogo, ele consegue regenerar-se, a soberana do céu, a Mater Gloriosa,
salva-o in extremis. O Senhor só em parte ganhou a aposta, e em razão da
Sua bondade, porque Fausto deixou-se cair em tentação, Mefistófeles conseguiu
desencaminhá-lo.
Estátuas de Goethe e Schiller em Weimar |
UMA
APRECIAÇÃO GERAL DA OBRA
Quem
hoje ler Fausto, se não estiver familiarizado com o autor ou com o
período em que ela se insere pode não apreciar muito esta obra, que lhe parecerá
complexa e enfadonha. Ele que não se admire, porque outros já passaram pelo
mesmo. O problema está nele, não na obra.
Por alguma razão esta foi muito popular no seu tempo, e se manteve viva e
operante até ao presente, estando traduzida em quase todas as línguas. Não foi
sem fundamento que Hermann Grimm em 1874 disse que Goethe é o criador da
nossa língua e da nossa literatura. Foi a alma do seu século e o píncaro mais
alto da orografia espiritual germânica. Ou para Thomaz Carlyle, para quem Goethe
representava a realização de tudo aquilo que tem verdade universal e poesia
eterna. Ele conseguiu, pois, apurar a Língua Alemã, reformulou na sua época
a maneira de sentir a vida, interferindo na visão do mundo. Para lermos esta
obra temos que no situar no tempo, sabermos que ela tem a sua génese em 1775,
quando a literatura moderna era embrionária, e a Língua Alemã precisava ainda
de ser trabalhada. As traduções dificilmente conseguirão traduzir a beleza com
que está escrita.
A
tragédia Fausto deve ser também analisada sob o seu ponto de
vista filosófico. Ele faz sobretudo na segunda parte uma poderosa análise ao «homem
moderno», que ainda se mantém atual. Olhemos para o ser humano atual, hedonista,
ávido de riquezas, de visibilidade e do poder, enfeitiçado pela ciência e pela
tecnologia. A sua ambição pode abismá-lo no nada. Já lhe bastava as
ameaças naturais como uma explosão vulcânica dantesca, ou a queda de um pesado
meteorito sobre a Terra, de que não estamos livres – e isto interromperia o
atual ciclo de vida. Mas ele próprio, vítima desse desejo de expansão desmedido
está a criar condições que o podem levar à perdição. Reproduz-se em demasia
para a Terra que tem –, neste momento a caminho dos 8 biliões de habitantes,
fazendo demasiada pressão sobre o meio. Ele quer crescer indefinidamente, não
olhando a meios, e isto pode levar o mundo a uma catástrofe ecológica, destruindo
o ambiente; a uma pandemia irreversível que ponha em perigo a sua espécie;
ou a uma guerra nuclear, que nos reduza a meia dúzia de indivíduos. Sobre cada
um destes perigos já se escreveram milhares de livros.
Ainda
que Fausto se prenda às coisas terrenas, sempre insatisfeito, em permanente
desassossego, visto que está obcecado pelo desejo do que lhe é aprazível, pela
ganância dos bens materiais, pela sede de poder, a obra lá no fundo
representa um homem na escuridão à procura da luz, no nada à procura do absoluto. Todavia, ainda hoje a sua parte emocional perde para a sua
parte racional, ele tende a sentir-se dono da verdade, a julgar-se o mais justo, o
eleito, em grande medida ainda é arrogante e perverso, tende a
polarizar-se numa parte da realidade, opondo-se fanaticamente a quem lhe faça
frente. A Terra é representada aqui por Margarida, inocente e indefesa, farta
de sofrer as agressões do homem e da sociedade, ao ponto de entrar em anomia. Esta observação mantém muita atualidade. Mefistófeles
representa o mal, a tentação, que o conduzirá ao precipício. Tudo como
consequência do «estilo de vida moderno». No epílogo Goethe tenta desdramatizar
a situação, perdendo-se no mundo da mitologia e da crença, em que a Igreja Cristã
e a Mater Gloriosa o vêm finalmente salvar, mas este é apenas um engodo
que dá ao leitor para este não entrar numa entorpecida neurastenia. Fausto está morto – é
assim que termina a peça –, deixando atrás de si apenas um traço de passado que
se fixou algures no nada, no vácuo universal, eterno.
30/04/2020
Martz
Inura
Nenhum comentário:
Postar um comentário