JOHN STEINBECK





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 JOHN STEINBECK
As Vinhas da Ira
Tradução de Virgínia Motta
EDITORA LIVROS DO BRASIL

O HOMEM
            John Ernst Steinbeck nasceu a 27 de Fevereiro de 1902 em Salinas, no norte da Califórnia, e faleceu em Nova Iorque a 20 de Dezembro de 1968, de ataque cardíaco, tinha 66 anos. Com origem numa família remediada de emigrantes a mãe é irlandesa e o pai alemão –, desde cedo lhe incutiram o gosto pela literatura, lendo Dostoiévski, Flaubert e George Eliot. Em 1920 matriculou-se na Universidade de Stanford para estudar Biologia Marinha, tendo de exercer várias profissões para custear os seus estudos. O interesse por este tema veio a influenciara sua filosofia e modo de vida. Para ele em A Leste do Paraíso “a mente livre e criativa do homem individual é a coisa mais valiosa do mundo”, embora em A Um Deus Desconhecido reconheça que o poder reside mais no grupo que no indivíduo. Em 1925 procura a sua sorte em Nova Iorque, trabalha num jornal, procura um editor para as suas obras. Mas não demora a regressar à Califórnia, onde mais tarde comprou uma quinta perto de Salinas. Durante a Segunda Guerra Mundial foi correspondente de guerra na Grã-Bretanha e na Itália. Em 1943 casou-se com Gwyndolyn Gonger, de quem teve dois filhos, divorciou-se e voltou a casar-se em 1950 com Elaine Scott. Ma literatura estreou-se com A Taça de Ouro (1929), mas só com Boémios Errantes (1935) se afirmou como escritor, vindo o romance As Vinhas da Ira a consagrá-lo definitivamente. Recebe então o Prémio Pulitzer de ficção e mais tarde, em 1962, o Prémio Nobel de Literatura. Ele escrevia também para o cinema, e com grande sucesso, 17 das suas obras foram adaptadas à sétima arte. Em 1944 recebia mesmo um Óscar para melhor história para filmes com Um Barco e Nove Destinos. O romance As Vinhas da Ira foi levado ao cinema por John Ford em 1940, sendo um dos filmes mais esquerdistas realizados até então em Hollywood.


A OBRA
            John Steinbeck escreveu romances, roteiros para filmes, peças de teatro, artigos para os jornais. São de destacar as seguintes obras:
            - A Taça de Ouro (1929)
            - A Um Deus Desconhecido (1933)
            - Ratos e Homens (1937), peça de teatro
            - As Vinhas da Ira (1939)
            - A Leste do Paraíso (1952)
            - O Inverno do Nosso Descontentamento (1961).


O ROMANCE As Vinhas da Ira

- Breve Resumo
            O romance As Vinhas da Ira é passado a partir de 1930, em plena “Grande Depressão”, quando nalgumas planícies do Estado do Texas e Oklahoma ocorreu uma grande seca, tornando a terra árida e improdutiva para o tipo de agricultura familiar e manual que então ali se praticava. Nuvens de poeira invadiram tudo, era uma catástrofe ecológica sem precedentes. Os rendeiros ficaram na penúria, e agora com a chegada das máquinas, que permitiam o cultivo da terra em noutros moldes, estavam a ser acossadas pela banca para abandonarem as quintas. Assim, tiveram que deixar tudo e rumarem aos milhares para Oeste, para a Califórnia, atraídos por prospectos enganadores que diziam haver ali muito trabalho nas fazendas. A família vê-se obrigada a vender tudo ao desbarato, põem todas as suas traquitanas num camião e segue viagem, juntando-se à imensa multidão de agricultores que fugia àquela seca. Mas vão com pouco dinheiro, o velho camião avaria, morre o avô pelo caminho, tendo de ser enterrado na berma da estrada, por não terem nem dinheiro nem ânimo para lhe fazer um funeral digno. E uma vez chegados à Califórnia não encontram o paraíso com que sonharam, há pouco trabalho perante tanta oferta de braços, são explorados pelos fazendeiros, abandonados pelos políticos e perseguidos pela polícia como “Okies” (termo pejorativo como eram designados). Sob a liderança de Tom e unidos à volta da mãe vão tentar sobreviver naquele mundo inóspito, enfrentando uma miséria que parece não ter fim.  
            O livro divide-se em três partes fundamentais: a primeira (do capítulo I ao XI) incide sobre a apresentação da família, as condições precárias em que vive, e sobre o que os leva a vender tudo à pressa e ao desbarato e entrar naquele êxodo de milhares de pessoas para Oeste, para a “Terra Prometida”, rica e verdejante, onde esperam encontrar trabalho na apanha da fruta e na recolha do algodão; a segunda parte (do capítulo XII ao XVIII) trata da viagem do Oklahoma até a Califórnia, numa extensão de mais de dois mil quilómetros através da Rota 66 (uma estrada que ia e vai de Chicago a Los Angeles), no meio das maiores carências, em que têm de parar e acamparem regularmente, e onde são mal vistos, e por vezes mal recebidos, quer por lojistas, quer pela polícia local, já que no meio daquela multidão de fugidos à seca há pessoas desesperadas que roubam, quem infringem a lei; a terceira parte fala do que lhe aconteceu na Califórnia no primeiro ano (do capítulo XIX ao XXX), de fazenda em fazenda à procura de trabalho, sempre mal pagos, e pelo acampamento do governo, onde são bem tratados mas não encontram trabalho, sendo obrigados a tentar a sua sorte no Norte, onde têm de aceitar salários de miséria na recolha do algodão até ao Inverno, altura em que o trabalho de todo em todo escasseia.


- Personagens Principais

            Tom Joad: A personagem central do romance. É o filho predilecto da família, os irmãos tem orgulho nele por não se deixar intimidar pelos mais fortes. É muito impulsivo, matou um amigo, foi condenado e esteve preso. Regressado a casa em liberdade condicional vai acompanhar os pais na sua ida para Oeste. Vem da prisão com mais consciência de classe e revoltado contra a injustiça. Muito desembaraçado e trabalhador, assume por vezes a liderança da família. Ainda que não seja muito forte, quando provocado é perigoso, ainda vai matar um polícia mais para o fim, quando este desfere um golpe mortal no seu amigo Casy.
            Mãe Joad, a patriarca da família. É uma mulher simples, não muito culta, mas prática, que tudo faz para manter a sua prole unida. Mesmo quando o marido fraqueja, nela há sempre uma réstia de esperança de dias melhores, uma forte determinação em persistir. Ela consegue fazer das tripas coração para alimentar aquela família e provê-la nas suas necessidades mais gritantes, quando tudo falha ela ainda lá está com mais um trunfo para lhes valer. Os seus diálogos são dos mais expressivos do livro.
            Pai Joad, é um agricultor com seis filhos, que depois de anos de seca, que tornam a terra estéril e poeirenta, ainda é acossado pela banca, que lhe quer tomar as terras. Sem mais recursos, resolve ir com a família para Oeste, para a Califórnia, à procura de melhores dias. É por vezes esmagado pelas dificuldades, é a mulher que em algumas situações acaba por se lhe impor, ameaçando-o mesmo fisicamente. Ele cede em benefício da família.
            Jim Casy, um ex-pregador que acompanha a família Joad. Ele diz já não ter Deus dentro dele, mas nas situações críticas da vida ainda é chamada a dizer quase à força algumas palavras salvíficas. Era demasiadamente atraído pelas mulheres e admitiu ter pecado. Contudo, ainda tem vivos nele os princípios de Cristo. É generoso com as pessoas, e quando Tom Joad é acusado de ferir um polícia oferece-se por ele para ir para a prisão. Com capacidades de liderança acaba por dirigir um sindicato, é considerado “vermelho”. Morre durante uma greve de trabalhadores.
            Al Joad, o filho que ficou a ajudar o pai na quinta depois de Tom ter sido preso. É presunçoso e mulherengo. Gosta de carros e queria ser mecânico. É ele que conduz o camião para Oeste.
            Tio John, uma pessoa traumatizada pela morte da mulher de que se culpa, por não ter valorizado correctamente as suas queixas, tem uma moral exacerbada, doentia, que em quase tudo vê pecado.
           
            Não se desenvolve aqui mais personagens, de menor importância no romance, mas fixa-se para facilidade do leitor aquelas que seguiram no camião para o Oeste:
            - Avó Joad (morre ao chegarem à Califórnia)
            - Avô Joad (morre antes, durante o trajecto para a Califórnia)
            - Mãe Joad
            - Pai Joad
            - Noah (filho que abandonou cedo a família)
            - Tom (filho)
            - Al (filho)
            - Rosa de Sharon (filha grávida
            - Ruthie (filha ainda criança)
            - Winfield (filho ainda criança)
            - Connie Rivers (companheiro de Rosa, que abandonou)
            - Casy (o ex-pregador)
            - Tio John
            - Muley Gravers, amigo da família

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Do fim de John Ford de 1940 vejam-se algumas personagens, ordenadas da esquerda para a direita: 
Connie, Rosa de Sharon, Tom, Mãe Joad, Tio John, Pai Joad, Al, Casy.



Comentário final

            As Vinhas da Ira está escrito com uma linguagem coloquial, directa, muito próxima do povo a que diz respeito – não é rebuscada, é apropriada e expressiva, capaz de provocar a emoção. Se se desvia para temas específicos, que exijam uma terminologia própria, como leis, prisões, viaturas, agricultura, usa os termos mais adequados, vernáculos, mostra estar bem informada sobre o assunto que está a escrever, dando a ilusão de ter vivido realmente aquela história. Daí que os seus prolongados diálogos não entediem – eles são sintéticos mas precisos, tão próximos da vida que acreditamos neles. Intercala na história da família capítulos muito curtos, em que contextualiza os acontecimentos. Procura fazer um retrato fiel dos diferentes tipos sociais, do pobre e do rico, do polícia e do assassino, dos jovens e dos velhos, da mulher e do homem, do sistema bancário, do sistema estatal, dos proprietários e dos trabalhadores.

            Este livro é por um lado uma denúncia do capitalismo selvagem, uma crítica ao egoísmo humano, à sobreposição dos valores materiais aos morais e espirituais; e por outro, também a exaltação de uma família, uma homenagem ao seu espírito de sacrifico, à sua capacidade de sobrevivência – uma apologia do ser humano na sua luta pela dignidade. Ele pode ter exagerado no retrato que faz dos fazendeiros da Califórnia e das suas gentes, mas tinha de exagerar para ser ouvido, e metade do que escreve já deve servir para nos envergonhar. Trata da classe camponesa desapossada das suas terras pelos banqueiros, enganada por angariadores sem escrúpulos, e depois explorada pelos patrões. O autor no fundo só recapitula o que há muito está demonstrado: “Que às vezes é entre os pobres que os pobres obtém mais facilmente ajuda”, “Que existe quase sempre uma rejeição às levas de emigrantes desgovernadas”, “Que os patrões tentam pagar os salários o mais baixo possível”, “Que onde aumenta a oferta de trabalho diminuem os salários”, “Que a violência gera a violência”.  

            O romance, escrito como foi, em tom acusativo, acaba por ter uma componente política muito forte, pondo-se ao lado dos trabalhadores, da gente mais carenciada e humilde, e contém em si também uma crítica social feroz, denunciando a avareza e arrogância dos ricos, a indiferença dos poderosos, equacionando situações de anomia social, em que as pessoas perdem alguma sensibilidade face à sobrevivência (ver caso da morte do avô e seu sepultamento na berma da estrada). É contra a repressão desnecessária da polícia, que só pode conduzir a mais violência. No fundo põe em questão a dignidade humana, que é preciso ressalvar. Na página 313 define mesmo algumas leis da História, que chama gritos, os quais as pessoas deviam conhecer para se pautarem por um comportamento mais correcto e justo: “A propriedade quando acumulada em muito poucas mãos tende a ser espoliada”, “Quando uma maioria passa fome e frio tomará pela força aquilo que necessita”, e “A opressão só conduz ao fortalecimento e união de todos os oprimidos”.

            As Vinhas da Ira é uma epopeia dos tempos modernos, que pode ser posta em paralelo com a fuga dos hebreus do Egipto, tratando a história de uma família a viver situações limite, num êxodo de centenas de milhar de pessoas em busca da sua “Terra Prometida”. É uma obra bem estruturada, com personagens vivas e distintas, e uma linguagem com uma clareza e adequação admiráveis, ingredientes com que certifica a sua autenticidade. John Steinbeck leva-nos, pois, sabiamente, a acompanhar toda uma comunidade votada ao abandono, cercada de incompreensão e desdém, que inspira à coragem, exorta à vida, convida ao altruísmo, à luta contra a injustiça. Termina-se citando as palavras da contracapa desta edição, que nenhumas outras podem definir melhor: “Este romance… é o retrato épico do desapiedado conflito entre os poderosos e aqueles que nada têm, do modo como o homem pode reagir à injustiça, e também da força tranquila e estóica de uma mulher. Um marco incontornável da literatura norte-americana”. Sim, é um dos melhores romances de sempre.


Martz Inura
14/02/2016



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