HOMERO
Odisseia
EDIÇÕES COTOVIA
Tradução do Grego de Frederico
Lourenço
O
HOMEM
Homero é um poeta épico da Grécia
Antiga, a quem se atribui uma data de nascimento por volta do século IX a. C. Teria
nascido em Esmirna, na Ásia Menor, ou nalguma ilha grega do Mar Egeu. Os
antigos gregos consideravam Homero uma figura histórica, mas com o passar do
tempo, não abundando fontes históricas, que se perderam na voracidade dos
séculos, a sua existência real começou a ser posta em dúvida, chegando-se a
considerá-lo uma lenda, e a Ilíada e a Odisseia obras criadas ao longos dos
tempos por aedos e compilados posteriormente em Atenas, porventura pelo tirano
Pisístrato, só sendo fixadas no século VI a. C. São, digamos, como uma
prosopopeia da memória helénica que serviu para fixar o Grego Antigo. É nossa modesta
opinião que se trata de uma figura histórica muito ligada à primeira compilação
e complementarização destes livros, não sendo, contudo, o seu criador original,
já que terão sido vários aedos, que ao longo do tempo foram cantando ao povo grego
extractos da sua grande epopeia, acompanhados por vezes por liras, quando a a
oralidade imperava sobre a escrita. Para mais aprofundamentos é ler os
especialistas, mas desde já se alerta que não são consentâneos, há poucas
certezas sobre Homero, o mais importante ainda é debruçarmo-nos sobre a sua
obra, realmente bem viva.
A
OBRA
A Ilídia e posteriormente a Odisseia, com algumas décadas de
intervalo e as condicionantes e incertezas atrás apontadas.
O
LIVRO Odisseia
a. Uma
Súmula do Livro
Canto I
Conselho dos deuses. Atena exorta
Telémaco
– O regresso de
Ulisses da Guerra de Tróia é o tema da Odisseia. Odisseu (nome grego de Ulisses)
está retido na ilha de Calipso (ninfa do mar). Os deuses na ausência de Posídon (deus do mar), que odeia
Odisseu, em concílio decidem que ele retorne à sua terra natal, a ilha de Ítaca,
onde está a sua esposa Penépole, filha de Icário e mãe de Telémaco. Ela
pretende dissuadir os seus pretendentes, dizendo que só voltará casar quando acabar
de fiar o seu sudário, que fia de dia e desfia à noite. Dão o marido como morto
e ela tem muitos pretendentes, que, dentro da tradição da ilha tentam apressar
aquele casamento. Entretanto, divertiam-se em casa dela em sucessivos festins,
abusando da sua hospitalidade. Vendo isto, Atena
(deusa da sabedoria, da estratégias e das artes), disfarçada de Mentor ordena a
Telémaco que parta em busca do pai.
Canto II
Telémaco reuniu-se na cidade de
Ítaca
– Telémaco convoca
a assembleia de Ítaca para ir em busca de seu pai, Odisseu. (porque os latinos deram muito peso ao nome Ulisses, vamos a partir de agora utilizá-lo, embora estejamos a falar da Odisseia, não da Ulisseia). A discussão é muito vigorosa. Queixa-se
dos pretendentes de sua mãe, Penépole, que estão a desbaratar os seus bens, mas
Antínoo (filho de Eupeites) culpa antes a mãe, que não está a colaborar na tradição.
Intervêm ainda Eurímaco, um dos pretendentes. A assembleia não lhe cede a nau
com que pretendia ir em busca de seu pai. Porém, disfarçada de Mentor (filho de Álcinoo),
Atena vai ajudar a Telémaco nesta tarefa e
providencia-lhe uma nau para a expedição.
Canto III
Telémaco navega para Pilos em
busca do pai
– Telémaco chega a
Pilos, onde é recebido por Nestor (filho de Neleu, rei de Pilos): Este fala do seu
regresso da Guerra de Tróia e de todas as suas provações, da morte de Agmamémnon,
mas nada sabe sobre o paradeiro do seu pai. Sugere que vá falar com Menelau,
rei de Esparta, que acaba de regressar de uma longa viagem e deve saber mais
sobre o assunto. Põe à sua disposição para o ajudar o seu filho Pisístrato, e
arranja cavalos para Telémaco prosseguir a sua viagem. Atena, que estava a ensinar o caminho a Telémaco no início do capítulo, misteriosamente desaparece.
Canto IV
Telémaco viaja agora para
Lacedemónia
– Telémaco e Pisístrato
chegam a Lacedemónia (Esparta), terra de Menelau (irmão de Agamémnon, marido de
Helena). Este fez-lhe uma grande recepção e num dos seus diálogos diz que ouviu a Proteus (deidade marinha filha dos Titãs e de
Tétis), que ele ainda estaria prisioneiro na ilha de Calipso (ninfa do mar). Entretanto em
Ítaca os pretendentes, dissipando os bens de Ulisses e desrespeitando sua esposa, conspiram para matar Telémaco à sua chegada, o que
transtorna a mãe deste. Porém Atena aparece
a Penépole num sonho sob a forma de sua irmã, para a aquietar destas amofinações.
Canto V
Ulisses chega à terra dos Feácios
– Ulisses continua
preso na ilha de Ogígia de Calipso. Atena
intercede a Zeus (deus dos deuses)
que envia Hermes (filho de Zeus e da
ninfa Maia, mensageiro dos deuses) interceder junto de Calipso. Esta liberta-o,
embora o ame, e ele parte com o seu generoso apoio. Posídon
fustiga a sua embarcação, mas Ino
(filha de Cadmo e Harmonia), transformada em gaivota dá-lhe uma ajuda depois do
seu navio se ter afundado, guiando-o para uma ilha, onde só chega a nado. Atena para que ele recupere faz com
que adormeça profundamente.
Canto VI
Ulisses encontra Nausíaca (ou Nausíica)
– Ulisses dorme
junto de um rio após o naufrágio, quando desperta ao lado de Nausíaca, filha de
Alcínoo (rei dois Feácios ou Feaces), que num sonho fora induzida por Atena a ir lavar roupa ao rio. Ela brinca
com as suas servas e ele acorda. Porém estava nu, desembaraçara-se da roupa e
das armas quando nadava para terra. Ela ao vê-lo assim foge amedrontada, mas
ele explica-se e implora ajuda. Cedem-lhe então um manto e uma túnica, ungem–no
de óleos, dão -lhe comida e bebida, e Nausíaca promete ajudá-lo a encontra-se
com o rei, seu pai. Entretanto Ulisses dirige uma prece a Atena.
Canto VII
Ulisses no palácio de Alcínoo
– Nausíaca segue à
frente para o palácio, e Ulisses fica cá atrás a implorar graças a Atena. Ele encontra então uma jovem,
que não é mais que Atena disfarçada,
que o faz conduzir, envolto numa nuvem protectora até ao majestoso palácio, já que
os Feácios, embora bons construtores de navios, eram agressivos para com os forasteiros.
Ulisses chega aos pés de Areta (mulher de Alcínoo) pedindo-lhe a sua protecção.
O rei acaba por lhe oferecer estadia no seu majestoso palácio, depois de um lauto banquete, em que aquele lhe relata as provações por que passara, e lhe revela pormenores curiosos da
Guerra de Tróia e do seu famoso cavalo.
Canto VIII
Os Feácios recebem Ulisses
– Alcínoo leva
Ulisses até à Ágora (praça onde se reuniam as assembleias populares), e ali propõe
que se ajude Ulisses a regressar a Ítaca. Os Feácios desafiam-no a participar
nas suas provas desportivas, mas ele não se mostra interessado, pois o que mais
deseja naquele momento é regressar a Ítaca. Depois de muito provocado atira o disco a uma grande distância,
impressionando os presentes. Atena disfarçada de
homem protege-o. O rei Alcínoo dá razão a Ulisses e confessa que os Feácios são
sobretudo bons como marinheiros, como corredores e nas artes. Os cantores
fazem-lhe a demonstração destes seus dons, através da execução um episódio sobre Afrodite (deusa do amor) a trair Hefesto (deus do fogo), com Ares
(deus da guerra). Um aedo canta a Guerra de Tróia e Ulisses comove-se. Alcínoo faz então questão de conhecer a sua história.
Canto IX
Os Cícones, os
Lotófagos e os Cíclopes
– Ulisses relata
ao rei as suas aventuras com os Cícones, que viviam na Trácia, a quem os seus Aqueus
roubam as mulheres e riquezas, mas que as recuperam num contra-ataque,
obrigando-os a retirar com seis baixas em cada nau. Conta a seguir o que lhes
aconteceu na terra dos Lotófagos, comedores de flores de lótus, de onde não
quiseram ficar, porque a ingestão daquelas flores lhes provocar o esquecimento.
Por fim defrontam os Cíclopes, gigantes pastores trogloditas. Ulisses tem
curiosidade e vai ter com eles, que os fecham numa gruta. Alguns Aqueus
defrontam-nos e são comidos por Polifermo (filho de Posídon e da ninfa Teosa). Ulisses ainda quis pegar na sua espada,
mas lembrou-se que depois não sabia como sair da caverna. No dia seguinte
quando tempera uma lança, Polifermo vem à gruta e come mais dois Aqueus.
Ulisses oferece-lhe então um delicioso vinho, e o gigante, de tão agradecido diz que só por isso ele
vai ser o último a ser comido.
Entretanto, toldado pelo vinho que bebeu adormece, e Ulisses afunda-lhe uma lança
no único olho que tem, cegando-o. No dia seguinte os Aqueus (de Ulisses), cada um agarrado por
baixo a uma ovelha, que Polifermo faz sair uma a uma, e assim disfarçados
conseguem sair para as naus. Levantam ferros quando são surpreendidos com grandes pedregulhos a cair à
sua volta.
Canto X
A ilha de Éolo e Circe dos
encantamentos
– Ulisses rumou
pelos mares até Eólia, recebendo de Éolo
(deus dos ventos) um saco que continha todos os ventos na condição de não o
abrir, porém alguns tripulantes, movidos pela curiosidade abrem o saco e libertam
as tempestades, obrigando-os a regressar. Rumaram então para Lamos dos
Lestrígones. Ulisses quis reconhecer a cidade e mandou lá três dos seus homens,
eles foram levados à presença do rei Antífates, um gigante que pegou logo num e o
mandou cozinhar. Os outros dois fugiram, vindo contar o sucedido. Resolvem
então levantar ferros, mas os Lestrígones com grandes pedregulhos ainda afundam
algumas das suas naus. Chegam então a Eeia, onde morava Circe (feiticeira dos encantamentos).
Depois de três dias resolve reconhecer a ilha dividindo os seus homens em dois
grupos. O dele e o de Euríloco. Este chega ao solar de Circe, lá dentro ouvem-se
belos cânticos enquanto Círce está a fazer uma grande trama. São convidados a entrar,
só Eurícolo fica cá fora por precaução. Aos que entraram dão-lhes a comer uma
droga que os transformou em porcos, sendo levados para pocilgas. Euríloco volta
à nau, quer ir-se embora, mas Ulisses fica para libertar os companheiros.
Seguindo para a mansão de Círce é abordado por Hermes, que, disfarçado, lhe dá uma erva que o torna imune à droga.
Ulisses vai até Círce que lhe oferece a comida maldita, mas que não fez efeito
nele: comendo um gládio que sacava junto da coxa neutralizava o seu efeito. Círce
ficou apaixonada e ofereceu-lhe a ele e aos seus guarida por um ano. Por fim
deixa-os partir, mas não sem que antes passassem pela morada de Hades (deus da guerra) e de Perséfone (filha de Zeus e Deméter,
deusa das ervas) e consultem a alma de Tirésias (profeta cego).
Canto XI
Descida ao Hades (o inferno
grego)
– Ulisses com
vento favorável de Círce segue para o país dos Cimérios. Uma vez ali dirige-se
para o Inferno (Reino dos Mortos) a fim de consultar Tirésias. Encontra ali o
seu companheiro Elpenor morto à chegada e a sua mãe Anticleia. Tirésios profetisa que matará os
pretendentes da mãe e chegará a velho, mas que não moleste os bois de Hélio (titã
do Sol), pois se o fizer algo de funesto lhe acontecerá. Posídon continua contra ele. A mãe, já no Reino dos Mortos, diz-lhe
que Penépole ainda se mantém fiel e que seu pai está vivo mas abalado. Ulisses
retira-se para o mais fundo do Inferno, onde encontra muitas princesas como
Jocastra (mãe de Édipo), Fedra (filha de Milos de Creta) e Minos (rei lendário
da ilha de Creta), e companheiros da Guerra de Tróia que nela pereceram, como
Aquiles (filho de Tétis e de Peleu, o maior herói da Guerra de Tróia) e Ajax
(filho de Telemão, herói da Guerra de Tróia). Vê ainda Herácles (o Hércules grego), mas
com os mortos desavindos regressa à superfície, a sua nau ainda está no reino
dos Feácios e levanta ferros.
Canto XII
O encontro com as sereias
– Ulisses ainda
vai à mansão de Circe recuperar o corpo de Elpenor seu companheiro, morto à
chegada, para o cremar. Ela oferece-lhe carnes e vinhos e dá-lhe indicações
para a viagem, cujo destino seria Trinácia (Sicília). Prevíne-o que se iria encontrar
sucessivamente com as sereias Cila e Caríbdis, constando-se que o seu cântico
de tão belo enlouquecia os homens, que se atiravam ao mar para se possuir deles.
Ulisses ordena então aos seus companheiros que tapem os ouvidos com cera e a
ele que o amarrem bem a um mastro. Não demora que as encontre, uma de cada lado do barco. Com este ardil consegue ser o único ser humano
a ouvir o cântico das sereias e a sobreviveu para o contar. Consegue então
chegar à Trinácia (Sicília), contudo, apesar de avisados tocam nos bois de Hélio, irritando Zeus, que com um raio mata todos os seus ocupantes, só
escapando Ulisses, que vai reaparecer na Ilha de Ogígia, onde vive Calipso. O narrador não conta o resto da história para não se repetir.
Canto XIII
Os Feácios transportam Ulisses a
Ítaca
– Ulisses é levado a aportar a Ítaca, alguma divindade o levou para ali. Posídon fica irado por
deixarem entrar no porto aquele forasteiro e fala com Zeus para castigar os Feáceos. O barco transforma-se então num
ilhéu alcandorado, alarmando a população. Alcínoo com os seus Feácios reúne doze touros para sacrificar a Posídon, e assim aplacar a sua ira, não quer que à cidade a cerque uma montanha. Ulisses acorda, não sabe onde está, e recebe a protecção de Atena, disfarçada de pastor. Esta
manda-o guardar os seus bens na gruta das ninfas náiades, filhas de Zeus, e engendra um plano para depois os reaver e castigar os pretendentes de sua mulher, Penépole,
ordenando que vá falar com o seu porqueiro Eumeu. Os perfidiosos pretendentes continuam os preparativos para montar uma emboscada a Telémaco à sua chegada, não olhando aos sentimentos de sua mãe, Penépole. Ulisses confessa-se
desiludido a Atena por ela deixar partir o seu filho sem rumo. Para ajudar Ulisses, a deusa transforma-o num moribundo, neutralizando-o, e vai chamar Telémaco ao
palácio de Menelau a Esparta.
Canto XIV
Ulisses com o grupo de Eumeu
– Ulisses consegue
sair do porto e falar com Eumeu, o seu porqueiro, amigo de sua mulher, Penépole,
e do seu filho, Telémaco, como Atena
lhe recomendara. Os cães dão pela sua presença e saúdam-no, mas Eumeu não o reconhece. Falam então os
dois, Ulisses aproveita para saber o que na ilha dizem de si próprio. Eumeu diz
bem do seu amo e vai-lhe dando conta do que se passa em Ítaca, bem como do que
aconteceu a alguns heróis regressados da Guerra de Tróia. Mata dois porcos e faz
com eles uma grande ceia. Julga que o seu amo estará morto algures e critica o
comportamento devasso dos pretendentes da rainha. Naquele momento o que mais preocupa o porqueiro é Telémaco, que partiu em busca do pai. Tendo comido e bebido principescamente,
Ulisses diz que é um pobre viajante, e como tal fala da Guerra de Tróia, que bem
conhece. Ulisses ficou agradado com tudo o que ouviu de Eumeu, que se mostrou amigável, prometendo até arranjar-lhe roupas condignas.
Canto XV
Telémaco regressa a Ítaca
– A deusa Atena alerta Telémaco para a emboscada
que lhe estão a montar em Ítaca pelos pretendentes da rainha, recomendando-lhe que regresse à ilha pela casa de Eumeu. Perante este aviso, este pede ajuda a Menelau e a Helena, sua mulher, que lhe
oferecem um lauto jantar, e apoio logístico para regressa à sua ilha, indo por Feras. Uma águia passa por ele dando-lhe bom agoiro.
Dorme em casa de Diocles e segue viagem com o curioso Teoclímeno. Ulisses, não tendo ainda sido reconhecido pede a Eumeu para ir trabalhar como criado no palácio de
Laertes, seu pai, que está vivo mas desgostoso e acabado com a morte da mulher e a ausência
do filho. Eumeu procura afastá-lo desta ideia, falando-lhe a sua aventurosa vida,
quando foi raptado em criança e veio parar a Ítaca, onde foi comprado por
Laertes, que o criou com benevolência. E assim continuam a falar até adormecerem. Entretanto Telémaco chega a Ítaca e vai
ter com o porqueiro Eumeu, fiel aos seus amos.
Canto XVI
Telémaco reconhece Ulisses, seu pai
– Telémaco chega a
Ítaca e Ulisses reconhece-o. O Porcariço fala com Telémaco, que lhe pergunta
pelo forasteiro (Ulisses). Este entra em contacto com o filho, que não o
reconhece, perguntando-lhe porque deixava que os pretendentes abusassem dos seus
bens, Telémaco diz que nada pode fazer pois eles estão apenas a seguir a
tradição. Penépole é avisada da chegada do filho, bem como Laertes. Atena aparece a Ulisses e diz-lhe para
se dar a conhecer a seu filho Telémaco, dando-lhe a sua antiga aparência. Este,
mesmo assim tem dificuldade em o reconhecer. Ulisses quer saber quantos
são os pretendentes de sua mãe, a fim de articular a sua vingança. São cinquenta e dois.
Telémaco teme pela empresa do pai. Este conta com o apoio de Atena e de Zeus, e disfarçado de mendigo vai até à cidade. Manda entretanto trazer
as suas velhas armas para a sua Sala de Armas para ali saber quais são os seus
inimigos. Com este estratagema descobre uma conspiração: Antínoo, filho de Antipetes, quer que matem
Telémaco, repartam os seus bens e Penépole escolha o pretendente. Penélope
repudia Antínoo por planear a morte do filho, sendo aquietada por Eurímaco, que lhe diz que não se preocupar,
porque ninguém lhe tocará. Entretanto, Ulisses regressa à porcariça.
Canto XVII
Ulisses entre os pretendentes
– Telémaco quer ver
a sua mãe, Penépole, e diz a Eumeu para levar o forasteiro a mendigar pela
cidade. Quando a encontra pede-lhe para que se vista festivamente, e vem para
fora de casa de modo a ser visto pelas pessoas. Nas suas andanças depara-se com Pireu, que lhe pede para ir receber a sua casa os presentes de Menelau, o que este recusa, com receio
que o matem. Telémaco conversa com o forasteiro (Ulisses) e Penépole pergunta
ao filho sobre o que terá acontecido ao pai. Este fala-lhe da sua viagem, e no
coração de Penépole aumentam as esperanças de que ele ainda esteja vivo. Surge
então no céu uma ave com bons presságios. Ulisses disfarçado de pedinte vai até à cidade e encontra
Melântio que ia levar cabras para os pretendentes de Penépole, a jogar na mansão,
indispõe-se com o forasteiro, dando-lhe mesmo uns pontapés, denunciando-se como
inimigo deste e Telémaco (Ulisses, disfarçado não pôde reagir).
Canto XVIII
Pretendentes brincam com o
mendigo (Ulisses)
– Ulisses tenta
aproximar-se dos pretendentes para ajuizar da sua robustez e poderio e a partir dali ensaiar a sua estratégia. No
meio do banquete Iro, mensageiro corpulento dos pretendentes, insulta Ulisses,
que não queria naquele momento meter-se em confusões. Mas os pretendentes acham
piada à provocação e instigam-nos a um combate, declarando que o vencedor seria
também pretendente. Todos ficam surpreendidos quando o mendigo (Ulisses) tira a
camisa e põe à mostra um corpo muito musculado, e sem grande dificuldade parte
o queixo a Iro, resolvendo a contenda. Há mais casos com a escrava Melanto e
Eurítmos. Penépole recuperando a sua antiga formosura aparece no salão, onde
Ulisses pode reapreciar a sua beleza, agora como pretendente.
Canto XIX
A escrava Euricleia reconhece
Ulisses
– Depois de os
pretendentes saírem Ulisseu manda o filho esconder as armas que estiverem no palácio.
A escrava Melanto maltrata o mendigo (Ulisses) e é repreendida por Penépole,
que instiga sobre a sua identidade, este, depois de alguma insistência diz que
é um viajante e ter visto Ulisses em Creta, prevendo que regresse brevemente.
Perante tão auspiciosas notícias, Penépole ordena à desrespeitadora Euricleia que lave os pés ao mendigo. A
escrava encarrega-se desta tarefa, e pela cicatriz que ele tem numa perna reconhece-o. Este ao dar por isso pede-lhe que
guarde silêncio. Por sugestão ardilosa do mendigo (Ulisses) propõem-se que se faça uma
prova desportiva com um arco entre os pretendentes – Penépole casaria com o
vencedor da mesma.
Canto XX
A última ceia dos pretendentes
– Ulisses tem
insónias, sente-se tentado a punir a ousadia da escrava Melanto, mas acaba por
contemporizar, aquela não será a melhor altura. Atena faz então com que
adormeça. Penépole lamenta a sua sorte e intercede a Artemisa (deusa da caça e da magia). Ulisses pede a Zeus que lhe envie dois presságios que o guiem na suas decisões e é
atendido. Entretanto as escravas procedem `limpeza da casa, os pastores trazem
oferendas, e Telémaco dirige-se à assembleia. Ulisses através de conversas pôde verificar que o cabreiro Melântio
é contra ele, e que o pastor Filétio é a seu favor. Está a estudar a estratégia a seguir. Durante a refeição surge um presságio
que perturba os presentes. Gera-se alguma confusão. Argelau exorta os pretendentes a manterem-se calmos, e aconselha Telémaco a apressar o casamento da mãe. O
adivinho Teoclímeno prediz então que uma desgraça impende sobre os
pretendentes.
Canto XXI
O arco da prova
– É estabelecido
os termos da prova que tem de ser feita pelos pretendentes para que Penépole os
escolha. Ela vem com o arco com que Ulisses saiu de casa quando partiu para a
Guerra de Tróia. À frente dos pretendentes ela promete que casará com aquele
que conseguir atravessar com uma seta os doze olhos de doze eixos que ali estão
alinhados. O forasteiro (Ulisses) quer entrar na prova mas os pretendentes não
concordam, só acedendo a Telémaco que insiste. Um a um os pretendentes vão fazendo
a prova do arco e todos falham. É por fim convidado o forasteiro (Ulisses) a fazer aquela
prova, aparentemente impossível. Dando a devida tensão ao arco, a seta atravessa
os doze olhos, perante o espanto de todos. Como foi estabelecido, terá portanto o direito de casar com
Penépole, mas um tão inesperado desfecho não não vai ser aceite pelos demais
pretendentes, que se preparam para o renunciar.
Canto XXII
A vingança de Ulisses
– Começa então uma tremenda luta, que termina num grande massacre. Antínoo, chefe dos pretendentes, está a beber quando Ulisses
lhe atravessa a garganta com uma lança – é o primeiro a morrer. Estabelece-se a
confusão, os pretendentes começam a recear pelas suas vidas. De um lado estão
eles, mas mal armados, e do outro, Ulisses, Telémaco e mais dois servos. Para desespero dos pretendentes foram retiradas as armas de onde estavam, não sabiam para onde, mas Melântio,
pastor infiel de Ulisses vai à procura delas. Vale a Ulisses que Atena está ali o proteger, e os pretendentes, um a um vão
morrendo às mãos dos seus opositores. Os escravos infiéis são dependurados pelo pescoço no pátio do
palácio, enquanto Melântio é cortado aos bocados e dado a comer aos cães. Os
pretendentes acabam por ser todos mortos na sala dos banquetes. Com um ambiente tão putrefacto Euricleia
pede a Ulisses para que se limpe o local e se purifique o ar com enxofre.
Felizes, terminada a contenda as criadas fiéis vêm abraçar o seu antigo amo.
Canto XXIII
Penépole reconhece Ulisses
– Euricleia vai
acordar Penépole e diz-lhe que o forasteiro é Ulisses, e que Telémaco já sabia.
No salão jaziam amontoados os corpos dos arrogantes pretendentes. Penépole
ainda não quer acreditar mas Euricleia fala-lhe da cicatriz. Ulisses manda que
lavem e vistam de túnicas os pretendentes, e que um aedo toque a lira para que
ninguém desconfie da matança – estão ali mortos os moços da melhor linhagem de
Ítaca. Fora da mansão pensam que Penépole já terá desposado um dos
pretendentes. A despenseira unge de óleos Ulisses, a quem Atena deu um ar de deus. Dá-se finalmente o encontro de Penépole
com Ulisses, que não o reconhece e manda que retirem a cama do seu quarto.
Ele diz que ela tem o coração mais duro entre as mulheres. Ele pergunta por que
motivo a mudaram, já que isto implicaria a força de um deus. Ela só então
acredita, e pede-lhe perdão, dizendo que foi para não sofrer mais desilusões.
Os aedos param a música e vão para a cama. Ulisses fala então das suas
provações. De manhã, com o Porcariço, o Vaqueiro e Telémaco vai ver o pai,
Laertes.
Canto XXIV
Reconhecimento de Laertes e o acordo
final
– Hermes convida as almas dos
pretendentes a entrar no Hades (o inferno grego). Ali se encontram Agamémnon,
Aquiles, Ájax, Antíloco, entre outros, que falam das suas proezas. Ulisses sai depois
ao encontro de de Laertes, seu pai, e só o consegue convencer de que é seu filho através
da cicatriz na perna e da descrição que faz das antigas fragrâncias do seu
pomar. Na cidade o mensageiro Boato espalha a notícia do massacre dos
pretendentes. Os familiares vêm buscar os corpos para fazer os funerais
e clamam por vingança. Só Haliterses defende Ulisses, dizendo que ele apenas defendeu
a sua honra. Para ele aquele confronto seria uma desgraça. Mas eles não se
aquietam, Antipetes, pai de Antínoo, é o primeiro a ser morto. Vale naquela adversidade a Ulisses Atena e Zeus. Os familiares dos pretendentes mortos
estão a armar-se, entretanto saem para os defrontarem Ulisses, o Porcariço, o
Vaqueiro, Laertes, Dólio e os seus seis filhos. Atena estava por perto disfarçada de Mentor. Laertes atira a sua
lança e mata Eupitetes, por sua vez Telémaco e Ulisses matam mais uns tantos,
até que Atena, vendo que a guerra
não era a solução, instou para que as duas partes cessassem os combates e
fizessem um acordo, aquela guerra não serviria a ninguém, e sob juramento estabeleceram a paz.
b. Um
comentário geral sobre a Odisseia
Trata-se de poema épico de 24 cantos
de versos hexâmetros, narrando o regresso de Odisseu (Ulisses em latim) a
Ítaca, depois de ter participado como herói na Guerra de Tróia. A sua linguagem
tem elementos de vários dialectos, vestígios do grego mais antigo, dando
indícios de ir buscar elementos às suas diversas origens e só posteriormente
ter sido coligido e unificado, porventura antes do século VI a. C. Os seus
versos, pese embora a sua antiguidade, revelam uma mestria dificilmente
igualável. O Grego clássico, com as palavras a assumirem cinco casos, diversas
flexões e sonoridades, proporcionavam uma excepcional musicalidade, não
obstante os versos não rimarem na sílaba final, mas ao longos de todas elas,
através das sílabas longas e breves, bem nítidas nesta língua, qual Morse
divino. Quem souber grego antigo como Frederico Lourenço poderá ajuizar bem da beleza contida neste livro. A Odisseia contribuiu em muito
para a sistematização e unificação da Língua Grega.
A sua acção estende-se por dez anos,
narrando um numeroso rol de aventuras, que constam de violentas lutas, desafios
sobre-humanos, grandes tragédias, desgraças tremendas. Nem sempre prima pela unidade, dada a sua origem intercalar, cai num ou noutro anacronismo, e em repetições como: "Atena, a deusa de olhos garços", "Ulisses, de mil ardis", "sensata Penépole". Mas o enredo é luxuriante e obsessivo. O herói tem de enfrentar
inimigos perversos, resistir a grandes tempestades, bater-se com gigantes antropófagos, confrontar-se com ninfas de perdição, suportar até maldições de deuses, na sua luta
desesperada para regressar a Ítaca e recuperar o amor da sua própria mulher,
Penépole. Na sua viagem ele tem mesmo de descer aos infernos, padecer de mil
tormentos. E, por fim, chegado a Ítaca, ainda vai ter que encarar os cinquenta
e dois pretendentes da esposa, para, numa prova olímpica a reconquistar, e ter de os defrontar num combate final, do qual eles saem todos mortos. E não bastando isso, enfrentar os familiares dos pretendentes, desolados com a morte dos filhos, tirados da gente mais poderosa daquela cidade
O poema trata do fantástico, do
inolvidável, do surreal, está envolvido de maravilhoso. Inclui em si vários géneros literários. Vários deuses e deusas
interferem na acção, bem como os titãs, as ninfas, as musas, os oráculos, os adivinhos, os
profetas. Do lado de Ulisses está Atena,
a deusa da sabedoria e das artes, mas contra ele está Posídon, o deus grego dos mares, que ele tem de atravessar
forçosamente para chegar a Ítaca. A narrativa recorre ao discurso directo, é
algo teatral, com um estilo sublime, e o enredo consiste sobretudo em acções heróicas
cheias de fantasia, com o herói enfrentando perigos desmesurados, envolvendo-se em façanhas
de grande arrojo, com muita coragem e valentia, que não ignora a astúcia, a
inteligência. Privilegia o amor e a fidelidade. O livro ignora quase por completo a
análise psicológica, embora algumas personagens, mesmo masculinas, por vezes
chorem.
Em conclusão, a Odisseia, é um dos primeiros livros a ser escrito no Ocidente,
possui uma grande mestria linguística e explora o carácter epopeico como talvez
mais nenhuma outra obra, é dos livros mais lidos no mundo a seguir à Bíblia e
ao D. Quixote de La Mancha, e influenciou milhentas obras e todas as artes. Odisseia passou mesmo
a constituir uma palavra das diversas línguas com o significado de aventura intrépida
e pavorosa, viagem tormentosa, já no domínio do sobrenatural – caracterizando por
excelência a natureza épica. Tem o fascínio de fazer sobressair a acção, a
aventura, o maravilhoso. À trama dos homens os deuses interferem com os seus ardis. Mesmo que nos pareça uma obra estranha e surreal temos
que a ler para conhecermos um livro que está na base da Literatura Ocidental. Muitas
das publicações, das peças de teatro, das criações do cinema, nas mais diversas artes, quer de ontem,
quer de hoje, têm a sua raiz na Odisseia.
Na literatura basta citar a Eneida de
Virgílio, Os Lusíadas de Camões e Ulysses de James Joyce. É um livro
primordial.
4/12/2016
Martz Inura
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