ALBERTO MORAVIA
Os Indiferentes
Tradução de Álvaro de Almeida
LIVROS DO BRASIL
PORTO EDITORA (2017)
O
HOMEM
Alberto Moravia é o pseudónimo de
Alberto Pincherle, foi um jornalista, escritor e político italiano. Nasceu em Roma em 28 de
novembro de 1907, e faleceu na mesma cidade a 26 de setembro de 1990. Em jovem
sofreu de tuberculose, pelo que teve uma infância enfermiça, sendo como tal prejudicado
nos estudos. Vocacionado para as letras, começou por escrever no Corriere
della Sera, e colaborava em revistas, O seu primeiro romance, recebido logo com
bastante aceitação foi Os Indiferentes,
em 1929. Viveu em pleno regime fascista, pelo que não era bem visto por
Mussolini. Para não ter maiores dissabores começou a trabalhar como roteirista
de filmes, sob um outro pseudónimo. Em 1945 casou com Elsa Morante. Viajou por
diversos países: Inglaterra, China, México e Estados Unidos, onde viveu dois
anos. Depois da guerra voltou ao roteirismo, onde tinha tido experiências
rendosas. Contudo, a Igreja continuava a atacar as suas obras pela sua linguagem
desbragada e moral decadentistas. Só ficou a ser mais conhecido quando assumiu a presidência
do Pen Clube de Roma, de 1959 a 1962. Em
1984 aceitou representar como deputado o Parlamento Europeu, numa lista apresentada pelo
Partido Comunista Italiano, lugar que ocupou até à sua morte.
A
OBRA
A
obra literária de Alberto Moravia estende-se aos roteiros para cinema, a
contos, novelas, cartas, citamos as seguintes:
–
Os Indiferentes (1929)
–
Amante Infeliz (1943)
–
A Romana (1947)
–
O Conformista (1951)
–
O Desprezo (1954) (considerada por
muitos a sua obra-prima)
–
Eu e Ele (1970)
O
ROMANCE, Os Indiferentes
PERSONAGENS MAIS IMPORTANTES
– A Mãe (Mariagrazia): É uma senhora que ficou viúva ainda cedo, com
Carla e Michele para criar, e que se apaixonou por Leo, o seu amante desde há uns
dez anos, talvez como um recurso para manter o seu estatuto de classe média. Tem muitos ciúmes
de Lisa, mas não deixa de ser sua amiga, infernizando as suas conversas com os
filhos. E histérica e ingénua, não vê ao fim, que de quem Leo gosta é de Carla,
a sua filha.
– Leo Merumeci: É um novo rico, habituado a não fazer nada, um verdadeiro
patifório que é amante de Mariagrazia, mas que passou a andar com Lisa, e agora anda a
cortejar Carla. Apesar da sua moral réproba, de ser um femeeiro um tanto
inútil, um indiferente às convenções sociais, nem por isso se pode dizer que
seja má pessoa. As mulheres pelo menos gostam dele.
– Carla: É a filha, criado sem grande apoio familiar, muito
relacionada com rapazes, incentivada pela mãe a disputar os bons partidos. É
um tanto doidivanas. Ao fim deixa-se seduzir por Leo, amante da Mãe, embora com
os problemas morais que isto acarreta, mas seguindo a própria educação que recebeu
dela arranja argumentar para se desenvencilhar de tudo aquilo.
– Michele: É o filho, órfão de pai, que quando vivo lhe levantava problemas, pois era alcoólico. Estudava, mas não com muito entusiasmo, não pensava em trabalhar, em exercer uma carreira profissional, ainda era Leo, que fora sempre para ele como um pai
distante, que lhe deu alguma ajuda. Mas Leo ser amante da mãe representava para
si uma humilhação inqualificável, que o levava a atos de violência, embora
fosse um fraco. Ver o caso do cinzeiro e do pretenso assassinato que engendrou. De todos, ele
ainda era o menos hipócrita.
– Lisa: Era uma amiga da mãe, alguns anos mais nova do que ela, por quem
aquela sentia uns ciúmes doentios, ainda que nada estivesse provado perante os
seus olhos. Era uma mulher sabida e astuta, que andava agora com Michele. Ela
sabia mais do que aparentava saber, só acreditava no que queria, servindo-se da
hipocrisia que girava à sua volta em seu proveito.
BREVE RESUMO DO LIVRO
É criado um cenário em que se equaciona
a vida daquela casa: a mãe, chamada Mariagrazia, a sua filha, Carla, que ia
fazer 24 anos, Michele, o filho mais novo, e Leo Merumeci, amante da mãe, que acha que ela está a ficar velha e rabujenta. Enquanto ele tenta conquistar a filha, a mãe
pensa em ir a num baile de máscaras do dia seguinte, como para esquecer a
situação de penúria em que está a viver em sua casa, ameaçada por uma hipoteca.
Segue-se
uma conversa alargada em que entra também Michele, estudante pouco entusiasta,
todos insatisfeitos com a sua situação: a mãe com ciúmes de Lisa, uma sua
amiga; Carla sem ter um destino definido; Michele sem saber o que fazer à sua
vida; e Leo, farto dos ciúmes de Mariagrazia. E era preciso ultrapassar aquele
descontentamento geral, já que estavam na véspera dos anos de Carla, que pretendiam comemorar.
No
dia seguinte numa conversa de circunstância surge a hipótese da hipoteca da casa a favor
de Leo, que quer ter uma conversa a sós com a mãe. Será uma forma de chantagem
para se livrar dela e ficar com a filha. A mãe tenta suster qualquer ameaça de
hipoteca. Entra, entretanto, Lisa, e pouco depois Michele, Leo,
tenta às escondidas convencer Carla a ir à noite a casa dele. Há uma conversa
desagradável entre a mãe e Michele, e por fim Leo e Lisa vão-se embora,
Mãe
e filha sobem juntas para o andar superior. Carla disse que ia no dia seguinte
ao ténis. Foi para o quarto e pôs-se nua a contemplar os seus atributos de
mulher, aquele assédio de Leo Merumeci cansava-lhe calafrios, era uma
experiência nova, a sua capacidade de seduzir excitava-a, mas tinha o aspeto
desagradável de se tratar do amante querido da mãe. Ia ser o que Deus quisesse, pensou
para si,
Lisa
naquela manhã acordou tarde. Alindou-se sem grandes preocupações, pôs apenas um
pouco de pó de arroz na cara. Estava excitada à espera de Michele, a alimentar
as suas fantasias. Pouco depois ele entrava, viu-a de costas, toda sedutora, e
experimentou aquela alegria de se sentir desejado. Lisa quis falar-lhe das
antigas relações dela com Leo e desta com a mãe, que já duravam há dez anos,
mas este mostrou-se indiferente. Mas ela tia receber dali a pouco um parente, e
ele teve que se ir embora.
Há
um jantar de anos da Carla, mas ali tece-se todo um conjunto de manobras de
sedução: a mãe cheia de ciúmes de Lisa, Lisa a pensar em Michele, pouco
interessado em tudo, Leo a tentar levar para a cama Carla, que por sua vez tem
pruridos em fazer aquela traição à mãe. Lisa, a quem Leo dedica pouca atenção,
pois está a ficar velha, volta-se agora mais para Michele. Ali é tudo
falsidade, sob tanta pressão Carla põe-se a choramingar. E então que Leo abre
uma garrafa de vinho, encorajado pela mãe, para animar a festa.
A festa de anos parecia estar a
aborrecer a todos: Carla sentia-se pressionada, e indisposta, não estava
habituada a tanta bebida e veio até ao corredor. Leo apareceu por lá a perguntar-lhe se estava melhor, mas ela continuava na mesma. Ele então sugeriu que nessa noite os poderia
levar ao baile. Mãe e filha foram-se logo arranjar com todo o esmero. Foram
conversar e dançar. Michele e Lisa vieram embora e foi então que ela lhe disse
que foi abandonada pelo marido. Depois encontram-se todos em casa. Talvez de
todos, o mais feliz terá sido Leo, embora tendo de ouvir a ciumeira de
Mariagrazia. O jantar em casa prosseguiu mais calmo, a mãe tem pressentimentos
enciumados de Lisa, pensa que Leo anda a dormir com ela, enquanto esta anda com
Michele, e vai para sala chorar às escuras. É Carla, a filha, que a vai lá
animar, embora com a ideia de ir dormir naquela noite com Leo Merumeci. A mãe, enciumada estava a pensar em vingar-se pondo à venda a villa em hasta pública.
Foram
a seguir para a sala, onde pediram para Carla tocar Beethoven ou Chopin ao
piano, ela satisfaz-lhes a vontade, agradando sobretudo a Michele, mas a mãe, ainda à conta dos ciúmes, discute mais acaloradamente com Leo, ao ponto de Michelle
intervir e mandar com um cinzeiro a Leo, atingindo acidentalmente a mãe, que cai
no chão fazendo-se desmaiada. O concerto parou e Leo deu um bilhete a Carla
para ela dali a uma hora estar cá fora para ele a levar de carro. Ela sai dali e prepara-se, nervosa, mas, entretanto, não sabe onde tem o bilhete e perde
minutos à procura dele. Sai por fim bastante atrasada, mas ele ainda estava ali
à espera dela. Ele leva-a para um quarto, e descobre-lhe afinal o bilhete nos
seios. Para se dar a ares de importância ela diz que é uma carta de um seu apaixonado. Ele mostra-se ciumento e
quer ler a carta, mas ela foge para um quarto e fecha-se lá dentro. Ele consegue por
fim encontra-la e descobre para seu prazer que afinal é o bilhete dele, o homem
que ela ama é ele próprio, de cabelos castanhos. Beijam-se e dormem ali.
Eles
fizeram o que é óbvio nestas circunstâncias, e Leo ficou no quarto de
banho a fazer a sua higiene pessoal, bastante demorada. Na cama Carla sentiu um peso enorme
da sua ausência, estava excitada, carente, ansiosa por receber os carinhos
dele, sentir a sua presença amiga. Só depois dele vir, e se sentir esgotada
daquela luxúria é qque ficou mais descansada.
Ele
veio para a cama e adormeceu logo, dormindo o sono dos justos, mas ela continuava
excitada, intimidada com aquela situação de sentir um homem a dormir ao seu
lado. Ouve um barulho estranho na WC e acorda-o, ele não vê lá nada de anormal
e continua a dormir. Às cinco e meia da manhã acorda e prepara-se para sair,
Leo continua meio ensonado, ela justifica-se dizendo que Michele pode estar
acordado e dar pela sua ausência.
De
manhã a mãe (Mariagrazia) vai a casa de Leo, pressente que dormiu lá alguém,
para ela foi Lisa e fica ciumenta. Ele não lhe liga nenhuma e ela diz-lhe que ele
está pálido e a ficar velho, o que o irritou. Saiu dali para se encontrar com
Lisa, a fim de comprar os chapéus que estavam na moda, mas ela demorou tanto que
Lisa já tinha comprado um e queria ir dali embora. Mariagrazia mostrou ciúmes dela,
mas ela nem lhe respondeu, por compaixão não disse que o amante de Leo era a
sua própria filha.
Mas
a mãe não está convencida da inocência de Lisa, ela era uma mentirosa, não ia
engolir as suas desculpas, continuava enciumada. Em casa fala com o filho,
Michele, que está também aborrecido. Carla tinha ido jogar
ténis e quando chega a casa diz que encontrou Pippo Berardi, que as convidou a
ir jantar a casa deles. A mãe está contente, fala do benemérito Leo, que ainda
poderia ajudar muito Michele. Ao jantar a mãe fala com Carla, que imaginaria o
que a mãe faria se soubesse se se ela andava com Leo. Falam do pai de Pippo
Berardi, que era industrial, e comendador. Michele também estava ali. Pouco
depois aparece Leo Merumeci. Ele riria ser amante da filha como o foi da mãe.
Michele passou toda a manhã a pensar
na sua relação com Lisa, perante a sua situação precária estava a pensar em casar
com ela, mas ela continuaria a ser amante de Leo Merumeci, para ele não perder
as benesses. A Carla poderia também casar com ele, era uma hipótese, porque este
já estaria cansado da mãe. Era uma ideia estúpida, mas que satisfazia mais as
necessidades económicas da família.
O Michele foi falar com Lisa, têm
uma longa discussão. Falam da mãe, ele fingia aquela relação dele com ela, que já existia há dez anos. Porém Lisa esclarece que ele agora é amante de Carla. Ele ficou
siderado. Pensou logo em tirar satisfações com ele, mas Lisa não acreditava
muito na ação de Michele, que seria um fraco. Ele respondeu-lhe que até era
capaz de o mar. Ela respondeu que nesse caso passaria a acreditar nele,
esboçando um sorriso.
O
capítulo XV é o mais teatral. Michele sente-se fortemente humilhado por Leo
Merumeci andar agora com Carla, sai em direção a casa dele e passa por um
armeiro onde compra uma pistola. Segue para casa dele a pensar nos auspícios
do seu assassinato: as notícias nos jornais, a mãe e a irmã a chorarem, a
prisão, o julgamento, com todos os seus trâmites de acusação e defesa. Entra em
casa de Leo Merumeci, ele demora a vir, e chegou de roupão, mostrando-se
desagradado por o ver ali àquela hora, pergunta o que ele ali vem fazer e ele
diz que o vem matar e dispara sobre ele. Porém, não lhe acerta e a arma encrava.
Há uma luta e a arma desaparece para qualquer canto. Então falam ali
asperamente. Michele desconfia que Carla está ali dentro do quarto, e está
mesmo, que pouco depois aparece. Depois de alguma discussão, Michele sugere então
que Leo case com Carla, Leo mostra-se agradado com a ideia, e Carla diz que
primeiro tem que falar com a mãe.
Saem
ali de casa, mas está a chover a cântaros. Apanham um táxi e pelo caminho estão
a estudar a decisão de Carla, ela convence-se que aquela ainda será a melhor
solução para resolver os problemas da família, dela, da hipoteca da casa. Mesmo
assim estão nervosos, mas quando chegam a casa está ali um carro de Berardi
para os levar para uma festa, eles logo esquecem o mal-estar de que vinham possuídos
para se prepararem para ir lá. Michele perguntou se ela já comunicara a sua
decisão à mãe, e ela disse que não, que o ia fazer no dia seguinte. A mãe estava
entusiasmada com aquela saída, pediu a Carla para ela se mostrar simpática com
Pippo Berardi, talvez ele a amasse, e ele seria um bom partido para ela.
Estavam as duas felizes, o resto o leitor que tente adivinhar.
COMENTÁRIO
GERAL
É curioso como Alberto Moravia aos
22 anos escrevia um livro tão profundo e intrincado, cheio de subtilezas, revelando
uma maturidade que nos surpreende. Ele, com este livro dava uma boa amostra de tudo o que
viria a ser: o seu desprezo pela sociedade burguesa, demasiado voltada para o
interesse económico, focada nos prazeres mundanos, acomodada a uma realidade
social decadente, não fazendo nada para a reformar. Ele dá vida a personagens
da classe média falida, que vivem das aparências para manter um certo estilo de
vida e uma frágil solidez familiar, alienadas pela satisfação dos seus
interesses imediatos, carecidas de valores, amantes do prazer e da sexualidade,
hipócritas, que se estão nas tintas para tudo, não tem grandes preocupações
morais, a sua liberdade e bem-estar está primeiro.
Os
Indiferentes são mesmo isso, o autor usa muito esta palavra no livro, pessoas
que se deixaram alienar pela sordidez da vida, sem objetivos, esvaziados de
humanidade, voltadas sobretudo para os seus interesses pessoas, para o
hedonismo, para um certo laxismo egoísta, alheios aos valores que devem nortear
uma humanidade mais refletida. As personagens,vestindo-se com a máscara da
indiferença, do egoísmo, procuram representar o seu papel, de modo a obterem deste
exercício algum proveito, mas são indiferentes umas às outras, à própria
sociedade, cujos valores não acreditam. Com isto ele parece rir-se da
propaganda do regime totalitário do Duce, que fazia consistir a sua fortaleza
nas virtudes da família, o alicerce da Pátria.
Ainda que sem às vezes um pouco teatral,
a descrição das cenas é perfeita. As personagens principais são cinco, e para
elas parece estar destinado um papel, que têm de representar em cada capítulo,
fazendo-nos destrinçar entre os seus verdadeiros objetivos e a mensagem que
querem deixar passar aos seus interlocutores: a hipocrisia de Leo Merumeci perante
Mariagrazia; os problemas de consciência de Carla, que se está a deixar seduzir
por Leo, amante da sua mãe; a encenação da hipoteca da casa e da ameaça à
segurança familiar de Mariagrazia. Aqui todos jogam os seus trunfos. Há uma
grande hipocrisia no meio daquilo tudo, um grande cinismo. Carla, a inocente
Carla segue a “escola” da mãe, Mariagrazia, perante a ameaça da penhora da casa
por parte de Leo Merumeci, vai porventura casar com ele para resolver o
problema da família, terá de ser o leitor a adivinhar a reação da mãe a esta
inesperada decisão da filha. É tudo um jogo de interesses.
Porém,
com personagens tão calculistas, nem o final estará assegurado. É notável a
forma com o autor se serve dos diálogos para desenvolver o romance, não muito
longos, mas precisos e expressivos, com o verdadeiro sentido daquilo que
pretende dizer ou esconder, retratando as personagens femininas com uma
evidência que é de estranhar num jovem que já parece ter vivido uma
vida inteira. O romance é uma fuga à rigidez burguesa, a indiferença perante
os valores morais estabelecidos, a afirmação individual contra as regras vindas
do meio social, algum pessimismo antropológico à mistura, o alheamento à transformação do
mundo, a consciência de que as religiões e as ideologias estão em ruínas.
Enfim, uma narrativa bem construída, que faz de Os Indiferentes uma obra-prima do decadentismo europeu.
Martz Inura
07/07/2018
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