YASUNARI KAWABATA
Mil Grous (Título em Japonês Senbazuru)
Tradução do Inglês de Mário Dias Correia
DOM QUIXOTE (2009
O
HOMEM
Yasunari
Kawabata (川端康成) nasceu em Tenjin, perto de Osaca, em 11 de Junho de 1899, e
faleceu em Zushi Kanagawa, em 16 de Julho de 1972. Filho de um médico ligado à
cultura, aos quatro anos ficou órfão de pai e mãe: Uma sua tia tomo conta dele,
mas esta também viria a falecer, tendo ele dez anos de idade. Perdeu muitas
pessoas de família. Teve que suportar grandes desgostos, viver uma grande
solidão. Entrou no ensino secundário, e já ali mostrava vocação interesse pela pintura
e vocação para a literatura, começando a escrever contos. Em 1920 entrava na
Universidade Imperial de Tóquio. Em 1921 fundou a a revista Xin-Xicho (Pensamento Novo), e com Yokimitsu Riichi criou um jornal literário Bungei Jidai (Sensações literárias). Iniciou a sua carreira literária pouco tempo
depois com contos, denominados Tanagokoro
no shôsetsu (Contos na Palma da Mão),
que se tornou um género típico no Japão. Em 1931 muda-se para Kamakura, antiga
capital dos samurais. Já casado com Hiedeko, escreveu o primeiro romance: Yuquiguni (em Portugal Terra de Neve e no Brasil O País das Neves), que lhe trouxera
muito prestígio. Veio a Segunda Guerra Mundial, em que esteve pouco activo, mas
terminada esta manifestou ideias conservadoras, sendo contra a revolução cultural
chinesa. O seu pensamento cultural, entretanto, evoluiu, continuou a escrever.
Tornou-se membro da Academia Imperial do Japão em 1953, e quatro anos mais
tarde presidente do Pen Clube do Japão. Ganhou vários prémios literários, e em
1968 era o primeiro japonês a receber o Prémio Nobel. No seu discurso em
Estocolmo condenou o suicídio, lembrando que várias dos seus amigos escritores
tinham morrido desta forma angustiada. E isto e irónico, embora lamentável, até
parece fatídico, em 1972, sob o efeito de uma depressão galopante, suicidava-se
em Zushi.
A
OBRA
Da obra de Yasunari Kawabata,
difícil em encontrar toda em Português, distingue-se aqui os seguintes romances:
–
Asakusa Kurenaidan (1935-1937) (em
Português A Gangue Vermelha de Asakusa)
–
Meijin (1949-1952) (O Mestre Go)
–
Senbaruzu (1951-1953) (Tem saído com
vários títulos em Português, entre outros Chá
E Amor, e Mil Grous)
–
Yuquiguni (1951-1954) (O País da Neves)
–
Yama no Oto (1953) (O Som da Montanha)
–
Mizuumi (O Lago) (1961)
–
Nemureru Bijo (A Casa das Belas adormecidas) (1964)
O
ROMANCE Mil Grous
PERSONAGENS
PRINCIPAIS
– Mitani Kikuji: É a personagem masculina
principal, à volta da qual gira à história. Depois da morte dos pais tem uma vida
solitária, hesitante em vender a casa que herdou. Deixa-se tentar facilmente
pelas mulheres, que não lhe oferecem resistência. Elas querem-no casar com
Yukiko, mas ele não resiste à senhora Ota e a Fumiko.
– Kurimoto Chikako: Representa a
tradição, é a personagem feminina principal, foi amante do pai de Kikuji e quer
casar este com Yukiko, filha dos Inamura. Mestra da cerimónia do chá, não gosta
da Senhora Ota e de Fumiko, que concorriam com ela como amantes do pai de Kikuji,
de quem que ser herdeira sentimental.
– Senhora Ota: Amante do pai de Kukuji,
que deixa que ele se aproveite da sua filha Fumiko, de quem deve ter tido uma
filha. Também quer afastar Kikuji de Fumiko, envolvendo-se com ele, como para
recuperar a vida do pai, carregando uma culpa que a leva ao suicídio.
– Fumiko: Filha da Senhora Ota, muito
ligada ao pai de Kikuji, de quem chegara a receber um anel valioso. Tinha uma
filha, supostamente dele. Ao fim envolve-se com Kikuji, supondo-se que
também não terá suportado a culpa do seu acto.
– Yukiko: Filha do Inamura, menina dos
mil grous, muito bonita, a quem Chikako e a Senhora Ota querem que case com
Kikuji. Chikako ao fim disse que ela já tinha casado.
– Pai de Kikuji: Já falecido, com uma
vida copiada das dos samurais. Tinha várias amantes, com quem se reunia por
vezes em pousadas afastadas.
– Mãe de Kikuji: Senhora tradicional, que
serve com desvelo o marido e o filho, também já falecida.
RESUMO
DO ROMANCE
CAPÍTULO MIL GROUS
Kikuji era sempre convidado para a
cerimónia do chá (chanoyu) em casa de
Kurimoto Chikako, mas desde que pai falecera deixara de vir, porém, daquela vez
vinha uma menina a quem Chikako dava lições de chanoyu e ele viera. Chikako
tinha um sinal por cima do seio esquerdos, cresciam-lhe lá uns pelos, ele foi
um dia a casa dela, tinha então oito anos, e soube do facto, talvez por isso
ela nunca casara. Havia o preconceito que aquele sinal podia ter consequência
nos filhos. Kikuji ouvira os pais comentar o facto e ficou até com pena dela.
Chikako estava ali com as suas duas alunas
e ficou surpreendida com a chegada de Kikuji. Veio logo ter com ele gabando a
beleza de uma das suas alunas, de mil grous. Chikako tinha revelado à
mãe de Kikuji, ainda ela era viva, que o pai andava com a Senhora Ota, e como
que ficaram confidentes. Misteriosamente, a Senhora Ota viera ali ao chá de
Chikako, e levara a filha Fumiko. Veio lá sem ser convidada. O caso era estranho para
Kikuji, que sabia que o pai tinha tido uma curta relação com Chikako, e outra,
mais forte com a Senhora Ota, e até com a filha desta, Fumiko, de quem teria
uma filha. Kikuji compreendia bem a hostilidade da mãe com a Senhora Ota.
Houve uma troca de olhares entre Kikuji e a Senhora Ota. Chikako pediu à menina
Inamura para servir o chá, sugerindo-lhe para servir o obi, a chávena de chá que
pertencera ao pai de Kikuji e passara para ela, este achou isto de uma grande
insensibilidade.
Kikuji depois de beber o chá da chawan ficou a olhar para ela, Chikako
disse-lhe que pertencera ao seu pai. Estranho, aquela tijela passara de Ota para
a mulher deste, e desta para o pai de Kikuji, e agora pertencia a Chikako,
vêem-se as relações que isto implica. Chikako num aparte com Kikuji disse que
ele estava a ter uma vida muito solitária e perguntou-lhe se gostou da filha dos Inamura,
Yokiku. A Senhora Ota viu que a filha estava afastada com uma amiga, e que
Chikako estava a com as suas alunas para falar com Kikuji, recordando a amizade
do pai dele com a filha, Fumiko, a quem lhe chegara a oferecer um anel que
pertencera à mãe dele. Aquela cerimónia do chá (chanoyu) escrevera-lhe a vida secreta dos seus pais e de quem tinha
ali à volta, era espantoso. A Senhora Ota fora amante do pai até morrer, e
Fumiko limitava-se a acompanhá-la.
Bem, depois daquele primeiro encontro
aconteceu que a Senhora Ora e Kikuji se voltaram a encontrar e tiveram uma
relação íntima memorável, a ele lhe pareceu que ela era mais nova do que ele.
Falaram então do sinal de Chikako, que a afectara de maneira indelével.
Duas semanas mais tarde vem a casa
de Kikuji, Fumiko, ele pensa que ela deixara a mãe lá fora, mas não, ela
viera-lhe pedir desculpa em nome da mãe, pelo que tinha acontecido há dias. Que
envolvia ela não voltar a visitá-lo. Ela perguntou se ele ia casar, se já tinha
havido um encontro neste sentido (um miai),
com Yukiko, filha dos Inamura, ele respondeu que não e despediram-se.
ÁRVORES AO SOL DA TARDE
Chikako telefona para o escritório
de Kikuji a dizer que vai ali a casa, pois era neste dia que o pai fazia a
cerimónia do chá a (chanoyo). Ele não
fazia esta cerimónia desde que o pai morrera, mas ela insistiu que devia ser
feita e que ele não devia viver só, sugerindo até que chamasse alguém do escritório.
Ela iria mesmo ligar para os Inamura para a filha, Yukiko, ali vir. Isto
deixou-o sobressaltado, será que ela queria usar o isco da Yukiko para se
aproximar dele? Daqui a pouco viu-a aparecer no alpendre.
No dia seguinte Chikako foi a casa
de Kikuji pôr em ordem os utensílios da sala de chá (skiya). Falou com a criada e pediu-lhe para lhe levar um guarda
chuva quando foi para o jardim, Quando Kikuji chegou ficou espantado por a
Yukiko já lhe ter sido mostrada a casa. Estava agastado com Chikado por esta lhe
estar a forçar aquele casamento, que dava como certo. Ele sentia-se a
ocupar o papel do pai, e não se mostrava muito interessado na cerimónia do
chá, mas a criada andou com ela a tratar do evento. Pouco depois aparece ali alguém, a criada
diz que é a Senhora Ota. Ele imaginou que fosse a filha, mas era mesmo a mãe.
Parecia doente. Perguntou se trouxera a filha Fumiko e ela disse que não, que
soubera da cerimónia do chá através de um telefonema de Chikako. A filha teria um filho do pai de Kikuji, aquilo era extraordinário. Conversam os dois um
pouco, era evidente que o pai ainda estava ali muito presente, os dois foram atraídos um
pelo outro, e Kikuji tomou a senhora Ota.
A Senhora Ota sentiu naquele acto como que uma ligação com o outro mundo, e Kikuji perguntou-lhe se nas mãos dela,
ele e o pai se tornaram a mesma pessoa. Ela arrependeu-se logo do seu acto,
e de estragar a vida a Yukiko, Acusa Chikako de ser a culpada daquilo tudo, e
Kikuji leva-a a casa. Porém, pelas duas da manhã recebe um telefonema de Kukimo
a dizer-lhe que a mãe tinha falecido de um ataque cardíaco. Mas não era
verdade, ela tinha-se suicidado, estava como que a pedir-lhe pare ele esconder
o facto
O JARRO SHINO
No
dia da cerimónia do sétimo dia Kikuji fizera uma visita a casa da Senhora Ota.
A Fumiko abriu-lhe a porta e agradecera-lhe as flores que enviara, recordando
que o perfume destas, que suaviza a culpa. Kikuji ajoelhou-se para queimar
incenso. E ali ajoelhado perante as suas cinzas, interiorizara a sua culpa.
Perguntando a si mesmo se a tinha matado. Fumiko disse que ele devia perdoar a
sua mãe, mas ele admitiu que o culpado fora ele. Ela insistiu que ela devia ter
morrido a pedi-lhe perdão, mas ele foi de opinião que aos mortos mão impunham
considerações morais aos vivos. Voltou a olhar para a fotografia da senhora
Ota.
Fumiko trouxe duas chávenas chawan, numa travessa, uma vermelha e outra
preta, que apesar de cerimoniosas não deviam ter sido compartilhadas quando o
pai vinha visitar a mãe. Kikuji considera que a Senhora Ota lhe perdoara, mas
que era terrível ele estar ali com a filha. A senhora Ota cometeu um erro grave
ao ver nele o pai de Kikuji, e ele estava a cometer o mesmo erro dela ao ver em
Fumiko a sua mãe. Na despedida Fukimo fora buscar um jarro Shino que era da mãe
para lhe oferecer, embora ele tivesse estado com flores. Recomendou-lhe que não
se preocupasse com a sua mãe, que casasse depressa.
Quando chegou a casa, Kikuji pôs
rosas brancas na jarra Shino, e
receou estar a apaixonar-se pela Senhora Ota, tendo ela já morrido. No domingo
seguinte fala com Fumiko, diz que vai vender a casa e convida-a a vir lá. Alguém
batera à porta, era Chikako. Estava a chover, fez as suas ofertas, trouxe doces.
Havia ali montes de peças de chá, e ela disse que o pai as pagara todas, que a Senhora
Ota era uma pegajosa, Ele não a gostou de ouvir dizer mal dos mortos. Acrescentou
que ela viva não poderia dominar o diabo que havia nela, e morrendo ia ter com
o pai. Kikuji sentiu-se gelar. Chikako fora para o jardim, e a ele a imagem de
Fumiko em casa a chorar acudiu-lhe à ideia.
O BATON DA MÃE
Kikuji reparou que a criada tinha
dependurado num dos pilares uma cabaça que continha uma flor, uma ipomeia. A
peça Shino tinha 300 anos, mas a flor duraria apenas uma manhã. O jarro Shino continuava sem flores, e veio-lhe
à cabeça que se Fumiko a visse ainda sem flores talvez ficasse triste. No
regresso a casa comprara flores para as colocar lá. Em casa telefonou a Fumiko,
mas de lá disseram-lhe que ela já tinha vendido a casa, talvez a criada. Ele adiantou-lhe que tinha ali uma chawan que pertencera à mãe, e pensara em oferecer-lha. Entretanto
tocou à porta alguém, era Chikako, sentia-se intermediária daquele casamento e
sentia-se no direito de falar. Kikuji disse que se estava a referir à filha dos
Inamura, Yukiko, estava a perder o seu tempo. Chikako estava a fazer o papel de
má, não queria que ele casasse com a filha da senhora Ota, lá teria as suas
razões. Para complicar a coisa apareceu à porta a menina Ota, mas como
pressentisse que tinha ali alguém, disse que se estivesse ocupado viria mais
tarde.
Fumiko entrou e viu o chapéu de
Chikako, percebeu logo que ela estava ali, e ele perguntou se ela não podia esperar um pouco no
pavilhão, enquanto a velha Chikako não fosse embora. Esta designação de velha
desqualificava a Kurimoto. Mas ela não se mostrou incomodada com a sua presença
e entrou. Ao chegar à sala Fumiko falou com Chikako, como se ignorasse a sua
hostilidade. Esta fez questão de usar uma peça Shino em honra da mãe de Fumiko, esta disse que ia à sala de chá (à
sukiya) naquele momento talvez a fizesse chorar, mas
Chikako disse que então chorariam as duas, e acrescentou que a vinda dela ali
só ia embaraçar os planos para o casamento dele com a filha dos Inamura. Kikuji,
exasperado, disse para Fumiko fingir que não a ouvia, não estava a gostar daquela
intromissão.
Chikako foi varrer lá fora. Fumiko e
Kikuji viam-na através da janela. Ela trouxe uma Shino, e desembrulhou-a à frente dele. A mãe dela achava que a mãe
dele a usava todos os dias, uma Ryonyo,
achava que uma Raku preta ou vermelha
não ia bem no chá vulgar. Ela tinha uma mancha levemente avermelhada, que
diziam ser do baton da mãe, ele sentiu-se enojado. Kikuji perguntou a si mesmo por
que Fumiko teria levado aquela chawan
manchada pelos lábios da mãe. Veio Chikako e usou uma das peças da Senhora Ota,
o que incomodou Kikuji, mas ela argumentou que era precisamente por causa
disso, para terem uma lembrança dela. Chikako perguntou mesmo para Fumiko se
não deviam usar uma Shino de sua mãe.
Pegou na caixa e foi para o pavilhão. Kikuji ficou a falar então com Fumiko.
Perguntou-lhe como conseguira vender a casa e se já arranjara emprego. Ela
perguntou-lhe então se ele ia casar, e ele disse que não, que não vinha nada a
propósito casar agora. Fumiko achou que a mãe dele já o fizera sofrer o
suficiente, que devia pensar nela como já tendo morrido há muito tempo.
Chikako foi arrumar a sala de cá, a Sukiya, e alterou a posição da Shino, pondo-a com flores junto das
cinzas da senhora Ota. Perguntou se ali estaria bem, e Kikuji e Fumiko não se
pronunciaram. A Shino passara das
mãos da Senhora Ota para a filha Fumiko e agora voltava ao Kijkuji. Disse então
que para o ano era o quinto aniversário do pai de Kikuji e tinha de organizar
uma cerimónia do chá, a tal chanoyu.
Kikuji não gostou desta sugestão, ela estava a ser muito insultuosa com Fumiko,
e referiu-se a Chikako com velha. Chegou a noite, as duas tinham de se ir
embora, Chikako afastou-se e Kikuji sugeriu a Fumiko que não a acompanhasse,
mas ela disse que tinha medo de ir sozinha. Chikako levou Fumiko par a copa,
admirando-se daquela ter trazido a jarra da mãe.
A ESTRELA DUPLA
Kurimoto Chikako pareceu em casa de
Kikuji a dizer que Fukimo tinha casado, ele ficou incrédulo, e mais admirado
ficou quando ela lhe disse que Yukiko também casara. Confidenciou-lhee que fora a Quioto e
que estivera numa pousada onde ficava o pai, que até lhe propôs que dormisse lá.
Era ali que ele ficava com a Senhora Ota. Como ele comerciava também com peças
de chá, falou-lhe da possibilidade de ele lhe comprar a colecção do pai, caso
estivesse interessado em vendê-la. Kikuji viu logo a intenção pérfida dela.
Mas certa tarde Kikuji estava no
escritório, quando Fumiko lhe telefona a comunicar que lhe enviara uma carta. É então que ele se dá conta que ela
ainda não tinha casado, nem sequer talvez Yukiko. Andava a
arranjar emprego, aquilo tinha sido uma brincadeira de Chikako. Depois daquele telefonema
Fumiko vai a correr a casa dele, e garante-lhe mais uma vez que ela não casara, nem sequer Yukiko. Entretanto, chegou um carteiro com uma carta e ela pediu para ele lha devolver, e desfê-la em bocadinhos.
O jantar que tinha sido encomendado
foi desinteressante. A chávena de chá, a chawan
era a Shino cilíndrica. Perguntou-lhe
o que dizia a carta e ela disse que era a pedir-lhe desculpa por lhe por lhe
oferecer uma peça tão fraca, apesar de ter 300 anos, pois queria enviar-lhe uma
melhor. Mas ela era especial até tinha um rebordo com a marca de baton da Senhora
Ota. Pediu-lhe na carta para partir aquela Shino.
Pensou que ele ficaria bem com a jarra, mas depois envergonhou-se. Kikuji
quando lhe telefonou pensou que a tijela era pior que o jarro. Pediu para ir vê-la
na Sukiya, pensava que fosse melhor, se
não fosse poderia partir o Shino.
Kikuji foi para o jardim, não conseguiu dizer que a Shino e a chawan eram
como se fosse, a alma do pai e da mãe dele. Foi aqui que Fumiko partira a Shino, depois disse que a chawan que lhe oferecera era um karatsu cilíndrica de origem coreana,
portanto, muito nobre. Fumiko estava deprimida, e ele disse que quando os
mortos nos prendem começamos a pensar que também já não somos deste mundo.
Kukuji sugeriu a Fumiko que utilizasse a Shino
e a Chawan como se eles próprios
estivessem em viagem, e como os pais faziam. Estavam os dois focados um no
outro, Kikuji agarrou-a, e ela não ofereceu resistência, como a celebrarem
qualquer maldição. Ela saiu pouco depois daquela casa, desesperada.
Em casa, Kikuji estava com dificuldade
em dormir, a Shino tinha sido partida
cá fora junto do tanque. Por que é que ela temia que ele comparasse a Shino? Na noite anterior Fumiko tinha-a
mandado contra o muro, antes que ele o pudesse impedir. Ele veio cá fora e
tentou juntar os cacos, mas faltava-lhe um. Esteve horas a pensar no que ela
lhe dissera. No dia seguinte ligou para Fumiko no escritório, mas ela não
estava lá. Foi à procura dela a sua casa, atendeu-o alguém que parecia sua
criada, era uma menina acaba de chegar da escola, de 12 ou treze anos. dizendo
que a mãe não morava ali, Foi então que ele se recordara que Fumiko lhe dissera
que a morte estava a seus pés. Ele, ao lembrar-se disto ficou com os pés gelados, e pensou logo o pior, ela não tinha qualquer razão para morrer. Estaria ela como a mãe esmagada pela culpa,
receosa da simplicidade? Bem, depreende-se que ela também se tinha suicidado,
pois agora a ele só lhe restava Kurimoto.
COMENTÁRIO
SOBRE O ROMANCE
Este romance não é muito longo, bem
esticado mal chega às 150 páginas, formalmente é pouco complexo, não possui um suspense que nos atraia logo ao enredo, uma
grande investigação histórica que nos apele à curiosidade, e, contudo, não
deixa de ser um grande romance, capaz de deixar em nós a sua marca de génio, há
nele um mundo simbólico a desvendar, personagens cheias de sensibilidade, como
que vindas de uma outra humanidade, de uma outra civilização, com uma filosofia
que vinha do tempo dos samurais. Não será o melhor livro do autor, mas
chegou-me às mãos e tivemos curiosidade em o ler. Está cheio de simbolismos. O
autor vai-nos descrever uma simples cerimónia do chá, não se trata de uma
grande aventura, celebra-se ali um ritual em que está muito potenciada a noção
de honra, a sensação da culpa, com o suicídio como expiação. Alguns leitores no
Ocidente têm dificuldade em ler este livro, daqui que nem todos o possam
valorizar devidamente, eis algumas das razões:
1º.
O romance é traduzido, deixando-se em itálico palavras japonesas de que não
percebemos logo o significado, e mesmo que constem em rodapé em letras miúdas,
ou na nota inicial, acabam por ser esquecidas, tornando o sentido do texto
nublado. Nesta edição algumas palavras vêm na nota inicial, mas nunca é demais
recordar as mais utilizadas: Sukiya:
sala do chá; Chawan: espécie de
tijela do chá; Chanoyu, maneira
estilizada de preparar o chá com água na braseira; chashaku: pote de chá; Raku:
espécie de tijela; Obi: faixa dos
cintos dos quimonos; chasen, vassoura
para mexer o chá.
2º.
A narrativa expressa um conjunto de valores de que não nos percebemos o seu
sentido mais amplo, não se faz uma ideia da importância que é dada à cerimónia
do chá naqueles tempos, nos finais da Segunda Guerra Mundial, da subtileza com
que são ditas certas as palavras, e de como os objectos pessoais podem marcar
de significado a própria conversa. O leitor se não for alertado não compreende
ou não aceita como verosímeis determinados factos ali descritos,
sobretudo as relações entre homens e mulheres, num período em que ainda
prevaleciam muitas tradições vindas da época dos samurais, em que as amantes
estavam de certo modo institucionalizadas.
3º. Os nomes das pessoas custam a
memorizar-se, há dificuldade em os reconhecer desde logo e os colarmos às
personagens. Aparece, por exemplo, Kikuji, que podemos identificar como uma
mulher, e é um homem; o de Kurimoto Chikako, que nos parece masculino em
Português, e é uma mulher, e o mesmo podemos dizer de Yukiko, que é também de
uma mulher, e de tantos outros. Isto também acaba por nublar o texto,
fazendo-nos vaguear por uma floresta desprovida de trilhos. Por outro lado, frequentemente as mulheres assumem o nome dos maridos, e
se não estivermos atentos podemos deixar de perceber a história.
Só numa leitura mais atenta
poderemos ajuizar da profundidade e beleza deste romance, em que trata da
maneira de pensar, sentir e agir muito próprias de uma outra civilização, em
que o erotismo é encarado com uma grande suavidade e até beleza, em que existe
uma moral complexa carregada de passado, cheia de emoção e de culpa, por vezes
fatais. A sua subjectidade é tal que nos pode parecer surrealista. Mas em tudo
o que se diz e faz há uma delicadeza, uma solenidade, quase sagradas, e uma
ternura impressionante, em que se destaca uma psicologia feminina complexa,
cheia de nostalgia. Há ali uma cultura ancestral a desmoronar-se, com tudo
aquilo que tem de belo e terrível. A narrativa é escrita com o preciosismo de
uma peça de filigrana, de forma compacta, não pretende ser um calhamaço
volumoso, mas vazio de sentido –, às vezes parece vertida de uma peça de teatro, tem uma
tessitura concentrada e original.
O romance vive num universo rico de
significados, com a reflexão e a inteligência muito presentes, uma grande
sensibilidade. Tudo o que está escrito é estrutural: uma peça de chá pode ter um sentido avassalador, e bem assim a simples
escolha das flores para um jarro, as cores das chávenas, a disposição das mesmas,
enfim, cada gesto da cerimónia do chá (a chanoyu),
era compenetrado e analisado para ter um efeito preciso, pejado de
reminiscências dos seus utilizadores, muito evocativo, e não ignora o futuro, o mais pequeno rito pode ter ali um efeito transcendente, de modo que
os objectos e a sua disposição podem ter mais relevância que as próprias
palavras que se utilizam, que, avassaladas por estes, e se tornam quase circunstanciais, volácteis. As personagens são apesar de tudo muito
reflectidas, e como se refugiam numa profunda solidão, potenciando qualquer
sua interferência, a própria morte parece adquirir ali a leveza do voo de mil
grous, onde as almas apaixonadas se reencontram.
O livro de Yasurari Kawabata começa
por celebrar uma cerimónia do chá, uma chanoyu,
organizada por Kurimoto Chikako, antiga amante do pai de Kikuji. Ele desde
que ele morrera não voltara ali, mas nesse dia quis estar presente. Ela tenciona
apresentar-lhe uma duas das suas estudantes, Yukiko. Sem se fazer convidada apareceu
ali uma outra amante do pai de Kikuji, a Senhora Ota, e como se ressuscitam façanhas
da vida do morto, ainda muito presente, e se fazem pequenas revelações que podem
desvendar antigos segredos, “iluminar vidas inteiras”. Mas tudo ali é dito e feito
muito naturalmente, com uma grande delicadeza, de forma nebulosa, como se lhe
tivéssemos de adivinhar o sentido. Afinal o pai de Kikuji andava com a Senhora
Ota, mas parece que gostava mais da filha, Fumiko, de quem tivera uma
filha. A senhora Ota sucumbiu ao peso de uma culpa dolosa, e
parece que Fumiko lhe terá seguido as pisadas. Verifica-se que há um complôt das mulheres para casar Kikuji
com Yukiko, mas todos os seus passos (de Chikako menos), são subtis, como se a realidade fosse sagrada e só
devesse ter tocada ao de leve, de modo a não nos apossarmos do seu aspecto terrível,
e assim, as mortes que tenha ocorrido aparecem despojadas daquilo que têm de trágico, vindo purificadas de um amor celestial, providas
de uma expiação redentora. A narrativa, de tão solene aproxima-se da poesia,
tem o encantamento de algum amor impossível. Belo romance.
(precisa de ser revisto)
24/5/2018
Martz Inura
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