ANDRÉ MALRAUX
A Condição Humana
Edição «Livros do Brasil» Lisboa
Tradução e prefácio de Jorge de Sena
A
VIDA
André Malraux nasceu em Paris em 3
de Novembro de 1901. Filho e neto de suicidas, desde cedo se viu entregue a si próprio, a ter que fazer pela vida. Aos dezoito anos abandonou os estudos, não chegou a frequentar a universidade, tornou-se um autodidacta, destacando-se como
jornalista, como político e escritor. Mesmo sem qualquer graduação académica deixou para nós talvez a melhor definição de cultura que jamais se fez: "A Cultura é o que fica depois de se esquecer tudo o que foi aprendido". Em 1924 estava na Indochina a fazer pela vida,
negoceia em arte. Em 1939 vemo-lo na Espanha a intervir a favor da causa
republicana. Durante a 2ª Guerra Mundial, servindo no exército do seu país, é capturado
pelos alemães mas consegue fugir e integrar a “Resistência” francesa. Depois da
guerra, já em 1945, De Gaulle chamou-o para a política, foi Ministro do
Interior (Informação) e depois Ministro da Cultura (Assuntos Culturais). Morreu
em Créteil em 23 de Novembro de 1976.
A
OBRA
A obra de André Malraux é de
natureza singular, foge à norma, perpassa por ela uma névoa de pensamento
filosófico, uma efervescente moral que pretenda descobrir o sentido que possa
ter a vida, e até a morte. Inclui vários romances e sobretudo ensaios, em que,
mesmo podendo faltar a alguns as preocupações atrás referidas, o homem é analisado sob uma perspectiva fortemente
cultural.
De todas as sus obras há a destacar A Condição Humana, aqui tratada, de
1933, que lhe valeu o Prémio Goncourt, A
Esperança, um romance veemente, extraído da sua experiencial pessoal na
Guerra Civil de Espanha (1937), A Voz do
Silêncio, que trata da simbologia dos museus, onde melhor se pode estudar
o ser humano, e que, estranhamente, só existem há duzentos anos.
O
ROMANCE A CONDIÇÃO HUMANA
1. Tempo
e espaço em que decorre a acção
A partir de 1 de Janeiro de 1912, à
frente do partido nacionalista (Kuomintang), Sun Yat-sen proclama a república e
o fim da China imperial. Mas não tarda que o seu poder se desmorone e a China
se fraccione. Na década de 20 Chiang Kai-shec está a tentar reunificá-la, deparando-se com
uma sociedade muito dividida. O romance decorre em 1927, de 21 de Março a Julho
daquele ano, na cidade de Xangai, uma urbe já na altura muito populosa, na foz
do Rio Yangtzé (Rio Azul), a meio caminho entre Hong Kong e Pequim, onde as
potências estrangeiras tinham as suas concessões, asseguradas pelo tratado de
Nanquim de 1842.
2. Intervenientes
desta guerra
Comunistas e
nacionalistas do kuomintang unem-se numa rebelião para tomar Xangai ao
governo de Chiang Kai-schec. Mas iniciada a mesma logo se dividem. De um
lado estão os azuis, os nacionalistas do Kuomintang, os tradicionalistas, os
democratas, os burgueses; e do outro, os vermelhos, os comunistas, os trabalhadores
agrícolas e industriais, que querem dar dignidade ao trabalho.
3. Personagens
principais
Gisors, professor expulso da
universidade de Pequim, idealista, intelectual, marxista, que incarna ali a
revolução e se refugia no ópio.
Tchen, adoptado por Gisors, que começa
por matar um traficante de armas e acaba, tomado pela mística suicida, por
tentar assassinar Chiang-Kai-shec.
Kyo,
filho de Gisors, idealista que organiza a insurgência comunista de Xangai.
May,
esposa de Kyo, de origem alemã, médica e comunista convicta.
Katow,
um interveniente russo da revolução de Outubro, idealista e generoso, que se
junta à revolução comunista chinesa.
Clappique,
barão francês, antiquário e traficante de armas, aventureiro e um tanto divertido.
Hemmelrich,
de origem belga, cuja família foi ali massacrada, e que acaba por aderir à
revolução.
Ferral,
presidente da câmara de comércio francesa, ligado à indústria e à política,
cuja ambição está voltada sobretudo para o lucro: a fruição do poder e o dinheiro.
4. Um
resumo da obra
Convém o leitor desde já tirar umas
notas, para se sentir mais dentro da narrativa e poder saborear o romance, porque,
para quem não tiver umas noções da história recente da China, este livro pode
tornar-se de leitura difícil, o autor não se perde muito a descrever as personagens.
Primeira
Parte, 21 de Março de 1927: A fim de iniciar a revolta Kyo e Katow estão à
procura de armamento. Para o efeito Tchen assassina um traficante de armas para
lhe sacar informações, na posse das quais, com Clappique consegue roubar armas
de um cargueiro.
Segunda
Parte, 22 de Março: A revolta tem sucesso, já que a população a apoia,
porém, Ferral da concessão francesa, consegue convencer a classe empresarial chinesa
a aliar-se a Chiang Kai-shec. Tenta mesmo neutralizar os vermelhos, fazendo com
que entreguem as suas armas.
Terceira
Parte, 29 de Março: Kyo não está satisfeito com esta decisão, quer
consultar o Comintern (Internacional comunista) de Anqueu, uma cidade mais a
norte. De lá confirmam-lhe a ordem. Moscovo queria manter a neutralidade, ainda
não seria a altura de os comunistas tomarem o poder. Tchen revolta-se contra
esta ideia e intenta assassinar Chiang Kai-shec.
Quarta
Parte, 11 de Abril: Inicia-se a repressão do governo, Clappique e Kyo são
procurados. Tchen está a programar o seu ataque suicida como forma última para
que a sua ideia saia vitoriosa, mas não é bem sucedido, porque o automóvel que
devia trazer Chiang Kai-shec era uma viatura fantoche, acaba por ser ferido e é
capturado.
Quinta
Parte: Os revoltosos são perseguidos. Clappique neste torpor da guerra perde
dinheiro ao jogo. Kyo é preso, e Clappique tenta interceder por ele junto de
Konig (o chefe da polícia de Chiang Kai-shec), mas sem sucesso. Hemmelrich
depois de descobrir que a mulher e o filho tinham sido mortos, adere à luta com
Katow, mas o seu grupo é destroçado. Mesmo assim ainda consegue fugir, matando um
oficial azul e saindo dali disfarçado com a sua farda, porém, Katow está ferido e
é aprisionado.
Sexta
Parte: Os revoltosos foram presos, e muitos deles estão feridos, à procura
de saber quando e onde serão fuzilados, mas ainda há a hipótese, mais terrível,
de serem queimados vivos. Kyo e Katow lembram-se então das cápsulas de cianeto,
com que se podem furtar a estas mortes terríveis. Kyo toma a sua, mas Katow
vendo ao seu lado dois jovens chineses receosos do que lhes vá acontecer,
resolve dar-lhes a sua cápsula, que dividida por dois ainda faria o efeito desejado,
e aceita o seu destino, é como se fosse morrer num incêndio. Entretanto, Gisors
à volta do seu ópio procura fugir a este mundo cruel.
Sétima
Parte: Em Julho, já em Paris, Ferral está em reunião com os políticos e a
alta finança francesa. Trata-se de analisar ali a situação do consórcio francês
em Xangai, mas à luz de interesses meramente económicos, indiferentes à miséria daquele povo. O romance termina
fazendo algumas reflexões sobre a condição humana. O sábio Gisors, a médica May
e o desventurado Hemmelrich acabam por sobreviver e estão a refazer as suas
vidas.
5. A
importância do romance
A quem seja leigo nestas matérias, o
livro A Condição Humana pode dar a ideia de um ensaio sobre o ser
humano, que trate das condições precárias da sua existência, divague sobre os
mistérios insondáveis que determinam a vida. O título prender-se-á com a
filosofia, com a moral, com a ética. Este é um erro em que podemos ser
induzidos, pois o facto é que nos vamos deparar com um romance de guerra, na
sua mais crua e nua recorrência: com conspirações ardilosas, assassinatos
insanos, atentados demenciais, perseguições arbitrárias, condenações bárbaras,
todos os ingredientes horripilantes de uma revolução, de uma guerra. Mas o erro
será só aparente, já que, não estando lá explícito uma gnosiologia filosófica,
um tratado de moral, podemos tirar do livro muitas ilações a este respeito,
pois implicitamente elas deambulam por lá no meio das suas intrigantes intrigantes.
Trata de uma obra marcante, sendo um
romance de guerra, ele incorpora, todavia, os ingredientes de uma filosofia que
se inspire nos mais altos valores humanistas, uma moral que deva presidir aos
destino do homem, envolve uma procura insistente pelos desígnios que
presidam ao destino mais profundo do ser humano, e que haja de identificar para se
dar uma maior dignidade à vida, ingredientes esses, e volta-se a repetir, que
questionando os nossos alicerces humanísticos, nos fazem reflectir,
obrigando-nos porventura a reformular os princípios por que nos regulamos como
seres humanos. Julgo que o autor nos quererá ter dito isto, com a citação que se segue, a qual constituirá a tese neste romance: "O ser humano é provido de um instinto de
sobrevivência, mas ele só se supera, só ultrapassa a sua condição humana,
quando se move por valores mais altos, quando em vez de lutar pela sua mera sobrevivência
física, prefere lutar pela vitória dos seus ideais mais nobres, de que julga
depender a justiça e a felicidade humanas".
Esta edição vem com um belo prefácio
de Jorge de Sena, que começa com estas palavras: “La Condition Humaine de André
Malraux, é sem dúvida um dos grandes livros do nosso tempo, e ouso dizer que
uma duradoura obra-prima da literatura universal. Alguém já afirmou que se não
é o mesmo, antes e depois de ter lido o que é uma das mais pungentes, sóbrias e
penetrantes obras de que a ficção se serviu para expor uma concepção simultaneamente
desesperada e nobre da condição humana”. Mas à frente refere-se à “profundidade
das reflexões e intensidade de situações”, ao fulgor do “seu longo comentário
moralista sobre a solidão e a morte”, e ainda “à nostalgia da grandeza e da
dignidade humanas, como se estas fossem algo que se tivesse perdido”, após o
que conclui: “Que tudo isto possa ser pensado a propósito de A Condição Humana seria desde já uma
indicação do seu extraordinário valor: documento histórico, meditação moralista,
intensa e asfixiante acção romanesca, estilo admirável – eis uma obra em que o
nosso tempo palpita com as suas esperanças e as suas desilusões, com as suas
verdades e os seus erros, com uma análise magnificente daquilo
a que já Camões (outro aventureiro, de um período crítico da história humana)
chamou, com um evidente conhecimento de causa, «estranha condição». Exactamente
assim: a estranheza, tão natural e tão grave, de que todos nós somos feitos”.
28/7/2015 Martz
Inura
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