GEORGES SIMENON








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GEORGES SIMENON
O Homem que via passar os Comboios
COLECÇÃO MIL FOLHAS (Saído com o jornal Público) (2002)
Tradução de Gemeniano Cascais Franco,
cedida pela Dom Quixote


O HOMEM
            Georges Joseph Christian Simenon nasceu em 12 de Fevereiro de 1903 em Liège, Bélgica. era filho de gente humilde, o pai era empregado de seguros e a mãe, doméstica. Por curioso, esta data de nascimento é falsa: ele nascera a 13 de fevereiro, sexta-feira, dia que a sua mãe, muito supersticiosa, recusou, com medo que lhe trouxesse azar. E parece que lhe deu sorte. Foi precoce a aprender a ler e a escrever. Aos três anos já sabia ler, e aos oito lia autores russos como Dostoievski e franceses como Balzac, ingleses como Charles Dickens e americanos como Hemingway. Mas se era bom em Francês, nas restantes disciplinas era um aluno mediano. Com uma mente assim tão desenvolvida para as letras não foi fácil de educar, pois via um pouco além dos jovens da sua idade e os pais tinham dificuldade em o compreender e dar satisfação às suas aspirações. Puseram-no a estudar no colégio dos Jesuítas, mas teve de sair de lá, pois com doze anos tivera a sua iniciação sexual com uma jovem de quinze. Por infelicidade, o pai, que o podia compreender melhor, começou a sofrer de problemas cardíacos.
            Com o dinheiro escassear em casa, aos quinze anos, em conflito com a sua mãe foi trabalhar, primeiro numa livraria e depois no jornalismo. Em 1921 escreve o seu primeiro romance: Au Pont de Arches. O seu pai morre nesse ano, e em 1922 casou com Régine Renchon e foi e foi trabalhar para Paris como secretário do marquês Tracy, que possuía um castelo e fazia uma vida faustosa. O seu sucesso nas letras iniciou-se quando o editor do jornal Le Matin, Colette, o introduziu no meio literário francês. Escrevendo sob mais do que um pseudónimo, a suas obras vendiam-se rapidamente. E mais ainda quando iniciou o ciclo comissário Maigret, e em 1935 se juntou ao Gallimard Editions. O jornalismo deu-lhe a possibilidade de viajar: esteve no Norte de África, na Turquia e na Rússia. Depois daria uma volta ao mundo. Tinha uma necessidade quase doentia de escrever. Passou por uma crise existencial: não sabia exatamente para que viera a este mundo. Podia escrever uma novela em quinze dias, e durante esse tempo fazia-o febrilmente, não queria ser incomodado. Viveu durante a Segunda Guerra Mundial em La Rochelle, na vila de Vendée, onde foi nomeado alto comissário para os refugiados belgas. Escrevia muito.
Depois da guerra vai viver para os Estado Unidos da América, onde viaja por vários Estados e continua a escrever. Tem uma vida intensa. Divorcia-se da primeira mulher e casa-se com Denyse. Dos seus casamentos teve quatro filhos. Dava-se bem com o sexo oposto, confessou mais tarde ter dormido com cerca de 12.000 mulheres. A sua filha, Marie-Joe, suicidou-se aos 25 anos, havendo suspeitas de entre eles haver relações inconfessáveis. Opunha-se à moral católica, e chegou a escrever artigos antissemitas, embora, estranhamente, a mãe tivesse de arranjar documentação a provar aos nazis que ele não era judeu, pois disso foi acusado, correndo perigo de ir parar aos campos de concentração. Em 1952 é eleito para a Academia de Letras Belga, mas continua com um pé nos Estados Unidos da América. É rico e mundialmente conhecido. Em 1955 volta à Europa e fixa-se na Suíça, em Lausanne. Em 1960 é convidado a presidir ao júri cinéfilo do Festival de Cannes. A partir de 1973 começa a ditar as suas ideias para um gravador de som. A sua saúde está já muito abalada. Em 1984 faz uma operação para lhe extraírem um tumor cerebral. Morre a 04 de setembro de 1989. Foi cremado, e as suas cinzas lançadas à relva do seu jardim, onde já florescia a filha, Marie-Jo, talvez na sua ânsia de renascer na Natureza.


A OBRA
            A obra de Simenon é vasta, mais de 400 romances, contos, trabalhos biográficos e autobiográficos, e muitos artigos publicado sob 37 pseudónimos. É um dos autores mais traduzidos da Língua Francesa. O seu género é o policial. Citamos apenas alguns dos seus livros editados em Português, que pode começar a ler:

            Maigret & A, A Cabeça de um Homem (1931)
            Maigret & A, A Morte de M. Galette (1931)
            O Homem que Via Passar o Comboios (1938)
            Os Três Crimes dos Meus Amigos (1938)
            Maigret e o Seu Morto (1948)
            Maigret & A, A Amiga de Madame Maigret (1949)
            Uma Confidência de Maigret (1959)
           O Quarto Azul (1964)
            O Santinho (1965)
            – Maigret & O, O Negociante de Vinhos (1969)
            O Testamento de Donadieu (1976)


O ROMANCE, O Homem que via passar os Comboios

            (Em vez deste livro estivemos para fazer uma recensão sobre Um Crime no Expresso do Oriente de Agatha Christie (1934), mas já tínhamos visto o filme. Talvez um dia regressemos lá).

            . PRINCIPAIS PERSONAGENS

– Kees Popinga: A personagem principal. Inicialmente um chefe de família a quem não havia a fazer muitos reparos, mas que depois da falência da empresa do patrão e de um segredo que ele lhe revela envereda pelo crime. É bastante inteligente, bom jogador de xadrez, com sentimentos de superioridade versus inferioridade. Interessa-se por mulheres, de quem tem algum medo especial.
O comissário Lucas: O investigador do caso em Paris. Não muito presente no romance, procurando fazer o seu trabalho sem dar nas vistas, a quem Popinga desafia nas suas cartas, embora de modo respeitoso, encarando o seu trabalho como um jogo.
Julius de Coster Júnior: O patrão de Popinga, que encena uma falência fraudulenta. Ligado ao comércio marítimo. Embebeda o empregado e humilha-o, confessando-lhe que a sua mulher o engana com o Dr. Claes. É uma pessoa sem escrúpulos.
– Eleonor de Coster: A esposa de Julius de Coster.
Pamela: Amante de Julius de Coster em Amesterdão, que teve a infelicidade de humilhar Popinga e foi morta por este.
Senhora Popinga, também chamada Mamã, por ser mãe dos filhos de Popinga: Era uma senhora burguesa de quarenta anos, acusada por De Coster de ter traído o marido, embora no romance não esteja provado. Tinha dois filhos: Frida e Carl, com os quais se preocupava.
Dr. Claes: Médico que dizem ser amante da mulher de Popinga.
Jeanne Rozier: Prostituta que vive em Paris no restaurante Mélie.
Louis: O homem que vive à custa de Jeanne Rozier.
Goin: Falsificador de automóveis que vive em Lisivy.
Rose: Criada do bando do Louis.


            . PEQUENO RESUMO
I Quando Julius de Coster se embebeda no Pequeno São Jorge e quando o impossível transpõe de subido os diques do quotidiano:
            Julius de Coster embebeda Popinga no bar Pequeno São Jorge, confessando-lhe que a mulher o trai com o Dr. Claes, e desde há muito tempo, combinando a colaboração deste a sua morte fictícia, deixando a sua roupa num canal. Era um estratagema seu para levantar um elevado seguro. O capitão do Oceano III não ia ficar nada contente.

II Como Kees Popinga, tendo embora dormido sobre o lado mau, acorda de humor jovial e como ele hesitou entre Eleonor e Pamela:
            No dia seguinte Kees Popinga resolve ficar de cama. A mulher vem visitá-lo e estranha a maneira como ele a olha. A filha vem perguntar como está, dizendo que viu a mãe a chorar. A polícia vem lá a casa para o ouvir. Ele pensa no que vai ser a seguir a sua vida. À tarde sai. A Mulher dá-lhe as luvas de que se tinha esquecido e pede-lhe para não vir tarde.

III. De um pequeno canhenho de marroquim vermelho comprado por um florim num dia em que Popinga ganhara ao xadrez:
            Popinga vai comunicar a Eleonor de Coster a morte do marido, e a seguir segue de Groninga para Amesterdão dar a notícia a Pamela, a amante do patrão: Têm os dois uma conversa, ele pretende os seus favores e ela faz-se cara, considerando-o um zé-ninguém. Ele sente-se humilhado, põe-lhe uma toalha à volta do pescoço e estrangula-a, quase sem querer. De seguida segue de comboio para Paris, onde se vai encontrar com uma tal Jeanne Rozier.

IV Como Popinga passou a noite de Natal e como, de madrugada, escolheu um automóvel ao seu gosto:
            Jeanne vive com Louis, que tem o seu apoio. Ele vê o telégrafo e soube que na Holanda já o procuram como assassino. Desce e vai comprar os jornais Daily Mail e Morning Post, em que a notícia é mais detalhadamente relatada. A mulher dele fala de caso de amnésia. Todos acham a sua atitude inesperada, pois era boa pessoa. Passa o Natal num café com uma russa. Despede-se de Rozier, pois corre ali grave perigo de ser apanhado.

V Onde Popinga fica desiludido perante um Popinha de camisola e fato-de-macaco andando às voltas numa garagem e onde ele manifesta uma vez mais a sua independência:
            Jeanne Rozier é chamada ao Comissário Lucas. Ela andava com um estrangeiro e ele queria saber quem era. Ela revela-lhe pouco. Popinga foi denunciado por Fredy no Picratt’s Bar. Rozier fala com Goin, falsário de carros roubados, e conta-lhe a sua situação. Popinga, a conselho de Rozier, refugia-se numa oficina de automóveis. Estão lá Goin, quem dá ordem àquilo, Rose, a criada, Ferrand, e o mecânico Kitti. Popinga faz logo conta ao lucro que dá roubar carros, que eles mudam de matrícula e número de motor para os venderem no Sul do país ao desbarato.

VI As indiscrições do tubo de fogão e o segundo atentado de Kees Popinga:
            Na oficina de automóveis, Louis, Goin, Rose e Popinga convivem, mas há um clima de desconfiança. Kees Popinga receia qualquer iniciativa do Comissário Lucas depois de ter chamado Rozier ao Quai de Orfrères. Vê pelas notícias dos jornais que dizem estar prestes a sua detenção. Todavia, sente-se estimulado a enfrentar o perigo e a provocar o Comissário Lucas, indo falar com Rozier à cidade. Chega lá, mas ela sabe das notícias e é tomada por um tremendo pavor dele, empunhando uma pistola. Ele procura acalmá-la, e num repente consegue tirar-lhe a arma, dando-lhe duas cronhadas na cabeça para a calar. Foge à pressa do restaurante, indo para um hotel não muito longe, onde a criada era Rose. Para que alguém acudisse a Rozier, que ficou maltratada, pagou a um taxista que a fosse lá buscar, pagando-lhe adiantadamente.  

VII Como Kees Popinga instalou o seu lar ambulante e como ele deu uma ajudinha às investigações da polícia francesa:
            Desde que tinha vindo da Holanda que não se barbeara e foi comprar um estojo para se barbear. Telefonou para casa de Rozier a inteirar-se do seu estado. Disseram de lá que estava menos mal. Enfim, não tinha morrido e ficou aliviado. Envia então uma carta ao comissário Lucas a mandá-lo ouvir de novo Jeanne Rozier, o que era uma provocação. Vai jogar xadrez a um bar de estudantes, onde patenteou a sua mestria naquele jogo. Sai e vai dormir a um hotel rasca, como lhe convinha com uma mulher qualquer.

VIII. Da dificuldade de se desembaraçar e jornais velhos e da necessidade de uma caneta e um relógio:
            Faz recortes nos jornais que falam a seu respeito e tenta desfazer-se da parte restante. Das notícias que trazem sobre si corrige-as e envia-as por carta ao chefe de redação do principal jornal de Paris. Afirma que afinal não é um bom chefe de família, nem bom esposo, nem bom pai, como dizia a mulher. Quanto a ser sócio da empresa Coster diz que é falso. Além de outras correções, acrescenta que não é louco como para aí se diz. Compra um sobretudo azul para despistar os seus perseguidores e vai para um hotel em Smitson.

IX A rapariga de cetim azul e o rapaz de nariz à banda:
            Saiu, para passar o fim de ano em qualquer lado. Tinha de passar o tempo. Ficou numa cervejaria que cobrava 40 francos por aquela festa. Lá dentro atrai-o uma rapariga de cetim azul. Ao olhar insinuoso dele, ela considerou-o um convite, e aproximou-se dele para dançar, o que não era muito o seu estilo. Olhava à volta, estava cada vez mais aterrado ali dentro, desconfiando de tudo e de todos. Ao fim de algum tempo resolve sair, quando se ouve um tiro. De manhã lê os jornais e lê num uma notícia a dizer que ele era sincero. E ainda o parecer de um psicanalista, Abram, que o considera, o holandês paranoico, de que ele discorda. Num canto estava que no café Gobelins um apaixonado não correspondido tentara alvejar uma tal Germaine H. Felizmente a bala só ferira de raspão um dançarino.

X Quando Kees Popinga muda de camisa enquanto a polícia e o acaso, a despeito das regras do jogo, organizam uma conjura da maldade:
            As coisas pioram para Popinga. Estar a acabar-se o dinheiro. Pensa um pouco, e descortina que Louis, com quem anda Rozier, deve estar do lado do comissário para o apanhar. Encontra um americano com dificuldades de se entender em Paris e pretendeu ajudá-lo. Afinal, depois o informaram, ele era um carteirista que lhe roubara a carteira. Lá lhe levara o seu estojo de barbear. Embora ficasse a lucrar, pois também já o tinha roubado, achou que aquela ação seria uma iniciativa do comissário Lucas para o humilhar, e que saía do âmbito das regras do jogo.

XI Como Kees Popinga soube que um fato de vagabundo custa à volta de setenta francos e como ele preferiu pôr-se todo nu:
            Popinga está com dificuldade em arranjar dormida. Ele nem vagabundo era para ficar debaixo de uma ponte. Segue até um casebre junto do Rio Sena, A la Carpe hilare. Mete lá conversa, reclamando sobre o mau tempo que se fazia. Ainda arranjou tempo para escrever uma carta ao comissário Lucas, dizendo o que ia mudar de identidade, recuperando o nome de uma pessoa honrada, incluindo-se nas pessoas a quem é permitido tudo, porque têm dinheiro e cinismo. Compra depois um bilhete de comboio para Juvisy. Sente-se cansado. Era demasiado tarde para tudo. Desce até ao rio. Ao lado estavam sempre a passar comboios. Foi ao rio e atirou para lá as suas roupas. Ficou nu e foi mandar-se para debaixo de um comboio. Mas algo se passa que alguém o vem buscar à linha. No comboio deram-lhe uma roupa de revisor.

XII. Onde se prova que não é a mesma coisa pôr uma peça preta numa chávena de chá ou numa caneca de cerveja:
            Lá levaram Kees Popinga para Paris. Foi ouvido pela polícia, mas ele não dizia nada de aproveitável. Foi então chamado o professor Abram, que descobriu a sua identidade e o considerou louco. Recambiaram-no para o seu país. Na Holanda puseram-no num manicómio. O quarto parecia-lhe pequeno, mas até agradável. Vinham-lhe fazer perguntas, a que ele não respondia. Tratavam-no como muita cordialidade, e a comida era boa. Havia um campo de futebol ali perto, podendo do seu quarto ver os jogos. Estava a gostar. A mulher veio visitá-lo, só o podia fazer uma vez por mês. Perguntava-se sobre o que fazer com os filhos, e a isso ele respondia-lhe. Ela ficava abismada por ter de seguir os conselhos de um louco. Chegou a jogar xadrez com o doutor. Popinga tinha-lhe pedido papel para fazer a sua autobiografia. O doutor teve curiosidade de ver o que lá estava escrito, dizia apenas:
            A verdade sobre o caso Kees Popinga.
            Este, perante o espanto do doutor sentiu-se compungido a esclarecê-lo, fazendo-lhe a pergunta: Não há verdade, pois não?


            . BREVE COMENTÁRIO
            Trata-se de um romance policial, não muito longo, em que um crime e sua posterior investigação geram suspense que chegue para aliciar o leitor a ler esta obra. Há um crime, e urge procurar o criminoso, aqui facilmente desvendado, por ele, na precipitação que seguiu ao seu irrefletido ato, se ter esquecido de uma pasta no quarto da vítima, mas é preciso encontrá-lo e prendê-lo. O comissário Lucas anda-lhe nas pegadas, e, segundo a ideia de que não há crimes perfeitos, vai analisar as suas falhas e tentar chegar até ele, recolhendo elementos para o incriminar, nem que tenha de recorrer a métodos científicos. O criminoso fugiu para Paris, uma cidade grande e buliçosa, por onde se pode esgueirar. Há pelo meio o mistério, o risco de mais uma morte, a surpresa, o medo. A partir daqui Georges Simenon agarra facilmente o leitor. Ele usa estes ingredientes, mas tenta-lhe pôr mais uns pozinhos, faz bastante análise psicológica, põe as personagens a raciocinar, enriquece a obra de pormenores, às vezes laterais, mas que dão cor ao ambiente.

            Um ponto interessante do livro está na riqueza anímica da personagem principal: um burguês bem instalado na vida, que depois de saber da infidelidade da mulher e da falência fraudulenta da empresa do patrão resolve reagir do modo inesperado, passando a ser um criminoso comum. Perante a tragédia que lhe caiu em cima ele ficou meio abúlico, revoltado, fora de si, o crime ocorreu um pouco por acaso, se a vítima porventura tivesse sido dócil não teria sido morta. Parte a seguir de Amesterdão para Paris, onde pensa estar mais encoberto. Todavia, ele já é ali conhecido, e vai dar diversas pistas aos investigadores. Uns dizem que é louco; outros, que sofreu uma amnésia; apenas a polícia o encara como criminoso, mas ele não é tão mau e tão frio como se faz crer: a morte de Pamela foi quase acidental, e quando ele desfere um golpe em Jeanne Rozier para que ela não o denuncie, tenta que alguém a vá socorrer, e tem curiosidade em saber como está, ficando aliviado quando sabe que ela está menos mal. É uma personagem acossada pelos seus fantasmas, de um psicologismo um tanto insondável e forte, que joga bem xadrez e gosta de pensar.

            Uma das partes mais fortes de O Homem Que Via Passar os Comboios é o criminoso indignar-se pela forma como é tratado pela imprensa, começando a enviar cartas ao comissário Lucas, mostrando-se respeitoso para com o seu trabalho e crítico em relação às suas decisões. São também curiosos os comentários que faz às notícias publicadas sobre si nos jornais, em que se põe a corrigir o que ali se escreve. Está convencido de ser mais esperto que o comissário e de saber mais sobre a matéria que lhe diz respeito que os jornalistas. E depois temos a réplica da imprensa, mais cordata e compreensiva para com ele, que, afinal, também tem alma e é capaz de sentimentos de equidade e compaixão. Todavia, o leitor pode verificar que nem mesmo as explicações que ele dá para os jornais correspondem inteiramente à verdade dos factos. Enfim, leva para o manicómio o mistério, que nenhum investigador ou psicanalista vai decifrar, porque segundo ele, não há verdade (pois não?). É suficiente lúcido para pôr isto em dúvida. De facto, a verdade total sobre um assunto tão complexo é impossível de alcançar, não só porque na sua pureza é inacessível, mas também porque muitas pessoas se recusam por vezes a reconhecê-la. Enfim, um romance cativador de Georges Simenon.

 01/04/2019
Martz Inura


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