JOHN DOS PASSOS
Manhattan Transfer
Editorial Presença
Tradução de João Martins
Homem
John
Dos Passos, também conhecido entre nós por João Rodrigo Dos Passos, nasceu em 14 de Janeiro de 1896 em Chicago,
e faleceu em 28 de Setembro de 1970, no Maryland. Tinha um avô madeirense,
Manuel Joaquim Dos Passos, natural da Ponta do Sol, que emigrou para a América
em 1830. Embora americano de gema, tinha orgulho nas suas origens, e esteve na
ilha da Madeira por três vezes, visitando a Ponta do Sol, onde tem um centro
cultural com o seu nome. Teve um início de vida difícil, só aos dezasseis anos
foi reconhecido pelo seu pai, que perdeu cedo, bem como a mãe. Frequentou,
Havard, onde se graduou, e viajou depois pela Europa e pelo Médio Oriente.
Durante a Primeira Grande Guerra serviu como voluntário no Motor Ambulance Corps na Itália. Foi jornalista, pintor, escultor e
homem das letras. Em 1928 esteve na União Soviética a estudar o socialismo, e
em 1939 em Espanha. Era um interventor social muito activo, um militante activo
das causas que lhe pareciam justas, e um artista de talento.
A
obra
A obra de John Dos Passos é diversificada e extensa. Durante a sua vida
escreveu quarenta e dois romances, numerosos poemas, diversos ensaios, peças de
teatro e criou mais de quatrocentas obras de arte. Cultivando a pintura,
escultura, desenho e gravura, ele fundiu nelas o impressionismo ao cubismo e ao
impressionismo com um cariz muito próprio. Na literatura inovou com a técnica
da colagem de textos, como sejam recortes de jornais, anúncios, publicidade, reflexões
pessoais, e o entrelaçamento de histórias, que só tangencialmente se tocam,
como se nos queira dar uma visão cinematográfica do mundo. Foi buscar
influência a James Joyce em Ulisses,
a T. S. Eliot em The Vaste Land, ou a
cineastas como Sergei Eisenstein, e influenciou autores como Hemingway e Sartre,
que o considerava um dos maiores escritores do seu tempo. Entre as suas obras é
de destacar, além de Manhattan Tranfer,
a sua USA Trilogy, composta pelo Paralelo 42, 1919, e The Big Money.
Politicamente deslizou da esquerda, quando se opunha aos grandes que mandavam
na América, defendidos juridicamente pelo seu pai, e deslizou para a direita,
sobretudo depois do assassinato em Espanha de José Robles, seu amigo, que lhe
traduzia a sua obra para a língua castelhana.
O
romance Manhattan Transfer
Neste romance, mais do que qualquer
história que nos pretenda contar, ele elabora uma série de quadros da vida de
Nova Iorque, que é a verdadeira protagonista do livro, e num período importante
– a passagem do século XIX para o século XX – em que esta urbe se afirma como a
segunda maior cidade do mundo de então. Não é um romance que prime por uma
linguagem tratada com a delicadeza de Shakespeare, não possui um enredo denso e
intricado que nos estimule a desvendar, utiliza aqui e ali longos diálogos,
como se esteja num peça de teatro, as virtudes que tenha, e são muitas, residem
na originalidade do tratamento do tema, da intensidade com que nos retrata numa
metrópole imensa, aquela multidão de almas.
As personagens diluem-se na cidade,
podemos citar algumas, só para ficarmos com umas luzes para melhor iniciar a
leitura deste romance, como sejam Ellen Thatcher, uma actriz da Broadway, bela
e fascinante, Jojo Oglethorpe, também actor, seu primeiro marido; Jimmy Herf,
jornalista, seu segundo marido; George Baldwin, um advogado famoso, seu
terceiro marido. Todavia o grande amor da actriz é por Stan Emery, mais jovem
do que ela, de quem engravida. Podemos citar outras personagens, que estão a
fazer fortuna na cidade, como Gus Mc Niel, distribuidor de leite, ou Congo
Jack, emigrante francês a enriquecer no contrabando de bebidas, mas serão sempre
retalhos de uma complexa manta.
Ele recolhe aqui e ali a alma da
cidade, indo descobrir gente das mais diversas origens, falando as mais variadas
línguas, qual Babel dos tempos modernos, ainda a respirar uma permanente
revolução industrial, sob o frenesim económico daquela época, perante as
mudanças a que a levaram um progresso técnico galopante. É sobre a sociedade
que a compõem, constituída por um caldeamento de culturas, e enfermando de
diversos problemas, que ele, qual repórter, se debruça, como para recolher cenas
de um filme que vá projectar perante nós. Esclareça-se, que não obstante o
enorme esforço de tradução da obra para Português, todo este fulgor narrativo soará
mais fielmente na língua original.
O leitor não vá à espera de
encontrar aqui uma história com um enredo intrincado, encobrindo um segredo que
o autor nos queira revelar mais para o fim, o livro não foi escrito para isso,
mas para recriar a vida de uma cidade grandiosa, não feita só de arranha-céus, com
os seus transportes cada vez mais rápidos e sofisticados, a transbordar de
vida, mas com as suas cores e sabores, os seus cheiros, as pessoas que a
habitam com todas as suas dificuldades, algumas com sotaques característicos,
reveladores das suas origens, e o seu absorvente apego ao dinheiro, à carreira,
ao reconhecimento.
As pessoas são vistas deambular por
aquela buliçosa cidade, enfrentando os seus desafios, concentradas no seu egocentrismo, sobre
ondas de aspirações e anseios, em que não é raro vogarem pela superficialidade,
vivendo e morrendo a grande ilusão que é a sua existência volátil, mas ainda
assim intensa. John Dos Passos vai-nos dando pistas sobre aquilo que faz correr aquela gente, que, mesmo alcançando por vezes os seus objectivos, nunca fica inteiramente
feliz, permanecendo numa incessante inquietação. Este livro tremendo, mais
que uma mera obra literária, é um documento precioso sobre o património
imaterial de Nova Iorque.
Martz Inura,
5 de
Julho 2015
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