Ficções (em Portugal, 1989)
Obras Completas 1923 - 1949
Obras Completas 1923 - 1949
EDITORIAL TEOREMA
Jorge Francisco Isidoro Luís Borges Acevedo é argentino, fazia questão de o ser, e é um direito que ninguém lhe pode negar, mas tem a costela de um bisavô transmontano, de Torres de Moncorvo, e um nome portuguesíssimo. Uma vez disse que para si o Céu, onde estará, embora gostasse de se confessar ateu, seria uma espécie de palácio gigantesco que abrigasse uma biblioteca imensa, em que uma pessoa se pudesse perder. Ora Ficções são uma recriação desse céu imaginário, cheio de contos, histórias, poesias, presumidos estudos, breves relatos, por onde o leitor se pode perder para se maravilhar, quase até ao infinito. É um livro ou livros, depende do volume que lhes quiserem dar, que ultrapassa a modéstia do seu título, que corta de infinitos meridianos e paralelos a Terra, fazendo luz sobre as suas intersecções. Mostra-nos páginas aqui e ali inesperadas, sublimes, reveladoras de um livro fundamental. Faz-nos ler trechos que são edificações humanas intrincadas, que ele procura aprofundar, como que à procura do sabor da plenitude da vida. E há casos em que lhe dá mais do que uma versão, como se a vida não fosse só uma e não fosse irrepetível, que, por qualquer sortilégio fantástico pudesse ser transformada ao sabor dos nossos desejos. Nasceu em Buenos Aires em 24 de Agosto de 1899 e faleceu em 14 de junho de 1986 em Genebra, na Suiça. Fez o secundário numa escola calvinista na Suiça, estudou a seguir numa universidade de Buenos Aires e mais tarde em Cambridge. Note-se que chegou a ser professor de literatira em mais de uma universidade e foi diretor da Biblioteca Nacional de Buenos Aires.
Ficçoes é um livro que parte de uma descrição quase pictórica de um subúrbio de cidade, para, sub-repticiamente se apossar de milhares de livros e se imiscuir na História, fazer crítica literário, pegar na técnica, na ciência e na filosofia para fazer uma completa desmontagem do mundo da vida. E como que vê todas as coisas desde o passado mais remoto, como se tivesse assistido a elas, emoldurando-as de observações, apartes, extrapolações, fruto das suas inumeráveis leituras, com um sem fim de recados à nossa consciência. A sua infância, ele próprio o confessa, foi passada junto de uma enorme biblioteca inglesa, onde desde cedo começou a assimilar esses universos mentais com que agora povoa a sua obra e lhe dá uma visão universal. Ao descrever os arredores de Buenos Aires, de ruas estreitas, cheias de tabernas, oficinas, carvoarias, pátios, cortiços, barbearias, de uma grandeza ancestral que não quer ver extinta, ele toma-os de outros lugares, ao nublá-los com o especto de recordações da cidade siciliana de Palermo ou reminiscências de tempos vividos na mítica Babilónia.
Jorge Luis Borges põe-se na pele de um eminente crítico literário, falando de obras que às vezes só existem na sua cabeça, para nos mergulhar num imenso caldo de culturas, percorrendo um leque variado de histórias, que ilustra com poesia, utilizando diversos estilos e formas literárias, recuperando personagens estranhas e apagadas, a quem salva do esquecimento. E frequentemente trata temas comezinhos com uma profundidade e rigor tais, coroados de postulados vindos de altas filosofias, que chega a tornar-se irónico ou mesmo anedótico. Todavia, usando de tal seriedade, as suas apreciações, descrições, comentários, ou simples classificações, acabam por se impor à nossa inteligência, como quando aduz que a vida humana seja mais intensa em lugar de ser mais extensa, que o homem torne a capitalizar séculos em vez de capitalizar léguas. Ou quando faz afirmações curiosas acerca da falta de sentido de algumas teorias, do erro de procurar o lado esquerdo do som ou imaginar o odor do avesso. Ou ainda quando nos alerta para a falta do sentido do tempo dos animais, ainda que aqui possamos em parte discordar.
É um autor que nos obriga a pensar, a ler duas vezes, como quando me fez perder algum tempo à volta do seu paradoxo de Zenão da Perpétua Corrida de Aquiles e da Tartaruga, em que Aquiles, o símbolo da velocidade, nunca alcançará a tartaruga, dando-lhe dez metros de avanço. E que autores de extremada inteligência, segundo ele não conseguiram desmontar, como Aristóteles, Hobbes, Stuart Mill, Bergson e Russel. O problema está bem enunciado no livro. Eu vou aqui fazer o seu contraditório, embora se ele fosse vivo facilmente me rebatesse, estou em crer. Vamos reduzir o problema à ínfima espécie, porque só disponho de meia dúzia de linhas. Martz contra Borges. Paradoxo de Martz: Dados dois pontos, A e B, uma tartaruga que percorra a distância entre um e outro, só o conseguirá se se deslocar a uma velocidade infinita. Se não vejamos: a tartaruga ao atingir B, antes teve de passar por 1/2 da distância entre A e B; depois teve que andar mais metade da distância restante, tirada de entre esse ponto e B, que é 1/4 da distância total; e a seguir entre esse ponto e a meta, B, 1/8, e assim sucessivamente, até ao infinito. Ora isto, teoricamente tornaria impossível atingir B, porque teria de percorrer um número infinito de distâncias, ainda que pequenas. Mas a tartaruga conseguiu-o, nós vimos, e se o fez, foi por, também teoricamente, seguir a uma velocidade infinita. O problema também podia ser abordado de outra maneira, já que as infinitas pequenas distâncias de Zenão, por infinitas que sejam, são sempre infinitamente pequenas, portanto transponíveis, creio eu. Já viram o que dá em ler este autor. E não vou falar na teoria do Eterno Retorno.
A sua obra estende-se da poesia, como Fervor de Buenos Aires (1933); aos contos como Ficções 1944) e Aleph (1949); aos ensaisos como Inquisiçoes (1925). Muita da sua obra está dispersa pela imprensa. Tinha problemas de visão e cegou compeltamento aos 55 anos, mas acontinuou a ensinar e a escrever, ditando as suas composições à mãe e depois à sua segunda esposa. Ele ganhou muitos prémios literários, como Jerusalém e Cervantes, entre outros. O ter ideias demasido conservadoras obstou a que lhe fosse atrinuído o Prémio Nobel de Literatura. Nos úlltimos voltou à poesia dialogando com vultos cultuais como Spinoza, Luís de Camões e Virgílio, entre outros, incidindo mais uma vez na Filosofia, na História, Teologia e Mitologia. Concluindo: como já asseveraram críticos de nomeada, Jorge Luís Borges é um mestre do conto e do ensaio, tem um discurso próprio, sinuoso e labiríntico, em que faz uma mistura de quase todos os ingredientes culturais que existem. Apesar de ver as coisas com algum cepticismo, analisa-as com uma lucidez capaz de nos acordar para algumas realidades que nos passem despercebidas. Desenvolve com uma leveza, por vezes sublime, os temas mais triviais, juntando-os numa amálgama de reflexões que, pela sua estranheza e originalidade nos põem a pensar, não nos cansam. De aparentes ninharias conceptuais, ele transforma-as em interessantes problemas metafísicos ou científicos, procurando atingir o seu lado profundo, mesmo indo por caminhos titubeantes, por veredas inesperadas, às vezes ridículas. Sem descair num discurso vulgar, intelectualmente raquítico, substancialmente vazio, ele tem um olhar crítico e um raciocínio poderoso, uma cultura prodigiosa. O seu estilo é inconfundível. Apesar da exiguidade da sua obra, que não corresponde ao seu vigor criativo, ele foi um dos autores mais influentes do seu tempo, e de muito do que há-de vir. Felizmente que no futuro vão estar deste autor mais obras disponíveis em Português.
Jorge Luis Borges põe-se na pele de um eminente crítico literário, falando de obras que às vezes só existem na sua cabeça, para nos mergulhar num imenso caldo de culturas, percorrendo um leque variado de histórias, que ilustra com poesia, utilizando diversos estilos e formas literárias, recuperando personagens estranhas e apagadas, a quem salva do esquecimento. E frequentemente trata temas comezinhos com uma profundidade e rigor tais, coroados de postulados vindos de altas filosofias, que chega a tornar-se irónico ou mesmo anedótico. Todavia, usando de tal seriedade, as suas apreciações, descrições, comentários, ou simples classificações, acabam por se impor à nossa inteligência, como quando aduz que a vida humana seja mais intensa em lugar de ser mais extensa, que o homem torne a capitalizar séculos em vez de capitalizar léguas. Ou quando faz afirmações curiosas acerca da falta de sentido de algumas teorias, do erro de procurar o lado esquerdo do som ou imaginar o odor do avesso. Ou ainda quando nos alerta para a falta do sentido do tempo dos animais, ainda que aqui possamos em parte discordar.
É um autor que nos obriga a pensar, a ler duas vezes, como quando me fez perder algum tempo à volta do seu paradoxo de Zenão da Perpétua Corrida de Aquiles e da Tartaruga, em que Aquiles, o símbolo da velocidade, nunca alcançará a tartaruga, dando-lhe dez metros de avanço. E que autores de extremada inteligência, segundo ele não conseguiram desmontar, como Aristóteles, Hobbes, Stuart Mill, Bergson e Russel. O problema está bem enunciado no livro. Eu vou aqui fazer o seu contraditório, embora se ele fosse vivo facilmente me rebatesse, estou em crer. Vamos reduzir o problema à ínfima espécie, porque só disponho de meia dúzia de linhas. Martz contra Borges. Paradoxo de Martz: Dados dois pontos, A e B, uma tartaruga que percorra a distância entre um e outro, só o conseguirá se se deslocar a uma velocidade infinita. Se não vejamos: a tartaruga ao atingir B, antes teve de passar por 1/2 da distância entre A e B; depois teve que andar mais metade da distância restante, tirada de entre esse ponto e B, que é 1/4 da distância total; e a seguir entre esse ponto e a meta, B, 1/8, e assim sucessivamente, até ao infinito. Ora isto, teoricamente tornaria impossível atingir B, porque teria de percorrer um número infinito de distâncias, ainda que pequenas. Mas a tartaruga conseguiu-o, nós vimos, e se o fez, foi por, também teoricamente, seguir a uma velocidade infinita. O problema também podia ser abordado de outra maneira, já que as infinitas pequenas distâncias de Zenão, por infinitas que sejam, são sempre infinitamente pequenas, portanto transponíveis, creio eu. Já viram o que dá em ler este autor. E não vou falar na teoria do Eterno Retorno.
A sua obra estende-se da poesia, como Fervor de Buenos Aires (1933); aos contos como Ficções 1944) e Aleph (1949); aos ensaisos como Inquisiçoes (1925). Muita da sua obra está dispersa pela imprensa. Tinha problemas de visão e cegou compeltamento aos 55 anos, mas acontinuou a ensinar e a escrever, ditando as suas composições à mãe e depois à sua segunda esposa. Ele ganhou muitos prémios literários, como Jerusalém e Cervantes, entre outros. O ter ideias demasido conservadoras obstou a que lhe fosse atrinuído o Prémio Nobel de Literatura. Nos úlltimos voltou à poesia dialogando com vultos cultuais como Spinoza, Luís de Camões e Virgílio, entre outros, incidindo mais uma vez na Filosofia, na História, Teologia e Mitologia. Concluindo: como já asseveraram críticos de nomeada, Jorge Luís Borges é um mestre do conto e do ensaio, tem um discurso próprio, sinuoso e labiríntico, em que faz uma mistura de quase todos os ingredientes culturais que existem. Apesar de ver as coisas com algum cepticismo, analisa-as com uma lucidez capaz de nos acordar para algumas realidades que nos passem despercebidas. Desenvolve com uma leveza, por vezes sublime, os temas mais triviais, juntando-os numa amálgama de reflexões que, pela sua estranheza e originalidade nos põem a pensar, não nos cansam. De aparentes ninharias conceptuais, ele transforma-as em interessantes problemas metafísicos ou científicos, procurando atingir o seu lado profundo, mesmo indo por caminhos titubeantes, por veredas inesperadas, às vezes ridículas. Sem descair num discurso vulgar, intelectualmente raquítico, substancialmente vazio, ele tem um olhar crítico e um raciocínio poderoso, uma cultura prodigiosa. O seu estilo é inconfundível. Apesar da exiguidade da sua obra, que não corresponde ao seu vigor criativo, ele foi um dos autores mais influentes do seu tempo, e de muito do que há-de vir. Felizmente que no futuro vão estar deste autor mais obras disponíveis em Português.
03/2011
Martz Inura