EMILY
BRONTË
O
Monte dos Vendavais
Prefácio
de Hélia Correia
Tradução
de Maria Franco e Cabral do Nascimento
Relógio
D`Água Editores (2001) (410 páginas)
A MULHER
Emily
Jane Brontë nasceu
em Thorton, Yorkshire, na Inglaterra, em 30 de julho de 1818. Em 1820 a família
deslocou-se para Haworth, onde o pai, Patrick Brontë, assumiria o lugar de
pastor no presbitério local. A mãe, Maria Branwel, morreu pouco depois, de
câncer, tinha Emily três anos. O casal tivera seis filhos, uma tia dela,
Elisabeth Branwel, veio tomar conta deles. Viviam com algumas dificuldades. Duas
irmãs foram internadas num colégio interno, onde passavam muito frio e comiam mal,
apanharam a febre tifoide e acabaram por falecer. Emily ainda chegou a estar lá,
mas era muito tímida e introvertida, não se adaptou e teve de regressar a casa.
Entretanto, o pai arranjou uma criada, Taby, que lhe contava histórias pitoresca.
Só o único irmão que tinham, Patrick, é que estudava. O pai tinha muito gosto
neste filho, mas ele bebia imoderadamente, tomava drogas, era pouco concentrado
no que fazia, embora fosse inteligente e até tivesse algum talento para as
letras e para a pintura.
As
irmãs Charlotte e Anne ainda estudaram um pouco no colégio interno, Emily não
se adaptou, mas nem por isso deu menos mostras dos seus vastos conhecimentos e
do seu génio literário e artístico. O pai queria que elas fossem governantas. Aprendeu alemão, tocava piano. Aos 20 anos chegou
a ser professora em Halifax, mas era muito frágil, não se sentia lá bem e teve de voltar
para casa. Dedicava-se agora aos trabalhos domésticos e à catequese. Mais tarde
ainda esteve em Bruxelas com a irmã Charlotte para aperfeiçoar o seu francês
com o professor Héger. Os irmãos chegaram a querer fundar uma escola. Como sabemos, Charlotte distinguiu-se também como escritora,
escrevendo entre outros livros, Jane Eyre, e a sua irmã mais nova, Anne, que lhe seguiu as pisadas, evidenciou-se com Agnes
Grey. O pai era um tanto misantropo, e não era para admirar, sabendo que
lhe morreram muito cedo a mulher e duas filhas muito queridas. Fechava-se,
voltado para os livros, era excêntrico e irritadiço – não pôde nem soube dar
todo o que amor que era necessário ao filho e às filhas. A irmã que mandou vir
para tomar conta delas, Elisabeth Branwel, embora humana, era rígida como ele.
Com
um ambiente destes, a viveram num presbitério, ao lado de um cemitério, que
inquinaria as águas que eles bebiam diariamente, educadas por um pai austero e
sorumbático, vendo tantas mortes dentro da família e mal-estar à sua volta era natural
que Emily, o seu irmão e as suas duas irmãs se voltassem compulsivamente para a
leitura de livros e para a escrita, onde se esqueciam de si próprios. Alguma
maldição parecia rodear aquela família, que foi vítima de graves doenças e de
mortes prematuras. Depois do falecimento da mãe a das duas irmãs, Maria e
Elisabeth, morreu Patrick Branwell, também ele escritor e pintor, em 1848, com
31 anos; a seguir Emily, ainda em 1848, com 30 anos; Anne em 1849, com 28 anos;
Charlotte em 1855, com 38 anos. Só o pai lhes sobreviveu, mostrando agora aos
visitantes com muito orgulho os aposentos que foram do seu filho e de suas
filhas.
Emily
era muito voltada para si própria, ficava-se por casa, era uma solitária, sofreria
também de misantropia. Não gostava de sair e não queria até que fossem editados os seus
poemas, irritando-se quando a irmã, Charlotte, os publicou juntamente com os
seus e os de Anne, em 1846, a expensas suas, recorrendo à herança da tia
Elisabeth. Venderam apenas dois exemplares, mas elas não desanimaram. Seguindo
o critério das irmãs, os livros de Emily saíram com o pseudónimo de um homem, Ellis
Bell. Perto dos trinta anos apanhou a tuberculose e encarou a morte com
frieza e estoicismo. Quando pouco antes do seu falecimento, em 19 de
dezembro de 1848, fraquejou a pentear-se ao lume, mudou de vestido e foi para a
sala pegar na sua costura, não quis ir para o quarto, como se recusasse a
morrer. Nem a irmã nem a criada se atreveram a ir ali ajudá-la, com medo que
ela se sentisse ofendida. Recusava-se a ser tratada, só à última hora pediu um
médico. Mas viesse ou não viesse, que o seu destino estava traçado. Quando lhe
fizeram o funeral estavam magrinha como uma pluma, o seu caixão impressionava pela sua estreiteza. Como mulher solteira, por tradição usavam-se luvas
brancas, e muitas pessoas levaram colares e braceletes de flores com madeixas
do seu cabelo para ficar como recordação. Diz-se que perto dela seguia o seu
cão, Keeper, participando no cortejo fúnebre, e, regressando a casa ficou-se
pela porta do seu quarto à espera dela.
As irmãs Brontë, Anne (1820-1849); Emily ( 1818-1848); Charlotte (1816-1855), pintadas pelo irmão Branwell (1817-1848). A imagem dele estava no meio delas, como se percebe, mas ele apagou-a para não sobrecarregar o quadro. São aqui destacados por terem influência recíproca. Morreram jovens, mas duraram o tempo suficiente para de si deixarem um forte testemunho de vida. Todas elas, quer pela sua profunda sensibilidade, quer por terem usado pseudónimos masculinos para invadirem o espaço até à altura reservado aos homens e publicarem os seus livros, tornaram-se das primeiras feministas dos tempos modernos.
A OBRA
A
obra de Emily Brontë não é extensa, e nem foi preciso para se tornar conhecida,
resume-se a algumas poesias e o romance O Monte dos Vendavais, publicado
em 1847. Fala-se de um segundo romance que estaria a escrever, mas não foi
encontrado. O romance é intenso e estranho, ainda demorou a ser reconhecido
pelos críticos até se tornar um clássico da literatura inglesa, que o cinema e
a televisão adaptou, tornando-o conhecido mundialmente.
O
LIVRO O Monte dos Vendavais
PERSONAGENS MAIS IMPORTANTES
– Mr Earnshow: É um homem
severo e mal-humorado, que foi capaz de se condoer de um rapazinho abandonado
em Liverpool, que traz para casa e o trata como filho. É o que ele diz, pode
ser seu filho ilegítimo. Chega a dar-lhe preferência em relação a Hindley, o
que cria ciúmes naquele.
– Mrs Earnshow: Mãe de
família, não se queria dar mal com o marido. Não gostou que ele trouxesse ali
para casa Heathcliff, que era em casa mais uma boca para comer. Morreu cedo.
– Catherine Earnshow: É a
heroína do romance. Mesmo morrendo cedo o seu fantasma continua a influenciar o
destino das personagens do romance, dando a este um carácter fantasmagórico.
Era uma jovem bonita, mas caprichosa e instável, por vezes rancorosa, ao jeito
de Heathcliff, que deixou, por uma questão de status social para casar
com Edgar Linton. Era uma espécie de alma gémea de Heathcliff, que viveu sempre
com ela na cabeça até à sepultura, que chegou a violar, retirando uma tampa
lateral da urna, para que quando morresse, a sua desse lado também não teria
madeira, os dois lá no fundo da cova pudessem confraternizar por toda a Eternidade.
Morreu pouco depois de dar à luz a filha Catherine, que se passou a designar
simplesmente por Cathy.
– Hindley Earnshow: Carácter
tíbio e fraco, que odeia a preferência que o pai dá a Heathcliff, a quem odeia.
Quando a mulher morre envereda pela bebida e pelo jogo, levando à falência a
família, de que Heathcliff se aproveitou, emprestando-lhe dinheiro até ao ponto
de a herdade do Monte dos Vendavais ficar hipotecada. Descura a educação de
Hareton, morrendo seis anos depois da mulher.
– Heathcliff: É a principal
personagem do romance, na forma de anti-herói romântico. Foi um homem que
sofreu muito. Tirado das ruas pelo Sr. Earnshow, sabe-se lá a fome que terá
passado, o que terá sido maltratado. Depois em casa dele era rejeitado por
Hindley e tratado como criado, menosprezado pela sua cor trigueira, pelo seu
modo de falar. Só Catherine, que era uma espécie de irmã e amante, gostava
dele, mas deixou-o para casar com Edgar. A partir dali mais o seu mau humor, a
sua raiva, a sua insensibilidade se azedou. Passou a apreciar apenas o dinheiro
e as propriedades, a querer vingar-se de quem lhe roubara Catherine. Até parecia
que gostava de sofrer e ver sofrer os outros. Veria fantasmas, acabando por o
tornar louco. Casa com Isabella, que despreza. Esta foge mais tarde para
Londres, onde vai dar à luz um filho, Linton, por não poder suportar o marido, que
o vai reclamar ao tio Edgar depois da sua morte precoce.
– Frances: Pertence a esta
família, e é desta segunda geração. Era casada com Hindley Earnshow. Era muito
frágil e doente, morreu ainda nova, no parto de Hareton.
– Mr Linton: Magistrado e
proprietário da herdade do Monte dos Tordos. Não gosta dos Earnshow, mas
procura não ter uma hostilidade muito ostensiva com ele e com Heathcliff. Morre
da mesma doença da mulher.
– Mrs Linton: Era uma mulher
doce, que procurava educar Isabella da melhor maneira. Não gostava de Heathcliff.
Tentou proteger Catherine, que trouxe para sua casa quando ela teve uma febre,
de que se curou e ela, mãe, veio a morrer.
– Edgar Linton: É o filho
mais velho dos Linton, cuja riqueza atraiu Catherine. Mas, como a irmã, era
pouco desenvolto, foi demasiado protegido pelos pais. Era um fraco, permitindo
que Heathcliff andasse à volta da mulher, sendo ela já casada. Contrastava
psíquica e fisicamente com ele. Morreu cedo, a tempo de estar uma última vez
com a filha, Cathy, que tinha ficado refém na casa de Heathcliff. Ela só fugindo
por uma janela o conseguiu ainda ver com vida.
– Isabella Linton: A filha
mais nova dos Linton. Menina mimada e caprichosa, com poucos contactos. Era amiga
de Catherine. No meio das suas dúvidas foge com Heathcliff, que vê como herói romântico.
Mas ele a trata apenas como instrumento da sua vingança. Ele despreza-a e ela
acaba por fugir para Londres, onde vai ter um filho dele, Linton Heathcliff,
morrendo uns anos mais tarde.
– Hareton Earnshow: É filho
de Frances e Hindley Earnshow, mas desde cedo ficou órfão dos dois. Foi criado
como trabalhador rural por Heathcliff, que era agora dono do Monte dos
Vendavais, que nem sequer o mandou à escola –, o moço era analfabeto. Encouraçava-se
de alguma rudez, por ser criado num ambiente hostil, mas era gentil, até
bondoso. Heathcliff estimava-o à sua maneira grotesca. E ele gostava também
dele, foi o único que chorou a sua morte. E a vida tem destas coisa, Heathcliff
que pensara em roubar tudo às famílias Earnshow e Linton, acabou por deixar ir
tudo para a Cathy Linton, porque o sua filho, que casou com ela para se apossar
dos seus bens, tinha falecido, e ela como nora de Heathcliff, sem que ele
tivesse tempo de fazer qualquer testamento, acabou por ficar com tudo o que era
dele, e casar ao fim com Hareton.
– Linton Heathcliff: É filho
de Heathcliff e Isabella. De fraca compleição e psiquicamente débil, chorava
como uma criança perante os seus achaques. O seu pai encarava-o quase como uma
mulher, desprezava-o, e usou-o para ganhar controlo sobre a herdade do Monte
dos Corvos. Muito carente, ainda com quem se dava melhor era com Cathy, com
quem trocava livros e escrevia cartas. Ela, pressionada por Heathcliff, casou
com ele um pouco por compaixão. Quando Linton ficou mais doente, o pai nem o
médico mandou chamar. Morreu pouco depois de casar.
– Cathy Linton: É filha de
Edgar Linton e Catherine, de quem herda a sua beleza e temperamento obstinado.
Heathcliff depõe nela o ódio das famílias Earnshow e Linton. Quando o pai morre
ele vai lá buscá-la ao Monte dos Tordos, e transforma-a em sua criada. Mas ela
não se fica a ele, sofrendo as consequências. Acaba, porém, por ter que se
sujeitar. Os olhos azuis que ela tem da mãe ainda o fazem sofrer mais, quando
poderia ser o contrário. Ela chacoteia com a ignorância de Hareton, que é
analfabeto, embora inteligente. Ele sofre e procura não dizer nada que o possa
ridicularizar. Mas há alguma química entre eles. Hareton procurou aprender a
ler para se aproximar dela, atrevimento que ela ridicularizou mais uma vez.
Contudo, mais tarde vai ensiná-lo a ler corretamente. Ela julga que ele agora a
defenderá de Heathcliff, e perde o medo ao sogro, embora este não se queira dar
mal com ele. Com a morte de Heathcliff torna-se como por milagre dona daquilo
tudo, e vai casar com Hareton
– Ellen ou Nelly Dean: Ela é a governanta do Monte dos
Vendavais depois de Zillah. Procura não desautorizar o patrão, mas é mais amiga
de quem serve do que criada. Inteligente e carinhosa, consegue obter a amizade
das patroas, das duas Catherine. Conhece bem o ambiente que a rodeia, que
procura moderar. O seu papel no romance é muito importante, ela é a principal
narradora. Maia tarde, governanta de Monte dos Corvos, é ela que vai contar ao
Sr. Lockwood toda aquela história que o deixou predisposto a abandonar a casa que
tinha alugado ao Sr. Heathcliff.
– Joseph: O criado que
serviu toda a vida os Earnshow e Heathcliff. Procura não se dar mal com os
patrões, mas era hipócrita e pouco amigável, por vezes odioso, da religião
calvinista. Era, contudo, bom trabalhador, e isto dava-lhe a preferência dos
patrões. Tinha o sotaque de Yorkshire, por vezes incompreensível.
– Zillah: Trabalhou no Monte
dos Vendavais durante três anos, sendo substituída por Ellen. Não ligava muto a
Cathy, seguindo as instruções do patrão.
– Doutor Kenneth: Médico de
Gimmerton, pessoa áspera e franca, que interveio em várias passagens do
romance. Era amigo de Hindley, e como ele gostava de beber uns copos.
– Mr Green: Advogado de
Edgar Linton, que se deixar vender por Heathcliff, protelando o seu testamento,
de modo a este ficar com tudo o que era dele.
Para
o leitor ficar com uma ideia como o romance vai funcionar, veja-se a genealogia
das duas famílias envolvidas neste livro, por cortesia de The Reader`s Guide to
Wuthering Heihts. As personagens são as tiradas do filme televisivo de
1998, dirigido por David Skynner. Atenda-se que houve mais filmes e várias
séries televisivas dobre o livro, que foi também transposto para o cinema.
BREVE
RESUMO DO ROMANCE
Para
efeitos de análise vamos dividir o romance em cinco partes. Não que a autora o
tivesse feito. Os ingleses, e não só, gostam muito de Emily Brontë e de O
Monte dos Vendavais, e este romance está por aí muito estudado. De qualquer
modo não nos vamos dispensar de o fazer pelo livro, capítulo a capítulo, de
forma resumida para que depois possa ser lido, vendo o enredo mais
profundamente.
Prólogo
Capítulos
de 1 a 3
A
história passa-se nos finais do século XVIII. Em 1801, dezassete anos depois da
morte de Catherine Linton, o sr. Lockwood, um homem abastado do Sul de
Inglaterra, resolve alugar a herdade do Monte dos Tordos, que lhe parece um
local magnífico para quem gosta de solidão, e ali recuperar do bulício do mundo.
Ele achava aquele local um paraíso para misantropos. Vai ao Monte dos Vendavais
apresentar-se como o novo inquilino do Sr. Heathcliff. Este recebeu-o
friamente, mandando o criado Joseph levar-lhe o cavalo. Lockwood olhou para a vetusta
casa, no limiar da porta podia ler-se a data de 1500, com o nome «Hareton
Earnshow». Heathcliff tinha um aspeto moreno e negligenciado, meio cigano.
Parecia pouco social, mesmo assim ainda lhe mostrou partes da casa e o levou à
adega, onde lhe deu a provar do seu vinho.
Joseph
era um criado forte e robusto, que seguia as diretrizes do patrão, e Heathcliff
um homem distante e áspero. A criada Zillah ainda era a única pessoa dali mais
prestável. Ia cheio de perspetivas de encontrar uma pessoa afável, mas grande
foi a sua desilusão, o homem era estranho, e aquela família destruturada. A Srª
Heathcliff, uma bela jovem, que lhe causou espécie, era afinal a sua nora, mas mais
parecia ser ali criada, dado o aspeto negligenciado como se vestia; um tal
rapaz, Hareton, que fazia ali de moço de lavoura, afinal era seu parente.
Aconteceu que ele se demorou um pouco, e toda a redondeza se cobriu de neve.
Estava a ficar escuro, ele teve medo de perder-se, pois com a neve os caminhos confundiam-se
com a paisagem. E o mais estranho, é que ninguém estava disposta a ajudá-lo a
regressar à casa que alugou. Teve que lá ficar. Heathcliff achava que ele
ficaria bem na sala, mas Zillah, à revelia do patrão arranjou-lhe um quarto.
Enquanto
subiu para o seu aposento à luz de uma vela, a criada pediu-lhe para que não fizesse
barulho, porque o patrão tinha ideias estranhas acerca daquele quarto. No peitoril
da janela, onde pôs o castiçal, estava escrito em carateres de variados tamanhos,
«Catherine Earnshow». Havia ali uma Bíblia e muitos livros, por certo, pertença
da biblioteca dessa Catherine. Em muitos dos seus livros ela havia escrito
comentários que tentou decifrar. Falava-se de Frances e de Hindley, de
Heathcliff, de Setenta vezes sete. Adormeceu tarde e teve um pesadelo,
em que era instado por uma Catherine Linton para lhe abrir a janela. Deu então
um grito desesperado no meio do sonho, o que acordou o senhorio, que veio ali
com uma vela ver o que se passava. Mostrou-se arreliado, sempre pensou que ele
tivesse ficado na sala. Ele respondeu que fora Zillah que o mandara para ali.
De manhã Heathcliff foi levá-lo ao Monte dos Tordos, onde a sua governanta,
Ellen Dean, o esperava.
A
infância de Heathcliff
Capítulos
de 4 a 7
A história recomeça trinta anos
antes quando Ellen Dean era governanta em Monte dos Vendavais. O Sr. Lockwood está
curioso por saber a vida daquela estranha família, e é ela que lhe vai narrar
todo o seu passado. Ellen vai recuar aos tempos em que era governanta do Sr. e
da Srª Earnshow. Tudo era rotineiro até ao dia o marido foi a Liverpool e
trouxe de lá um menino de sete anos meio cigano, que viu abandonado pela
cidade. Foi o que disse à mulher. Teve compaixão dele a adotou-o, pondo-lhe o
nome de Heathcliff. Acontece que o casal já tinha dois filhos: Catherine de
seis anos e Hindley de catorze. A primeira, que inicialmente o estranhou,
passou a gostar dele, e o segundo, cedo o começou a odiar, considerando-o ali
um intruso. E, para agravar a coisas, parecia até ter a preferência do pai.
Hindley detestava Heathcliff, e o
pai chegou a bater-lhe por este o maltratar. Ellen Dean contou como se foi
degradando o estado de saúde da senhora Eahnshow, que pouco depois faleceu. Mas
a saúde dele também era pouca. Para trazer a paz à casa resolveu pôr o filho a estudar
num colégio interno. Catherine continuava estouvada, o pai às vezes
repreendia-a. Contudo, no leito de morte, ela vendo-o tão doente cantou para
ele, que morreu a sabê-la boazinha. Quando ela o viu morto no leito, voltou-se
para Heathcliff, atónita, nem queria acreditar, e os dois começaram a chorar
por ele. Ellen chorou com eles, e, tentando saber deles, já noite dentro, viu
que estavam serenos, e se confortavam um ao outro. Joseph achou que não era
preciso tanto choro por um santo ir entrar no Céu e tratou de tratar do
enterro.
Hindley regressa pouco depois a
casa, já casado com Frances. Ele agora é o Sr. Hindley Earnshow. Catherine depressa
se afeiçoou a Heathcliff, parecendo os dois comportarem-se como irmãos gêmeos. Hindley
castiga-os, e certo dia expulsou-os de casa, e eles vão parar ao Monte dos Tordos,
onde tomam conhecimento com Edgar e Isabella, filhos dos Linton. Catherine é
mordida por um cão e acaba por ficar em casa deles a tratar-se, mas, a Heathcliff,
mandam-no de regresso para casa, a Srª Linton não gostou dos seus modos
grosseiros, que podiam corromper o dos filhos. Edgar Linton no dia seguinte vem
descompor Hindley Earnshow pela má educação que dá aos filhos. Hindley fica
aborrecido, não bateu em Heathcliff, mas proibiu-o de falar com Cathy, à
primeira palavra que lhe dirigisse seria expulso.
Cinco semanas depois Cathy regressou
ao Monte dos Vendavais. Os Earnshow e os Linton vão passar o Natal juntos. Durante
este tempo conviveu muito com Isabella e Edgar, que passaram a ser seus amigos.
Usava agora um vestido muito bonito. Vem mais senhoril, aprendeu maneiras civilizadas,
critica mesmo os modos rudes de Heathcliff, que estava sujo e mal apresentado.
Ele afasta-se, talvez por ciúmes de Cathy, que está muito bela ao lado de
Edgar. Quis-se pôr janota com a ajuda de Ellen Dean, mas Hindley interveio,
chamando-lhe vagabundo, e expulsando-o dali. Nessa noite não comeu. Andou
desaparecido, só mais tarde Ellen Dean os descobre escondidos no celeiro. De
manhã foi para os campos, sempre de mau humor. Falou com Ellen, dizendo
que estava a pensar na maneira de se vingar de Hindley.
Juventude
de Heathcliff
De 8 a 16
No
verão seguinte Frances dá à luz um menino, Hareton, mas é uma mulher de
constituição frágil e morre pouco depois. Hindley, sem rasgo para a vida,
mergulha na embriaguez e no vício do jogo. A governanta Ellen Dean ficou a
tratar de Hareton. Catherine aproxima-se agora mais de Edgar Linton,
distanciando-se de Heathcliff, que achava a odiosa a presença daquele. Estas
relações complicam-se. Heathcliff anda por lá revoltado. Ainda aquilo que lhe
dava mais prazer era assistir à decadência de Hindley, a quem devota o maior
desprezo.
Hindley
tem um comportamento estranho, não sabe tratar do filho, Hareton, que chega a
ter medo dele. Com a bebida ameaça toda a gente. Tem uma espingarda em casa e o
pessoal receia pelo que ele possa fazer. Chegou a ameaçar Heathcliff de o matar.
Catherine não se sentia ali bem, e um dia, Edgar pediu-a em casamento e ela
aceitou, embora confessasse a Ellen que talvez fosse a maior asneira da sua
vida. Ela pensava que assim até podia elevar a posição de Heathcliff naquela
casa, onde era tantas vezes humilhado, mas ele assim não o entendeu. Verificando
que dado o seu estatuto nunca poderia casar com ela, desapareceu. Todos andaram
à procura dele, em vão. Catherine casa por fim com Edgar Linton. Hindley estava
cada vez mais quezilento, e Ellen Dean, que às vezes o contrariava é mandada
para o Monte dos Tordos com Catherine, agora casada.
Durante
três anos nada se soube de Heathcliff. Esteve a prestar serviço no exército e
veio mais desenvolto e apresentável, com algum dinheiro. Foi visitar Catherine,
que o impôs aos Linton, agora mais civilizado. Estes estavam admirados com esta
transformação, à exceção de Edgar, que ainda tinha ciúmes dele, e mais se
enciumava ficava quando ouvia a mulher tecer-lhe elogios. Entretanto, Isabella
começa a interessar-se por Heathcliff, e um dia confessou a Catherine, que se
ela quisesse ele podia amá-la. As duas eram amigas, mas quanto a este amor
estavam divididas. Uma vez quando ele veio ali a casa ela quase expulsou
Isabella do seu aposento para estar sozinha com ele. Heathcliff percebia,
contudo, que casando com Isabella ficaria ligado aos bens dos Linton, e isto
atraiu-o.
Ellen
Dean mais tarde teve que ir ao Monte dos Vendavais e viu Hareton, que tinha
criado em pequeno. Para sua surpresa ele já não a conhecia, e estava bravio. Heathcliff
continuou a visitar os Linton, andava agora mais à volta de Isabella, e um dia beijou-a,
o que desagradou a Edgar que lhe deu um soco. Catherine, que tinha presenciado
o beijo, ficou ciumenta. Edgar tem uma longa conversa com Catherine, ela tinha
de renunciar a Heathcliff ou a ele. E depois vai falar com a irmã, dizendo que
não admitia que ela se encontrasse com ele, e muito menos que se deixasse apaixonar
por tal criatura.
Isabella
anda lá por casa a chorar, ali também não estava bem, tinha de tomar uma
decisão importante. Um dia teve uma longa conversa com Catherine, que percebeu
que ela se queria aproximar de Heathcliff. Ora aquela ideia era insuportável para
ela, mesmo estando casada e grávida do marido. Fechou-se no quarto e caiu de
cama doente. Não comia nada. Edgar manda chamar o médico. Entretanto, Isabella,
com dezoito anos, foge com Heathcliff. Aquilo caiu mal não só a Catherine como
a Edgar, por razões diversas. Ele manda reunir todas as coisas dela e envia-as
para o Monte dos Vendavais, não quer saber mais nada dela.
Dois
meses depois o casal regressa ao Monte dos Vendavais. Isabella é ali tão mal
recebida que envia uma carta a Ellen Dean. Disse que quando chegara lá e perguntara
pela criada ao Sr, Hindley Earnshow, ele lhe dissera que não havia ali criada
nenhuma, que tinha de ser ela a tratar de si própria. Teve que fazer umas papas,
que ficaram horríveis. À noite ela pensava em ir para o quarto do marido, mas aquele
aposento estava fechado e ele tinha-se ausentado. Não sabia onde iria dormir, Joseph,
o mais antigo criado da casa, mandou-a para uma arrecadação. Quando o marido
chegou, para espanto dela disse que o quarto dele continuava a ser dele, ela que
ficasse onde estava. Heathcliff desprezava-a. Ela sentia-se ali uma desgraçada.
Ellen
Dean (Nelly), logo que leu esta carta foi mostrá-la ao patrão, que ficou
revoltado com a irmã. A criada foi lá à tarde fazer-lhe uma visita para a
animar. Viu Isabella com um aspeto desleixado, não era a mesmo moça que conhecera.
No Monte dor Corvos, Catherine, agora a senhora Linton, continuava a convalescer.
Heathcliff estava preocupado com a sua doença e foi à herdade dos Corvos falar
com Ellen Dean para ver se ela lhe conseguia um contacto com ela. Ellen
informa-o que ainda não havia condições, e pede-lhe que trate com mais humanidade
Isabella, que encontrou despostiçada, fazendo parte de um casal sem alma.
Heathcliff era insensível aos seus rogos, aquele fora um casamento de conveniência,
e continuava a tentar encontrar-se com Catherine, a sua companheira de infância
inseparável.
Num
domingo, em que quase todos tinham ido à missa, Ellen Dean, que andava a ser
pressionada por Heathcliff para falar com Catherine, atreveu-se a dar uma carta
dele a ela. Catherine ficou sobressaltada. E estavam a falar as duas quando
Heathcliff, que andava a rondar a casa, entrou por ali dentro. Os dois
beijaram-se, mas foi Catherine a tomar a iniciativa. Ele confessou-lhe, desesperado,
que ela e Edgar lhe desgraçaram a vida, que não podia suportar aquela
separação. Catherine também lhe confirmou que aquela separação a estava a
matar. Apareceu pouco depois Edgar Linton a subir as escadas, encontrando a
mulher nos braços dele, e teve de ter muita calma para não se exaltar, pois a
mulher estava grávida de sete meses. Ellen Dean convenceu Heathcliff a ir-se
embora, com a promessa que lhe daria novas sobre o andamento do estado de saúde
de Catherine.
Nessa
mesma noite Catherine deu á luz uma menina de sete meses de gestação, e duas
horas depois morria. O pai pôs-lhe o nome da mãe, mas para todos ela agora
seria a Cathy. Há grande consternação na casa dos Linton. Heathcliff andava a
rondar a casa e Ellen Dean veio cá fora contar-lhe o sucedido. Quando foi
informado, embora já o esperasse, ficou meio louco, parecia chorar por ele e
pela defunta. Desejou que ela não tivesse descanso enquanto ele não morresse.
Depois, arranjou maneira de ir ao velório e num medalhão que ela tinha ao
pescoço colocou uma madeixa dos seus cabelos. Hindley não compareceu ao funeral
e Isabella não fora convidada. Para surpresa dos aldeões a defunta não fora
para a monumental capela dos Linton, enterraram-na num canto do cemitério.
A
maturidade de Heathcliff
Capítulos
de 17 a 31
Depois do enterro de Catherine Isabella
foi ao Monte dos Tordos visitar o irmão, Edgar, que já não via há muito tempo, já
que Hindley, cada vez mais descontrolado, nem sequer viera ao enterro da irmã.
Conseguiu entrar e ver o irmão que fechou a porta a Heathcliff. Estava ali com
uma faca e uma pistola para o matar. Este, contudo, conseguiu entrar e
desarmá-lo. Houve uma grande confusão. Isabella, não podendo mais suportar
Heathcliff, no dia seguinte ao funeral foge para Londres, onde acabou por dar à
luz um filho, bastante débil, a que chamou Linton Heathcliff. No Monte dos
Vendavais, Hindley envidara-se cada vez mais ao jogo, embriagava-se
frequentemente. A mansão estava hipotecada. Quase seis meses depois morria
bêbado como um cacho. O seu filho Hareton não ia herdar nada do pai. Edgar
ficou destroçado com a morte da esposa, nem ligava ao seu novo rebento, e renunciou
à magistratura.
Cathy era agora tratada pelo pai,
Edgar Linton, e pela governanta, Ellen Dean, que passou com ela os dias mais felizes
da sua vida. Até aos treze anos Cathy não saiu dos limites do parque onde
vivia. Uma vez o pai andou por fora três semanas e ela saiu de cavalo até aos
limites da propriedade, onde vai parar a casa de Heathcliff, que estava fora.
Dá com Hareton, que tinha dezoito anos. Quis saber quem ele era e
responderam-lhe que não era filho, nem criado. Ela quis saber mais e disseram-lhe
que era seu primo. Como ele estivesse vestido como criado e tivesse uma
conversa grosseira, ela barafustou, ele não podia ser seu primo.
Edgar Linton andou por fora, quis
saber como estava a irmã, Isabella, algures em Londres. Foi isso que o demorou.
Ela acabara de morrer e ele trouxe-lhe o filho, meio enfezado, já com treze
anos. Viveu ali uns tempos com Cathy, sua prima, que vestia de luto pela tia. Heathcliff
soube do sucedido e mandou ao Monte dos Tordos reclamar Linton Heathcliff,
afinal, seu filho. O rapaz, que por tudo chorava, embora contrariado teve que
aceitar, afinal ele era seu pai, tinha direitos de paternidade, ainda que a mãe
nunca lhe tivesse falado dele.
Edgar
Linton ainda resistiu à ideia, mas mediante a ameaça de vir ali Heathcliff de
manhã levou o rapaz ao Monte dos Vendavais. O pequeno Linton já estava
familiarizado com a prima, Cathy. Era muito sensível e sofreu com isso. Ellen foi
avisada pelo patrão para não lhe dizer para onde fora, já que não podiam
conviver. Hareton e Joseph não estavam ali em casa. Heathcliff ficou
desapontado por ver que tinha um filho meio enfezado, que por tudo chorava. O
rapaz não queria ficar naquela casa, que lhe parecia medonha, mas não teve
outro remédio. O pai para o acalmar disse que o ia tratar bem, que ele era o
seu herdeiro.
Aos dezasseis anos Cathy vai dar um
passeio às galinholas com Ellen Dean e encontra Heathcliff, que a convence a ir
ao Monte dos Vendavais encontrar-se com o seu primo, Linton. Ela foi lá e
encontra-se com Hareton e Linton. O primeiro nem o nome da casa, escrito no
limiar da porta sabia ler, e era o seu, «Hareton». Era completamente
analfabeto. Deu motivo a Linton Heathcliff se rir. Travam conhecimento. Ela
beija mesmo Heathcliff, que afinal era seu tio. Ele achou os beijos em si
mal-empregados, que os desse a Linton. Ambos gostavam de ler, isto atraiu-os.
Quando as duas vieram para casa, Cathy prometeu a Ellen não dizer nada ao pai,
mas ficaram-se a corresponder-se por carta, à socapa. Mais tarde ela descobre a
marosca e avisa o pai, e este informa Linton para não voltar a escrever
bilhetes à menina Cathy, porque ela não os receberia.
Chega o verão e começam as ceifas.
Cathy vai passear com Ellen Dean e aparece de novo Heathcliff a dizer que o
filho, Linton, morre de saudades por ela, que era bom que o fosse visitar.
Cathy está preocupada com a saúde do primo, mas não pode desagradar a Ellen,
que não quer que ela vá, conforme as diretrizes do patrão. Acabam as duas por
regressar a casa. Mas Cathy veio preocupada, tinha de arranjar um meio de dizer
a Linton que não fora ela a culpada daquele corte de correspondência.
Numa primeira oportunidade, em
segredo Cathy acaba por ir visitar Linton. O Sr. Heathcliff estava ausente e
Joseph ocupava-se a fazer as suas coisas. Zillah também não estava em casa. Tiveram
os dois uma longa conversa. Ele era tão sensível que a um toque que ela lhe deu
suavemente chorou com dores. Pouco depois Ellen Dean adoeceu três semanas, e
ela depois de tratar com todo o desvelo a governanta, aproveitou para ir
visitar Linton à tardinha todos os dias, aprofundando aquelas relações.
Quando Ellen Dean melhorou, ao fim
da tarde Cathy disse que ia para a biblioteca. Ela estranhou ela estar ali
tanto tempo, e foi lá e não a encontrou. A seguir foi ao quarto e ela também não
estava. Viu que ali havia trapaça. Conversaram no dia seguinte e Cathy acabou
por confessar aqueles encontros clandestinos. Ellen Dean viu-se obrigada a
contar a situação ao pai, que a proibiu de ir lá falar com o primo, mas que ele
podia vir ali a casa visitá-la se quisesse.
Edgar Linton já tinha escrito há
tempos ao sobrinho que ele podia visitar a prima, mas ele não pôde aceitar, por
estar proibido pelo pai de ir àquela casa. Bem, mas a hipótese da família Linton
recuperar o Monte dos Tordos era Cathy casar com o jovem Linton Heathcliff. Edgar
Linton nem sonhava que rapaz e ele próprio não iam durar muito. Dadas as
circunstâncias, condescendeu que a filha se encontrasse com o primo durante um
passeio.
Infelizmente, Edgar Linton estava
doente, e cada vez pior. Certo dia Ellen Dean e Cathy resolvem ir dar um
passeio pelos pântanos. Heathcliff encontra-as, e a pretexto da doença do filho
consegue levá-la até ao Monte dos Vendavais para recomeçarem a sua amizade. Já
lá dentro fecha as portas da casa à chave. Ele planeia casar Linton com Cathy e
assim apossar-se do Monte dos Tordos. Cathy ainda resiste, e consegue tirar-lhe
as chaves, mas ele é forte e consegue recuperá-las. Ela era corajosa, mas não
pôde resistir-lhe, impotente, fica ali sua prisioneira.
Apareceu pouco depois por ali a
antiga criada Zillah, que disse que em Gimmerton corria o falatório que elas se
perderam nos pântanos e que Heathcliff as salvara. Tudo mentiras, elas estavam
lá prisioneiras. Ellen conseguiu por fim fugir e ir ver como estava o Sr. Edgar
Linton. Estava pior. Trata logo de arranjar reforços para ir libertar Cathy do
Monte dos Vendavais. Foi lá um notário de Gimmerton com quatro homens armados,
mas Heathcliff convenceu-os que ela estava muito doente, que não podia sair, e eles
vieram-se embora. Contudo, passado algum tempo, Linton Heathcliff, que estava
já pouco piedoso, transformado pelo pai, por fim condoeu-se de Cathy e
colaborou na sua fuga. Ela, após cinco dias de cativeiro ainda conseguiu ver o
pai antes dele morrer.
No dia seguinte Heathcliff vão à
Herdade dos Tordos, que já é sua, e leva dali Cathy para o Monte dos Vendavais.
Ela quer ir no seu potro, mas ele obriga-a a ir a pé. E vai para casa dele como
criada, terá de ser ela a fazer a sua comida. Ellen ficou no Monte dos Tordos,
foi uma vez a Monte dos Vendavais para ver Cathy, mas não a deixaram entrar. Só
ia sabendo o que se estava a passar através de Zillah. Depois da morte do pai,
Cathy fechou-se no quarto durante três semanas. Por fim desceu, não aceitou a
amizade de Hareton, nem da própria Zillah, provoca o próprio Heathcliff, até
parecia que queria ser castigada. Tudo o que lhe dissessem a irritava, já
estaria possessa do desassossego daquela casa.
É aqui que Lockwood recomeça a narrativa.
Este vai ao Monte dos Vendavais desistir do aluguer da casa, que lhe parece amaldiçoada.
Deixa um bilhete de Ellen Dean a Cathy, que Hareton apanhou. Devia ser lido
primeiro pelo Sr. Heathcliff. Era o costume da casa. Por fim ele compadeceu-se,
e pô-lo aos pés dela. Não demorou que começassem a discutir por causa da má
leitura que ele fazia dos livros. Zangaram-se e puseram mesmo alguns ao lume. Heathcliff
estava fora e ainda teve de esperar. Chegou tarde e convidou-o para jantar.
Quando ele disse que ia deixar a casa avisou-o logo que não viesse com
desculpas para não lhe pagar o ano que arrendou. Ele concordou em pagá-lo. Durante
o jantar parecia estar a comer num mundo de múmias paralíticas, quase não se
falava. Logo que aquilo acabou, despediu-se e saiu pelas traseiras. Hareton
fora-lhe buscar o cavalo e Heathcliff viera com ele até à porta. Veio-se embora
se despedir de Cathy.
Epílogo
Capítulos
32 a 34
Cerca
de oito meses depois de sair do Monte dos Tordos, Lockwood foi convidado para
uma caçada no Yorkshire, e, sabendo-se tão perto da casa que tinha alugado,
resolveu passar por lá, até para regularizar as suas contas com Heathcliff.
Quando lá chegou foi surpreendido por uma criada velha a fumar sentada na
soleira da porta. Não contava com ele, mas lá lhe arranjou o quarto e que comer.
Entretanto, ele resolveu ir ao Monte dos Vendavais tratar das coisas, e vê lá
Cathy e Hareton em franca amizade. Estranhou o facto, mas não disse nada. Em seguida
deu com Ellen Dean, que estava de novo ali na mansão. Gostou de a ver e
disse-lhe que vinha ali regularizar as suas contas com Heathcliff. Ela ficou
admirada por ele ainda não saber que ele tinha morrido. O Monte dos Vendavais
era agora de Cathy, e era com ela que tinha de tratar das coisas. Aliás, com
ela própria, que era a sua governanta.
Contou-lhe
depois o que se passara. Zillah abandonara o Monte dos Vendavais e Ellen Dean
foi chamada a substituí-la. Em março, Heathcliff sofrera um acidente e
ficara-se mais por casa. Não estava o mesmo, começou a ter visões, porventura de
Catherine. Saía de noite vaguear pelos montes. Comia mal. Entretanto, Hareton e
Cathy, depois de alguns desaguisados, por ela o ridicularizar a sua ignorância,
começaram a dar-se melhor. Por fim ela oferece-lhe um livro, que ele aceitou, possibilitando
que aperfeiçoasse a sua leitura, e assim se foram estreitando as relações entre
ambos. Ela sentia-se agora apoiada por Hareton, chegando mesmo a enfrentar
Heathcliff. Porém, Hareton dá-lhe para trás, não quer enfrentar Heathcliff, que
apesar de rude, sempre olhara como pai. Cathy e Hareton fazem mesmo um canteiro
de flores ao lado da casa, o que indignou Joseph, que tinha lá uma sua
sementeira.
Heathcliff
estava cada vez mais obtuso, passava a noite fora, comia mal. Um dia cai de
cama, Ellen Dean vai lá para o ajudar, quer chamar um médico, mas ele recusa-o
determinantemente. Não o chamou para o filho e também não o ia chamar para ele
– era o seu feitio rude. Nem Joseph o demoveu. Uma noite Ellen Dean vê a janela
do seu quarto aberta. Tinha estado a chover, teria molhado o soalho todo. Foi
lá ver e ele estava morto. Hareton tratou do funeral conforme o seu testamento.
Ia ser de noite, levado por seis homens, sem padre. Seria sepultado ao lado de
Catherine, a cuja sepultura ele um dia violara para tirar a tampa lateral da
urna. A dele, desse lado também fora arrancada. Ali ficariam os dois enterrados,
lado a lado, sem nada a separá-los, confraternizando para toda a eternidade. Havia
a crença que ele vagueava com ela por aqueles montes. Um pastor que passou por
ali disse ter dado pela sua presença e ter fugido com o seu sobressaltado rebanho.
Heathcliff protelou um testamento que queria fazer, e Cathy, sua nora, acabou
por herdar tudo. Ela era agora quem ali mandava. Andava empenhada em ensinar Hareton
a ler corretamente, estavam os dois apaixonados, iam casar no início do ano
seguinte.
Brontë Parsonage Museum, em Haworth, onde a família Brontë viveu
APRECIAÇÃO GERAL
DO LIVRO
Emily
Brontë escreveu um
único romance, não teve tempo para mais, morreu jovem, e foi quanto bastou para
ser reconhecida como grande escritora. Ela soube escavar bem fundo na
psicologia feminina e no mundo físico à sua volta, servindo-se do seu
acutilante poder de observação e de uma linguagem com grande intensidade, sem
exageros formais. Era dotada de uma enorme sensibilidade e de uma fértil imaginação.
Se formos ao cerne do livro verificaremos que o romance está impregnado de uma densa
atmosfera de poesia, o lirismo, ainda que acre, afeta as personagens. Ela
retrata bem, sem o denunciar, todo o passado de sofrimento e humilhações de
Heathcliff, criado quase sem amor, fazendo-nos compreender, ainda nos
princípios do século XVIII, que os traumas que ele sofreu, e desde a sua
meninice, podem destruir uma alma, amputando-a da sua humanidade, destruindo-lhe
a alegria, a sensibilidade, a candura, sendo capaz de levar à loucura.
O
meio físico em que decorre a história, em Haworth, é verde, mas as casas são
escuras. A mansão do Monte dos Vendavais é altaneira, mas coberta de céus
fugidios, fustigada pelos ventos uivantes, sujeita a chuvas torrenciais e a neves
cerceadoras, capazes de apagar da vista os caminhos. Os crepúsculos são belos,
mas depressa se transformam em noites de pesadelo. Os arredores estão cobertos
de pântanos pérfidos, dispostos a engolir os incautos. Estamos num mundo com o
seu quê de selvagem. Todavia, apesar de tudo a região é possuída de uma beleza
estranha e agreste, as urzes proliferam à sua volta teimosamente, criando um
cenário reforçador dos estados de alma das personagens. A casa, de
compartimentos que parecem não se encaixarem uns nos outros está a partir de
certa altura tomada pelo fantasma de Catherine Linton, que mesmo morta continua
apaixonada, em desassossego, e todo aquele mundo é exótico e sombrio.
A
história é intensa, quase inacreditável, iniciada nos finais do século XVIII, e
passada no Yorkshire, na Inglaterra. Trata-se de um drama com sabor a tragédia,
cheio de emoções fortes e sentimentos contraditórios. Tenhamos em atenção que é
um livro publicado em 1847 e escrito um pouco antes, com a autora ainda na casa
dos vinte anos. Heathcliff a partir de certa altura fica obcecado pela ambição do
dinheiro e dos bens, pelo poder de controlar e humilhar os outros, pelo amor
obsessivo. Fecha-se na sua concha dominado por sentimentos de vingança, denotando
desprezo por quem o rodeia, intransigente perante quem faça obstrução à sua
vontade, incapaz de perdoar. Parece mesmo ter prazer em sofrer e fazer sofrer
os outros. É sadomasoquista. Mas repare-se que Emily tem um pouco de
Heathcliff, ela não se dava com ninguém, a não ser com os irmãos, cultivava a
solidão, a misantropia. Quando um dia foi mordida por um cão recusou
assistência médica e ficou com um braço deformado, e quando ficou tuberculosa
parecia ignorar a doença, não querendo a compaixão de ninguém, apenas respeito.
Só um pouco antes da morte achou conveniente chamar um médico.
Por
artifício da autora, porém, para que os leitores mais indignados com o mau
caráter da maioria das personagens não se sintam frustrados, os maus acabam por
ser castigados e os bons compensados. Heathcliff que queria apossar-se de toda
a fortuna dos Linton e dos Earnshow, transformá-los de senhores em escravos, acabou
por, indiretamente, deixar toda a sua fortuna a Hareton, filho do seu maior
inimigo, Hindley Earnshow, em virtude de este ir casar com Cathy, filha de
outro seu inimigo e rival, Edgar Linton. O filho de Heathcliff, frágil e enfezado,
morrera, indo servir caprichosamente de trampolim para isto se realizar, levando
a que a sua mulher, Cathy, ficasse sua única herdeira, trocando as voltas ao
destino. Mas atenda-se, embora não seja dito no livro, que Heathcliff pode ser
filho ilegítimo do Sr. Earnshow, isto seria um segredo. É suspeita aquela
preferência que ele lhe dá. Assim, aquele amor contrariado, maior do que o
próprio mundo, estava de facto condenado à partida: eles seriam irmãos e
amantes. Heathcliff não é tão mau como parece à primeira vista. Como disse
Alice Hoffman, lido o livro na juventude, Heathcliff pode parecer um herói
romântico; na maturidade, um monstro; e na velhice apenas um ser humano.
A
história, de facto é grotesca, execrável, por vezes fantasmagórica, Heathcliff
é uma pessoa odiosa, mas a quem desde cedo destruiíram a sensibilidade,
tornando-o empedernido e cruel. Outras personagens são frágeis, muito sensíveis,
sofredoras. Ainda outras são amorfas, anémicas, autodestrutivas, constantemente
ameaçadas pela doença e pelo sofrimento, quer físico quer moral. A tuberculose,
o tifo e a fraqueza endémica proliferavam por aquela altura. As doenças mentais
eram frequentes e debilitaram Linton Heathcliff desde o nascimento, e depois o
pai no fim da vida, levando-os à morte. A fraqueza física matou Frances e
Isabella, a fraqueza moral matou Hindley, que se autodestruiu, e Catherine, que
traindo o seu amor perdeu a coragem para continuar a viver. Dá a impressão que
aquele local, Emily o foi buscar a algum recanto do Inferno de Dante. As
personagens têm comportamentos por vezes desagradáveis, mas não temos de gostar
delas, mas ver o mundo como realmente ele é, e por vezes ele é cruel e
detestável.
Vejamos
bem, o romance não se afasta muito do dia-a-dia da autora, que se isolava
muito, revelando pouco de si. Imaginemo-la a viver debaixo da autoridade de um
pai distante e excêntrico, uma tia austera, numa casa voltada para um cemitério
de onde escoavam as águas que iriam beber, sob uma atmosfera tensa de opressão
e tristeza, em que ela, assim como as irmãs, se refugiavam nos livros para se
esquecerem de si próprias. Ela era órfã de mãe desde os três anos, tendo
sofrido a morte por doença das suas irmãs, Elisabeth e Maria, e do irmão,
Branwel. Este romance tem muito de autobiográfico, e só isto explica ser tão
sentido, tão vivo, com uma psicologia tão rica. Começa-se a ler o livro, e mesmo
passando por cenas desagradáveis queremos saber o final, e depois de o termos lido
ficamos com aquele sentimento nostálgico de espanto a fumegar pela nossa
cabeça. É um livro que nos toca pela sua refinada estranheza gótica, perante um
amor impossível, que se imola face às adversidades da vida, perdurando para
além da própria morte, onde se pretende recuperar, devorando toda a Eternidade.
O Monte dos Vendavais, no Brasil chama-se Morro dos Ventos Uivantes,
é um romance notável, ao lê-lo sinto-me também irmão dela.
30/08/2019
Martz Inura
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