EÇA DE QUEIROZ II

 







EÇA DE QUEIRÓS
Os Maias (730 pág.)
LIVROS DO BRASIL (2014)
PORTO EDITORA

O HOMEM

José Maria Eça de Queiroz nasceu a 25 de Novembro de 1845, na cidade da Póvoa do Varzim. O pai, José Maria de Almeida Teixeira de Queirós, era uma pessoa importante, formado em Direito, foi magistrado e Par do Reino, Juiz da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça, defendera Camilo Castelo Branco naquele célebre processo de Ana Plácido. Com 20 anos apaixonou-se por Carolina Augusta Pereira de Eça, dois anos mais nova. A relação não foi aceite pela família desta, mas os dois continuaram a encontrar-se e ela teve uma gravidez inesperada, tendo que a esconder e fugir de casa para que o filho nascesse longe e se evitasse o escândalo social. Isto era comum nesta época. Nascido antes do casamento, foi registado apenas com o nome do pai, portanto, filho de mãe incógnita, e entregue à madrinha, que foi a viver com ele para Vila do Conde. Aos quatro anos os pais casaram, mas não o foram buscar, ainda para fugir às bocas do mundo, e o menino foi entregue aos cuidados dos avós paternos, em Aradas, perto de Aveiro. E quando em 1895, já com dez anos, regressou ao Porto e ao convívio dos pais e dos irmãos, teve dificuldades de se integrar, não se sentia filho daquela família, que na prática o rejeitara, os laços íntimos de familiaridade paternal e maternal, bem como filial, não tiveram a devida gestação: ele sentia-se ali como um filho adotivo. Foi talvez por isso internado no Colégio da Lapa no Porto, e aos dezasseis anos, em 1861, segue para Coimbra para frequentar o curso de Direito, onde fez amizade com Antero de Quental. Em 1866 conclui o curso, fez carreira de advogado e jornalista, chegando a ser diretor do semanário O Distrito de Évora. Desde este período e até aos fins da vida foi sempre colaborador de vários jornais e revistas. Entre 1869 e 1870 fez uma viagem ao Oriente, assistindo à abertura do Canal do Suez. Entre 1871 e 172 esteve por Lisboa, colaborou nas Farpas com Ramalho Ortigão, esteve na organização e participou nas Conferências do Casino. Nesse mesmo ano entrou para a administração pública, sendo nomeado administrador do concelho de Leiria. Concorre à carreira diplomática, ficando em primeiro ligar do concurso. Em 1873 é cônsul de Portugal em Havana, e de 1874 a 1875 em Newcastle, Inglaterra, onde escreve O Crime do Padre Amaro, entre outras obras; de 1875 a 1887 em Bristol, naquele mesmo país, onde escreve obras importantes como O Primo Basílio, A Tragédia da Rua das Flores, O Mandarim, A Relíquia. Mais tarde, em 1888, iria exercer as mesmas funções em Paris, escrevendo aqui as suas últimas obras, de que se destaca Os Maias, A Ilustre Casa de Ramires, A Cidade e as Serras, este publicado postumamente. Foi só com 40 anos que casou com Emília de Castro, de quem teve três filhos e uma filha. Faleceu ma sua casa, perto de Paris, em 16 de Agosto de 1900, de grave doença, ainda hoje mal diagnosticada, tinha apenas 55 anos. 

 

A OBRA

            A obra de Eça de Queiroz é vasta e muito importante, e maior seria se não morresse tão cedo. É constituída sobretudo por romances, contos, cartas, crónicas. No romance a sua obra costuma definir-se por três fases: a primeira, a Fase Inicial, em que escreve obras de teor romântico, fantástico ou policial, ainda à procura de se afirmar, como as que podemos ver na Prosas Bárbaras ou O Mistério da Estrada de Sinta; a segunda, a Fase Realista, em que escreve ao gosto desta escola, que ajudou a implantar em Portugal, como O Crime do Padre Amaro, O Primo Basílio, Os Maias, O Mandarim, A Relíquia; e uma terceira fase, a Fase da Maturidade, mais moderado nas suas convicções, mais voltada para a Natureza, como A Correspondência de Fradique Mendes, A Ilustre Casa de Ramires e A Cidade e as Serras

            Convém ver o encadeamento da publicação das suas principais obras, algumas saídas postumamente:
            - O Mistério da Estrada de Sintra (1870)
            - O Crime do Padre Amaro (1875)
            - O Primo Basílio (1878)
            - O Mandarim (1880)
            - A Relíquia (1887)
            - Os Maias (1888)
            - Uma Companhia Alegre (1890-91)
            - Correspondência de Fradique Mendes (1900)
            - A Ilustre Casa de Ramires (1900)

            Mas muitos dos seus livros seriam editados postumamente. A Cidade e as Serras que terá sido escrita até 1900, foi publicado em 1901, as Prosas Bárbaras, escritas na década de 60 nos jornais, em 1903, A Capital em 1925, e as suas cartas e muitas outras publicações, que poderão consultar em estudos mais especializados. O Conde Abranhos, 1925; Alves & Companhia, 1925; Egito, 1925; A Tragédia da Rua das Flores, escrita de 1877 a 1878, por tratar de um incesto e poder ferir as suscetibilidades da família só foi publicada em 1980.


 

Os Maias

1º ADVERTÊNCIA

            Esta obra está por aí muito estudada, e exaustivamente. É ler de João Gaspar Simões, Eça de Queiroz – O Homem e o Artista, ou de Lopes de Oliveira Eça de Queiroz, a Sua Vida e a Sua Obra. Mas muitos outros críticos e ensaístas fizeram grandes explanações sobre este livro, e muitos jovens elaboraram trabalhos recorrendo a novas formas de apresentação digitais. Por isso, porque sei que são amantes de literatura, e são sobretudo alunos que consultam estas páginas, este trabalho vai ser muito sintético para que fiquem apenas com uma ideia geral, podendo depois decorrer a trabalhos mais elaborados. Por isso se aconselha o seguinte, para ficarem bem preparados para desenvolver um tema:

            1º Ler este resumo de corrida, e deter-se um pouco mais nas personagens, que são muitas. Aqui se destacam as principais, destacando-se a sua importância e aproximando-as de quem estão mais ligadas.

            2º Ir ver no Youtube o filme de Os Maias, da RTP, com realização de 2014 de João Botelho, ou a série em 44 episódios da TV Globo de 2001, de adaptação escrita por Maria Adelaide Amaral, ainda que aos poucos, ou comprar um DVD do filme. Isto fará com que possam utilizar a vossa memória visual, normalmente forte, para uma compreensão das personagens e dos locais, dando-vos bases para escreverdes muito mais e fundamentadamente sobre alguns assuntos.

            3º A seguir ler então o livro, podendo ainda recorrer a esta síntese para se tirarem de algumas dúvidas quanto às personagens, locais, onde se critica o sistema social, os costumes, a componente político-económica, a moral e a religião, e até a filosofia, por vezes pessimista, ou mesmo niilista, no último capítulo. 

 

2º TEMPO E LOCAIS CONDE SE PASSA A AÇÃO, TRANSPORTES

            O romance inicia a sua ação no outono de 1875 (p. 7), quando os Mais resolvem vir viver para o Palácio do Ramalhete, recentemente restaurado, e acaba numa manhã de janeiro de 1987, quando Carlos da Maia vai almoçar com João da Ega ao Hotel Bragança para, depois da longa e demorada viagem que fizera ao estrangeiro, saber o que tinha acontecido aos seus amigos de Lisboa, (p. 699), contudo, ele tem antecedentes que remontam a 1820, quando da Revolução Liberal.

            Há locais que se vão aqui destacar, pois, quem não tiver uma memória fotográfica facilmente se esquece deles e fica desorientado ao ler o romance. Referem-se os seguintes:



            – Palacete de Benfica: antiga morada dos Maias em Lisboa, preferida de Afonso da Maia, que a acaba por vender.
          – Palácio do Ramalhete: Restaurado por Carlos da Maia por um decorador inglês. Fica em Lisboa na Rua de S. Francisco de Paula às Janelas Verdes. Frequentam-no os amigos dos Maias: Ega, Teles da Gama, D. Diogo, General Silveira, Alencar, Craft, Dâmaso e outos.
            – Casa de Santa Olália: em Resende, junto do Rio Douro. Solar dos Maias, para onde Carlos da Maia foi depois da morte da mãe desterrado para receber uma boa educação, pois ao avô parecia-lhe muito revolucionário.
          – Casa dos Olivais: vivenda que Carlos comprara a Craft para ter Maria Eduarda mais preservada das vistas do mundo. Às vezes é designada por Toca.
            – Vila Balzac: Um chalezinho nas Penhas de França, onde João da Ega se costumava retirar para estudar e inebriar no Realismo de Balzac, então a impor-se ao romantismo.
            – Casa de Celorico: solar no Norte, da mãe de João da Ega, fidalga abastada, que suportava com dinheiro a vida boémia do filho.
            – Casa de Sintra: uma delas era a dos Monforte, pais de Maria Eduarda Runa, mãe de Carlos e Maria Eduarda, que casaria com Pedro da Maia.
            – Havia os sítios a destacar, como Hotel Central no Cais do Sodré, o Hotel Bragança, na Rua Vítor Gordon, o Hipódromo de Belém, o Teatro da Trindade no Chiado, o Tavares Rico e a Casa Havanesa na Baixa.

            Nos transportes predominavam os carros puxados por cavalos: o coupé, mais ligeiro, o break, aberto atrás, a tipoia de praça, a caleche e o fiacre, o “Americano”, carruagem puxada por cavalos em rails, o trem, que era o comboio.

 

 


Carlos da Maia e Maria Eduarda representados por Fábio Assunção e Ana Arósio
TV Globo, 2001, adaptação escrita por Maria Adelaide Amaral, em 44 episódios


3º PRINCIPAIS PERSONAGENS



– Caetano da Maia: pai de Afonso da Maia, chegou a ser miguelista
Afonso da Maia: o patriarca da família Maia, o avô de Carlos. Foi jacobino, mas o tempo tornou-o mais moderado e sensato, liberal, o esteio moral da família.
– Maria Eduarda Runa: esposa de Afonso, mãe de Pedro da Mais, senhora conservadora e beata.
– Vilaça Pai: procurador dos Maias: bastante fiel ao patrão, acredita no progresso.
– Gertrudes: governanta dos Maias.
– Monsieur Théodore: cozinheiro de Afonso.
– Teles da Gama: amigo de Afonso, padrinho de Pedro.
– Brown: perceptor inglês de Carlos em Santa Olália, ligado às ciências.
– Abade Custódio: educador de Carlos em Santa Olália, com convicções mas sem força para as impor.
– D. Diogo Coutinho: amigo de Afonso da Maia com quem jogava ao Whist.
– Marquês de Souselas: amigo de Afonso da Maia, pessoa informada e assertiva.
– General Sequeira: amigo de Afonso e depois do neto, pessoa íntegra, liberal e cativante
– Steinbroken: ministro da Finlândia. Amigo de Afonso da Maia, fino toca piano, joga Whist.

Pedro da Maia: filho de Afonso de Maia, estudou em Richmond num colégio católico. Suicida-se depois de Maria Monforte fugir com a filha. É fraco, romântico.
Maria Monforte: filha dos Monforte, de Sintra, romântica, volúvel, fraca.
– Manuel Monforte: pai de Maria Monforte. Vive em Sintra.
– Padre Vasques: Educador de Pedro em Richmond, muito voltado para a religião, para o romantismo.
– Tancredo: homem com quem Maria Monforte vai fugir com a filha Maria. É belo como Apolo.

Carlos da Maia: personagem principal. É revolucionário e o avô manda-o para Santa Olália. Tira medicina em Coimbra, mas só a exerce por prazer. Torna-se boémio, mulherengo. Já em jovem tinha Teresinha como namorada, em Coimbra tinha uma amante, Ana. Em Lisboa, depois de ser amante da condessa de Gouvarinho, passou a ser amante de Maria Eduarda. É um dos vencidos da vida.
– Vilaça Filho: procurador de Carlos, dá muito valor ao dinheiro.
– Teixeira: mordomo de Afonso da Maia em Santa Olália.
– Baptista: criado de quarto de Carlos.
– Domingos: criado de Carlos.
– Ana: amante de Carlos em Coimbra.

Maria Eduarda: filha de Pedro da Maia e Maria Monforte, que fugiu com ela para Paris. Acaba por se juntar a tal Mac Green e a seguir de Castro Gomes. Torna-se amante de Carlos. Depois se se saber irmã de Carlos vai para Paris com uma pensão deste, e acaba por se casar mais tarde com Trelain.

– Castro Gomes: Homem endinheirado que tem Maria Eduarda como falsa esposa. É um homem em,preendedor, racional, frio, talvez cínico,
– Miss Sara: governanta de Maria Eduarda.
– Melanie: criada de Maria Eduarda.
– Rosa: a filha de Maria Eduarda, de cinco anos.

João da Ega: amigo de Carlos com quem tirou Direito em Coimbra. Vive de uma mesada da tia de Celorico de Basto, é boémio, ateu, demagogo.
Dâmaso Saucede: Primo de Raquel Cohen. Falso amigo de Carlos, caráter fraco, que o vai trair de princípio ao fim. Chegou a ser desafiado para um duelo depois de intriga para a Corneta do Diabo
– Guilherme Craft: amigo de Carlos, vive de uma pensão do tio do Porto. Negoceia em arte.
– Tomás Alencar: amigo dos Maias, em especial de Pedro. Poeta ultrarromântico falhado
– Vitorino Crugues: amigo de Carlos, maestro e pianista, frágil, gasto e cómico.
– Taveira: amigo de Carlos. Funcionário do tribunal de contas, mulherengo, superficial.

– Conde de Gouvarinho: aristocrata, político incompetente, par do reino, carregado de condecorações, representa a decadência do país.
– Condessa de Gouvarinho: esposa do conde, mulher de 33 anos, amante de Carlos, provocante, adúltera e fútil.

– Jacob Cohen: banqueiro, oportunista, materialista e egoísta.
– Raquel Cohen: esposa de Jacob Cohen, muito bela, amante de Ega.

– Palma Cavalão: diretor da Corneta do Diabo, jornal sensacionalista. É um jornalista corrupto.
– Sousa Neto: funcionário superior, amigo de Gouvarinho, que representa a ignorância das nossas elites.

– Eugénia Silveira: mãe de Terezinha Silveira e Eusébio Silveira, em que depositava muitas esperanças.
– Teresinha Silveira: filha de Eugénia, primeira namorada de Carlos, conservadora, beata.
– Eusébio Silveira: filho de Eugénia. Pessoa mesquinha e tristonha, viúvo.

– Sr. Guimarães: tio de Eusébio, do Porto, vive em Paris, carbonário, republicano, revela o segredo de Carlos ser irmão de Maria Eduarda.
– D. Joana Coutinho: mulher da alta sociedade lisboeta.
– Amélia, Lola, Concha, Cármen: mulheres livres.

 

 

Carlos da Maia e Maria Eduarda representados por Graciano Dias e Maria Flor
Um filme da RTP de João Botelho de 2014

4º EPISÓDIOS DE CRÍTICA SOCIAL

Trata-se de uma crónica de costumes, em que Eça de Queiroz vai retratar a sociedade portuguesa da segunda metade do século XIX, tirados dos Episódios da Vida Romântica, que ele tinha escrito, e que vai inserir nesta obra:

1 – Jantar na Casa de Santa Olália: (Cap. III)

No solar de Santa Olália discute-se o problema da educação. Afonso da Maia, o abade Custódio e o inglês Brown falam da educação a dar a Carlos, o abade é propenso à cartilha religiosa e o inglês a uma educação mais musculada, voltada para a ciência. Repare-se que aquele mandou o neto para um colégio católico em Richmond, Inglaterra.

 

O antigo Hotel Central, vendo-se um coupé e uma caleche

            
            2 – Jantar no Hotel Central: (Capítulo VI)

Os temas aqui tratados são do foro literário e político. Pretende-se homenagear o banqueiro Cohen. Ega critica a decadência do país. Cohen diz que a função dos ministros é cobrar impostos e fazer empréstimos, a bancarrota era inevitável. Alencar defende o Ultrarromantismo, a que Ega contrapõe o Realismo/Naturalismo, representando a geração de 70. Aborda-se o socialismo.

             3 – A corrida de cavalos no Hipódromo (Capítulo X)

            No hipódromo, a imitar o estrangeiro: os homens a mostrarem os seus cavalos, as mulheres a exibirem os seus vestidos, uma caricatura do seu provincianismo e cosmopolitismo. A alta burguesia focada nas aparências, ridicularizada. Há uma discussão ligada ao cavalo vencedor, o habitual.

             4 O jantar na casa do conde Gouvarinho (Capítulo XII)

            Exibe-se ali uma falsa abastança. Discute-se política, mal-amada; insistindo-se nas débeis finanças do país. Faz-se uma referência à cultura, com intrusões na literatura e na crítica literária. A condição da mulher também é tratada, na versão provocatória de Ega, deve cozinhar e amar bem. Hoje dir-se-ia machista. Pessoas importantes não sabem quem é o filósofo Proudhon, na altura muito vulgarizado. Carateriza-se aqui a ignorância da aristocracia lisboeta.

             5 – O episódio dos jornais, “A Corneta do Diabo” e “A Tarde” (Capítulo XV)

            Retrata-se aqui a decência do jornalismo português, dependente de interesses económicos, minado pela corrupção, tendencioso, ligado a partidos. 
            É na Corneta do Diabo que Dâmaso expõe a vida privada de Carlos e Eduarda, e o diretor Palma Cavalão mostra a carta a Carlos a troco de cem mil réis.
            Já no A Tarde, o diretor, Neves, condescende em publicar uma carta assinada por Dâmaso a confessar que estava embriagado quando escreveu aquela carta ofensiva sobre a relação de Carlos com Maria Eduarda, por pensar que não o prejudicava politicamente.

             6 – O sarau do Teatro da Trindade (Capítulo XVI)


            Neste sarau é patente o atraso geral da aristocracia e da burguesia do país, o seu conservadorismo e falta de sentido crítico. Cruges toca ao piano a Sonata Patética de Beethoven, mas alguém a designou como Sonata Pateta, santa ignorância!
            Há uma intervenção de Rufino, que muitos designam como orador sublime, pregando a caridade” e o “progresso”, mas ele veiculava valores arcaicos cheios de retórica, artificialismos barrocos, ultrarromânticos. Ali já de vislumbrava o que depois viria a ser o «Deus, Pátria e Família».
            Uma voz destacou, a de Alencar, que evocou o patriotismo antigo dos nossos maiores, a Democracia, que o levava a admitir agora os ideais da República, com todo o bem que dali adviria, ideias que foram muito aplaudidas.

             7 – Jantar em Lisboa no Hotel Bragança (Capítulo XVIII)

Carlos depois de vir de Santa Olália, no salão nobre do Hotel Bragança fala da política portuguesa como coisa moral e fisicamente nojenta, referindo-se ao conde de Gouvarinho, coberto de grã-cruzes, como político medíocre, palrador, escrevinhador, mas sem rasgo. A diplomacia consistia numa forma de ociosidade. Tem de um modo geral uma opinião negativista sobre as pessoas que cá deixara, dando uma imagem negativa do país, que continuava em decadência.

  




O Palácio do Ramalhete atualmente. Foto tirada da Rua das Janelas Verdes a partir do Google 
É na parte de traz, onde há uma outra entrada, que existe o jardim ainda com alguma estatuária

4º BREVE RESUMO DO LIVRO

 Capítulo I

A ação de “Os Maias” começa no outono de 1875, quando Afonso da Maia, nobre e grande proprietário, a viver em Santa Olália, se instala no Ramalhete, durante vários anos votado ao abandono, já que em Lisboa preferia o palacete de Benfica. Carlos, o único descendente que tinha vivo, acabado de formar em Medicina queria abrir um consultório em Lisboa e nesse ano e resolvera restaurar o velho palácio, mandando-o decorar ao estilo inglês. O avô decide então deixar Santa Olália, em Resende, junto do Rio Douro, e regressa a Lisboa. Quando jovem fora apoiante da causa liberal, contrariando o seu pai, Caetano da Maia, que era miguelista. Por esta razão foi desterrado para a Quinta de Santa Olávia. Alguns anos depois, como resultado das Lutas Liberais, Afonso da Maia teve de partir para Inglaterra, onde esteve algum tempo, mas de onde teve de voltar devido à morte do pai. Foi então que conheceu a mulher com quem viria a casar, D. Maria Eduarda Runa, de quem teve um filho, e com quem partiria de novo para Inglaterra, então o lugar de exílio para os vencidos das Lutas Liberais. Porém, D. Maria Eduarda Runa, uma mulher de saúde débil e católica devota, não se habituou à falta do sol de Lisboa nem ao protestantismo, chamou mesmo o padre Vasques educar o seu filho, Pedro, já que não tinha confiança nos ingleses. Pedro cresceu sob a orientação de um pai austero e uma mãe protetora, ficando medroso e mimado. Algum tempo depois, a doença de D. Maria agravou-se e a família voltou para Lisboa, onde ela acabou por morrer. Pedro, recuperado do luto, apaixonou-se por Maria Monforte, uma mulher muito atraente, filha de um negreiro residente em Sintra. Afonso da Maia opôs-se por isso a esta relação, mas ele não resistiu aos seus encantos, e, não tendo coragem de enfrentar o pai, casou-se com ela à sua revelia e partiu para Itália. Para o pai aquele casamento foi um enorme desgosto, mandou o criado retirar da mesa o talher do filho, Pedro, e durante muitos anos o seu não se ouviu pronunciar naquela casa. Foi num período em que o Saldanha foi demitido no paço.


Capítulo II

Pedro e Maria casam-se contra a vontade do pai e partem para Itália. Mas não estão ali muito tempo, pouco depois vão viver para Paris, onde Maria aparece grávida. Já com saudades de Portugal, Pedro acha que com o nascimento do primeiro neto talvez o pai lhe tivesse perdoado e regressa a Lisboa, não sem antes lhe escrever uma carta. Mas ele ainda não lhe tinha perdoado e volta para o Norte, para Santa Olália. Quando Pedro chegara a Lisboa, fica a saber que o pai tinha partido dali no dia anterior. Não conseguiu reconciliar-se com o pai, mas permaneceu em Lisboa, ficando a viver em Arroios. Por fim nasceu Maria Eduarda, mas não informou o pai do seu nascimento. Também ele estava magoado com a sua rejeição. A menina era a cara do avô, até Vilaça a fora ver. O tempo foi passando, e Pedro, quando lhe nasce o segundo filho põe de novo a hipótese de se conciliar com o pai e resolve ir a Santa Olávia apresentar-lhe os netos. Mas infelizmente esta visita teve de ser adiada porque ele numa caçada feriu acidentalmente um italiano, chamado Tancredo, que tinha sido condenado à morte e andava fugido. Face ao seu desacerto viu-se obrigado a dar-lhe guarida em sua casa durante algum tempo até ele se restabelecer. Tancredo era um homem formoso, parecia um Apolo, e Maria Eduarda Runa, que era uma romântica, com o tempo apaixonou-se por ele, e um dia Pedro descobre que os dois tinham fugido, levando a mulher a sua filha, Maria Eduarda, ainda menina. Pedro decide então procurar o pai, a viver na casa de Benfica, que o recebeu bem, vendo o seu aspeto deplorável. Ele deu-lhe razão quanto à mulher com quem casara, que era uma infiel, levando-lhe o filho, Carlos. Afonso da Maia deu-lhes acolhimento, porém, nesse mesmo dia, Pedro suicida-se, por não ter suportado a traição da mulher. Vilaça trata do funeral e da trasladação do corpo para o jazigo da família. Afonso da Maia decide então fechar a casa de Benfica e vendê-la, mudando-se com o neto, Carlos, para a quinta de Santa Olávia.

 

Capítulo III

Neste capítulo é narrada a infância de Carlos, passada em Santa Olávia, junto do Rio Douro, e é descrito um episódio em que Vilaça, o procurador dos Maias, faz uma visita à quinta. Aqui de descreve a educação austera de Carlos, com um professor inglês, Brown, que dava primazia ao exercício físico e as regras duras que Afonso impunha ao neto. Aos cinco anos já dormia num quarto sozinho sem lamparina, e de manhã ia para dentro de uma tina de água fria. Também ficamos a conhecer os Silveiras: Teresinha, a primeira namorada de Carlos e o seu irmão Eusebiozinho, o oposto de Carlos, muito frágil, tímido, medroso e estudioso, bem como a sua mãe e a sua tia. Aqui de pode verificar o contaste entre a educação tradicional de Eusebiozinho, a quem ainda vestem de anjo nas processões, e a inglesa, liberal, de Carlos, voltada para a dureza da vida. É por esta altura que Vilaça dá notícias de Maria Monforte e da filha, lendo uma carta de Alencar, que a vira em Paris. Segundo o procurador a sua neta devia ter morrido em Londres (mais tarde veremos que não foi a sua neta, mas uma sua meia-irmã). Para confortar Afonso da Maia, disse-lhe que ela, tendo morrido, já não poderia reclamar a legítima da herança. O abade Custódio mantém-se por Santa Olália, ministrando a educação religiosa a Carlos, muito voltado para a cartilha, embora não se impondo muito ao rapaz, que era um tanto rebelde. Entretanto, o velho Vilaça morre, sendo substituído pelo filho como procurador da família. Alguns anos depois Carlos faz exame de acesso à Universidade de Coimbra, onde vai cursar Medicina. Ao avô enternece-o o talento do neto, anunciado pelo procurador, a ponto de se comover.

 

Capítulo IV

Este capítulo reporta-se à estadia de Carlos em Coimbra a cursar Medicina. O avô, Afonso, para que ele tivesse todas as condições para tirar o curso, oferece-lhe uma casa na cidade de Coimbra, em Paços de Celas. Mas Carlos, no meio de tantas facilidades e pouco controlo, em vez de se dedicar com ardor aos estudos faz uma vida quase de boémio, rodeado de amigos com ideias filosóficas e liberais. Tinha mesmo uma tal Ana como amante. Passava as férias grandes em Lisboa, Paris ou Londres, porém, nos Natais e nas Páscoas vinha a Santa Olália. É sobretudo chegado a João da Ega, que estudava Direito, e era sobrinho de André da Ega, amigo de infância do avô. Pela altura da formatura de Carlos, ele deu uma grande festa na sua casa de Celas, depois da qual este partiu para uma viagem de um ano pela Europa. Durante catorze meses o avô não o viu, a não ser numa fotografia enviada de Milão, em que todos o acharam magro e triste. Por fim, juntaram-se no Ramalhete, recentemente por si restaurado, onde se iria instalar. Carlos tencionava montar um consultório e um laboratório em Lisboa, vontades que depressa o avô satisfez: o laboratório foi montado num velho armazém, e o consultório num primeiro andar em pleno Rossio. Carlos recebeu mais tarde com alegria a visita do seu amigo Ega, com quem andara em Coimbra, que lhe anunciou ir publicar o livro que andava a escrever havia já uns anos – Memórias de um Átomo – que todos já tinham ouvido falar e esperavam com impaciência. Esse livro falava da história de vida de um átomo, que viveu desde a criação do Universo até ao presente. Devia ser uma epopeia em prosa.

 

Capítulo V

Com Carlos com consultório em Lisboa, Afonso da Maia regressa ao Ramalhete, onde se reúne com os seus amigos. Aparece a jogar Whist tendo como parceiro D. Diogo Coutinho, contra o general Sequeira e o procurador Vilaça. Este jogo tinha semelhanças com o atual Bridge, que dele derivou. O reverendo Bonifácio estava à lareira. O marquês de Souselas, o conde Steinbroken, o Cruges e o Eusebiozinho jogavam bilhar. Neste mundo ocioso, todos sentiam a falta de Ega, pois ninguém o via há vários dias. Pouco depois Crugues toca Mendelsohn e Chopin ao piano. Entretanto, tendo montava um consultório e até um laboratório em Lisboa, Carlos escrevera dois artigos na Gazeta Médica, e começara a ter alguma popularidade devido ao seu sucesso com o caso da Marcelina, a mulher do padeiro que estivera às portas da morte. Mas este sucesso não iria ter continuação, ele exercia Medicina por prazer, não pelo dinheiro, de que não precisava. Mais tarde, finalmente encontra Ega e é desvendado o mistério do seu desaparecimento, ele estava retido algures à volta de Raquel Cohen, por quem estava apaixonado, infelizmente, uma mulher casada. Ega, íntimo amigo de Carlos, propõe que ele conheça a bem instalada família Gouvarinho, e este aceita o convite. Depois de ter avistado a condessa Gouvarinho numa roda de amigos de Ega, Carlos não parava de pensar nela, aquela mulher de trinta e três anos frescos mexera com ele. Este capítulo acaba com uma ida de Carlos com a família Gouvarinho à ópera no S. Carlos, e é durante este espetáculo que ele se apercebe que a condessa se mostra interessada nele. Eles passam a frequentar a casa dos Gouvarinho, que recebiam às terças-feiras. O conde com quem travou várias conversas de algum interesse era um político daqueles tempos, superficial e medíocre. Carlos tratava-o por Vossa Excelência, mas em quem estava mesmo interessado era na mulher.

Capítulo VI

Uma manhã Carlos tentou fazer uma visita de surpresa a Ega na Vila Balzac, nas Penhas de França, casa que este adquiria para seu retiro espiritual, mas tem muitas dificuldades em dar com ela, e quando finalmente a localiza, não estava lá ninguém para o receber. Ega ao saber disto mais tarde fica chocado e combinam uma nova visita. Nesse dia Carlos foi muito bem recebido, com um criado à porta e tudo. Ega mostra-lhe a sua casa e celebra o momento com champanhe. A casa é luxuriante, e decorada conforme o temperamento do proprietário. Ega faz-se convidado para ir jantar com Carlos, e quando se prepara para sair falam sobre a Gouvarinho e sobre o súbito interesse de Carlos pela senhora, por quem se sente atraído. Esta atitude de Carlos para com as mulheres era recorrente, e Ega brincou com ela. Na ida para o jantar, cruzam-se com Craft, velho amigo de Ega, e combinam os três jantar no dia seguinte no Hotel Central. Ega faz questão que os dois amigos se conheçam melhor. O jantar acaba por ser adiado depois de alguns contratempos, mas Ega consegue marcá-lo para um outro dia, em que estão presentes Carlos, Craft, Alencar, Dâmaso e Jacob Cohen, este último, banqueiro e marido da sua amante, a quem fez questão de homenagear com um dos pratos: “Petits pois à la Cohen”. Discutiram vários temas ao longo do jantar, em que se incluía a literatura e as finanças do país, vítima do deficit, a caminhar rapidamente para a bancarrota. Para Ega Portugal era Lisboa… estava todo entre a Arcada e S. Bento. O jantar acaba e Alencar acompanha Carlos a casa, lamentando-se da vida, do abandono por parte dos amigos e falando-lhe de seu pai, de sua mãe e do seu passado. Carlos por sua vez também lhe fala da família: a mãe fugira com um estrangeiro levando a irmã, que morrera pouco depois, e o pai suicidara-se. E já em casa, antes de adormecer e enquanto aguarda um chá, sonha com a mulher deslumbrante com quem se cruzara à porta do Hotel Central, enquanto aguardava com Craft os restantes amigos para o jantar, alçando os braços proclamou: Abril chegou, sê minha!

 

Capítulo VII

No Ramalhete mantinha-se a mesma rotina, o velho Afonso da Maia jogava uma partida de xadrez com Craft, enquanto o reverendo Bonifácio dormia uma sesta ao pé da lareira sem lume. Carlos, ainda com poucos doentes, trabalha num livro de Medicina. No dia seguinte quis falar com Cruges, mas ele tinha mudado de casa, ficou tão desiludido que esteve para ir até Sintra. Craft em pouco tempo tornara-se íntimo dos Maias, e o mesmo consegue Dâmaso Saucede, com a mania de ser comendador. Tem de vez em quando algumas saídas pouco felizes na presença de Carlos, como quando abandona uma mesa de jogo, ou se riu despropositadamente de um seu pequeno incidente. Considerava Lisboa um chinfrim e só se sentia bem em Paris. Seguia Carlos por todo o lado, conversara com ele sobre as suas aventuras, procurando imitá-lo, mas notava-se que lhe tinha inveja. Por aquela altura Ega estava afastado, tentando organizar um baile de máscaras em casa de Jacob Cohen, apaixonado que estava pela mulher. Carlos tinha dificuldade em encontrá-lo. Dirigiu-se ao Hotel Central, e já no Aterro (hoje avenida 24 de Julho), encontra-se com o ministro finlandês Steinbroken, com quem tem uma longa conversa sobre política internacional, os costumes dos povos, a economia do país, e até sobre Psicologia Social, mas viu uma mulher, que lhe parecia uma deusa pisando a terra e toda esta erudição se eclipsou. Foi para casa. Durante vários dias passou pelo Aterro na ânsia de a voltar a encontrar, e uma vez viu-a, mas acompanhada do marido, era Maria Eduarda. A condessa de Gouvarinho, sentindo-se rejeitada, com o pretexto de se encontrar com Carlos leva-lhe a filha ao consultório, fazendo-a doente. O Ramalhete continua a ser muito frequentado, à noite ouve-se música, joga-se ao dominó. Carlos através de Taveira soube que Maria Eduarda se encontra em Sintra com o marido e Dâmaso, e convida o maestro Crugues a ir lá com ele no dia seguinte no seu break.

 

Capítulo VIII

Carlos da Maia no dia seguinte vai buscar o maestro Crugues no seu break, mas há um contratempo, ele já não morava na Rua das Flores e ainda demora a encontrá-lo. O seu motivo aparente é visitar a verdejante vila de Sintra, aonde já não ia desde os nove anos, mas o motivo real era ter um encontro fortuito com a mulher de Castro Gomes, Maria Eduarda, que julgava ali estar. Após algumas horas de viagem de break, chegam finalmente a Sintra e vão hospedar-se no Hotel Nunes, por sugestão de Carlos, receando que ao instalarem-se no Lawrence’s Hotel se cruzassem de imediato com os Castro Gomes, perdendo o seu encontro aquele efeito de casualidade que ele lhe procurava dar. No hotel dá com o seu amigo de infância, Eusebiozinho, acompanhado por um tal Palma Cavalão, e duas senhoras espanholas, Concha e Lolita, suas acompanhantes. Após um pequeno episódio cómico, em que uma das espanholas se exalta, Carlos e Cruges partem num pequeno passeio pedestre para visitar Seteais. Pelo caminho encontram Alencar, o poeta, vindo justamente daquele local, mas que fez questão de os acompanhar até lá, fazendo aquele caminho pela segunda vez nesse dia. Chegados a Seteais, Cruges, que não conhecia o local, ficou desapontado quando verificou o estado de abandono em que se encontrava a construção, porém, depressa Alencar o reanimou, ao apontar-lhe a beleza da paisagem em redor. Carlos tenta localizar Dâmaso e os Castro Gomes, mas é informado que eles haviam deixado Sintra na véspera. Decide então voltar para Lisboa. A visita ao paço e ao palácio perderam o interesse. Resolveram jantar no Lawrence, para evitarem o amigo Eusebiozinho e seu grupo. Todavia, como tiveram de ir ao Nunes pagar a conta, lá acabaram arreliadoramente por os encontrar. De volta ao Lawrence, onde Alencar os esperava para um jantar especial de bacalhau, preparado pelo próprio, só saíram dali às oito da noite. Depois do jantar sentaram-se no break de regresso a Lisboa, dando boleia ao poeta Alencar, e com isto esqueceram-se das célebres queijadas de Sintra.

 

Capítulo IX

Carlos passou uns dias enfadonhos no Ramalhete, mas veio o Vilaça falar-lhe da venda de uns montados no Alentejo e isto animou-o, pois precisava de dois contos de reis. Entretanto, recebe uma carta a convidá-lo para ir a um jantar no sábado seguinte nos Gouvarinho, e Ega aparece lá por casa a pedir-lhe emprestada uma espada condizente com a roupa que ia levar nessa noite ao baile dos Cohen, que ele ficou de lhe arranjar. Porém, algo mais urgente ocorre, Dâmaso vem ali solicitar a sua presença na casa dos Castros Gomes para observar a menina Rosa, de cinco anos. Os pais tinham saído essa essa manhã para Queluz. Ao chegar lá, Carlos verifica que a pequena já está recuperada e passa-lhe uma receita que entrega a Miss Sara, a governanta. Quando regressa ao Ramalhete empresta a espada ao seu amigo Ega, que faz questão de participar nos anos de Raquel. Sai dali à pressa, e pouco depois, são dez horas da noite, Carlos está a preparar-se para ir também à festa quando lhe aparece Ega mascarrado de Mefistófeles, a dizer-lhe que Cohen o expulsara de casa. Sentia-se ofendido, queria-o desafiar para um duelo. Porém, Carlos e Craft desmotivaram-no, pois razão tinha-a ele, que descobrira o seu caso com Raquel. No dia seguinte, Ega já tinha desistido do duelo e a criada de Raquel Cohen fez-lhe saber que ela tinha sido espancada pelo marido e iam partir para Inglaterra, deixando Portugal. Ega dorme nessa noite no Ramalhete, e, descorçoado, decide deixar Lisboa. Porém, o casal fez as pazes. Na semana seguinte só se ouvia falar mal do Ega, "todos lhe caíam em cima". Carlos vai progressivamente ficando íntimo dos condes de Gouvarinho. Visita a mulher e numa das vezes dá-lhe um beijo apaixonado, mesmo antes da chegada do conde. Depois de ele chegar começam a falar de alta política, da economia e do país. Na despedida o conde trata-o por querido Maia e põe-lhe uma mão à cintura, ele prezaria a admiração que Carlos prestava à mulher.

 

Capítulo X

            Carlos visitava agora regularmente a condessa de Gouvarinho na casa de uma sua tia, ausente no Porto, embora começasse a ficar farto dela. Três semanas depois está a apear-se de um coupé, vindo de casa dela, quando vê Rosa a acenar-lhe do seu coupé com a mãe, que se riu para ele. Ele quer arranjar um motivo para a encontrar e combina com Dâmaso levar os Castro Gomes a ver o bricabraque de Craft. Entretanto, aparece o marquês de Souselas a falar-lhe das corridas de cavalos no hipódromo, a que não podia faltar. Ali o autor descreve bem a alta sociedade lisboeta, apostada em imitar o que se fazia no estrangeiro. Estão presentes nas corridas grande parte das personagens do romance. Ao fim gera-se uma grande confusão. Carlos aposta num cavalo em que pouco apostaram e ainda ganhara doze libras. Durante as corridas Carlos encontra-se com a Gouvarinho, de partida para o Porto ver o pai, que estava mal, propondo-lhe que fosse com ela até Santarém, onde teriam um encontro casual, indo a seguir cada um para seu lado. Dâmaso encontra a seguir Carlos e diz-lhe que aquele encontro que ele lhe propusera com os Castro Gomes não se podia realizar porque o conde partira para o Brasil, onde devia ficar três meses. Esta notícia agradou a Carlos, que mesmo assim acedeu em acompanhar a condessa de Gouvarinho. Contudo, agora só pensava na mulher de Castro Gomes. Sabia que ela alugara uma casa à mãe do Crugues e vai à Rua de S. Francisco para este lhe dizer onde ela morava, mas ele já não vivia lá. Fica fortemente desapontado, mas chega ao Ramalhete e tem lá uma carta da senhora Castro Gomes a pedir-lhe que a visite no dia seguinte por ter em casa uma pessoa doente, melhor notícia ele não podia ter recebido.  

 

Capítulo XI

Na manhã seguinte Carlos levanta-se cedo para ir a casa da senhora Castro Gomes. O criado Domingos é que lhe vem abrir a porta e se prontificou a ir chamar a Sr.ª D. Maria Eduarda. Era a primeira vez que ouvia o nome dela. Ele imaginou que fosse a filha, Rosa, que estivesse doente, mas era Miss Sara que estava com uma bronquite. Foi a criada Melanie que o levou ao quarto da governanta para o deixar mais à vontade. Ela examinou-a e passou-lhe uma receita, dizendo que viria ali observá-la diariamente. Tem uma conversa amena com Maria Eduarda, uma mulher muito atraente e culta, que até tocava piano, sentindo-se os dois muito próximos. Nessa noite Carlos teria de ir até Santarém com a condessa Gouvarinho, ela estava a cansá-lo, começava a odiá-la. Por sorte o conde de Gouvarinho resolvera acompanhar a mulher, e salvou-o desta situação. E por acaso, Dâmaso também estava ali para seguir para o Norte, pois morrera-lhe um tio em Penafiel, de modo que teve todos os pretextos para não os acompanhar até Santarém. Na estação ela apanhando-o sozinho e manifestou-lhe o seu desagrado por o marido à última hora a querer acompanhar. Carlos quando os viu partir respirou de alívio, e antes de ir para casa com o seu coupé ainda passou pela Rua de S. Francisco. Durantes umas semanas frequentou a casa de Maria Eduarda, familiarizando-se com ela. Mas foi perturbado a seguir com uma carta de Gouvarinho a falar-lhe do pai, quando estava farto dela. Mais tarde, num dia em que estava em casa de Maria Eduarda apareceu por lá Dâmaso, regressado de Penafiel, e ele sentiu que a sua privacidade fora violada, ficou mesmo enciumado. Voltaram os dois ao Ramalhete, Carlos fez insinuações sobre a herança que ele ia receber do tio (titi), e Dâmaso insinuou que ele se estava a aproveitar de Maria Eduarda. Perguntaram por Ega, que estava a chegar de Celorico, por saber que os Cohen estavam a regressar de Inglaterra.

 

Capítulo XII

            No sábado, vindo de S. Francisco, da casa de Maria Eduarda, Carlos recolhe-se ao Ramalhete, onde vem encontrar Ega, incógnito na cidade, obcecado por Raquel Cohen. Confessa-lhe que viera com a Gouvarinho, que veio durante tida a viagem a falar dele, e que o conde os convidara para o jantar da próxima segunda-feira. Foram falar com o velho Afonso da Maia, satisfeito por saber que Ega vinha animar aquela casa, que em conversa se queixou da indiferença do país perante a arte. Na segunda-feira Carlos foi ao jantar da Gouvarinho, que parecia bastante enciumada face à aproximação de Carlos de Maria Eduarda. Estava sempre a azucriná-lo com palavras de duplo sentido. O conde, que o cumprimentou pouco depois, mostrou-se satisfeito com a sua presença. Ega com um discurso irreverente e irónico, em que interveio também a baronesa D. Maria da Cunha, conseguiu animar o jantar e dali a pouco, com o pretexto de levar Carlos a ver o seu filho, Charlie, que estaria doente, num sítio mais recôndito Gouvarinho beija-o, mostrando-se reconciliada. Na terça-feira, depois de ter um novo encontro com a Gouvarinho na casa da tia dela, chega atrasado a casa de Maria Eduarda. Aparece por lá Dâmaso, que era um coscuvilheiro, e Maria Eduarda, percebendo que está a ser vigiada recusa-se a recebê-lo. Ele fica furioso, aquilo era uma desfeita. Maria Eduarda confessa então a Carlos que se sente muito observada ali, que gostaria de mudar para num sítio mais isolado. Ela não se sente feliz e despede-se dele com um beijo, ainda que triste. Carlos no dia seguinte foi à procura de Craft, que sabia ter uma casa pouco ocupada nos Olivais, e decide comprá-la. Maria Eduarda hesita, está a romper com tudo, mas acabou por concordar. Viu a casa e gostou, embora com alguns reparos. Carlos consegue convencer o avô a fazer o negócio. Ega soube disso e alertou-o que dali a três meses vinha Castro Gomes, mas Carlos confessou-lhe que estava apaixonado por ela, que o marido a desprezava, e ele lá acabou por aceitar a ideia.  

 

Capítulo XIII

            Carlos estava para sair de casa no coupé, quando aparece o correio com a Revista Dois Mundos e uma carta da Gouvarinho a comunicar que ele já lhe falhara a dois rendez-vous, fazendo-lhe outras recriminações que o deixaram aborrecido. Queixou-se a Ega disso, e perguntou por Dâmaso, que ele já não via há muito, dando-lhe notícia que ele andava por aí a murmurar da sua relação com Maria Eduarda. Carlos ficou-lhe com um asco de morte, com vontade de o matar se ele lhe aparecesse pela frente. Ele não ia esperar pela demora, mas antes era preciso preparar a casa dos Olivais para a mudança de Maria Eduarda, mandando arejar os compartimentos, espanejar os móveis e encher tudo de flores. Foi encontrar-se com Maria Eduarda, mas ela tinha ido passear com Rosa para Belém, deixando-lhe um bilhete. Ao sair dali encontra-se com o poeta Alencar, em que falam da política do país, de Dâmaso e de Ega. No dia seguinte, uma radiante manhã de agosto, Carlos apeou-se do seu coupé para mostrar a casa a Maria Eduarda, que chegaria pouco depois numa carruagem da companhia do marido. Já dentro da casa Carlos vai mostrar-lhe a casa com belos quadros, decorada ao estilo japonês. Ela gostou do que viu. Os anos do velho Afonso da Maia iam ser festejados justamente no dia seguinte, D. Diogo, Craft, Sequeira, Taveira e Steinbrocken não podiam faltar, e ele anunciou-lhes que ia passar uns dias a Santa Olália. Tudo corria bem a Carlos, quando um criado anunciou que estava ali um coupé com uma senhora a perguntar por si. Ele vai lá ter e é a Gouvarinho, entra na carruagem e dão por ali umas voltas, com ela a reclamar por ele não lhe responder às suas cartas. Ela ainda o beijocou, mas aquilo era já um rompimento da relação.  

 

Capítulo XIV

            Um sábado, Afonso da Maia parte para Santa Olália, e Ega para Sintra, atrás dos Cohen. Carlos fica um pouco sozinho. Aborrecido saiu até ao Grémio, onde se encontra com o poeta Alencar e o Taveira, e pode conversar acerca do maléfico Dâmaso e do seu tio Guimarães, republicano, que costumavam acusar de comunista. Contudo, aquilo que o traz mais empolgado é os encontros secretos que tem com Maria Eduarda, está mesmo a pensar em fugir com ela para Itália, embora isso represente para si um problema moral difícil de ultrapassar. Uma noite é surpreendido ao entrar na casa dos Olivais por Miss Sara e fica apreensivo, esteve quase para contar o caso a Maria Eduarda. Lá entrou e esteve com ela na cama. Passaram a encontrar-se todos os dias às nove e meia da noite. Em setembro, Craft, vindo de Santa Olália, encontra Carlos no Hotel Central e fala-lhe do Alencar, do Guimarães do Porto, e do desgosto do avô de não o ver por lá. Carlos decide-se por ir visitar o avô dois ou três dias ao Norte, mas antes ainda quer mostrar o Ramalhete a Maria Eduarda. Ela desvenda um pouco da sua vida, dizendo que a mãe era da Ilha da Madeira e casara com um austríaco, tivera uma irmãzita que morrera, e confessa-lhe que ele era algo parecido com a mãe. Apareceu entretanto Ega, mas ele era como um irmão para si e foi levar Maria aos Olivais. Ega não aprovara a sua ideia de fugir com Maria Eduarda, e estavam ali os dois quando recebe um bilhete de Castro Gomes pedindo-lhe para lhe falar com urgência. Vai ter com ele ao Hotel Bragança, bastante receoso. Depois de uma conversa amena e ele mostra-lhe uma carta anónima que recebera no Brasil, que Carlos percebe ser de Dâmaso, a acusá-lo de ele ser amante da mulher. Ora ele tranquilizou-o logo, dizendo que ela não era sua mulher, mas a viúva de um tal Mac Gren, que trouxera consigo para Lisboa. Carlos ficou furioso ao saber que ela era apenas sua amante, e tentou logo confrontar Maria Eduarda, abandoná-la por aquela espécie de traição, mas quando chegou aos Olivais ela já estava avisada. Ele questionou-a, vituperou-a, mas ela pediu-lhe perdão e justificou-se. Ele estava apaixonado e acabou por aceitar a situação, pedindo-a em casamento.  

  Capítulo XV

            Nessa noite Carlos ficara na Toca, nos Olivais. Logo de manhã perguntara se Maria Eduarda estava disposta a partir, o plano de irem até à Itália mantinha-se e pé. Ela estava recetiva e perguntou à filha, Rosa, se ela gostava de Carlos. A menina respondeu-lhe que não podia gostar mais dele. Maria Eduarda ficou feliz por ela o aceitar como pai e revela-lhe a seguir mais em pormenor toda a sua vida. Carlos está apaixonado e fala ao seu amigo Ega do que tenciona fazer, indo viver por uns tempos para Itália. Porém, este põe algumas reservas ao seu plano, seria melhor adiar o casamento para mais tarde, pois o avô estava velho e fraco, e o desgosto daquele casamento podia apressar a sua morte. Entretanto, foram ali vivendo na Toca uma vida de casados, recebendo até visitas de amigos íntimos, já o não o escondia de ninguém. Recomeça a escrever os seus artigos Medicina literária. Tudo ia bem até que é publicado uma nota no jornal A Corneta do Diabo, denegrindo o passado de Maria Eduarda e a sua vergonhosa relação com Carlos. O artigo era escabroso. Este, com a ajuda de Ega vai junto do Palma Cavalão, editor do jornal, que perante um suborno de cem mil reis lhe entrega a carta que recebera de Eusebiozinho, e Ega logo confirmou que a letra era de Dâmaso. Carlos fica furioso e desafia-o então para um duelo, quer matá-lo. Mas ele era um cobarde e aceitou assinar uma carta redigida por Ega e Crugues a retratar-se, dizendo que estava bêbado quando escreveu aquilo. Carlos deu-se por satisfeito, mas posto perante tal ultraje resolve mais tarde publicar a carta no jornal para ser maior a sua humilhação, e Dâmaso parte para a Itália enxovalhado. O velho Afonso da Maia regressa de Santa Olália. Carlos tem de voltar ao Ramalhete e manda Maria Eduarda regressar a S. Francisco à cada da tia de Crugues, para a ter mais por perto. Ali em casa voltam a reunir-se os frequentadores do Ramalhete, discute-se política e comenta-se a vida social.

 

Capítulo XVI

            Em S. Francisco Carlos ouve Maria Eduarda ao piano, que definitivamente não o quer acompanhar ao Sarau do Trindade, que ele próprio confessa ser uma seca. Vai com Ega ao sarau onde, entre outros vai ouvir o músico Cruges e o poeta Alencar. Mas nessa noite é Rufino, discursando sobre a família real que se destaca. Houve quem dissesse que ele tinha o génio sublime de Demóstenes. Discute-se bastante, Steinbrocken mostra-se admirado por não estar ali a família real. A famosa D. Maria da Cunha também veio animar o evento. Está ali quando se depara com o Guimarães, que lhe vem tirar satisfações sobre a carta que seu sobrinho, Dâmaso, lhe escrevera. A situação é esclarecida, e depois de ele concordar que Dâmaso é um grande mentiroso, acabam por ficar amigos. Crugues toca ao piano mas é um desastre, ninguém o ouve, talvez ninguém o compreenda. Está ali Eusebiozinho, e Carlos ainda lhe vai dar dois abanões por o andar a difamar. Momentos depois intervém Alencar, que declama o poema Democracia e conquista a sala, sobretudo o que se refere à política portuguesa, escrito ao estilo realista, que tanto empolga Ega, e que é agora predominante. Estão para vir embora quando o Sr. Guimarães aparece a Ega a dizer-lhe que tem ali uma caixa que Maria Monforte lhe pedira para entregar à família, e ele já vira Maria Eduarda, que ao contrário do que lhe contara a mãe, era filha dela e de Pedro da Maia. Ele próprio chegara a ser amigo da família, e conta-lhe o episódio da fuga de Maria Monforte com Tancredo, levando consigo Maria Eduarda, ainda pequena, e da filha que os dois tiveram depois em Londres e falecera. Ela chegara a viver num convento. Ega fica chocado com o que ouve, vai para o Ramalhete, Carlos naquele momento estaria em S. Francisco a dormir com a irmã, aquele é um assunto delicado, não se sente com coragem para contar a verdade a Carlos e decide pedir ajuda ao Vilaça, que é procurador dos Maias.

 

Capítulo XVII

            Às sete da manhã Ega foi acordado por um criado com a ideia de ir falar com o Vilaça, mas seria lá ele o homem indicado para revelar aquele horrível segredo a Carlos? Ele sabia era tratar de dinheiros e negócios. Contudo, sem coragem para ser ele a revelar aquele segredo vai ter com o procurador. Ainda teve dificuldade em o encontrar em casa, e quando o encontra ele mostra-se preocupado com a legítima, que cabia por herança a Maria Eduarda. Tem as suas dúvidas, abrem a caixa do Guimarães e lá esta o testemunho de Maria Monforte, é a letra dela. Vai falar a Carlos, que ao ouvir semelhante revelação não acredita e vai ter com o avô para que os desminta, mas ele antes confirma que Maria Eduarda é sua irmã. Em conversa com Ega, Afonso da Maia diz já saber que ele se tem encontrado com ela, e isto deixa-o desolado. Carlos, apesar de saber que Maria Eduarda é sua irmã ainda essa noite vai estar com ela. Era para lhe ir revelar a verdade e ir para Santa Olália, mas não resiste a passar ali a noite, ainda a ama. Afonso da Maia toma conhecimento que o neto continua a encontrar-se e fica desgostoso. Até Ega se sente desiludido com o comportamento de Carlos. No dia seguinte, já o sol ia alto quando é abordado pelo criado Baptista a dizer-lhe que o avô está caído no jardim da casa. Carlos vai lá e verifica que ele está morto, um fio de sangue sai-lhe pela boca. Fica transtornado com aquela morte e dela se culpa. Ega escreve um bilhete a Maria Eduarda a comunicar o facto. Ela mal conhece Afonso da Maia mas envia-lhe uma coroa de flores. O procurador Vilaça trata do funeral, e os velhos amigos de Afonso da Maia vêm ali prestar-lhe uma última homenagem. Carlos está desolado, e depois do enterro decide partir para Santa Olália, o velho refúgio da família, e pede ao seu amigo Ega para revelar toda a verdade a Maria Eduarda, ela tinha direito à legítima, e manda entregar-lhe quinhentas libras. Ega vai falar com Maria Eduarda, que esmagada por aquela revelação parte no dia seguinte para Paris de comboio (trem).   

 

Capítulo XVIII

Nos primeiros dias do ano novo, semanas depois, a Gazeta Ilustrada noticia a partida de Carlos e Ega para Londres com destino à América do Norte. Vieram os amigos despedirem-se ao Tamar. Ega mais tarde envia uma carta ao Vilaça de Nova Iorque. Eles planeavam dar uma volta ao mundo. Passado um ano e meio chega Ega num dia de março, reaparecendo no Chiado todo bronzeado, com ideias de publicar o seu livro Jornadas da Ásia. Perguntou ao Vilaça como estava Carlos e ele disse que ele vivia agora em Paris, nos Campos Elísios, fazendo a vida de um príncipe da Renascença. Nos fins de 1886 Carlos passa o Natal em Sevilha em casa de um amigo, e volta a Santa Olália. Ega com uma angina não o pôde visitar, pedindo-lhe por carta para que voasse até à capital. Com efeito, numa manhã de janeiro de 1887, os dois amigos estão a comer em Lisboa no Hotel Bragança. Ega conta-lhe as novidades: a sua mãe morrera, a Gouvarinho herdara uma fortuna de uma irmã, Alencar tomara agora conta da sobrinha, o general Sequeira Morrera, D. Diogo casara com a cozinheira, Crugues escrevera a ópera cómica Flor de Sevilha, com a qual granjeara reconhecimento, Craft mudara-se para Londres e Steinbroken era agora ministro em Atenas. Carlos achava a gente da cidade molenga e acabrunhada, mas Ega contrapôs que Lisboa fazia toda a diferença, e queria-o levar a ver a Avenida (que iria ser da Liberdade), recentemente aberta. Combinam fazer um jantar no Ramalhete e pelo caminho encontram Dâmaso, casado com a filha de um comerciante falido, era agora ele que sustentava aquela família, e a mulher traia-o. Eusebiozinho casara com uma mulher gorda e desconforme, obrigado pelo pai que o apanhara a namorar numas escadas. Ega confessou-lhe que a política se tornara moral e fisicamente nojenta desde que começaram a atacar o constitucionalismo. Carlos verifica que Portugal não tinha mudado muito, continuava em decadência. Entram no Ramalhete mas ele é agora uma sombra do que fora, grande parte dos tapetes, louças e estátuas, Carlos mandara levá-las para Paris. Agora estavam ali alguns móveis vindos da Toca. Ega quis saber como estava Maria Eduarda, e ele disse-lhe que ela tinha comprado uma quinta em Orléans e ia casar com um tal Mr. De Trelain. Deu aquela notícia como se ela tivesse morrido. Não herdara a legítima, mas acordaram com o Vilaça a que recebesse uma doação de doze contos de reis. Saem os dois do Ramalhete, Carlos está desiludido, a vida era uma treta, nada vali a pena, era os dois vencidos da vida. Já na rua tiveram de correr para apanhar o “Americano”, a que divisaram a lanterna vermelha no escuro.

 

Lisboa na segunda metade do século XIX, vendo-se aqui o então Terreiro do Paço


5º UMA APRECIAÇÃO MUITO GERAL

            Os Maias é um livro extenso e complexo, expoente do Realismo em Portugal, mas ainda com uns restos de Romantismo à mistura, a que não se conseguiu furtar. Aborda com grande mestria a sociedade portuguesa do seu tempo, concentrando-se sobre a cidade de Lisboa, que a representava, e sob os mais variados prismas, embora não fale ainda muito da classe trabalhadora, ali reduzida a criados, governantas e cocheiros. Está repleto de análise crítica social e crítica de costumes. E não é para admirar, pois no fundo o romance é uma mistura de dois trabalhos: Cenas da Vida Portuguesa e Episódios da Vida Romântica, de que andou às voltas com o editor de 1878 a 1888.

            Eça de Queiroz critica tudo, e de forma contundente, impiedosa. Na política fala de políticos medíocres, sempre sob a ameaça do deficit e da bancarrota, até parecia prever que o regime ia desabar na República. Não se apostava na cultura, persistiam as correntes ultrarromânticas, que governavam as coisas pelo sentimento, não pela razão. Na educação também estávamos a falhar, ou era tradicionalista ou estrangeirada. Na imprensa imperava o sensacionalista, o partidarismo, e aceitava-se o suborno. Carlos exclama ao se chegar do estrangeiro que as pessoas lhe pareciam molengas e acabrunhadas. A aristocracia e a burguesia eram ignorantes e ociosas, viviam das aparências, eram provincianas e moralmente pouco exemplares. O país estava em decadência. Contudo, esta mesma crítica se poderia fazer ao país em 2019, com políticos partidaristas, (ainda que alguns tenham assumido lá fora cargos importantes); grande corrupção a todos os níveis; políticas de curto alcance, despesistas, e constante ameaça do défice. E o país continua centralizado, Portugal é Lisboa (hoje estendeu-se mais ao Litoral) e o resto é paisagem. 

            Porém, temos que admitir que o livro analisa a realidade sob a lente obscura do negativismo e do pessimismo. Ele exagera um pouco nas suas críticas à sociedade portuguesa do seu tempo, que indo mal, lá se ia aguentando, afirmando-se à comunidade internacional. O exemplo disso é-nos dado pelo próprio Ega, o alter-ego de Eça de Queiroz, visível no seu aspeto magro e esgrouviado, que usa monóculo e pensa seguir a Diplomacia, acha que nada vale a pena e anda às voltas com um livro constantemente adiado, que era apenas a história de um átomo. Ora Eça de Queiroz, que também usava monóculo e era magro, não era um boémio, seguiu com êxito a carreira diplomática, não escreveu um livro, mas muitos e bons, e achava que a vida valia a pena, casou e teve filhos, prosperou, ainda que visse o país sob um ponto de vista crítico. Ele obscureceu a realidade do seu tempo para obter um mais forte efeito crítico.

            A linguagem que emprega é elegante e precisa, refinada, usa um léxico erudito e cosmopolita, é minuciosa e possui elevado poder descritivo, recorre muitas vezes ao Francês e até ao Inglês, línguas que domina, e a palavras estrangeiras recentemente importadas (estrangeirismos), mas isto estava então na moda, como resultado da industrialização e do progresso. Cultiva a ironia ora com excecional subtileza, ora de forma corrosiva. Recorre a imagens muito sugestivas e originais, a belas comparações e expressivas metáforas. Os diálogos soam-nos com muita naturalidade. O discurso indireto é por vezes livre, confundindo-se o narrador com a personagem. Usa frequentemente o diminutivo para designar as personagens mais desprezíveis, realçando a sua caraterização negativa, emprega bastante o gerúndio, é um inovador.  

            A obra de Eça de Queiroz é muito influenciada pela literatura francesa, e neste livro isto é ainda mais notório, quando se refere à Casa Balzac, nome do fundador do Realismo, de que Eça de Queiroz é seu admirador. Ele apenas está a cortar com o Romantismo e a alinhar com a nova corrente literária, o Realismo, era natural e até legítimo que ali fosse buscar muita sua inspiração. Se pertencesse a um grande país teria uma maior projeção na literatura ocidental. Está escrito de forma intensa, possui um enredo dramático e intrincado, estendendo-se por três gerações, que analisa com grande rigor e profundidade, com uma grandeza ao nível de Guerra e Paz de Leão Tolstói, embora sem grandes batalhas, mas com mais crítica de costumes, ou de Um Homem sem Qualidades de Robert Musil, tratando todos os temos com grande profundidade, mas a que lhe falta o sentido de humor. Os Maias é uma das obras-primas da Literatura Portuguesa e mundial.

            (Ficou grande demais… a precisar de revisão)


01 de janeiro de 2022
Martz Inura

 

  









Nenhum comentário:

Postar um comentário