CHARLES DICKENS
Grandes Esperanças
Tradução de Carmen Gonzales
PUBLICAÇÕES EUROPA-AMÉRICA (1975)
O
HOMEM
Charles
John Huffam Dickens nasceu no dia 7 de Fevereiro de 1812, em Landport, e faleceu em 9 de Junho de 1870, em Higham, na Inglaterra. A sua vida fui muito intensa, e está cheia de altos e baixos. Filho de gente abastada,
teve de sair da escola quando o pai foi preso por dívidas, tendo ainda moço de ir
trabalhar para uma fábrica de tintas durante algum tempo. Mas a sua situação
logo mudou, quando o seu progenitor recebe uma inesperada herança, paga as
dívidas e recupera a liberdade. Em 1827 começa a trabalhar num cartório de
advogados, onde pôde conhecer bem o meio judicial, e sofre um grande desgosto
de amor: o seu namoro com Maria Beadnell foi contrariado pelo pai da jovem,
que não via nele bons princípios. Em
1836 trabalha como repórter em vários jornais e escreve pequenas peças de teatro
com o pseudónimo de Boz. Casou-se nesse mesmo ano com Catherine Hogarth, de
quem teve dez filhos, e de que veio a separar-se em 1858, uma intensa vida social e a morte de dois filhos deteriorou aquela relação. Uma irmã dela, Georgina,
continuou a viver com ele para o ajudar na educação dos filhos. Anos mais
tarde, em plena época vitoriana, com o escândalo que isso representava, passou
a viver com a actriz Ellen Ternan. Em 1837 conhece a notoriedade, com As Aventuras do Sr. Pickwick, saída em
folhetim num jornal durante vinte meses, como então vinham à luz muitas obras. Foi
duas vezes aos Estados Unidos da América, onde promoveu a sua obra. Tinha uma
grande capacidade de trabalho, uma intensa vida intelectual. Assoberbado de
preocupações e canseiras acaba por falecer com um acidente vascular cerebral
aos 58 anos de idade, o mundo perdia prematuramente um dos seus maiores
escritores.
A
OBRA
A obra de Charles Dickens compreende
romances, contos, peças de teatro e ensaios. Sendo um dos autores mais lidos do
seu tempo, em que o romance se estava a difundir rapidamente, a sua importância é estrutural na
Literatura Inglesa, e uma repercussão universal. Para que fiquem realçados
vamos destacar apenas aas seguintes obras:
– As Aventuras do Sr. Pickwik (1836) [Impôs o autor]
– Oliver Twist (1837-1839) [Melodrama sombrio, quase sinistro]
– Nicholas Nickleby (1938-1939) [Entre o cómico e o trágico]
– Um Conto de Natal (Christmas Carol) (1843). [Da sua série de cinco
livros de Natal, que levou à tradição da leitura dos livros no período
natalício]
– David Copperfield (1849-1850) [Romance autobiográfico forte]
– A Casa Abandonada (1852-1853) [De os espaços fantásticos]
– Grandes Esperanças (1860-1861) [A sua obra-prima]
– O Nosso Amigo Comum (1864-1865) [Uma profunda análise da sociedade
vitoriana]
O ROMANCE Grandes Esperanças
– PERSONAGENS MAIS IMPORTANTES
De um filme de 1946. Da esquerda para a direita: Estella, menina Havisham e Pip
– Pip (Philip Pirrip) (Handle): A personagem principal do
romance, que vive com a irmã; Georgina Maria, e o seu marido, Joe. Era órfão de
pai e mãe, a quem tudo acontecia, e tão pobre que até o nome lhe puseram era escasso, anda à procura de si mesmo em auto aperfeiçoamento
–
Menina (Miss) Havisham: Uma menina que chamou Pip para vir brincar em sua para
casa, e que afinal era velha como a terra. Personagem estranha, psicologicamente destruída, algo funérea. A mesa da boda do seu casamento
frustrado mantinha-se posta. Ainda não abandonou o seu vestido de noiva. Os relógios pararam naquela casa naquele momento,
como se tivesse morrido
– Estella: Jovem adoptada em criança pela menina Havisham, que a
sujeita a uma educação esquisita, que a torna caprichosa e extravagante. Tratava
mal os rapazes. Era de uma grande beleza, Pip apaixonou-se por ela
– Sr. Joe Gargery: Casado com a irmã de Pip, e seu grande amigo, com
uma amizade quase paternal. Era ferreiro, de uma grande bondade e estrema afabilidade
– Sr.ª Gargery (Georgina Maria): Irmã de Pip, pessoa nervosa, de
feitio violento, que gostava de educar o irmão com dureza. Depois de ter sido
agredida com um martelo na cabeça ficou mais calma, mas demente, morrendo
precocemente
– Biddy: Jovem que vivia com Joe e a esposa. Simpatizava com Pip e ensinou-lhe
algumas letras. Mais tarde casou com Joe Gargery, já viúvo. Era professora
primária
– Sr. Pumblechook: Tio de Joe. Pessoa interesseira e hipócrita, que tem um armazém de cereais e farinhas, com quem Pip não simpatizava
– Wopsle: Sacristão que também gosta de teatro
– Compeyson: Personagem violenta e caprichosa, ligada a negócios
escuros de colarinho branco. Abandonou a Menina Havisham no altar, aproveitando-se
das suas riquezas. Tinha um ódio de morte a Magwitch, com quem esteve envolvido
– Abel Magwitch: Sócio de Compeyson- Foi condenado de um modo insto, quando colaborou nas negociatas daquele, e desterrado para a Austrália, de onde veio rico. Era o benfeitor de Pip. Foi depois condenado à morte, mas esta não se veio a efectivar por entretanto ter morrido
– Herbert Pocket: Amigo de Pip, que inicialmente lutara com ele em
casa da menina Havisham, e ao fim lhe salvara a vida na casa abandonada.
Prosperou no negócio e casou com Clara Barney
– Drummle: Inimigo de Pip, tipo repelente, de maus princípios, que
lhe vai arrebatar Estela. Morreu precocemente
– Matthew Pocket: Homem de cabelos grisalhos, primo da menina Havisham,
pai de Herbert, casado com a Sr.ª Pocket. Tem muitos filhos e é preceptor de
Pip
– Sr. Jaggers: Advogado de várias causas, administrador de bens,
homem que procura viver alheio aos sentimentos, defendendo qualquer cliente por
dinheiro, não se preocupando muito com a justiça e a verdade
– Wemmick: Escriturário de Yaggers, pessoa servil, que cuida ternamente
do seu pai já velho, mas que se deixa levar pelos princípios amorais do seu
patrão
– Sr.ª Skiffins: Namorada de Wemkick, que casa com ele ao fim
– Orlick: Indivíduo violento e vingativo. Terá agredido a Srª Gargery
com um martelo, e ao fim tenta matar Pip.
– BREVE RESUMO DO ROMANCE
O romance está dividido em três
partes (ou fases):
– Primeira Parte:
Começa com a vida do jovem Pip, de
sete anos a viver com a severa irmã e o afável marido, Joe Gargery. Vai ao
cemitério ver as sepulturas dos pais e a seguir aos lameiros, o ambiente é
calmo, mas e depara-se com um foragido, que o ameaça sob a maldição da bíblia
para trazer ali comida e uma lima para cortar a grilheta a que traz amarrada às
pernas. Ele vai para casa aterrado e lá consegue satisfazes-lhe a vontade,
ainda que possa enfrentar depois a irmã, que é dura com ele. Acaba por
satisfazer o pedido do foragido, mas encontro outro pelo caminho. Há confusão, surgem
aqui o sacristão Wopsle, o tio de Joe, Sr. Plumblechook, o Sr. Hubble e a Sr.ª
Hubble. O foragido acaba por ser recapturado por uma força comandada por um sargento,
que o leva para o navio dos presidiários. Discute-se depois quem terá roubado a
comida, felizmente que não se descobre o culpado.
A seguir, a pedido de Plumblechook,
Pip vai ter de sair para ir brincar com a menina Havisham, que afinal é uma
velha excêntrica, a viver numa casa meia assombrada, a Satis House, junto do que foi uma fábrica de cerveja. A mesa ainda
está posta desde o seu casamento falhado, quando os relógios da casa pararam e
ela como que deixou de viver. É recebida por uma jovem de uma beleza
irresistível, Estella, que o trata com desdém, chama-lhe mesmo campónio. Tudo
aquilo é estranho. Mesmo assim sente-se fascinado por ela. Quando chega a casa caiem-lhe
em cima a irmã, Joe e Plumblechook, mortos por saber o que se passou lá dentro,
já que a casa da menina Havisham permanecia para todos um mistério desde que ela
foi abandonada no altar. O rapaz é tão pressionado que acaba por inventar uma
história qualquer, pois tudo foi tão estranho que ele nem sabia o que dizer. A
irmã, sempre irritada, esteve mesmo para lhe malhar perante as suas
contradições, valeu-lhe aqui o tio.
Joe Gargery vai beber umas cervejas
à taberna Três Alegres Barqueiros, e Pip é mandado pela irmã ir lá buscá-lo de
qualquer maneira. Ele está acompanhado pelo sacristão Wopsle e um por estranho
que possui uma lima, mas não é o preso a quem a deu. Esse estranho acaba por
lhe dar um xelim e dois papéis, que depois se percebeu tratar de duas libras. De
volta a casa eles acharam que era porventura um engano ele dar-lhe tanto
dinheiro, e Joe foi lá devolvê-lo, porém, ele já lá não estava. Pip volta à estranha
casa de Menina Havisham está lá a Menina Pocket, a severa Camila e o primo Raymond.
A menina Havisham fala de um tal Mathew, que só virá ali vê-la numa mesa posta
há anos, quando ela estiver ali morta. Num corredor sombrio é obrigado a uma
luta inesperada com um rapaz que desconhecia (será Herbert, sob instigação de
Estella). No seguimento destas visitas a menina Havisham acha que ele deve ter
uma boa educação e manda chamar Joe para que o rapaz de cultive e dá-lhe 25
libras. Nos dias seguintes lá em casa há certo uma discussão entre Orlick,
ajudante de ferreiro, e a irmã, ela é áspera e não se fica. Pip volta uma vez
mais a casa da menina Havisham mas, para seu grande desgosto, Estella foi
estudar para o estrangeiro. Passa pela taberna dos Três Alegres Barqueiros e
fala-se que algo de grave ocorreu em sua casa. Quando chega a casa a irmã tinha
sido gravemente ferida, sofreu traumatismo craniano. Vem a polícia, mas não se
descobre nada: ela ficou mais calma, mas meia demente. Pip suspeita que quem
atacou a irmã foi o malvado do Orick.
Pip vai de novo aos Três Alegres
Barqueiros e aparece por lá o advogado Jaggers com uma proposta para ele ir
estudar, a proposta vem de alguém, que quer fazer dele um cavalheiro, tem para
ele grandes esperanças, mas há condições a respeitar: ele deve continuar a
chamar-se Pip e não pode saber quem é o seu benfeitor. Há uma conversa comovente
entre Joe e Biddy, que vão privar-se da companhia do rapaz, mas que ficam
felizes por ele estar a subir na vida. Pip recebe dinheiro e manda fazer roupa
de gente fina para se ir embora. Todos agora o tratam por Senhor Pip, passou a
ter um outro estatuto no meio da pequena burguesia da aldeia. Vai despedir-se a
casa de Menina Havisham, ainda bela, que é a sua fada madrinha, e segue para Londres
na diligência.
– Segunda Parte
O capítulo XX inicia a segunda
parte. Pip segue finalmente para Londres, uma viagem de cinco horas, cidade que
esperaria que fosse mais limpa e menos feia, com as ruas mais largas e
direitas. Vai ter com o causídico Jaggers e o seu escriturário Wemmick, indo
dormir num quarto com o Sr. Pocket Junior. Soube então mais alguma coisa sobre
a menina Havisham, afinal o noivo tinha-a abandonado, deixando-a no altar, mas
mantém-se o mistério. Ele agora tem maior estatuto, é Philip e tem visitas
regulares com o seu preceptor, Sr. Pocket, que está satisfeito por o ter como
aluno. A casa dele é uma balbúrdia, tem um rancho de filhos e a mulher parece não
regular bem da cabeça. Pip vai de novo ao escritório do Sr. Jaggers, quer saber
mais coisas sobre si. Ele é muito procurado por clientes, houve falar de negócios
escuros, vê o nível de pessoas que ele defende, e dá com o escriturário
Wemmick. O advogado é muito evasivo, não lhe dá grandes esclarecimentos. Acaba
por ir viver numa nova pensão onde convive com o conflituoso Drummle e o
amigável Startop.
Recebe pouco depois uma carta afectuosa
de Joe, escrita por Biddy, a falar da irmã. Eles estão cheios de saudades dele,
mas ele não os vai visitar, talvez a menina Havisham não gostasse. Chamado por ela, volta à Satis House. Toma
uma diligência, que transposta dois presos nos lugares menos confortáveis. Quando
chega a casa dela dá com Orlick a porteiro, e depara-se com uma criada que
nunca vira lá por casa, e Sarah Pocket. Fala com Herbert Pocket sobre Estrella,
e fica desolado por saber que ela já tem noivo. A seguir encontra-se com o Sr. Jaggers e
fala-lhe de Orick, de que suspeita ter agredido a irmã, e o advogado acaba por
o despedir. Não vai visitar Joe nem Biddy, sendo agora da classe alta, talvez lhe fique mal,
mas vai assistir ao Hamlet representado pelo sacristão Wopsle. Regressa Londres
e vai esperar Estella, a mando da menina Havisham, mas antes que ela venha
ainda vai falar com Jaggers, que lhe esconde alguns segredos. Segue
a tempo de ir receber Estella à estação, vinda de França, e leva-a ao seu destino.
Ela parece-lhe ainda mais bela do que tinha imaginado, mas mantém-se distante e
fria.
Para Herbert, Pip agora é Handel. Até
o seu nome está a crescer, parece que está tudo bem, quando recebe uma carta de
Yaggers a informar que a irmã morreu, e a mandá-lo ir ao funeral. Grabb &
Companhia realizam a cerimónia com os procedimentos habituais. Há o encontro
emocionado de Pip como Joe e Biddy, mas ele não regressa a casa, vai para a
morada do Sr. Hubble, seria mal visto ficar na casa do ferreiro Joe Gargery. Em
Londres volta a casa do Sr. Jaggers, com quem tem negócios a tratar, e fala com
Wemmick, seu humilde escriturário. Mantém uma conversa com ele, mas não
consegue saber quem é o seu verdadeiro benfeitor, pois não é menina Havisham. Estreita
as relações Wemmick, que vive numa modesta casa feita por si, e corteja a menina
Skiffins. Entra no clube dos Tentilhões e dá com Drummle, que se mostrou
próximo de Estella, talvez só para o humilhar.
Está um dia de chuva, volta para
casa e tropeça no corredor escuro com um vulto estranho, fica aterrado, vai buscar
uma vela para verificar o que é, mas não dá por ninguém. Teve o desagradável
pressentimento que fosse o fugitivo que ajudou. Volta à normalidade quando lhe
bate à porta da casa um estranho, mostrando-se familiar, o que o intrigou
bastante. Este é tão intrusivo que está quase a expulsá-lo, quando verifica que
é o preso que em pequeno ajudou a fugir, dando-lhe comida e uma lima. E mais
temeroso fica quando se dá conta que ele é um criminoso, porém a situação
depressa muda, continuando a ser desagradável, quando verifica que ele é afinal
o seu benfeitor. A personagem que quis fazer dele um cavalheiro. Prosperou na
Austrália e chegou rico a Londres para o ver progredir, o problema é que na
Inglaterra continua condenado à morte. Pip vai ter que o esconder em qualquer
canto, é mais uma chatice para si. Reflecte sobre o caso, e pensa que é o melhor
é ele mudar de nome e situação: Magwitch passa a chamar-se Provis e a ser seu
tio, e o melhor, é vai pô-lo a viver numa pensão ali ao lado.
– Terceira Parte
A terceira parte inicia-se a partir
do capítulo XL, com Provis em Londres e a chegada de Herbert a casa. Este fá-lo
jurar perante uma bíblia preta que o não vai denunciar, processo que usa como
amuleto. Só então Provis conta a sua história, e ficamos a saber que ele foi o
tal sócio de Compeyson, noivo da menina Havisham, que andou envolvido em crimes
de colarinho branco com ele. Segundo confessou, Compeyson levou-o a colaborar
em acções ilícitas, que depois em tribunal fez com que bons advogados o
inocentassem, pondo a culpa toda em si. A situação é difícil para Pip, que
pensa que o melhor é levá-lo para o estrangeiro, mas antes pretende falar com a
menina Havisham, talvez com esperança de ver Estella. Vai lá a casa mas
encontra na pensão Javali Azul o seu rival, Drummle, com quem tem uma conversa
desagradável. Este informa-o que vai casar com Estella. Pip vai a seguir falar
com a menina Havisham e dá com Estella, que lhe confirma aquele casamento hediondo.
Ele chora estarrecidas lágrimas de dor sobre as mãos dela.
Regressa a Londres, mas recebe uma
carta avisando-o para não ficar em casa, e vai alojar-se no Hotel Hummus. Entra
em contacto com Wemmick com quem tem uma conversa nebulosa, que lhe fala da
importância dos bens móveis. Na pensão, Provis passou a ser chamado Champbell,
é um nome mais convincente. É ali bem tratado pela Srª. Wimple e Clara Barley,
que também tem ali o pai, já velho. Herbert está enfeitiçado por Clara, e é com
ela que irá casar. Pip resolve dar umas voltas pelo Tamisa num barco a remos e
passa pela pensão, onde está instalado Campbell, que vê à janela. Tenta
distrair-se. Para seu desgosto vai a um teatro onde Wopsle, o sacristão, representa
uma peça de êxito duvidoso, que lhe diz ter visto o foragido dos lameiros.
Enfim, mais uma preocupação para ele, que fica alarmado. Dá uma volta pela
cidade e encontra-se com Jaggers que o convida para jantar em casa dele e tem o
prazer de mostrar os braços musculosos da sua governanta, dignos de admiração.
Dá-se aqui um episódio espectacular,
Pip vai falar com a menina Havisham, Ela está muito grata para com ele e
promete-lhe o ajudar no que ele pedir, e ele pede-lhe apoio par o amigo Herbert.
Ela conta-lhe então a história de Estella, que trouxe órfã para casa para a
criar, os defeitos que tenha são culpa sua. Deu-lhe 900 libras para ajudar anonimamente
o amigo, a troco dos dois guardarem aqueles segredos. Ele diz-lhe que ela deve
perdoar-se a si própria para poder perdoar aos outros. Estão os dois à lareira
e os vestidos decrépitos da menina Havisham incendeiam-se, ele intervém,
tentando apagar-lhe as chamas, queimando-se nos braços. Volta a Londres e é
Herbert que o ajuda a curar-se. Ficam então a saber que Estella era filha de uma
mulher, amante de Magwitch, que foi morta pela ciumenta governanta de Jaggers, esposa
dele, que este defendeu da morte no tribunal. Estava com indícios de ter sido
arranhada pela morta, mas ele fê-la vestir uma roupa que lhe deu aparências
de ser uma mulher frágil, e provou que ela antes disso passara por um silvado,
onde se arranhara, e ainda tinha espinhos das silvas (talvez tivesse fugido por
lá). Naquela confusão, Jaggers fez desaparecer a criança, levando-a à menina Havisham,
que lhe tinha pedido uma para adoptar. Mas foi a governanta que a estrangulou por
ciúmes, ele, quando lhe mostrou os músculos dos braços da sua governanta deu-lhe
a confirmação disso.
Pip vai falar com Jaggers, quer que
ele confirme as suas suspeitas, mas ele é mais uma vez muito evasivo, tem uma
conversa de advogado, não quer comprometer-se, e tenta até justifica aquela
hipotética situação ilícita, como a que melhor convinha a todos. Ao pai que
estava acusado de crime grave e não podia tomar conta dela; à governanta que
era uma mulher de repentes, que fora aquele acesso de ciúmes não fazia mal a
ninguém, e até à pobre criança, (Estella), que ficava com o futuro garantido,
ao ser adoptada pela menina Havisham. Vem ali um cliente a chorar, apresentando
um caso patético, que ele manda de imediato sair, não está para aturar aquelas lamechices.
Pip fica escandalizado com aquela insensibilidade. Mas aqui nem Wemmick
concordou com ele, pois para o causídico Jaggers, ali lidava-se com interesses,
não podia haver lugar a sentimentos.
No meio deste mundo infando, Pip
chega a casa e recebe uma carta para ir aos lameiros secretamente saber algo do
seu interesse. Depois de algumas hesitações segue para lá e fica numa pensão
das redondezas para não dar nas vistas. Por fim segue para os lameiros, bem
conhecidos por si. Passa pelo forno de cal e não vê ninguém. Entra então numa
casinhota que ali havia, à espera de encontrar-se com quem o convidara para vir
ali, numa atitude nada prudente. No meio daquela escuridão, a certa altura alguém
o atinge e perde os sentidos, voltando a si amarado a uma escada. Estava ferido
nos braços, não pode oferecer grande resistência. Só agora vê o perigo que está
a correr. Está ali o malvado Orick, que se diz perseguido por ele, e se prepara
para o matar com um martelo e o desfazer no forno de cal. Fora ele, o vulto com
que tropeçara em casa, quando já tencionava assassiná-lo. Pip já pensa que vai
morrer ali miseravelmente, quando aparece Herbert e Startop que o salvam. Ele
tinha deixado cair a carta em casa e ele deu com ela, e, suspeitando de algo nefasto,
veio atrás dele ver no que aquilo ia dar.
Pip resolve então levar Provis para
Hamburgo, e com ele segue Herbert num escaler apanhar um navio a vapor. Mas o
vingativo Compeyson sabe que ele veio por portas travessas, e anda à sua cata
para o entregar à justiça. Dormem numa pensão perto do rio, Pip pensou ter
visto alguém suspeito andar por ali à volta, mas Herbert tranquilizou-o, e ele aceitou
estar enganado. No dia seguinte, quando seguem no escaler para o navio a vapor,
aparece inesperadamente outra embarcação a persegui-los, acusando Provis de
criminoso. O escaler é abalroado e todos se afundam. Compeyson e Magwitch ainda
lutam debaixo de água. Herbert e Pip são içados para o navio, aparecendo a
seguir Provis, embora bastante ferido. Tinha sido acusado de criminoso e depois
de içado é algemado para ser entregue à justiça. Vai para a prisão e recolhe a
uma enfermaria, onde Pip o vai visitar várias vezes, aguardando o julgamento
até à reabertura dos tribunais. Entretanto, Pip vai ser o padrinho de casamento,
de Wemmicke e da menina Skiffins. Provis é pouco depois levado ao tribunal e
condenado à morte com mais 32 outros réus, não teve safa. Está gravemente doente
e mandam-no para a enfermaria. Pip vai lá visitá-lo, e, vendo que está cada vez
mais fraco, confessa-lhe para o animar que ele afinal é pai de Estela, uma
menina muito prendada e bela. Ele parece estar conformado com o “seu rapaz”, e
pouco depois morre, a execução de pena não é efectivada.
Mas, mais outra desgraça acontece a
Pip, Ele andou tão preocupado com os seus amigos que descurou as suas finanças,
e é surpreendido por uma escolta policial, que o prende por dívidas de 123
libras e 15 xelins. Era a lei do país, o mesmo já tinha acontecido ao pai do
próprio Dickens. Entretanto, adoece com febre e tem de ser internado. Depois de
alguns dias de tratamento acordou finalmente no quarto com alguém sentado ao seu
lado, que mal distingue, tem de olhar bem para ele para se certificar que se
trata de Joe Gargery. Têm com ele uma conversa amena, e conta-lhe que a menina
Havisham morreu pouco depois de se queimar na lareira, e deixou quase tudo a Estella, e só
uma pequena parte a Mathew Pocket. Joe quando o vê restabelecido regressa a
casa, depois de ter pago as dívidas de Pip aos credores. Biddy, em casa, apoiara
Joe nesta acção, quando soube que o seu amigo comum estava em perigo.
Já recuperado, Pip regressa ao Hotel
Javali Azul, onde o Plumblechook se vangloria de o ter ajudado, mas
percebe-se que é declaradamente um impostor. Passa então por casa de Joe e
Biddy, que casaram e são felizes. Despede-se deles e vai ter com Herbert ocupar
o ser seu lugar de escriturário, talvez gerente, numa sucursal que ele tem no estrangeiro.
Onze anos depois regressa ali, vindo do Oriente, porventura rico. Vai visitar de
novo Joe e Biddy, que tem agora um filho em idade escolar, a quem puseram o
nome Pip em sua homenagem. Ele permanece um solteirão que vive com Herbert e
Clara Barney. Nostálgico, segue para cada da menina Havisham, algo o chama ali.
Porém, não encontra vestígios de Satis
House, nem sequer da fábrica de cerveja, foram demolidas, agora aquilo é um
descampado, mas encontra uma mulher, já madura, que depois se apercebe ser
Estella, já viúva de Drummle, e se mostra arrependida pela forma grosseira como
o tratou. Ele fica enlevado com a sua presença, e já não vê “sombra de se
separar mais dela”.
– UMA APRECIAÇÃO GERAL DESTE ROMANCE
Charles Dickens foi um escritor muito popular
no seu tempo, reconhecido mesmo pela Rainha Vitória, é um mestre do suspense,
capaz de fazer humor ou drama ao mesmo tempo, fazer rir e chorar, juntando o
cómico e o trágico. Para além de exímio na escrita era bom orador, chegando a
ter uma companhia de teatro e a ler em público as suas próprias obras, o que é
notável e é testemunha da sua oralidade das suas obras. Grandes
Esperanças é um exemplo disso mesmo, um texto com um estilo corredio e
vivo, ainda hoje com muita frescura. Ele critica o sistema de ensino primário, a
desumanidade no trabalho, o iníquo sistema de justiça, o bárbaro tratamento aos presos, a avareza,
a hipocrisia, a violência, faz uma romagem exaustiva pela cidade de Londres, e fala da alma
humana em tons carregados, num mundo que estava a mudar, foi a consciências
crítica daquela sociedade, como está no seu túmulo na Abadia de Westminster:
“Apoiante dos pobres, dos que sofrem, dos oprimidos…”.
O livro saiu em folhetins,
publicados na imprensa, como era norma na época. O autor não teve oportunidade
de fazer uma análise conjunta do livro, que uma vez escrito já não podia ser
profundamente alterado, não o pôde expurgar de qualquer incoerência ou exagero
que tenha aqui ou além. Está escrito na primeira pessoa, Pip (Philip) é o
narrador, dando vivacidade e realismo ao texto, cheio de tiradas de humor, em
que as personagens nos atraem não só pela sua ternura, mas também pela sua malvadez e perversão, raramente
sendo inteiramente boas ou más. Após uma entrada fulgurante, capaz de
enternecer e nos levar ao riso, na segunda parte é mais arrastado, embora tenha
algumas passagens brilhantes pelo meio, e ao fim parece estar a concluir o
livro muito à pressa, cria um hiato de onze anos e nem dá a esperada ênfase ao
amor entre Pip e Estella, que alguns leitores esperariam ver mais desenvolvido. Ele teria querido prolongar o livro.
Mas mesmo fazendo-lhe estes reparos,
e ainda que algumas partes nos pareçam exageradas ou inverosímeis, por vezes perpassadas de fantástico, mistas de sentimentos contraditórios, ele
descreve-as com tanta convicção e realismos que nos deixamos transportar por
elas, tornadas deliciosas, e antes queremos saber do seu desfecho que pôr em questão a sua
coerência ou autenticidade. No romance estão bem destacados a avareza e
impostura de Plumbechook, a dureza demencial da irmã de Pip, a violência assassina de Orlick, o ódio e a vingança em Compeyson, mas também a amizade em
Herbert, a bondade e a rectidão em Joe ou Biddy, a paciência e a perseverança
em Pip, que, embora dúbio e frouxo, se pretende realizar como homem, sentindo inicialmente algum
desconforto em atravessar as fronteiras das classes sociais da altura. O próprio Magwitch se recuperou civicamente, refazendo-se no cavalheiro que agora é Pip. De destacar frieza e racionalidade em Estella
e Jaggers, a insânia e excentricidade na menina Havisham.
O autor tem um extraordinário poder
de observação, um grande poder descritivo, escreve este romance em pleno realismo, mergulhando bem no
íntimo das personagens, que analisa psicologicamente, atinge em profundidade a realidade social do seu tempo,
a que é muito sensível, , mas está
eivado deliciosamente de algum medievalismo, quer dar ao livro um pendor maravilhoso: aparece com casas
assombradas, personagens envoltas de mistério, segredos por revelar, visões
inexplicáveis, um sentimentalismo ainda ultra romântico nalgumas personagens,
glosa a morte, os cemitérios, fixa-se nos epitáfios (caso dos pais de Pip e da menina
Havisham), o sentimentalismo de algumas personagens é obsessivo, há amores predestinados
(caso de Pip e Estella). Mas toda esta combinação de factores é tão intricada e
intrigante, que devoramos aquele texto quase sem darmos por isso.
Grandes
Esperanças é um romance intenso, com uma acção emotiva, um enredo pouco
previsível no imediato, belas descrições psicológicas, com apontamentos dramáticos, e
inesperados desfechos. À personagem principal, que aqui aparece ainda criança, órfã
de pai e mãe, educado de maneira austera, violentado pela irmã, deparam-se as
mais incríveis situações, algumas bem amargas, que vai enfrentando com perseverança, num mundo
cheio de perfídias e incertezas, feito de mistérios. A casa da menina Havisham,
ainda que sombria, parece toldada de maravilhoso, ele tem lá dentro visões
medonhas, vê acontecimentos inexplicáveis, e a menina Havisham parece
incorporar o fantasma dela própria, pois algo de si morreu depois daquele
casamento falhado. Sejam as personagens boas ou más, reais ou fantásticas – elas
têm de tudo um pouco –, têm muita humanidade, o livro está cheio de
reviravoltas, de paisagens inesperadas, é uma elaboração artística refinada, Charles
Dickens é um mestre da literatura universal.
9/4/2018
Martz Inura
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