BORIS PASTERNAK
O Doutor Jivago
Tradução de Augusto Abelaira
Livraria Bertrand
O
HOMEM
Boris
Leonidovtich Pasternak nasceu na cidade de Moscovo a 10 de fevereiro de
1890, no seio de uma família judia. O pai era professor de Ates Plásticas, e a
mãe pianista conceituada, chamados Leonid Pasternak e Rosa Kaufan. Estudava
música e filosofia em Moscovo, quando os pais o mandaram estudar filosofia na
Universidade de Magdeburgo, na Alemanha. Apesar da sua origem judaica foi
batizado pela sua precetora. Ela o terá introduzido ao cristianismo, embora
fosse dos vinte aos vinte e dois anos que ele se aprofundasse mais nas questões
religiosas. Os pais, apesar da discriminação dos judeus na Rússia de então,
dado o seu elevado nível intelectual e artístico eram bem tolerados.
Durante a Primeira Grande Guerra ele
exerce professorado e trabalha numa fábrica nos Urais, onde recolheria
elementos para o seu romance, O Doutor
Jivago. Escreve poesia, que é bastante bem aceite. Em 1910 assiste com o
pai ir ao funeral de Leão Tolstoi, escritor que o influenciaria bastante. Mas a
família tinha contactos com Rainer Maria Rilke, Alexandre Scribiabin e Sergei
Rachmaninoff. Em 1930 cai em desgraça, acusado de subjetivismo. Ele defendia a
causa dos deserdados, aspirava por uma maior liberdade. Teve algumas dificuldades
com as autoridades do regime, e talvez só por influências benignas escapou de
ser enviado para um Gulag, as tenebrosas prisões do Estado.
Depois de escrever muita poesia
resolveu escrever um romance mais ousado, O
Doutor Jivago, que não foi aceite pela censura. Contudo, uma sua cópia
passou clandestinamente para a Itália, ao tempo, um dos países ocidentais com
quem a União Soviética tinha mais relações. O livro foi publicado em Itália em
1957, e depois nos Estados Unidos, e em diversos países, tendo um sucesso imediato.
Alguém o fez publicar no Ocidente em Russo. O livro era um libelo acusatório,
ainda que ténue, contra a repressão estalinista. Em 1958 é-lhe atribuído o
Prémio Nobel. Ele fica sensibilizado e agradece por carta à Academia Sueca tal
honra, mas pouco depois é forçado pelas autoridades soviéticas a recusá-lo, e envia uma nova carta a recusar o prémio, embora
tivesse muito gosto em recebê-lo. Não foi autorizado a ir recebê-lo a
Estocolmo, mas nem por isso perdeu a honra da sua atribuição.
Esteve casado com a artista Eugénia
Vladimirovna Lourie, de quem teve dois filhos. E depois com a pianista Zinaida Nololaevna
Neigauz, embora tivesse outras amantes. Em 30 de maio de1960 morreria em Peredelkino,
perto de Moscovo, de câncer do pulmão, dois anos depois de ser laureado com o
Prémio Nobel. O romance que o tornara conhecido no mundo só seria publicado na
Rússia em 1988. A casa onde viveu foi a seguir transformado em museu. Em 1989,
o seu filho Eugénio iria a Estocolmo receber a medalha que caberia ao pai. O
livro seria mais tarde adaptado ao cinema por David Lean, com Omar Sharif,
Julie Christie, Geraldine Chaplin e Rod Steiger como principais atores.
A
OBRA
A obra de Boris Pasternak, com pelo
menos dezassete volumes, é constituída sobretudo por coletâneas de poesia,
ensaios, traduções, biografias e um romance. Vamos destacar algumas, de modo a
dar um relance da sua evolução:
–
Temas e Variações (1917) (poesia)
–
Minha Irmã, Vida (1922) (poesia)
–
Salvo Conduto (1931) (ensaio)
–
Infância (1941) (biografia)
–
Nos Primeiros Comboios (1944) (poesia)
–
Fausto de Goethe (1952) (ensaio)
–
Ensaio sobre autobiografia (1956)
(ensaio)
–
Doutor Jivago (1957) (romance)
–
Quando o Tempo Melhorar (1959) (poesia)
Personagens
(Atenção aos nomes, que no romance o autor pode usar qualquer um deles.
Os seguidos de vírgula são o último apelido, pelo qual a personagem é mais
conhecida. Para facilidade de consulta estão por ordem alfabética)
Anna
Ivanovna Gromeko (nascida Kruger): Mãe de Tonia, filha de um
abastado proprietário de Varykino.
Anna Ernestovna: Governanta
de Komarovski.
Amélia
Karlovna Guichard: Viúva de um engenheiro belga. Mãe de Lara e Rodia.
Vivia em Moscovo.
Chura Schlesinger:
Amigo de Jivago que o chama para o enterro de Anna Ivanovna.
Dudorov, Innokenti
(Nika): Amigo de infância de Jivago.
Felitsata
Semionovna: Criada dos Sventitski.
Galiulline, Yousef
Gimazetdinovich: Filho de ferroviário ligado às greves dos caminhos
de ferro, que se junta ao Exército Branco.
Gordon, Micha: Amigo
de infância de Jivago.
Gromeko, Alexandre
Alexandrovich: Pai de Tonia, protetor de Jivago
Jivago,
Yuri Andreievitch Jivago (Iura): A principal personagem do romance. Filho de um
alcoólatra, depois da morte de sua mãe foi viver com o tio Kolia. É uma pessoa
sensível, mas algo retraída. Torna-se médico e entra na Primeira Grande Guerra.
Mais tarde será forçado a acompanhar uma força bolchevique. Casou com Tonia de
quem teve os filhos Sacha e Macha. Apaixona-se por Lara. Na revolução era dos Verdes, isto é, dos que que se
refugiavam na floresta, não queriam pertencer nem aos Brancos nem aos Vermelhos.
Casou uma segunda vez, quando estava decadente, com Marina, de quem tivera Kapa
e Klavia. Muitas vezes é citado como Yuri Andreievitch e Iura.
Kologrigov,
Lavrenti Mikhailovitch: Industrial rico e empreendedor-
Komarovski,
Victor Ippolitovitch: Advogado oportunista e pouco escrupuloso. Dizia-se
amigo do engenheiro belga, Guichard, quando ele era vivo, e depois de sua
esposa, Amalia Carlovna. Abusou de Lara na infância e mantinha com ela uma
relação complexa. Esta chegou a dar-lhe um tiro, e ao fim foi com ele para a
Sibéria para fugir a uma suposta perseguição.
(Lara)
Larissa Fiodorovna Guichard, mais tarde Antipova: Foi abusada por Komarovski,
amigo do pai. Casou com Pacha Antipov e foi amante de Jivago. Teve uma infância
infeliz. Era uma mulher bela e apaixonada, inteligente, capaz de agradar aos
homens. A instabilidade social da revolução levou-a a tomar decisões
precipitadas e perigosas. É designada de muitas maneiras no romance: Lara,
Larissa, Larissa Fiodorovna e Antipova (do nome do marido).
Markel: Porteiro
em casa dos Gromeko, pessoa gosseira, que às vezes se embebedava.
Maria Nicolaievna
Jivago: Mãe de Jivago, morre quando ele era pequeno.
Marina Markel: a
segunda esposa de Jivado, de quem teve duas filhas.
Mikulitsyne, Averki
Stepanovitch: Dirigente soviético em Varykino, pai de Liveri
Nadia Kologrigovna
Kologrigov: Mãe de Lipa, cujo marido é dono de uma fábrica de
fiação, onde Lara é governanta.
Nicolau
Nicolaievitch Vedeniapine (Kolia): Padre progressista que voltou à vida civil, irmão
de Nicolaievna, tio de Jivago.
Olia Diomina: aprendiz
de costureira de Amélia Carlovna.
Pavel Ferapontovich Antipov: Engenheiro de minas nos caminhos
de ferro, pai de Pacha
Pacha
(Pavel Pavlovich Antipov), mais tarde Strelnikov: É filho do
ferroviário, Pavel Ferapontovitch Antipov. Possui um caráter forte e
determinado. Casa-se com Lara. É chamado para a Primeira Grande Guerra, onde é
capturado pelo inimigo e dado como morto. Regressa mais tarde para fazer parte
dos heróis da revolução, onde toma o pseudónimo de Strelnikov. Era um revoltado
contra a antiga sociedade, que o sujeitara a muitas humilhações. Suicida-se com
um tiro na cabeça. No romance é chamado Pavel Pavlovich, Pacha, Antipov
Rodion Fiodorovich
Guichard (Rodia): Irmão de Lara. Seguiu a carreira militar
Rufina
Onissimovna: Advogada que se diz ser muito avançada
Tiverzina, Marfa
Gravilovna: Ligada a Kuprik Tiverzine
Tiverzine, Kuprik: Líder
grevista ferroviário que se torna líder do Exército Vermelho
Tonia,
Antonina Alexandrovna Gromeko: Mulher interessante, mas fria, filha de Gromeko,
casou com Jivago de quem teve dois filhos Sacha e Macha
Do filme de David Lean, Omar Sharif, Geraldine Chaplin e Julie Christie (Jivago, Tonia e Lara)
.
Resumo do Livro
(Atenção, este resumo não substitui
a leitura do livro, serve apenas para facilitar a sua compreensão. Recomenda-se
que se munam de uma lista de personagens, porque o autor usa uma ou outro
apelido do seu extenso nome, e podemos não nos aperceber logo de quem se trata).
Primeira
Parte: O rápido das cinco horas
O romance começa com o funeral de
Maria Nicolaievna, mãe de Yuri Andreievitch Jivago, por volta de 1903. O pai
tinha-o abandonado, dissipando a sua fortuna na Sibéria. O seu tio materno,
Nikolai Nikolaievtch Vedeniapine (Kolia), ex-padre, segue no Verão seguinte com
ele para casa de Lavrenty Mikhailovich Kologrigov, mas para visitar o intelectual,
Ivan Ivanovitch Volskoboinikov. Leva as provas do opúsculo que escrevera sobre
a reforma agrária, influenciada pelo tolstoísmo. Ele sugere logo uma correção. Têm
uma discussão sobre o assunto. Ele está interessado sobre o que seja o estado
laico. O primeiro tem um pensamento já avançado e progressista, enquanto o
segundo possui ideias retrógradas, opõe-se a grandes mudanças.
Iura (Yuri Andreievitch Jivago) está muito contente
por ter ali o tio. Kologrinov
tem duas filhas, Nadia de quinze anos e Lipa de treze. Vive ali também Nika
Dudorov, cujo pai, que era ferroviário, fora preso por terrorismo. Os dois, Nikolai
Nikolaievich e Volskoboinikov estão a falar, quando notam que houve um acidente
ferroviário ali perto. Um homem que seguia no comboio caiara à linha e fora
trucidado – um advogado que o acompanhava espalhara que ele estava embriagado. Vinham
há três dias em viagem. Essa vítima era o pai de Micha Grigorievich Gordon, de onze
anos. Os passageiros vêm ver o cadáver enquanto não chega a polícia. Micha
começa a chorar de compaixão e terror. Nika Dudorov e Micha Gordon, então
quintanista, são dois dos amigos de infância de Jivago. Nika está farto de ir
às aulas, quer trabalhar e ser independente. Têm conversas de adolescentes.
Segunda
Parte: Uma rapariga vinda de outro meio
Acabara a guerra com o Japão. A
viúva, Amélia Karlovna Guichard chegou dos Urais, apoiada por um amigo do marido,
o advogado, Victor Ippolitovitch Komarovski e comprou uma casa de costura em
Moscovo (1905). Ela tinha dois filhos: Larissa e Rodion. Instalaram-se no Hotel
Montenegro. Ele põe Lara a estudar num colégio e manda Rodion para a academia
militar. Na casa de costura dominam Faina Silantevna Fetissova é a adjunta da patroa,
e Olia Diomina, aprendiz. Viviam com dificuldades, e Lara não se dava com a
mãe.
No outono eclodem agitações no centro ferroviário de Moscovo. O contramestre Pavel
Ferapontovich Antipov e o engenheiro de minas, Fuflyguine, estão a organizar
greves. Kipriane Salevievitch é um agente revolucionário que os apoia. Eles
conversam sobre a distribuição de terras que se perspetiva. Kipriane protege no
trabalho um tal Olissipo Yusupa Gimazetdinovich Galiulline.
São contra o sistema
da Rússia Imperial. Bem, Pavel Ferapontovich acaba por ser preso, a sua mulher,
Daria Filimonovna, está no hospital, e o filho, Pacha, que era ainda uma
criança, teve de ir viver para casa dos Tiverzine, pessoas cultas e progressistas.
Nikolai
Nikolaievich Vedediapine (Kolia) não está a gostar de Moscovo e vai para
Petersburgo, deixando o sobrinho, Jivago, aos cuidados de uns familiares, Alexander
Alexandrovtich Gromeko e da sua mulher Anna Ivanovna. Eles têm uma filha, Tonia.
Nikolai Nikolaievich fala com Vyvolotochnov sobre o que fazer da Rússia, eles
têm servido a Rússia Imperial, querem que ela se modernize, se atualize. Agora
quando vem a Moscovo fica em casa dos Sventistki.
Em
Moscovo vive o solteirão Victor Ippolitovitch Komarovski com a sua governanta
Anna Ernestovna. Protege Amélia Karlovna Guichard, mas faz a corte à filha,
Lara. Esta é uma colegial e sente orgulho em ser cortejada. Contudo, a partir
de certa altura sente-se desconfortável, prisioneira dele, e não sabe como se
libertar da sua influência. Komarovski diz mesmo que ela deve confessar tudo à
mãe e os dois casarem. Mas ela não aceita, há entre ela e Pacha (Pavel Pavlovich Antipov) uma relação.
Em
Moscovo a casa de costura e Amélia Guichard é obrigada a fechar para aderir à
greve. Lara decide não voltar a ver Komarovski, que a persegue. Os Gromeko
organizam um concerto em casa. Komarovski e Lara encontram-se lá dentro, denotando
alguma intimidade. É a primeira vez que Jivago vê Lara. De repente o espetáculo
foi interrompido. Houve um incidente num quarto de hotel, Amélia Guichard tenta
o suicídio. É Fadei Kazimirovitch que ampara agora a família Guichard.
Terceira
Parte: A árvore de Natal dos Sventitski
Certa vez, no inverno, em 1911,
Alexandre Alexandrovitch Gromeko ofereceu um guarda-roupa a sua esposa, Anna
Ivanovna, mas ela mexe-lhe e fica debaixo dele, magoando-se, tendo de vir o
porteiro, Markel, ajudá-la. Anna Ivanovna em novembro vai parar ao hospital com
uma pneumonia, e na Primavera seguinte, Jivago concluirá Medicina, Micha (Mika)
Filosofia, e Tonia, Direito. Jivago descobre que tem um meio-irmão, Evgraf,
filho do pai e de uma princesa.
O autor tem de voltar a 1906 para explicar
o percurso de Lara, fugindo à perseguição de Komarovski. Através da sua amiga,
Nadia, vai trabalhar como governanta para casa de Lavrenti
Mikhailovitch Kologrigov, marido de Nadia Kologrigovna. Apoia a sua filha Lipa,
e tratam-na com familiaridade. Ao fim de algum tempo é visitada pelo seu irmão
Rodion, que anda metido em problemas. Arranja-lhe os 690 euros que ele lhe
pediu e retira-lhe uma pistola, com que se podia suicidar. Porém, aquela vida
de governanta não lhe agrada. Era uma jovem cheia de vida, com necessidade de se
realizar como mulher.
Quando os Kologrigov vêm
da sua propriedade rural para Moscovo, já em 1911, resolve despedir-se, pedindo
dinheiro a Komarovski. Lara, antes vai falar com Pacha, insistindo para que
casem imediatamente. Ele concorda. Vai então a casa de Komarovski, mas verifica
que ele está na festa de Natal dos Sventitski, e é para lá que se dirige. Ele
tem de lhe emprestar o dinheiro. Komarovski está por lá sentado, ignorando-a
ostensivamente. Lara, que levara a pistola que apreendera ao irmão, de repente dá-lhe
um tiro. A sua sorte foi que a bala só apanhou de raspão o promotor de justiça,
Kornakov, que processara Kipriane Tiverzine, pai adotivo de Micha. Lara desmaia.
Jivago e Tonia estão presentes, e só depois se aperceberam que ela quis matar
Komarovski, não o procurador de justiça. A coisa é abafada, Komarovski não
queria escândalos.
Jivago quis prestar
assistência à enferma, prostrada no chão, mas notando que era Lara,
intimidou-se, e foi tratar do tal Kornakov, pois afinal ele era ali a verdadeira
vítima, e dada a sua posição convinha ser bem tratado. A ferida era superficial
– tranquilizou-o. E está ali à volta dele, inquieto, quando a Sr. Sventitski e
Tonia o cercam e lhe dizem que aconteceu algo lá em casa, que têm de regressar
imediatamente. Saem, e quando lá chegam, Anna Ivannova Gromeko tinha falecido. Quando
ela estivera doente e Tonia e Iura a vieram visitar, pedira-lhes para que nunca
se afastassem um do outro. Depois o enterro. Jivago recorda a morte da mãe. É
Chura Schlesinger que o chama para o enterro porque ele dormira mal e não
acordava.
Quarta parte:
Prenúncios de Tempestade
Komarovski ainda teve
que se bater com a polícia para parar as investigações. Vai a seguir a casa da uma
advogada sua conhecida, Rufina Onissimovna, e arranja-lhe lá um quarto. E a
seguir um lugar de professora em Iuriatrine. Quando esteve doente, o antigo
patrão Kologrinov veio visitar Lara e incentivou-a a sair daquele quarto e
acabar os seus estudos. É um mecenas, dá-lhe ainda 10.000 rublos para ela se
governar. Lara conclui a seguir os seus estudos universitários. Pacha tinha
sofrido muito durante a sua convalescença e casam à pressa. Fazem uma festa de
despedida, em que está presente Komarovski, armado em pai dela, e partem os
dois para Uriatrine, nos Urais.
O outro casal: Tonia e Jivago, também casam. Ele exerce
medicina em Moscovo, onde os hospitais estão sobrelotados devido à Primeira
Grande Guerra, em que a Rússia intervém. Têm uma vida normal, e ela acaba por
ter um filho, Sacha, contudo, ele não sente motivo de orgulho nessa
paternidade. Lara fica a viver com Pacha Antipov em Uriatrine, mas as relações
entre eles começam a definhar, ao ponto de ele pensar em a deixar, mas em vez
disso resolve oferecer-se para a guerra. Lara fica com Katia (Katenka) e começa
a trabalhar como enfermeira no hospital militar de Uriatrine.
Estava-se em guerra, e Jivago é colocado num
hospital militar de retaguarda, em Galícia, onde chegou um comboio sanitário bem
equipado, graças aos donativos obtidos pela princesa Tatiana. Nesse comboio
vinha Micha Gordon, o amigo de infância de Jivago. Espalha que o batalhão de Pacha
(Pavel Pavlovich Antipov) caiu numa brecha do exército Austro-húngaro e foi
morto. A notícia vinha do alferes Galiulline (Yousef Gimazetdinovich), filho de
um ferroviário. Lara vai trabalhar para os hospitais militares da retaguarda, na
esperança de encontrar Pacha Antipov.
Certo dia Micha Gordon vem parar àquele hospital e
encontra-se com Jivago, diz-lhe que os alemães estão a entrar na frente russa e
conta-lhe toda a sua odisseia. Há aqui uma discussão controversa sobre política,
religião e os judeus (pág, 133 e seguintes). E algo inesperado aconteceu: caiu
uma bomba e feriu Jivago. Ele vai ser hospitalizado noutro hospital, onde se
vai encontrar com Lara, que é lá enfermeira. Naquele hospital também está
internado Galiulline, que traz novas da frente, mas eles não têm coragem de lhe
dizer que ele morreu. Pouco depois é ali noticiado que se estão a passar coisas
graves em Petersburgo, as tropas do Exército Imperial estão a passar para o lado
dos rebeldes, o país está a entrar na Revolução.
Quinta parte:
Adeus passado
Jivago recupera a saúde e trabalha agora em Meliuseiv,
onde tem contactos frequentes com Lara e Galiulline. A cidade estava ligada a
Zybuchino, que se separou, tornando-se uma república, que depois caiu. Mais
para a frente, para onde vai, já na zona de combates, o exército prepara uma
ofensiva, restabelece a pena de morte, há muitos desertores, uma grande
desorganização. Jivago sai dali sem ser visto e volta a casa da condessa, onde
Lara está no hospital de retaguarda, e a vida flui. Eles têm ali imenso
trabalho. Vivem no mesmo corredor, na casa da condessa Jabrinsky. Há noite
realizam-se comícios. Ele tem com Lara uma conversa sobre o que se espera da
Rússia. Um comissário dos rebeldes apareceu por ali a aliciar os desertores. A
guerra está a aproximar-se, está tudo a fugir, até Galiulline. Mademoiselle
Fleury, que era governanta dos Jabrinsky, houve barulho e vem ver o que se
passa, todos fugiram. No hospital já não havia direção nem enfermeiras.
Na estação de caminho de
ferro de Meliuseiv era telegrafista Kolia Frolenko, que quer falar com o
comissário político que vem ali um comboio. Este chega pouco depois com uma
força de cossacos para prender os desertores, e contra o que é esperado, de
repente os cossacos estão a confraternizar com eles, desertando também do Exército
Imperial. Ergue-se ali a voz de Hinz, um comissário do Governo Provisório, que
se opõe aos sovietes, a exortar os soldados para a guerra, acabando por ser
morto por eles. Mademoiselle Fleury liga pelo telégrafo para a estação com modos
autoritários, e diz para receberem bem o Dr. Jivago e o apoiarem no que fosse
preciso.
Antes de partir, Jivago foi despedir-se de Lara,
confessando-lhe os seus sentimentos. E lá partiu num comboio extraordinário
para Moscovo. Ela seguiria noutro para Iuratrine. A partir de determinada
altura o comboio ia às escuras, existia lá dentro uma grande barafunda. O Dr.
Jivago pensou em Tonia, e no sacrifício que ela fazia para educar o filho, e em
Lara, por quem se esforçava em não a amar. E novas notícias corroboram que
estão em plena revolução, a Rússia está de pernas para o ar. De madrugada
verifica que vai sozinho na carruagem com um caçador revolucionário, que lhe dá
um pato bravo. Levou-o para Moscovo para o oferecer à mulher.
Sexta parte:
Repouso em Moscovo
Em Moscovo Jivago apanha
uma sege para casa. Encontra a mulher, Tonia, e o filho Sacha. Vem ali visitá-lo
o tio, Nikolai Nikolaievitch Venediapine. Tonia apresentou-lhe o filho, que
Jivago só conhecia de fotografias. O menino, que nunca o tinha visto, rejeitou-o,
perante o espanto da mãe. No jantar apareceram Micha Gordon, Innokenti Dudorov,
o sogro, Alexandre Alexandrovitch Gromeko, o tio Kolia (Nikolai Nikolaievich
Venediapine). Estão apreensivos com a situação. O sogro e o tio conversam sobre
o destino da Rússia. Há prenúncios da revolução.
Jivago voltou para o
hospital e preparam-se para o frio. Na rua há muita criminalidade, assiste a um
assaltado e leva o ferido para o hospital. O confronto entre as forças do
Governo Provisório, dos Brancos, e as dos Comités Soviéticos, ditos Vermelhos,
está a pender para estes últimos. Sai uma noite e compra um jornal, onde se lê que
se está a formar um Soviete dos comissários do povo e se vai instaurar na
Rússia o poder soviético e estabelecer a ditadura do proletariado. Há frio e
fome em Moscovo. No prédio realiza-se uma reunião do condomínio e o Jivago
deteta uma pessoa com o tifo. É preciso levá-lo dali, mas para o transportarem
é um problema, é preciso autorizações para tudo. Jivago com a mãe de Galiulline
e Diomina
A situação começa a
melhorar lá por casa, há mais abundância de produtos alimentícios na cozinha, Jivago
estranha esta abundância, e Tonia confessa-lhe que é o seu meio-o irmão Evgraf
Jivago, de Omsk, que os está a ajudar. Mas a insegurança na cidade aumenta, os
confrontos são cada vez frequentes e violentos. É-lhes recomendado pelo meio-irmão
a conveniência de sair das grandes cidades, e os dois resolvem em abril ir viver
para Iuratrine, nos Urais, onde os pais de Tonia tinham uma propriedade em
Varykino, e há boas hortas e grandes florestas.
Sétima parte: A
viagem
Preparam a viagem em
segredo para Iuratrine, já em março. É difícil arranjar bilhetes. Os tifosos,
por não terem lugar nos hospitais estão instalados nas estações. Jivago assiste
ainda a um doente do conselho superior de Economia. É preciso saber o que levar
para a viagem. Partem para Iuratrine: Jivago, Tonia, Niucha e Sacha. Markel, o
porteiro dos Gromeko, está bêbado. Na estação é uma confusão enorme. Partem num
comboio de 23 carruagens para uma viagem de três dias. Quando o comboio para
nas estações aparecem camponeses a vender os seus produtos aos passageiros. No
comboio vivem-se situações dramáticas. Há carruagens com presos. Fazem-se
frequentes inspeções às bagagens. Estão ali Kostoied, Pritliev, Votoniuk,
Tiagunova e Vassia. Uma noite o comboio para bloqueado pela neve.
Chegam por fim a Nijni
Helms e encontram a estação incendiada, bem como a cidade à volta. Os carris
estavam cobertos com uma grande camada de neve, havia o perigo de
descarrilamento. Surpreendentemente, aparece o chefe da estação para os apoiar.
Vão arranjar pás para desobstruir a linha, os passageiros ajudam, revezando-se.
Fazem o trabalho em três dias. Entre os passageiros haviam quem dissesse que os
Brancos se preparavam para capturar Iuratrine. Fala-se de Sternikov, um
comandante soviete implacável. Tiagunova e Vassia fogem do comboio para uma aldeia.
É primavera, o comboio parou para se reabastecer. Jivago
sai, e, quando vem a sentinela de segurança ao comboio leva-o à carruagem do
comando soviético que ali vai. Olha pela janela e verifica que está a chegar a
Iuratrine. E está ali à espera de ser interrogado, quando aparece Strelnikov,
que reconhece ser Antipov, marido de Lara. A mulher está lá, mas ele usa um
pseudónimo, e nem a visita. Naquele período era notória a existência dos
Brancos do Governo Provisório, dos Vermelhos do Poder Soviético, e dos Verdes,
os que não queriam pertencer nem a uns nem a outros, e se embrenhavam na
floresta.
Oitava
parte: A chegada
Chegaram a Iuratrine, mas estavam ainda
longe da estação. Tinham destruído uma ponte e tiveram de se desviar para outra
linha. Entretanto, atrelaram mais carruagens. Jivago fala com Anfimo Yefimovich Samdeviatov sobre marxismo
e ciência. Têm uma conversa acesa e enriquecedora. Ficam logo amigos, ele irá
ajudá-los muito em Varykino. Jivago diz que a ciência exige experimentação, não
dá para deduzir o marxismo. Samdeviatov considera o marxismo uma necessidade
histórica. Jivago, que ao princípio via a revolução com certa simpatia, está
desencantado, por ela espalhar o terror e a violência por onde passa.
Anfimo Samdeviatov fala para
Jivago com uma grande familiaridade, chama-lhe Iurotocha, e ri-se das suas
opiniões ousadas. Conta então a história de Liveri Averkievitch Mikulitsyne, do
Instituto de Tecnologia de Petersburgo, que veio para Iuratrine, onde arranjou
um lugar na empresa dos Kruger e se casou com a mais velha das irmãs Tuntsov, Agrippina.
As outras eram Evdokia, Glaphira e Serafima Severinovna. Ele é agora o
dirigente soviete da cidade. Os Jivago vão a seguir de Iuratrine para Varykino,
e é Samdeviatov que telefona para a estação e pede para que sejam bem recebidos.
Estão em plena revolução, há que ter muito cuidado. Na estação está um carroceiro
para os levar ao seu destino.
Quando chegam a casa de Mikulitsyne
este fica desorientado. Não queria ali aquelas visitas que só lhe iriam causar
problemas. Aos Jivago bastava-lhes um palheiro e um pouco de terra para sobreviverem
naquele ermo, mas mesmo isso lhe podia causar embaraços, ele não queria desagradar
aos Vermelhos. Por fim, lá os manda entrar. Agora a terra era do Estado, quem a
cultivasse sem autorização estava a roubar – outra complicação. As duas famílias
conversam e conhecem-se melhor. Mikulitsyne lá os acondiciona o melhor que pode.
Os dois falam de Antipov e Strelnikov. Ali ao lado, na Sibéria, um exército
Branco da Assembleia Constituinte ainda faz frente aos Vermelhos.
Nona parte: Varykino
Ficam a viver com Averki Stepanovich Mikulitsyne, um revolucionário
sincero, da confiança do Soviete Municipal de Iuratrine. É-lhes destinado as
traseiras da casa senhorial. Cultivam ali legumes e batatas, entre outros
produtos. Depois se apercebe que está naquela casa porque tem a proteção de
Samedevietov. Jivago quer ficar incógnito como médico, mas algumas pessoas
ainda o procuram, trazendo-lhe ovos e galinhas como paga. No outono colhem
alguns produtos agrícolas, até beterraba. Para complicar mais a coisa, Tonia aparece
grávida. Estava a ler Eugénio Onieguine de Pushkine, quando Samdeviatov vem
conversar com ele. Falam sobretudo do tempo, de assuntos triviais.
Chega a primavera, lê os seus
trabalhos e é visitado pelo seu meio-irmão Evgraf Jivago, que mal conhece. Passa
a visitar a biblioteca de Iuratrine. As pessoas estão por aí muito constipadas.
Vê passar Lara na biblioteca, e pelo livro de requisições consegue saber a sua
morada. Poucos dias mais tarde consegue dar com ela em casa. Falam de
Strelnikov, que ela confessa, afinal ser Pacha (Pavel Pavlovich Antipov). Fica para o jantar. O marido não a visitou, e é
Galiulline, dos Brancos, que a tem ajudado. Falam dos valores da revolução e
dos judeus. Jivago anda desgostoso com esta situação. Ainda ama Tonia e tenciona
deixar Lara e confessar tudo à mulher. E está com estes propósitos quando
aparece uma patrulha do exército Vermelho da “Irmandade da Floresta” de Liveri
Averki Mikulitsyne (Livka), que o leva à força para a sua campanha na
Sibéria.
Décima
parte: A estrada grande
O poder continua repartido entre os
Sovietes e o Governo Provisório. Há cidades na posse de uns, e cidades na posse
de outros. Param em Khodatskoie, onde a linha está interrompida. O almirante
Koltchak está agora no comando dos Brancos. Jivago encontra-se com Galiulina, lojista de uma loja de três janelas. Ela diz-lhe
que quem manda na cidade é Tiverzine, Antipov, e o anarquista Vdovitchenko. Celebra
a Páscoa, embora tenha uma grande aversão à burguesia. No domingo ela vai rezar
à virgem, a população continua a manter a sua religiosidade, numa sociedade
cheia de contradições. Muitos médicos foram mobilizados pelos sovietes e
colaboram por medo. Há uma reunião em casa da Galiulina, estão ali Tiverzine,
Vdovitchenko e Kostoied, eles querem informações sobre os Brancos para fazerem
as suas sabotagens.
Numa aldeia ao lado,
está o coronel Streese a recrutar pessoal para a guerra. A população
preparava-se para festejar a Páscoa. Eles não acreditam nas conquistas da
revolução. Aparece então por lá um grupo de cossacos bolchevistas que tentam
conquistar a aldeia para o seu lado. Vlas Pakhomovitch é um dos que está mais
entusiasmado com esta mobilização. Falava Terenti Galiulline, quando houve uma
denotação e a confusão se estalou. Alguns rebeldes estavam bêbados a dormir nas
casas. A aldeia começou a arder, e era quem mais fugia. O sino de campanário de
Ermolai tocou a rebate. Kostia Nekvalenyky e Terechka, fugidos daquela
confusão, observam de longe à espera que aquilo tudo acabe.
Décimo primeira parte: A milícia da
floresta
Jivago estava prisioneiro dos
revolucionários, que tinham falta de médicos e o levavam à força. Ele não
estava com algemas, mas era vigiado veladamente. Era um perigo, mas ia tentar
fugir. Já o fizera três vezes e falhara, arranjando desculpa para o seu afastamento.
Eles dirigiam-se para a Sibéria conquistar os últimos redutos de resistência do
Exército Branco. Deslocam-se continuamente. Em Nijinsky os revolucionários
assaltam uma farmácia e Jivago colabora com eles. Caíra nas boas graças do
comandante Liveri Mikulitsyne que o obriga a dormir na sua tenda. Já andavam
naquilo há dezoito meses. Os médicos, segundo a convenção de Genebra não podia pegar
em armas, mas ele uma vez em desespero de causa teve de utilizar uma que caíra
a um ferido para salvar a sua vida.
No outono os Sovietes ocupam um
bosque num cimo de uma colina, que fortificam. Jivago partilha o abrigo de
Liveri Averkievitch Mikulitsyne.
Conversam sobre vários assuntos e alerta-o para o consumo excessivo que ele
está a fazer de cocaína, que lhe tem desaparecido. No verão de S. Martinho
Jivago encontra-se com o Dr. Lajos para reorganizarem a farmácia. Começam a aparecer
doentes mentais. Estão à espera das famílias dos revolucionários que vêm atrás
de si com os seus trapos e cerca de 5.000 vacas. Pelo caminho descobre uma
conjura para matar Liveri, e fica revoltado. Mas depois, ainda mais enojado,
quando constata que havia nela um agente infiltrado. Aquilo foi só um pretexto para
incriminar alguém. Bem, ele não podia continuar ali. Foi visitar Pamphile
Palikh, que matou um jovem sem qualquer motivo e andava desnorteado.
Décima
segunda parte: A sorveira gelada
Ficam ali algum tempo à espera das
famílias. Liveri aborrece Jivago com as suas ideias salvíficas do seu socialismo
e o seu acentuado narcisismo. Um grupo de onze conspiradores apanhados na
conjura e dois enfermeiros que estiveram envolvidos num escândalo foram
executados. Foi um espetáculo deprimente. O jovem Terechka Galuzine foi um dos
últimos a morrer. Reinava alguma desorganização no estacionamento, as pessoas
estavam a perder a lucidez. Liveri vai de vez em quando à taiga, e Jivago
começa a pensar em fugir. No princípio do inverno o acampamento sofre algumas
contrariedades. É mesmo cercado pelos Brancos
Liveri discutia com Svirid, seu
adjunto. Este não estava satisfeito por ter sido condenado Vdovichenko, cujo
único crime fora o de se opor a ele. O comandante dos Brancos Koltchak está a
cercá-los, mas eles conseguem fazer uma abertura na taiga e escapam, indo acampar
noutro local. Jivago fala de modo divertido com a curandeira Kubarikha, que ali
trabalha. O inverno instala-se, os Brancos acabam por ser derrotados. Jivago
fala vivamente com Liveri. A noite cai, a Lua brilhava e ele foge do
acampamento. Ainda foi parado por uma sentinela, mas ele sabia o santo e a
senha: a Sibéria vermelha tinha de responder: Abaixo os intervencionistas.
Décima
terceira parte: Defronte da casa das estátuas
Em Iuratrine os Brancos abandonaram
a cidade aos Vermelhos. Estes afixam-se avisos por todo o lado. Os cidadãos têm
de ter livrete de trabalho, e quem for apanhado com açambarcamentos pode ser
fuzilado. Jivago chega à cidade e vai primeiro a casa de Lara, não de Tonia.
Encontra a chave num buraco, que lhe era familiar. Ela tinha deixado ali uma
carta dizendo que fora a Varykino. Jivago depois daquela fuga estava com mau
aspeto, e foi pedir uma tesoura para cortar o cabelo a uma casa de costura, e cortaram-lhe
lá o cabelo, era uma Tuntsova. A casa das estátuas estava cheia de avisos dos
Sovietes. Tonia já não estava na cidade e ele não sabia dela. Quando voltou a
casa de Lara e pegou outra vez na carta verificou que no verso dizia que Tonia
tinha ido para Moscovo com os filhos e o pai. Tinha tido uma menina, e ela
própria assistira-a no parto. Ele ao ler isto teve um desmaio.
Jivago fica doente. Ainda mantem a
mesma paixão por Lara, que, entretanto, chegara e estava a tratá-lo. É uma mulher
muito inteligente. Fala como Platão. Lara confessa-lhe os seus bocados maus com
Komarovski e ele declara-lhe o seu amor. Contudo, ela diz que ainda ama
Strelnikov, embora ele tenha ido para a guerra para fugir dela. No verão Jivago
recupera a saúde. Pensam em ir para Varykino, que está quase deserta, e onde há
lobos a rondar as casas. Lara pensa deixar a filha, Katia (Katenka), a
Simatuntsova. Esta última mantém a sua fé, fala-lhes da Bíblia: está num tempo
anterior. É então que chega uma carta para de Tonia para ele com cinco meses de
atraso, que andou por lá perdida. A carta escreve toda a sua odisseia e diz que
ela teve mais uma filha, a quem chamou Macha, em homenagem à mãe dele, Maria
Nicolaievna.
Décima
quarta parte: De volta a Varykino
De volta a Varykino passam pela casa
de Jivago, que estava desventrada, e vão para a de Mikulitsyne. Lara e Jivago
passam naquela casa por pum período muito feliz. Mas aparece uma noite por lá
Komarovski, nomeado Ministro da Justiça num estado fantoche da Sibéria, e
convence Lara que ela e a filha correm grande perigo. Strelnikov foi morto, após
denúncia, e a seguir será ela. Jivago perante tais factos diz que o melhor é
ela e a filha irem com ele para a Sibéria, que ele depois irá lá ter. Komarovski
fala da Mongólia e acha que Jivago também se deve exilar. Este não acredita
muito no que ele lhe diz, mas deixa Lara partir, não quer ser a causa da sua desgraça.
Jivago fica em Varykino, não sabe se
há de ficar ali ou ir para Moscovo. Naquela solidão, passa por momentos
difíceis. E está em casa quando chega ali um desconhecido, que vendo melhor,
era Strelnikov. Afinal ele não foi morto, foi apenas falsamente denunciado,
embora saiba que não tem safa nestas circunstâncias, tem muitas invejas contra
ele. Strelnikov explica-lhe que o fez aderir à revolução foi a maneira como
durante toda a vida fora humilhado pela classe dominante. Falam de Lara, e Jivago
descreve-lhe o enorme elogio que ela lhe fizera, dizendo que ainda o amava.
Jivago vai dormir e de manhã acorda e vai chamar Strelnikov para o café.
Procura-o, e encontra-o cá fora na neve, morto com um tiro na cabeça: ele
suicidara-se.
Décima
quinta parte: O fim
Jivago volta a Moscovo com um rapaz
que encontrou pelo caminho. Foi vendendo a sua melhor roupa para subsistir. Quando
chegou à cidade ia com um capote, parecia um soldado maltrapilho. Era clara a
sua decadência, física e moral. Perdera a mulher e a amante, deixara de exercer
medicina, falhara como escritor, e ia já muito doente. Vinha com um rapaz, Vassia, que lhe contava horrores de todas as espécies: que perdera a mãe quando
a sua aldeia ardia, e os próprios soldados vermelhos, que a ocuparam morreram.
Jivago fora viver para o bairro pobre dos moageiros. Vive na miséria. Vai
buscar água a casa de Markel, antigo porteiro dos Gromeko. Este, acha que ele
está a abusar, mas lá o deixa levar a água. Mas Markel tem uma filha, Marina,
que gosta dele, e juntam-se.
Estamos no verão de 1929, Jivago e Marina
têm duas filhas, Kapa e Klava. Jivago recebe então uma carta de Paris da
família, onde vivia a mulher e os seus filhos: Sacha e Macha. Marina vem a casa e não vê Jivago, ele tinha
desaparecido. Pouco depois recebia dele uma carta a dizer que estava bem e ia
em breve regressar, e até lhe mandava dinheiro. O meio-irmão Evgraf tenta-o
ajudar e aluga-lhe um quarto. Ele continua a escrever e aguarda que a administração
do hospital o chame outra vez para o serviço. Dias depois, na primeira vez que
ia trabalhar para o hospital e tomou o elétrico, lá dentro estava muito abafado.
Tentou abrir uma janela e sentiu-se mal. Procura então sair por entre os
passageiros e cai. Há dúvidas se o devem levar para o hospital ou chamar a
polícia. Ele jaz morto no chão.
Entretanto, Lara chega a Moscovo, vai
a uma casa que Antipov costumava ocupar, e encontra lá Jivago morto, e ainda assiste ao funeral. As cerimónias
iam ser simples, não iam sequer incluir serviço religioso. Ele ia ser cremado,
como era agora a moda. Marina compareceu, mas sempre que vinha a primeira
família ela desaparecia, não queriam lá misturas, as classes sociais não tinha sido completamente apagadas. Dudorov e Gordon vieram ao
funeral. Lara desfaleceu no velório. Depois do enterro Lara fala com Evgraf,
que lhe revela que o seu marido Strelnikov não foi fuzilado, mas se suicidara
em Varykino quando estivera com Jivago. Ela colabora com Evgraf na escolha dos
papeis que Jivago deixara, mas um dia desapareceu, foi presa na rua ou morreu,
talvez perdida por um desses campos de concentração do Norte, os Gulag.
Epílogo
No verão de 1943 o comandante Nika Dudorov
e Micha Gordon estão em plena Segunda Guerra Mundial. Este último tinha acabado
de ser promovido a alferes. Regressam a Moscovo e falam do que passaram quando
estiveram presos nos campos de concentração, um deles no Gulag 92, uma das
piores penitenciárias que existiam no país. Despejavam-nos num campo de neve,
guardados por soldados com cães-polícia. A Segunda Guerra Mundial, uma desgraça
de todo o tamanho, fora a sua libertação. Rareavam homens e vieram buscar ali
alguns especialistas. Para eles a guerra surgira como uma tempestade
purificadora. Alguns dias depois estão integrados no exército de retaguarda,
assistem a todo aquele vendaval de fogo, mas sobrevivem.
Cinco
anos depois estão de novo em Moscovo, mas agora a ler uma coletânea de poemas
de Iuri Andreievith, publicadas por iniciativa do meio-irmão, Evgraf Jivago.
Envelhecidos, pensaram em toda a odisseia que fora as suas vidas, nas
dificuldades por que passaram, incluindo as de Jivago, seu companheiro de
infância, cujos poemas pareciam traduzir uma realidade para eles bem conhecida.
Estavam exaustos, mas esperançados que houvesse mudanças naquela sociedade: A vitória não trouxera a luz e a libertação
que haviam esperado. Contudo, os sinais percursores da liberdade andavam no ar
desde o fim da guerra, e era esse o conteúdo histórico de tão terríveis anos.
A liberdade andava por ali, o livro que tinham nas mãos (metaforicamente O Doutor Jivago) tinha um carácter
premonitório.
.
Apreciação Geral
Boris
Pasternak escreveu apenas um romance, O Doutor Jivago, e isto bastou para
ser mundialmente reconhecido. Às vezes não é preciso escrever muitos livros
para se dizer o que é importante. Este livro, bastante volumoso, dá uns
vislumbres luminosos da História da Rússia, desde o período imperial de 1903,
passando pela Guerra Russo-japonesa de 1904 e 1905, pela Revolução de 1905,
entra depois na Primeira Grande Guerra, passa pela Revolução de Outubro de
1917, perde-se na dolorosa Guerra Civil entre 1918 a 1922, assiste à criação da
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, até 1948, quando Nika Dudorov e Micha
Gordon fazem uma longa perspetiva ao passado. Condensa em si um dos períodos
mais marcantes da história contemporânea.
O enredo entre Yuri Andreievitch Jivago, Antonina
Alexandrovna Gromeko (Tonia), e Larissa Fiodorovna Guichard (Lara), nem serão o
mais importante do livro. Tem o seu interesse, o seu aliciante, traduzindo as
suas paixões, destemperadas pelas muitas vicissitudes que tiveram de enfrentar.
No meio de uma grande instabilidade política, guerras, perseguições, execuções,
fomes e carências de toda a ordem. Com sucessivas mudanças de poder; as classes
a serem niveladas à força, com muita repressão à mistura, e algumas pessoas a
terem que se exilar. A economia a certa altura ficou completamente paralisada. Põe-nos
em equação uma amostra de conflitos políticos, sociais, religiosos e
psicológicos, que então se geraram. Passa pela primeira revolução marxista do
mundo.
A obra é de cariz fortemente autobiográfico,
os amores de Jivago por Tonia e por Lara têm um pouco a ver com os seus amores
por Eugénia Vladimirovna Lourie e Zinaida Nikolaievna Geidauz. De Jivago é
editada uma coletânea de poemas, que trariam esperanças de liberdade, e o livro
até parecia ser uma antevisão do futuro, e o mesmo se pode dizer de O Doutor Jivago de Pasternak. Daí a
narrativa ser tão rica em pormenores. Por outro lado, é o romance da sua vida:
quando ele foi ao enterro de Tolstoi e viu o pai a tirar poses daquele
escritor; quando escreveu Nos Primeiros
Comboios, ele já se estava a preparar-se para esta obra, que seria uma das suas
últimas. É um trabalho que tem muita influência de Tolstoi, cuja ferramenta de
análise ele transpõe para o século XX, e algum psicologismo de Dostoievski, mas
outros autores influenciaram também a sua forma discursiva.
Contudo, neste seu romance Pasternak
incide mais nas classes desfavorecidas, e em vez dos grandes heróis, que Tolstoi
disseca, como Napoleão e Kutuzov, cheia de imperadores e generais, ele incide
mais sobre o povo simples, e em vez de Petersburgo e Moscovo, que também
refere, recai sobretudo em pequenas cidades, vilas e aldeias. Foca mais os
aspetos sociais, as discussões políticas, as greves, os motins, as prisões, os
hospitais, o problema do dia a dia das populações. Faz belas descrições das
paisagens, dos pequenos lugarejos, das ruas das cidades. Descreve os usos e
costumes da sociedade, fala da sua religiosidade, das diversas e rápidas transformações
que atravessa. Faz-nos refletir sobre a maneira nefasta como a guerra afeta as
famílias, e da importância da educação das crianças.
A escrita é fluída, precisa, com um
suave tom poético. O romance está estruturado de modo muito fragmentário. Tem dezassete
partes, algumas com mais de vinte capítulos, e alguns com menos de uma página,
como se nos estivesse a passar uma série de quadros da História da Rússia. Jivago
por vezes parece-nos um espectador que esteja a descrever o que vê. O livro é
extenso, mas não demasiado, se atendermos ao período a que se estende, e ao
estilo tolstoiano que ele seguiu. Tem dezenas e personagens, com nomes
compridos, usando na narrativa ora um, ora outro, o que pode confundir os
leitores, sobretudo se não forem de Língua Russa. É o caso de Jivago, (Yuri Andreievitch Jivago) (Iura); Lara,
(Larissa Fiodorovna Guichard); Tonia
(Antonina Alexandrovna Gromeko);
Pacha, (Pavel Pavlovich Antipov),
depois Strelnikov; Komarovski (Victor
Ippolovich Komarovski); de Samdeviatov (Anfimo Yefimovitch Samdeviatov).
Jivago é uma personalidade bastante
sofrida, a quem o pai abandonou e a mãe faleceu cedo, sendo criado por um
tio, que o entregou a uma família com quem tinha parentesco. É um tanto voltado
para si mesmo, impassível, não liga muito à família, nem sequer aos filhos e filhas,
e à própria sociedade, da qual ao fim foge por uns tempos, até ser recuperado
pelo meio-irmão, Evgraf. E a política também não o atrai, ele não é pelos Vermelhos,
ligados à Revolução, nem pelos Brancos, ligados ao Governo Provisório, ele será
dos Verdes, daqueles que o querem é a paz, e se refugiam nas florestas. Para
ele os Brancos e os Vermelhos rivalizaram em crueldade (pág 398). No livro são
narradas algumas opiniões sobre os judeus que podem não agradar a alguns. Distancia-se
da Igreja, mas nos poemas finais que ele está focado no cristianismo.
O autor, ainda que movido pela
esperança, revela das personagens algum pessimismo antropológico. Ele
relata-nos os horrores da guerra, da violência das revoluções, do oportunismo e
hipocrisia do ser humano. A certa altura refere na Décima terceira parte que O
homem é o lobo do homem (pág. 407), e mais à frente: No momento que passa os homens são mais temíveis que os lobos (pág.
437). Também não era de esperar outra coisa de quem viveu aquele conturbado
período. Ele dá-nos uma noção do que é uma sociedade desequilibrada, e ao que
ela pode conduzir. Martz Inura referiu em Um
Sonho Secular, não sei se estará errado: A reforma da sociedade tem de ser permanente para que não surja uma revolução
de repente. Já vimos as consequências dos graves desequilíbrios estruturais
da sociedade, como as que resultaram do luxo faraónico de Luís XIV, em França,
e agora estávamos a ver do que resultara do despesismo reformista de Pedro, o Grande, da
Rússia: A Revolução Francesa e a Revolução de Outubro.
O Doutor Jivago é um grande livro. A
personagem principal, Iuri Andreievitch Jivago é o Alter Ego de Boris
Pasternak, e tenta transmitir a sua mensagem à posteridade. Quando na Décima quinta parte: O fim, Jivago
regressa a Moscovo, e diz que perdeu a mulher e a amante, foi destituído da sua
profissão, falhara como escritor e vinha muito doente, nós revêmo-lo em Boris Pasternak, quando estava a
concluir este seu romance, já com a saúde bastante abalada, com pouca esperança
do livro ser publicado, ostracizado pelo poder, a ter que viver de traduções. Surrepticiamente,
o autor influenciou outros escritores, como Alexandre Soljenítsin, em O Arquipélago Gulag, também êxito
universal. O seu livro foi de certo modo premonitório. Ele por essa altura já
conseguia ver a União Soviética a desintegrar-se, embora os comunistas sinceros fizessem
tudo para a manterem unida, a ponto de o fazer recusar o Prémio Nobel. É uma
obra de intervenção, complexa, mas criteriosamente estruturada, e bem escrita. Não
foi sem razão que na introdução livro Aquilino Ribeiro se lhe refere como livro maravilhoso, que honra as letras e o
pensamento contemporâneos.
(A rever)
Martz Inura
21/03/2019
Nenhum comentário:
Postar um comentário