BORIS PASTERNAK






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 BORIS PASTERNAK
O Doutor Jivago
Tradução de Augusto Abelaira
 Livraria Bertrand 


O HOMEM
            Boris Leonidovtich Pasternak nasceu na cidade de Moscovo a 10 de fevereiro de 1890, no seio de uma família judia. O pai era professor de Ates Plásticas, e a mãe pianista conceituada, chamados Leonid Pasternak e Rosa Kaufan. Estudava música e filosofia em Moscovo, quando os pais o mandaram estudar filosofia na Universidade de Magdeburgo, na Alemanha. Apesar da sua origem judaica foi batizado pela sua precetora. Ela o terá introduzido ao cristianismo, embora fosse dos vinte aos vinte e dois anos que ele se aprofundasse mais nas questões religiosas. Os pais, apesar da discriminação dos judeus na Rússia de então, dado o seu elevado nível intelectual e artístico eram bem tolerados.
            Durante a Primeira Grande Guerra ele exerce professorado e trabalha numa fábrica nos Urais, onde recolheria elementos para o seu romance, O Doutor Jivago. Escreve poesia, que é bastante bem aceite. Em 1910 assiste com o pai ir ao funeral de Leão Tolstoi, escritor que o influenciaria bastante. Mas a família tinha contactos com Rainer Maria Rilke, Alexandre Scribiabin e Sergei Rachmaninoff. Em 1930 cai em desgraça, acusado de subjetivismo. Ele defendia a causa dos deserdados, aspirava por uma maior liberdade. Teve algumas dificuldades com as autoridades do regime, e talvez só por influências benignas escapou de ser enviado para um Gulag, as tenebrosas prisões do Estado.
            Depois de escrever muita poesia resolveu escrever um romance mais ousado, O Doutor Jivago, que não foi aceite pela censura. Contudo, uma sua cópia passou clandestinamente para a Itália, ao tempo, um dos países ocidentais com quem a União Soviética tinha mais relações. O livro foi publicado em Itália em 1957, e depois nos Estados Unidos, e em diversos países, tendo um sucesso imediato. Alguém o fez publicar no Ocidente em Russo. O livro era um libelo acusatório, ainda que ténue, contra a repressão estalinista. Em 1958 é-lhe atribuído o Prémio Nobel. Ele fica sensibilizado e agradece por carta à Academia Sueca tal honra, mas pouco depois é forçado pelas autoridades soviéticas a recusá-lo, e envia uma nova carta a recusar o prémio, embora tivesse muito gosto em recebê-lo. Não foi autorizado a ir recebê-lo a Estocolmo, mas nem por isso perdeu a honra da sua atribuição.
            Esteve casado com a artista Eugénia Vladimirovna Lourie, de quem teve dois filhos. E depois com a pianista Zinaida Nololaevna Neigauz, embora tivesse outras amantes. Em 30 de maio de1960 morreria em Peredelkino, perto de Moscovo, de câncer do pulmão, dois anos depois de ser laureado com o Prémio Nobel. O romance que o tornara conhecido no mundo só seria publicado na Rússia em 1988. A casa onde viveu foi a seguir transformado em museu. Em 1989, o seu filho Eugénio iria a Estocolmo receber a medalha que caberia ao pai. O livro seria mais tarde adaptado ao cinema por David Lean, com Omar Sharif, Julie Christie, Geraldine Chaplin e Rod Steiger como principais atores. 


A OBRA
            A obra de Boris Pasternak, com pelo menos dezassete volumes, é constituída sobretudo por coletâneas de poesia, ensaios, traduções, biografias e um romance. Vamos destacar algumas, de modo a dar um relance da sua evolução:
            Gémeo nas Nuvens (1914) (poesia)
            Temas e Variações (1917) (poesia)
            Minha Irmã, Vida (1922) (poesia)
            Salvo Conduto (1931) (ensaio)
            Infância (1941) (biografia)
            Nos Primeiros Comboios (1944) (poesia)
            Fausto de Goethe (1952) (ensaio)
            Ensaio sobre autobiografia (1956) (ensaio)
            Doutor Jivago (1957) (romance)
            Quando o Tempo Melhorar (1959) (poesia)
           

Personagens
(Atenção aos nomes, que no romance o autor pode usar qualquer um deles. Os seguidos de vírgula são o último apelido, pelo qual a personagem é mais conhecida. Para facilidade de consulta estão por ordem alfabética)

Anna Ivanovna Gromeko (nascida Kruger): Mãe de Tonia, filha de um abastado proprietário de Varykino.
Anna Ernestovna: Governanta de Komarovski.
Amélia Karlovna Guichard: Viúva de um engenheiro belga. Mãe de Lara e Rodia. Vivia em Moscovo.
Chura Schlesinger: Amigo de Jivago que o chama para o enterro de Anna Ivanovna.
Dudorov, Innokenti (Nika): Amigo de infância de Jivago.
Felitsata Semionovna: Criada dos Sventitski.
Galiulline, Yousef Gimazetdinovich: Filho de ferroviário ligado às greves dos caminhos de ferro, que se junta ao Exército Branco.
Gordon, Micha: Amigo de infância de Jivago.
Gromeko, Alexandre Alexandrovich: Pai de Tonia, protetor de Jivago
Jivago, Yuri Andreievitch Jivago (Iura): A principal personagem do romance. Filho de um alcoólatra, depois da morte de sua mãe foi viver com o tio Kolia. É uma pessoa sensível, mas algo retraída. Torna-se médico e entra na Primeira Grande Guerra. Mais tarde será forçado a acompanhar uma força bolchevique. Casou com Tonia de quem teve os filhos Sacha e Macha. Apaixona-se por Lara. Na revolução era dos Verdes, isto é, dos que que se refugiavam na floresta, não queriam pertencer nem aos Brancos nem aos Vermelhos. Casou uma segunda vez, quando estava decadente, com Marina, de quem tivera Kapa e Klavia. Muitas vezes é citado como Yuri Andreievitch e Iura.
Kologrigov, Lavrenti Mikhailovitch: Industrial rico e empreendedor-
Komarovski, Victor Ippolitovitch: Advogado oportunista e pouco escrupuloso. Dizia-se amigo do engenheiro belga, Guichard, quando ele era vivo, e depois de sua esposa, Amalia Carlovna. Abusou de Lara na infância e mantinha com ela uma relação complexa. Esta chegou a dar-lhe um tiro, e ao fim foi com ele para a Sibéria para fugir a uma suposta perseguição.
(Lara) Larissa Fiodorovna Guichard, mais tarde Antipova: Foi abusada por Komarovski, amigo do pai. Casou com Pacha Antipov e foi amante de Jivago. Teve uma infância infeliz. Era uma mulher bela e apaixonada, inteligente, capaz de agradar aos homens. A instabilidade social da revolução levou-a a tomar decisões precipitadas e perigosas. É designada de muitas maneiras no romance: Lara, Larissa, Larissa Fiodorovna e Antipova (do nome do marido).
Liveri Averievitch Mikulitsyne: Filho de Averki, líder do exército partidário em Iuratrine.
Markel: Porteiro em casa dos Gromeko, pessoa gosseira, que às vezes se embebedava.
Maria Nicolaievna Jivago: Mãe de Jivago, morre quando ele era pequeno.
Marina Markel: a segunda esposa de Jivado, de quem teve duas filhas.
Mikulitsyne, Averki Stepanovitch: Dirigente soviético em Varykino, pai de Liveri
Nadia Kologrigovna Kologrigov: Mãe de Lipa, cujo marido é dono de uma fábrica de fiação, onde Lara é governanta.
Nicolau Nicolaievitch Vedeniapine (Kolia): Padre progressista que voltou à vida civil, irmão de Nicolaievna, tio de Jivago.
Olia Diomina: aprendiz de costureira de Amélia Carlovna.
Pavel Ferapontovich Antipov: Engenheiro de minas nos caminhos de ferro, pai de Pacha
Pacha (Pavel Pavlovich Antipov), mais tarde Strelnikov: É filho do ferroviário, Pavel Ferapontovitch Antipov. Possui um caráter forte e determinado. Casa-se com Lara. É chamado para a Primeira Grande Guerra, onde é capturado pelo inimigo e dado como morto. Regressa mais tarde para fazer parte dos heróis da revolução, onde toma o pseudónimo de Strelnikov. Era um revoltado contra a antiga sociedade, que o sujeitara a muitas humilhações. Suicida-se com um tiro na cabeça. No romance é chamado Pavel Pavlovich, Pacha, Antipov
Rodion Fiodorovich Guichard (Rodia): Irmão de Lara. Seguiu a carreira militar
Rufina Onissimovna: Advogada que se diz ser muito avançada
Samdeviatov, Anfimo Yefimovich: Revolucionário que ajuda os Jivago em Varykino
Tiverzina, Marfa Gravilovna: Ligada a Kuprik Tiverzine
Tiverzine, Kuprik: Líder grevista ferroviário que se torna líder do Exército Vermelho
Tonia, Antonina Alexandrovna Gromeko: Mulher interessante, mas fria, filha de Gromeko, casou com Jivago de quem teve dois filhos Sacha e Macha


Do filme de David Lean, Omar Sharif, Geraldine Chaplin e Julie Christie (Jivago, Tonia e Lara)

         . Resumo do Livro
         (Atenção, este resumo não substitui a leitura do livro, serve apenas para facilitar a sua compreensão. Recomenda-se que se munam de uma lista de personagens, porque o autor usa uma ou outro apelido do seu extenso nome, e podemos não nos aperceber logo de quem se trata).

Primeira Parte: O rápido das cinco horas 
            O romance começa com o funeral de Maria Nicolaievna, mãe de Yuri Andreievitch Jivago, por volta de 1903. O pai tinha-o abandonado, dissipando a sua fortuna na Sibéria. O seu tio materno, Nikolai Nikolaievtch Vedeniapine (Kolia), ex-padre, segue no Verão seguinte com ele para casa de Lavrenty Mikhailovich Kologrigov, mas para visitar o intelectual, Ivan Ivanovitch Volskoboinikov. Leva as provas do opúsculo que escrevera sobre a reforma agrária, influenciada pelo tolstoísmo. Ele sugere logo uma correção. Têm uma discussão sobre o assunto. Ele está interessado sobre o que seja o estado laico. O primeiro tem um pensamento já avançado e progressista, enquanto o segundo possui ideias retrógradas, opõe-se a grandes mudanças.
Iura (Yuri Andreievitch Jivago) está muito contente por ter ali o tio. Kologrinov tem duas filhas, Nadia de quinze anos e Lipa de treze. Vive ali também Nika Dudorov, cujo pai, que era ferroviário, fora preso por terrorismo. Os dois, Nikolai Nikolaievich e Volskoboinikov estão a falar, quando notam que houve um acidente ferroviário ali perto. Um homem que seguia no comboio caiara à linha e fora trucidado – um advogado que o acompanhava espalhara que ele estava embriagado. Vinham há três dias em viagem. Essa vítima era o pai de Micha Grigorievich Gordon, de onze anos. Os passageiros vêm ver o cadáver enquanto não chega a polícia. Micha começa a chorar de compaixão e terror. Nika Dudorov e Micha Gordon, então quintanista, são dois dos amigos de infância de Jivago. Nika está farto de ir às aulas, quer trabalhar e ser independente. Têm conversas de adolescentes.


Segunda Parte: Uma rapariga vinda de outro meio
            Acabara a guerra com o Japão. A viúva, Amélia Karlovna Guichard chegou dos Urais, apoiada por um amigo do marido, o advogado, Victor Ippolitovitch Komarovski e comprou uma casa de costura em Moscovo (1905). Ela tinha dois filhos: Larissa e Rodion. Instalaram-se no Hotel Montenegro. Ele põe Lara a estudar num colégio e manda Rodion para a academia militar. Na casa de costura dominam Faina Silantevna Fetissova é a adjunta da patroa, e Olia Diomina, aprendiz. Viviam com dificuldades, e Lara não se dava com a mãe.
No outono eclodem agitações no centro ferroviário de Moscovo. O contramestre Pavel Ferapontovich Antipov e o engenheiro de minas, Fuflyguine, estão a organizar greves. Kipriane Salevievitch é um agente revolucionário que os apoia. Eles conversam sobre a distribuição de terras que se perspetiva. Kipriane protege no trabalho um tal Olissipo Yusupa Gimazetdinovich Galiulline. São contra o sistema da Rússia Imperial. Bem, Pavel Ferapontovich acaba por ser preso, a sua mulher, Daria Filimonovna, está no hospital, e o filho, Pacha, que era ainda uma criança, teve de ir viver para casa dos Tiverzine, pessoas cultas e progressistas.
Nikolai Nikolaievich Vedediapine (Kolia) não está a gostar de Moscovo e vai para Petersburgo, deixando o sobrinho, Jivago, aos cuidados de uns familiares, Alexander Alexandrovtich Gromeko e da sua mulher Anna Ivanovna. Eles têm uma filha, Tonia. Nikolai Nikolaievich fala com Vyvolotochnov sobre o que fazer da Rússia, eles têm servido a Rússia Imperial, querem que ela se modernize, se atualize. Agora quando vem a Moscovo fica em casa dos Sventistki.
Em Moscovo vive o solteirão Victor Ippolitovitch Komarovski com a sua governanta Anna Ernestovna. Protege Amélia Karlovna Guichard, mas faz a corte à filha, Lara. Esta é uma colegial e sente orgulho em ser cortejada. Contudo, a partir de certa altura sente-se desconfortável, prisioneira dele, e não sabe como se libertar da sua influência. Komarovski diz mesmo que ela deve confessar tudo à mãe e os dois casarem. Mas ela não aceita, há entre ela e Pacha (Pavel Pavlovich Antipov) uma relação.
Em Moscovo a casa de costura e Amélia Guichard é obrigada a fechar para aderir à greve. Lara decide não voltar a ver Komarovski, que a persegue. Os Gromeko organizam um concerto em casa. Komarovski e Lara encontram-se lá dentro, denotando alguma intimidade. É a primeira vez que Jivago vê Lara. De repente o espetáculo foi interrompido. Houve um incidente num quarto de hotel, Amélia Guichard tenta o suicídio. É Fadei Kazimirovitch que ampara agora a família Guichard.

Terceira Parte: A árvore de Natal dos Sventitski
            Certa vez, no inverno, em 1911, Alexandre Alexandrovitch Gromeko ofereceu um guarda-roupa a sua esposa, Anna Ivanovna, mas ela mexe-lhe e fica debaixo dele, magoando-se, tendo de vir o porteiro, Markel, ajudá-la. Anna Ivanovna em novembro vai parar ao hospital com uma pneumonia, e na Primavera seguinte, Jivago concluirá Medicina, Micha (Mika) Filosofia, e Tonia, Direito. Jivago descobre que tem um meio-irmão, Evgraf, filho do pai e de uma princesa.
            O autor tem de voltar a 1906 para explicar o percurso de Lara, fugindo à perseguição de Komarovski. Através da sua amiga, Nadia, vai trabalhar como governanta para casa de Lavrenti Mikhailovitch Kologrigov, marido de Nadia Kologrigovna. Apoia a sua filha Lipa, e tratam-na com familiaridade. Ao fim de algum tempo é visitada pelo seu irmão Rodion, que anda metido em problemas. Arranja-lhe os 690 euros que ele lhe pediu e retira-lhe uma pistola, com que se podia suicidar. Porém, aquela vida de governanta não lhe agrada. Era uma jovem cheia de vida, com necessidade de se realizar como mulher.
            Quando os Kologrigov vêm da sua propriedade rural para Moscovo, já em 1911, resolve despedir-se, pedindo dinheiro a Komarovski. Lara, antes vai falar com Pacha, insistindo para que casem imediatamente. Ele concorda. Vai então a casa de Komarovski, mas verifica que ele está na festa de Natal dos Sventitski, e é para lá que se dirige. Ele tem de lhe emprestar o dinheiro. Komarovski está por lá sentado, ignorando-a ostensivamente. Lara, que levara a pistola que apreendera ao irmão, de repente dá-lhe um tiro. A sua sorte foi que a bala só apanhou de raspão o promotor de justiça, Kornakov, que processara Kipriane Tiverzine, pai adotivo de Micha. Lara desmaia. Jivago e Tonia estão presentes, e só depois se aperceberam que ela quis matar Komarovski, não o procurador de justiça. A coisa é abafada, Komarovski não queria escândalos. 
            Jivago quis prestar assistência à enferma, prostrada no chão, mas notando que era Lara, intimidou-se, e foi tratar do tal Kornakov, pois afinal ele era ali a verdadeira vítima, e dada a sua posição convinha ser bem tratado. A ferida era superficial – tranquilizou-o. E está ali à volta dele, inquieto, quando a Sr. Sventitski e Tonia o cercam e lhe dizem que aconteceu algo lá em casa, que têm de regressar imediatamente. Saem, e quando lá chegam, Anna Ivannova Gromeko tinha falecido. Quando ela estivera doente e Tonia e Iura a vieram visitar, pedira-lhes para que nunca se afastassem um do outro. Depois o enterro. Jivago recorda a morte da mãe. É Chura Schlesinger que o chama para o enterro porque ele dormira mal e não acordava.

Quarta parte: Prenúncios de Tempestade
            Komarovski ainda teve que se bater com a polícia para parar as investigações. Vai a seguir a casa da uma advogada sua conhecida, Rufina Onissimovna, e arranja-lhe lá um quarto. E a seguir um lugar de professora em Iuriatrine. Quando esteve doente, o antigo patrão Kologrinov veio visitar Lara e incentivou-a a sair daquele quarto e acabar os seus estudos. É um mecenas, dá-lhe ainda 10.000 rublos para ela se governar. Lara conclui a seguir os seus estudos universitários. Pacha tinha sofrido muito durante a sua convalescença e casam à pressa. Fazem uma festa de despedida, em que está presente Komarovski, armado em pai dela, e partem os dois para Uriatrine, nos Urais.
O outro casal: Tonia e Jivago, também casam. Ele exerce medicina em Moscovo, onde os hospitais estão sobrelotados devido à Primeira Grande Guerra, em que a Rússia intervém. Têm uma vida normal, e ela acaba por ter um filho, Sacha, contudo, ele não sente motivo de orgulho nessa paternidade. Lara fica a viver com Pacha Antipov em Uriatrine, mas as relações entre eles começam a definhar, ao ponto de ele pensar em a deixar, mas em vez disso resolve oferecer-se para a guerra. Lara fica com Katia (Katenka) e começa a trabalhar como enfermeira no hospital militar de Uriatrine.
Estava-se em guerra, e Jivago é colocado num hospital militar de retaguarda, em Galícia, onde chegou um comboio sanitário bem equipado, graças aos donativos obtidos pela princesa Tatiana. Nesse comboio vinha Micha Gordon, o amigo de infância de Jivago. Espalha que o batalhão de Pacha (Pavel Pavlovich Antipov) caiu numa brecha do exército Austro-húngaro e foi morto. A notícia vinha do alferes Galiulline (Yousef Gimazetdinovich), filho de um ferroviário. Lara vai trabalhar para os hospitais militares da retaguarda, na esperança de encontrar Pacha Antipov.
Certo dia Micha Gordon vem parar àquele hospital e encontra-se com Jivago, diz-lhe que os alemães estão a entrar na frente russa e conta-lhe toda a sua odisseia. Há aqui uma discussão controversa sobre política, religião e os judeus (pág, 133 e seguintes). E algo inesperado aconteceu: caiu uma bomba e feriu Jivago. Ele vai ser hospitalizado noutro hospital, onde se vai encontrar com Lara, que é lá enfermeira. Naquele hospital também está internado Galiulline, que traz novas da frente, mas eles não têm coragem de lhe dizer que ele morreu. Pouco depois é ali noticiado que se estão a passar coisas graves em Petersburgo, as tropas do Exército Imperial estão a passar para o lado dos rebeldes, o país está a entrar na Revolução.

Quinta parte: Adeus passado
Jivago recupera a saúde e trabalha agora em Meliuseiv, onde tem contactos frequentes com Lara e Galiulline. A cidade estava ligada a Zybuchino, que se separou, tornando-se uma república, que depois caiu. Mais para a frente, para onde vai, já na zona de combates, o exército prepara uma ofensiva, restabelece a pena de morte, há muitos desertores, uma grande desorganização. Jivago sai dali sem ser visto e volta a casa da condessa, onde Lara está no hospital de retaguarda, e a vida flui. Eles têm ali imenso trabalho. Vivem no mesmo corredor, na casa da condessa Jabrinsky. Há noite realizam-se comícios. Ele tem com Lara uma conversa sobre o que se espera da Rússia. Um comissário dos rebeldes apareceu por ali a aliciar os desertores. A guerra está a aproximar-se, está tudo a fugir, até Galiulline. Mademoiselle Fleury, que era governanta dos Jabrinsky, houve barulho e vem ver o que se passa, todos fugiram. No hospital já não havia direção nem enfermeiras.
            Na estação de caminho de ferro de Meliuseiv era telegrafista Kolia Frolenko, que quer falar com o comissário político que vem ali um comboio. Este chega pouco depois com uma força de cossacos para prender os desertores, e contra o que é esperado, de repente os cossacos estão a confraternizar com eles, desertando também do Exército Imperial. Ergue-se ali a voz de Hinz, um comissário do Governo Provisório, que se opõe aos sovietes, a exortar os soldados para a guerra, acabando por ser morto por eles. Mademoiselle Fleury liga pelo telégrafo para a estação com modos autoritários, e diz para receberem bem o Dr. Jivago e o apoiarem no que fosse preciso.
Antes de partir, Jivago foi despedir-se de Lara, confessando-lhe os seus sentimentos. E lá partiu num comboio extraordinário para Moscovo. Ela seguiria noutro para Iuratrine. A partir de determinada altura o comboio ia às escuras, existia lá dentro uma grande barafunda. O Dr. Jivago pensou em Tonia, e no sacrifício que ela fazia para educar o filho, e em Lara, por quem se esforçava em não a amar. E novas notícias corroboram que estão em plena revolução, a Rússia está de pernas para o ar. De madrugada verifica que vai sozinho na carruagem com um caçador revolucionário, que lhe dá um pato bravo. Levou-o para Moscovo para o oferecer à mulher.
           
Sexta parte: Repouso em Moscovo
            Em Moscovo Jivago apanha uma sege para casa. Encontra a mulher, Tonia, e o filho Sacha. Vem ali visitá-lo o tio, Nikolai Nikolaievitch Venediapine. Tonia apresentou-lhe o filho, que Jivago só conhecia de fotografias. O menino, que nunca o tinha visto, rejeitou-o, perante o espanto da mãe. No jantar apareceram Micha Gordon, Innokenti Dudorov, o sogro, Alexandre Alexandrovitch Gromeko, o tio Kolia (Nikolai Nikolaievich Venediapine). Estão apreensivos com a situação. O sogro e o tio conversam sobre o destino da Rússia. Há prenúncios da revolução. 
            Jivago voltou para o hospital e preparam-se para o frio. Na rua há muita criminalidade, assiste a um assaltado e leva o ferido para o hospital. O confronto entre as forças do Governo Provisório, dos Brancos, e as dos Comités Soviéticos, ditos Vermelhos, está a pender para estes últimos. Sai uma noite e compra um jornal, onde se lê que se está a formar um Soviete dos comissários do povo e se vai instaurar na Rússia o poder soviético e estabelecer a ditadura do proletariado. Há frio e fome em Moscovo. No prédio realiza-se uma reunião do condomínio e o Jivago deteta uma pessoa com o tifo. É preciso levá-lo dali, mas para o transportarem é um problema, é preciso autorizações para tudo. Jivago com a mãe de Galiulline e Diomina
            A situação começa a melhorar lá por casa, há mais abundância de produtos alimentícios na cozinha, Jivago estranha esta abundância, e Tonia confessa-lhe que é o seu meio-o irmão Evgraf Jivago, de Omsk, que os está a ajudar. Mas a insegurança na cidade aumenta, os confrontos são cada vez frequentes e violentos. É-lhes recomendado pelo meio-irmão a conveniência de sair das grandes cidades, e os dois resolvem em abril ir viver para Iuratrine, nos Urais, onde os pais de Tonia tinham uma propriedade em Varykino, e há boas hortas e grandes florestas.

Sétima parte: A viagem
            Preparam a viagem em segredo para Iuratrine, já em março. É difícil arranjar bilhetes. Os tifosos, por não terem lugar nos hospitais estão instalados nas estações. Jivago assiste ainda a um doente do conselho superior de Economia. É preciso saber o que levar para a viagem. Partem para Iuratrine: Jivago, Tonia, Niucha e Sacha. Markel, o porteiro dos Gromeko, está bêbado. Na estação é uma confusão enorme. Partem num comboio de 23 carruagens para uma viagem de três dias. Quando o comboio para nas estações aparecem camponeses a vender os seus produtos aos passageiros. No comboio vivem-se situações dramáticas. Há carruagens com presos. Fazem-se frequentes inspeções às bagagens. Estão ali Kostoied, Pritliev, Votoniuk, Tiagunova e Vassia. Uma noite o comboio para bloqueado pela neve.  
            Chegam por fim a Nijni Helms e encontram a estação incendiada, bem como a cidade à volta. Os carris estavam cobertos com uma grande camada de neve, havia o perigo de descarrilamento. Surpreendentemente, aparece o chefe da estação para os apoiar. Vão arranjar pás para desobstruir a linha, os passageiros ajudam, revezando-se. Fazem o trabalho em três dias. Entre os passageiros haviam quem dissesse que os Brancos se preparavam para capturar Iuratrine. Fala-se de Sternikov, um comandante soviete implacável. Tiagunova e Vassia fogem do comboio para uma aldeia.
É primavera, o comboio parou para se reabastecer. Jivago sai, e, quando vem a sentinela de segurança ao comboio leva-o à carruagem do comando soviético que ali vai. Olha pela janela e verifica que está a chegar a Iuratrine. E está ali à espera de ser interrogado, quando aparece Strelnikov, que reconhece ser Antipov, marido de Lara. A mulher está lá, mas ele usa um pseudónimo, e nem a visita. Naquele período era notória a existência dos Brancos do Governo Provisório, dos Vermelhos do Poder Soviético, e dos Verdes, os que não queriam pertencer nem a uns nem a outros, e se embrenhavam na floresta.

Oitava parte: A chegada
            Chegaram a Iuratrine, mas estavam ainda longe da estação. Tinham destruído uma ponte e tiveram de se desviar para outra linha. Entretanto, atrelaram mais carruagens. Jivago fala com Anfimo Yefimovich Samdeviatov sobre marxismo e ciência. Têm uma conversa acesa e enriquecedora. Ficam logo amigos, ele irá ajudá-los muito em Varykino. Jivago diz que a ciência exige experimentação, não dá para deduzir o marxismo. Samdeviatov considera o marxismo uma necessidade histórica. Jivago, que ao princípio via a revolução com certa simpatia, está desencantado, por ela espalhar o terror e a violência por onde passa.
            Anfimo Samdeviatov fala para Jivago com uma grande familiaridade, chama-lhe Iurotocha, e ri-se das suas opiniões ousadas. Conta então a história de Liveri Averkievitch Mikulitsyne, do Instituto de Tecnologia de Petersburgo, que veio para Iuratrine, onde arranjou um lugar na empresa dos Kruger e se casou com a mais velha das irmãs Tuntsov, Agrippina. As outras eram Evdokia, Glaphira e Serafima Severinovna. Ele é agora o dirigente soviete da cidade. Os Jivago vão a seguir de Iuratrine para Varykino, e é Samdeviatov que telefona para a estação e pede para que sejam bem recebidos. Estão em plena revolução, há que ter muito cuidado. Na estação está um carroceiro para os levar ao seu destino.
            Quando chegam a casa de Mikulitsyne este fica desorientado. Não queria ali aquelas visitas que só lhe iriam causar problemas. Aos Jivago bastava-lhes um palheiro e um pouco de terra para sobreviverem naquele ermo, mas mesmo isso lhe podia causar embaraços, ele não queria desagradar aos Vermelhos. Por fim, lá os manda entrar. Agora a terra era do Estado, quem a cultivasse sem autorização estava a roubar – outra complicação. As duas famílias conversam e conhecem-se melhor. Mikulitsyne lá os acondiciona o melhor que pode. Os dois falam de Antipov e Strelnikov. Ali ao lado, na Sibéria, um exército Branco da Assembleia Constituinte ainda faz frente aos Vermelhos.

            Nona parte: Varykino
            Ficam a viver com Averki Stepanovich Mikulitsyne, um revolucionário sincero, da confiança do Soviete Municipal de Iuratrine. É-lhes destinado as traseiras da casa senhorial. Cultivam ali legumes e batatas, entre outros produtos. Depois se apercebe que está naquela casa porque tem a proteção de Samedevietov. Jivago quer ficar incógnito como médico, mas algumas pessoas ainda o procuram, trazendo-lhe ovos e galinhas como paga. No outono colhem alguns produtos agrícolas, até beterraba. Para complicar mais a coisa, Tonia aparece grávida. Estava a ler Eugénio Onieguine de Pushkine, quando Samdeviatov vem conversar com ele. Falam sobretudo do tempo, de assuntos triviais.
            Chega a primavera, lê os seus trabalhos e é visitado pelo seu meio-irmão Evgraf Jivago, que mal conhece. Passa a visitar a biblioteca de Iuratrine. As pessoas estão por aí muito constipadas. Vê passar Lara na biblioteca, e pelo livro de requisições consegue saber a sua morada. Poucos dias mais tarde consegue dar com ela em casa. Falam de Strelnikov, que ela confessa, afinal ser Pacha (Pavel Pavlovich Antipov). Fica para o jantar. O marido não a visitou, e é Galiulline, dos Brancos, que a tem ajudado. Falam dos valores da revolução e dos judeus. Jivago anda desgostoso com esta situação. Ainda ama Tonia e tenciona deixar Lara e confessar tudo à mulher. E está com estes propósitos quando aparece uma patrulha do exército Vermelho da “Irmandade da Floresta” de Liveri Averki Mikulitsyne (Livka), que o leva à força para a sua campanha na Sibéria.

Décima parte: A estrada grande
            O poder continua repartido entre os Sovietes e o Governo Provisório. Há cidades na posse de uns, e cidades na posse de outros. Param em Khodatskoie, onde a linha está interrompida. O almirante Koltchak está agora no comando dos Brancos. Jivago encontra-se com Galiulina, lojista de uma loja de três janelas. Ela diz-lhe que quem manda na cidade é Tiverzine, Antipov, e o anarquista Vdovitchenko. Celebra a Páscoa, embora tenha uma grande aversão à burguesia. No domingo ela vai rezar à virgem, a população continua a manter a sua religiosidade, numa sociedade cheia de contradições. Muitos médicos foram mobilizados pelos sovietes e colaboram por medo. Há uma reunião em casa da Galiulina, estão ali Tiverzine, Vdovitchenko e Kostoied, eles querem informações sobre os Brancos para fazerem as suas sabotagens.
            Numa aldeia ao lado, está o coronel Streese a recrutar pessoal para a guerra. A população preparava-se para festejar a Páscoa. Eles não acreditam nas conquistas da revolução. Aparece então por lá um grupo de cossacos bolchevistas que tentam conquistar a aldeia para o seu lado. Vlas Pakhomovitch é um dos que está mais entusiasmado com esta mobilização. Falava Terenti Galiulline, quando houve uma denotação e a confusão se estalou. Alguns rebeldes estavam bêbados a dormir nas casas. A aldeia começou a arder, e era quem mais fugia. O sino de campanário de Ermolai tocou a rebate. Kostia Nekvalenyky e Terechka, fugidos daquela confusão, observam de longe à espera que aquilo tudo acabe. 

            Décimo primeira parte: A milícia da floresta
            Jivago estava prisioneiro dos revolucionários, que tinham falta de médicos e o levavam à força. Ele não estava com algemas, mas era vigiado veladamente. Era um perigo, mas ia tentar fugir. Já o fizera três vezes e falhara, arranjando desculpa para o seu afastamento. Eles dirigiam-se para a Sibéria conquistar os últimos redutos de resistência do Exército Branco. Deslocam-se continuamente. Em Nijinsky os revolucionários assaltam uma farmácia e Jivago colabora com eles. Caíra nas boas graças do comandante Liveri Mikulitsyne que o obriga a dormir na sua tenda. Já andavam naquilo há dezoito meses. Os médicos, segundo a convenção de Genebra não podia pegar em armas, mas ele uma vez em desespero de causa teve de utilizar uma que caíra a um ferido para salvar a sua vida.
            No outono os Sovietes ocupam um bosque num cimo de uma colina, que fortificam. Jivago partilha o abrigo de Liveri Averkievitch Mikulitsyne. Conversam sobre vários assuntos e alerta-o para o consumo excessivo que ele está a fazer de cocaína, que lhe tem desaparecido. No verão de S. Martinho Jivago encontra-se com o Dr. Lajos para reorganizarem a farmácia. Começam a aparecer doentes mentais. Estão à espera das famílias dos revolucionários que vêm atrás de si com os seus trapos e cerca de 5.000 vacas. Pelo caminho descobre uma conjura para matar Liveri, e fica revoltado. Mas depois, ainda mais enojado, quando constata que havia nela um agente infiltrado. Aquilo foi só um pretexto para incriminar alguém. Bem, ele não podia continuar ali. Foi visitar Pamphile Palikh, que matou um jovem sem qualquer motivo e andava desnorteado.

Décima segunda parte: A sorveira gelada
            Ficam ali algum tempo à espera das famílias. Liveri aborrece Jivago com as suas ideias salvíficas do seu socialismo e o seu acentuado narcisismo. Um grupo de onze conspiradores apanhados na conjura e dois enfermeiros que estiveram envolvidos num escândalo foram executados. Foi um espetáculo deprimente. O jovem Terechka Galuzine foi um dos últimos a morrer. Reinava alguma desorganização no estacionamento, as pessoas estavam a perder a lucidez. Liveri vai de vez em quando à taiga, e Jivago começa a pensar em fugir. No princípio do inverno o acampamento sofre algumas contrariedades. É mesmo cercado pelos Brancos
            Liveri discutia com Svirid, seu adjunto. Este não estava satisfeito por ter sido condenado Vdovichenko, cujo único crime fora o de se opor a ele. O comandante dos Brancos Koltchak está a cercá-los, mas eles conseguem fazer uma abertura na taiga e escapam, indo acampar noutro local. Jivago fala de modo divertido com a curandeira Kubarikha, que ali trabalha. O inverno instala-se, os Brancos acabam por ser derrotados. Jivago fala vivamente com Liveri. A noite cai, a Lua brilhava e ele foge do acampamento. Ainda foi parado por uma sentinela, mas ele sabia o santo e a senha: a Sibéria vermelha tinha de responder: Abaixo os intervencionistas.

Décima terceira parte: Defronte da casa das estátuas
            Em Iuratrine os Brancos abandonaram a cidade aos Vermelhos. Estes afixam-se avisos por todo o lado. Os cidadãos têm de ter livrete de trabalho, e quem for apanhado com açambarcamentos pode ser fuzilado. Jivago chega à cidade e vai primeiro a casa de Lara, não de Tonia. Encontra a chave num buraco, que lhe era familiar. Ela tinha deixado ali uma carta dizendo que fora a Varykino. Jivago depois daquela fuga estava com mau aspeto, e foi pedir uma tesoura para cortar o cabelo a uma casa de costura, e cortaram-lhe lá o cabelo, era uma Tuntsova. A casa das estátuas estava cheia de avisos dos Sovietes. Tonia já não estava na cidade e ele não sabia dela. Quando voltou a casa de Lara e pegou outra vez na carta verificou que no verso dizia que Tonia tinha ido para Moscovo com os filhos e o pai. Tinha tido uma menina, e ela própria assistira-a no parto. Ele ao ler isto teve um desmaio.
            Jivago fica doente. Ainda mantem a mesma paixão por Lara, que, entretanto, chegara e estava a tratá-lo. É uma mulher muito inteligente. Fala como Platão. Lara confessa-lhe os seus bocados maus com Komarovski e ele declara-lhe o seu amor. Contudo, ela diz que ainda ama Strelnikov, embora ele tenha ido para a guerra para fugir dela. No verão Jivago recupera a saúde. Pensam em ir para Varykino, que está quase deserta, e onde há lobos a rondar as casas. Lara pensa deixar a filha, Katia (Katenka), a Simatuntsova. Esta última mantém a sua fé, fala-lhes da Bíblia: está num tempo anterior. É então que chega uma carta para de Tonia para ele com cinco meses de atraso, que andou por lá perdida. A carta escreve toda a sua odisseia e diz que ela teve mais uma filha, a quem chamou Macha, em homenagem à mãe dele, Maria Nicolaievna.

Décima quarta parte: De volta a Varykino
            De volta a Varykino passam pela casa de Jivago, que estava desventrada, e vão para a de Mikulitsyne. Lara e Jivago passam naquela casa por pum período muito feliz. Mas aparece uma noite por lá Komarovski, nomeado Ministro da Justiça num estado fantoche da Sibéria, e convence Lara que ela e a filha correm grande perigo. Strelnikov foi morto, após denúncia, e a seguir será ela. Jivago perante tais factos diz que o melhor é ela e a filha irem com ele para a Sibéria, que ele depois irá lá ter. Komarovski fala da Mongólia e acha que Jivago também se deve exilar. Este não acredita muito no que ele lhe diz, mas deixa Lara partir, não quer ser a causa da sua desgraça.
            Jivago fica em Varykino, não sabe se há de ficar ali ou ir para Moscovo. Naquela solidão, passa por momentos difíceis. E está em casa quando chega ali um desconhecido, que vendo melhor, era Strelnikov. Afinal ele não foi morto, foi apenas falsamente denunciado, embora saiba que não tem safa nestas circunstâncias, tem muitas invejas contra ele. Strelnikov explica-lhe que o fez aderir à revolução foi a maneira como durante toda a vida fora humilhado pela classe dominante. Falam de Lara, e Jivago descreve-lhe o enorme elogio que ela lhe fizera, dizendo que ainda o amava. Jivago vai dormir e de manhã acorda e vai chamar Strelnikov para o café. Procura-o, e encontra-o cá fora na neve, morto com um tiro na cabeça: ele suicidara-se.

Décima quinta parte: O fim
            Jivago volta a Moscovo com um rapaz que encontrou pelo caminho. Foi vendendo a sua melhor roupa para subsistir. Quando chegou à cidade ia com um capote, parecia um soldado maltrapilho. Era clara a sua decadência, física e moral. Perdera a mulher e a amante, deixara de exercer medicina, falhara como escritor, e ia já muito doente. Vinha com um rapaz, Vassia, que lhe contava horrores de todas as espécies: que perdera a mãe quando a sua aldeia ardia, e os próprios soldados vermelhos, que a ocuparam morreram. Jivago fora viver para o bairro pobre dos moageiros. Vive na miséria. Vai buscar água a casa de Markel, antigo porteiro dos Gromeko. Este, acha que ele está a abusar, mas lá o deixa levar a água. Mas Markel tem uma filha, Marina, que gosta dele, e juntam-se.
            Estamos no verão de 1929, Jivago e Marina têm duas filhas, Kapa e Klava. Jivago recebe então uma carta de Paris da família, onde vivia a mulher e os seus filhos: Sacha e Macha.  Marina vem a casa e não vê Jivago, ele tinha desaparecido. Pouco depois recebia dele uma carta a dizer que estava bem e ia em breve regressar, e até lhe mandava dinheiro. O meio-irmão Evgraf tenta-o ajudar e aluga-lhe um quarto. Ele continua a escrever e aguarda que a administração do hospital o chame outra vez para o serviço. Dias depois, na primeira vez que ia trabalhar para o hospital e tomou o elétrico, lá dentro estava muito abafado. Tentou abrir uma janela e sentiu-se mal. Procura então sair por entre os passageiros e cai. Há dúvidas se o devem levar para o hospital ou chamar a polícia. Ele jaz morto no chão.   
            Entretanto, Lara chega a Moscovo, vai a uma casa que Antipov costumava ocupar, e encontra lá Jivago morto, e ainda assiste ao funeral. As cerimónias iam ser simples, não iam sequer incluir serviço religioso. Ele ia ser cremado, como era agora a moda. Marina compareceu, mas sempre que vinha a primeira família ela desaparecia, não queriam lá misturas, as classes sociais não tinha sido completamente apagadas. Dudorov e Gordon vieram ao funeral. Lara desfaleceu no velório. Depois do enterro Lara fala com Evgraf, que lhe revela que o seu marido Strelnikov não foi fuzilado, mas se suicidara em Varykino quando estivera com Jivago. Ela colabora com Evgraf na escolha dos papeis que Jivago deixara, mas um dia desapareceu, foi presa na rua ou morreu, talvez perdida por um desses campos de concentração do Norte, os Gulag.

Epílogo
            No verão de 1943 o comandante Nika Dudorov e Micha Gordon estão em plena Segunda Guerra Mundial. Este último tinha acabado de ser promovido a alferes. Regressam a Moscovo e falam do que passaram quando estiveram presos nos campos de concentração, um deles no Gulag 92, uma das piores penitenciárias que existiam no país. Despejavam-nos num campo de neve, guardados por soldados com cães-polícia. A Segunda Guerra Mundial, uma desgraça de todo o tamanho, fora a sua libertação. Rareavam homens e vieram buscar ali alguns especialistas. Para eles a guerra surgira como uma tempestade purificadora. Alguns dias depois estão integrados no exército de retaguarda, assistem a todo aquele vendaval de fogo, mas sobrevivem.
Cinco anos depois estão de novo em Moscovo, mas agora a ler uma coletânea de poemas de Iuri Andreievith, publicadas por iniciativa do meio-irmão, Evgraf Jivago. Envelhecidos, pensaram em toda a odisseia que fora as suas vidas, nas dificuldades por que passaram, incluindo as de Jivago, seu companheiro de infância, cujos poemas pareciam traduzir uma realidade para eles bem conhecida. Estavam exaustos, mas esperançados que houvesse mudanças naquela sociedade: A vitória não trouxera a luz e a libertação que haviam esperado. Contudo, os sinais percursores da liberdade andavam no ar desde o fim da guerra, e era esse o conteúdo histórico de tão terríveis anos. A liberdade andava por ali, o livro que tinham nas mãos (metaforicamente O Doutor Jivago) tinha um carácter premonitório.


Julie Christie e Omar Sharif (1965)


         . Apreciação Geral
            Boris Pasternak escreveu apenas um romance, O Doutor Jivago, e isto bastou para ser mundialmente reconhecido. Às vezes não é preciso escrever muitos livros para se dizer o que é importante. Este livro, bastante volumoso, dá uns vislumbres luminosos da História da Rússia, desde o período imperial de 1903, passando pela Guerra Russo-japonesa de 1904 e 1905, pela Revolução de 1905, entra depois na Primeira Grande Guerra, passa pela Revolução de Outubro de 1917, perde-se na dolorosa Guerra Civil entre 1918 a 1922, assiste à criação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, até 1948, quando Nika Dudorov e Micha Gordon fazem uma longa perspetiva ao passado. Condensa em si um dos períodos mais marcantes da história contemporânea.
            O enredo entre Yuri Andreievitch Jivago, Antonina Alexandrovna Gromeko (Tonia), e Larissa Fiodorovna Guichard (Lara), nem serão o mais importante do livro. Tem o seu interesse, o seu aliciante, traduzindo as suas paixões, destemperadas pelas muitas vicissitudes que tiveram de enfrentar. No meio de uma grande instabilidade política, guerras, perseguições, execuções, fomes e carências de toda a ordem. Com sucessivas mudanças de poder; as classes a serem niveladas à força, com muita repressão à mistura, e algumas pessoas a terem que se exilar. A economia a certa altura ficou completamente paralisada. Põe-nos em equação uma amostra de conflitos políticos, sociais, religiosos e psicológicos, que então se geraram. Passa pela primeira revolução marxista do mundo.
            A obra é de cariz fortemente autobiográfico, os amores de Jivago por Tonia e por Lara têm um pouco a ver com os seus amores por Eugénia Vladimirovna Lourie e Zinaida Nikolaievna Geidauz. De Jivago é editada uma coletânea de poemas, que trariam esperanças de liberdade, e o livro até parecia ser uma antevisão do futuro, e o mesmo se pode dizer de O Doutor Jivago de Pasternak. Daí a narrativa ser tão rica em pormenores. Por outro lado, é o romance da sua vida: quando ele foi ao enterro de Tolstoi e viu o pai a tirar poses daquele escritor; quando escreveu Nos Primeiros Comboios, ele já se estava a preparar-se para esta obra, que seria uma das suas últimas. É um trabalho que tem muita influência de Tolstoi, cuja ferramenta de análise ele transpõe para o século XX, e algum psicologismo de Dostoievski, mas outros autores influenciaram também a sua forma discursiva.
            Contudo, neste seu romance Pasternak incide mais nas classes desfavorecidas, e em vez dos grandes heróis, que Tolstoi disseca, como Napoleão e Kutuzov, cheia de imperadores e generais, ele incide mais sobre o povo simples, e em vez de Petersburgo e Moscovo, que também refere, recai sobretudo em pequenas cidades, vilas e aldeias. Foca mais os aspetos sociais, as discussões políticas, as greves, os motins, as prisões, os hospitais, o problema do dia a dia das populações. Faz belas descrições das paisagens, dos pequenos lugarejos, das ruas das cidades. Descreve os usos e costumes da sociedade, fala da sua religiosidade, das diversas e rápidas transformações que atravessa. Faz-nos refletir sobre a maneira nefasta como a guerra afeta as famílias, e da importância da educação das crianças.
            A escrita é fluída, precisa, com um suave tom poético. O romance está estruturado de modo muito fragmentário. Tem dezassete partes, algumas com mais de vinte capítulos, e alguns com menos de uma página, como se nos estivesse a passar uma série de quadros da História da Rússia. Jivago por vezes parece-nos um espectador que esteja a descrever o que vê. O livro é extenso, mas não demasiado, se atendermos ao período a que se estende, e ao estilo tolstoiano que ele seguiu. Tem dezenas e personagens, com nomes compridos, usando na narrativa ora um, ora outro, o que pode confundir os leitores, sobretudo se não forem de Língua Russa. É o caso de Jivago, (Yuri Andreievitch Jivago) (Iura); Lara, (Larissa Fiodorovna Guichard); Tonia (Antonina Alexandrovna Gromeko); Pacha, (Pavel Pavlovich Antipov), depois Strelnikov; Komarovski (Victor Ippolovich Komarovski); de Samdeviatov (Anfimo Yefimovitch Samdeviatov).
            Jivago é uma personalidade bastante sofrida, a quem o pai abandonou e a mãe faleceu cedo, sendo criado por um tio, que o entregou a uma família com quem tinha parentesco. É um tanto voltado para si mesmo, impassível, não liga muito à família, nem sequer aos filhos e filhas, e à própria sociedade, da qual ao fim foge por uns tempos, até ser recuperado pelo meio-irmão, Evgraf. E a política também não o atrai, ele não é pelos Vermelhos, ligados à Revolução, nem pelos Brancos, ligados ao Governo Provisório, ele será dos Verdes, daqueles que o querem é a paz, e se refugiam nas florestas. Para ele os Brancos e os Vermelhos rivalizaram em crueldade (pág 398). No livro são narradas algumas opiniões sobre os judeus que podem não agradar a alguns. Distancia-se da Igreja, mas nos poemas finais que ele está focado no cristianismo.
         O autor, ainda que movido pela esperança, revela das personagens algum pessimismo antropológico. Ele relata-nos os horrores da guerra, da violência das revoluções, do oportunismo e hipocrisia do ser humano. A certa altura refere na Décima terceira parte que O homem é o lobo do homem (pág. 407), e mais à frente: No momento que passa os homens são mais temíveis que os lobos (pág. 437). Também não era de esperar outra coisa de quem viveu aquele conturbado período. Ele dá-nos uma noção do que é uma sociedade desequilibrada, e ao que ela pode conduzir. Martz Inura referiu em Um Sonho Secular, não sei se estará errado: A reforma da sociedade tem de ser permanente para que não surja uma revolução de repente. Já vimos as consequências dos graves desequilíbrios estruturais da sociedade, como as que resultaram do luxo faraónico de Luís XIV, em França, e agora estávamos a ver do que resultara do despesismo reformista de Pedro, o Grande, da Rússia: A Revolução Francesa e a Revolução de Outubro.
 O Doutor Jivago é um grande livro. A personagem principal, Iuri Andreievitch Jivago é o Alter Ego de Boris Pasternak, e tenta transmitir a sua mensagem à posteridade. Quando na Décima quinta parte: O fim, Jivago regressa a Moscovo, e diz que perdeu a mulher e a amante, foi destituído da sua profissão, falhara como escritor e vinha muito doente, nós revêmo-lo em Boris Pasternak, quando estava a concluir este seu romance, já com a saúde bastante abalada, com pouca esperança do livro ser publicado, ostracizado pelo poder, a ter que viver de traduções. Surrepticiamente, o autor influenciou outros escritores, como Alexandre Soljenítsin, em O Arquipélago Gulag, também êxito universal. O seu livro foi de certo modo premonitório. Ele por essa altura já conseguia ver a União Soviética a desintegrar-se, embora os comunistas sinceros fizessem tudo para a manterem unida, a ponto de o fazer recusar o Prémio Nobel. É uma obra de intervenção, complexa, mas criteriosamente estruturada, e bem escrita. Não foi sem razão que na introdução livro Aquilino Ribeiro se lhe refere como livro maravilhoso, que honra as letras e o pensamento contemporâneos.

(A rever)

Martz Inura
21/03/2019



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