VIRGINIA WOOLF
Mrs.
Dalloway
EDITORA RELÓGIO D`ÁGUA
Tradução de José Miguel Silva
A
PESSOA
Adeline Virginia Woolf nasceu a 25
de Janeiro de 1882, na cidade de Londres, no seio de uma família abastada, e
faleceu a 28 de Março de 1941 no Rio Ouse (Sussex). A sua mãe morreu quando
ela tinha 13 anos, e o seu pai, também escritor e crítico literário (Leslie
Stephen), quando tinha 22. Teve uma juventude atribulada, com mortes e contrariedades a perturbá-la. Participou no grupo literário que se formou em sua casa, chamado Loomsbury, de que
faziam parte T. S. Elliot, Clive Bell e E. M. Forster. Das suas relações faziam
também parte Tomas Hardy e Henry James. Tinha uma grande sensibilidade e uma
personalidade complexa. Em 1906 morreu-lhe o irmão Thoby Stephen, e sofre uma grande depressão, enfermidade que a ia perseguir toda a
vida. Em 1912 casou-se com o crítico literário Leonard Woolf, com quem viveu
até à morte. Foi com Mrs. Dalloway
que ela conseguiu um amplo reconhecimento literário da sua obra. Com o marido
criou uma editora para publicar literatura experimental e traduções do Russo.
Foi galardoada com muitos prémios literários mas só aceitou um, o “Fémina” de
França. Tendo sofrido uma série de contratempos recentes, em 28 de Março de
1941 foi acometida de mais uma forte depressão, e depois uma tentativa de
suicido falhada há poucos dias, enche os bolsos do seu casaco de pedras e
atira-se ao Rio Ouse, onde se afogou.
A
OBRA
A obra de Wirginia Woolf é vasta e
diversificada, inclui romances, contos, ensaios, diários, biografias, cartas,
traduções e uma peça de teatro. Vão ser referidos aqui apenas os seus romances:
- A Viagem (1915)
- Noite e Dia (1919)
- O Quarto de Jacob (1922)
- Mrs. Dalloway (Os Anos)
(1925)
- Rumo ao Farol (Ao Farol no
Brasil) (1928)
- Orlando (1928)
- As Ondas (1931
- Os Anos (1937)
- Entre os Actos (1941).
O
ROMANCE Mrs. Dalloway
Pequeno
Resumo
O romance gira à volta de Clarissa
Dalloway, de 53 anos, que parte uma manhã para Londres, preparando-se para dar
uma festa na sua casa naquela noite. A cidade está divertida e buliçosa, e o dia é agradável,
fazendo-a reviver a sua juventude em casa dos Bourton. No seu périplo encontra algumas
pessoas que lhe trazem à mente reminiscências de toda uma vida. Ela casou-se com
Richard Dalloway, uma pessoa bem colocada na sociedade, que lhe permitia
fazer a sua vida, ter a sua liberdade. Recebe por acaso a visita de Peter
Walsh, um antigo namorado a quem recusara no passado uma proposta de casamento,
por ele ser um tanto esquisito e enigmático, não deixando de o convidar para a
festa daquela noite, bem como a Sally Seton, de quem não gostava, mas que era amiga
da filha, Elizabeth.
O lado negro do livro é a história
de Septimus Warren Smith, um veterano de guerra ainda na casa dos trinta,
casado com a italiana Lucrécia, que sofre de alucinações frequentes, fazendo
aflitivas evocações do seu amigo Evans, que morreu na Guerra Europeia (ainda
não se tinha chegado ao conceito da 1.ª Grande Guerra). Muitos dos seus queixumes,
indecifráveis para a maioria das pessoas, podiam fazer sentido para Clarissa
Dalloway, que se condói do seu estado de saúde, criticando o tratamento médico pouco
ético e científico que lhe é ministrado. Septimus acaba por se suicidar, atirando-se abaixo
de uma janela quando lhe prescrevem o internamento num hospital psiquiátrico.
O livro termina com a grande festa
dada à noite por Clarissa Dalloway em sua casa, cheia de pompa e circunstância,
em que vão ser recebidos um primeiro-ministro ou quase, e pessoas com origem nas
várias classes sociais, que ali fazem como que um flash de toda aquela sociedade. Ela mostra-se jubilosa, muito viva
à conversa com os seus convidados, parecendo recuperar neste jantar alguma
juventude. Estão ali reunidas grande parte das personagens com quem se cruzou
durante o dia. Dão a notícia da morte de Septimus Warren Smith e ela em vez de
lamentar o acto parece até comprazer-se da coragem daquele homem em querer
preservar a sua dignidade e não se deixar vencer pelo infortúnio. Ao fim despede-se do desastrado Peter Walsh, tomada de uma incrível emoção.
Principais
Personagens
Clarissa Dalloway: A personagem principal do
romance, uma senhora sensível, dada ao contacto social, esposa de
Richard Dalloway e mãe de Elisabeth. Ainda ensombrada com o seu casamento
falhado com Peter Walsh vai organizar uma festa na sua casa, reunindo pessoas
das mais diversas classes sociais.
Richard
Dalloway: Marido de Clarissa, mas um tanto distante dela, muito envolvido
no seu trabalho. É frio, carreirista, voltado para si próprio, embora respeite a
mulher e mantenha uma relação afectuosa com a sua filha Elisabeth.
Peter
Walsh: Um velho amigo de Clarissa, a quem ela muito anos antes recusara uma
proposta de casamento. Voltou da Índia para tratar do divórcio da actual esposa
e casar com Daisy. É um tanto enigmático, sente-se um falhado, sempre à volta
do seu canivete.
Septimus Warren Smith: Um veterano da I Guerra
Mundial, meio louco, que sofre de alucinações e tem tendência para o suicido. Descrente
da vida e do mundo – está destruído por dentro. É casado com a italiana Lucrécia,
que se sente um pouco responsável pelo seu estado.
Miss
Kilman: É professora de Elizabeth. Tem ascendência alemã, esteve suspensa
de funções durante a guerra por fazer declarações germanófilas. Não gosta de
Clarissa mas adora estar com a filha. Dá a impressão de ser algo masculina, de
ser porventura lésbica.
Sally
Seton: Casada com Lord Rosseter e com cinco filhos, que no passado fora
amiga de Clarissa, e a quem dera um beijo com um glamour desconhecido, dando um
calro indicio da natureza bissexual de Clarissa.
Sir
William Bradshaw: Psiquiatra de Septimus. Virgínia Woolf não parece
concordar com a terapia que ele preconiza para Septimus, reprovando a maneira
cultural como na Inglaterra são vistos e tratados os doentes mentais.
Hugh
Whitbread: Um membro não bem especificado da Casa Real Inglesa, cheio de
pompa e circunstância, muito senhor da sua posição social, amigo de Clarissa.
Apreciação
geral do Romance
É com prazer que se lê este romance,
efervescente de vida, torrencial, desvendando com fulgor o quotidiano da cidade
de Londres por onde deambula a personagem, Clarissa Dalloway. É um livro que uma
vez começado a ler não dá vontade de parar. Com um poder de observação enorme,
a autora descreve-nos fisionomicamente as personagens, e com grande minudência vai
até ao seu mais íntimo, revelando-nos as suas aspirações, os seus preconceitos,
os seus gostos, faz aflorar o seu passado, tecendo comentários sobre os seus
desaires e os seus êxitos, os seus traumas, tudo integrado no ambiente social em
que os factos ocorreram – até a cidade parece erguer-se perante nós com os seus
edifícios intimidadores, as suas ruas agitadas, os seus monumentos, os seus
sons, os seus odores, toda aquela balbúrdia.
Para muitos críticos este livro é uma
versão contraposta ao Ulisses de
James Joyce, escritor que ela uma vez louvou, embora o considerasse pretensioso,
a querer dar nas vistas, fazendo acrobacias literárias à procura de notoriedade.
A narrativa de Virginia Woolf é corredia, saltitante, como se a autora fosse
omnisciente, para si não houvesse segredos, discorrendo por monólogos
intimistas, apartes indiscretos, observações de circunstância. Levada pela
corrente (fluxo) de consciência, o mundo jorra através das suas palavras com a
impectuosidade da água de uma fonte. Misturando o discurso directo com o
indirecto, ela vagueia pelo interior da cidade, como se para si o mundo
estivesse todo iluminado, e as almas se pudessem ver por dentro.
Embora o romance incida em apenas um
dia da vida de Clarissa Dalloway, o tempo é muito cronometrado, o Big Ben de
vez em quando soa, marcando o ritmo da vida. E ainda há um arreliador relógio
secundário a desdizer do primeiro, para atrapalhar as pessoas. O presente é vivido com voracidade, que
ela reaviva, evocando as reminiscências do passado. Há um presságio de
morte por toda a obra, que torna tudo contingente, efémero, volátil, como se o
seu espectro se tivesse apoderado da própria vida. Não faltam exemplos
desta atmosfera, que culmina na morte de Septimus: na página 31 ela diz que a morte não existe, e na 69 fala da morte da alma. Este livro parece ter um
leve afloramento das suas depressões, ou mesmo um prenúncio de como será a sua
morte.
Ideologicamente, sem que disso pareça
querer fazer alarde, o livro tem evidências de emancipação feminista, ao
destacar o papel da mulher, a grandeza da sua sensibilidade, a sua omnipresença
na sociedade. Mrs. Dalloway é uma mulher independente, que fuma o seu charuto, que
tem com uma personalidade forte, dominadora – uma alma grandiosa. Num tempo de
grande conservadorismo sexual, aparecem aqui retratadas personagens com tendências
bissexuais. Não só de Clarissa com Sally Seton, como de Miss Kilman com
Elisabeth Dalloway.Na página 149 Clarissa desabafa: Uma cristã, aquela mulher? Que lhe tinha roubado a filha! Há também
indícios desta tendência em Septimus Smith e a sua afeição ao amigo Evans, corroborados
com a repulsa que tinha pela mulher. Esta predilecção pelos temas bissexuais
tem muito de autobiográfico.
Mr.
Dalloway é um romance excepcional que lemos como uma peregrinação pelo
mundo da vida. Ergue perante nós uma cidade, onde os acontecimentos chegam aos
nossos sentidos resplandecendo como diamantes que brotem das árvores, eivados
de uma grande humanidade, traduzindo as grandezas e misérias do ser humano.
Virgínia Woof, com uma personalidade complexa e sofredora, tem uma visão muito
esclarecida da vida e do mundo – vai longe na análise psicológica, conhece bem o meio social, está a par da ciência do seu tempo. Mais belos textos que os deste livro só talvez
a carta que escreveu ao seu marido, transbordante de amor e ternura, ainda que dramática
e lúgubre, quando encheu as suas vestes de pesadas pedras, meticulosamente, com
o necessário rigor científico para que não voltasse a falhar, e se foi atirar ao
Rio Ouse, onde se afogou, poupando ao marido mais aflições, e libertando-se
do terror que era para si a sua doença. Nós queríamos que ela vivesse um pouco mais,
ainda que a sintamos bem viva à nossa volta.
Martz Inura
4/12/2016
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