GÜNTER GRASS
O
Gato e o Rato
Tradução de Paulo Rego
Casa das Letras
O
HOMEM
Günter Wilhelm Grass nasceu
em 16 de Outubro de 1927 em Danzig, então um enclave alemão (hoje Gdanks, na Polónia), e faleceu em 13 de
Abril de 2015, em Lübeck. Era filho de pai alemão e mãe polaca, católicos, comerciantes remediados, e foi educado no seio do nazismo. Aos dezassete anos é chamado a servir nas forças armadas
do seu país, e incorporado nas Whaffen-SS, depois de ter sido recusado nos submarinos. Durante a guerra foi ferido em combate, sendo preso em 1945 em Marienbad, então Checoslováquia, e libertado no ano seguinte. Depois da guerra, sem formação académica foi mineiro, ajudante de pedreiro, e trabalhou em
quintas. Mais tarde estudou desenho e escultura em Düsseldorf, de 1953 a 1955, e
por fim na Academia de Ates em Berlim. Apesar de ter tido uma
juventude quase perdida, desperdiçada no torpor da guerra, conseguiu superar-se, trabalhando e estudando, distinguindo-se mais tarde como romancista, dramaturgo, poeta
e escultor. Fez ainda alguma intervenção polítca. Casou duas vezes, viveu em Paris algum tempo. Em 1953 foi-lhe atribuído o Prémio George Brüchner, e em 1999
ganhou o Prémio Nobel da Literatura. Foi um interventor intelectual muito importante
na sociedade do seu tempo. Por ter feito parte do Exército Alemão e ter pertencido às forças das Waffen-SS, a elite nazi, levantou alguma celeuma, quem melhor o poderá ter
defendido foi Oskar, uma das personagens de
O Tambor, quando diz: “Eu não sou culpado pelas coisas que fiz em criança”.
A
OBRA
Günter Grass deixou uma obra vasta e diversificada, de mais
de uma vintena de livros, que se estendem do romance à poesia, da dramaturgia ao
ensaio, aos diários, e ainda peças de escultura de inegável qualidade. Destacam-se aqui
algumas obras de grande interesse para a Literatura:
– A Trilogia de Danzig, que inclui:
– O Tambor (1959)
–
O Gato e O Rato (1961)
– O Cão de Hitler (1963)
–
A Ratazana (1986)
–
A Passo de Caranguejo (2002)
–
Em Viagem de Uma Alemanha à Outra
(1990) - Diário
–
Mau Agoiro (1992)
–
Uma Longa História (1995)
–
O Meu Século (1999)
–
Descascando a Cebola (2006)
- Biografia
O
ROMANCE O Gato e o Rato
– Personagens
mais importantes:
– Joachim
Mahlke: A personagem principal. Conta-se
aqui a sua história quando, pouco antes de ter completado 14 anos entra para o liceu.
Chega atrasado com a sua notável maçã-de-adão na garganta e é rejeitado pelo
grupo, desenvolvendo um complexo de inferioridade, que combate procurando ser o
melhor da classe, e usando amuletos dependurados ao pescoço. O pai morreu num
desastre de comboio, vive com a mãe e a tia. É muito religioso e devoto da
Virgem Maria.
– Pilenz:
É o amigo e oponente de Mahlke, tentou ridicularizá-lo à frente às raparigas com
o arremesso de um gato para cima dele. Pilenz e Mahlke funcionam no romance como
o gato e o rato. São ao mesmo temo amigos e oponentes.
– Tulla
Pokriefke: Uma jovem que não segue a moral burguesa, provoca Mahlke para
uma sessão de onanismo. Costuma andar com os rapazes, é o oposto da Virgem
Maria.
– Reverendo
Gusevski: O padre bondoso, benevolente e afável, quase pueril, por quem
Mahlke tem uma grande consideração e respeito, será o pai que mal chegou a ter.
– Reitor
Klohse: Quem dirige o liceu ao sabor da ideologia nazi.
– Shilling:
Um dos jovens que ridicularizava Malhke.
– Capitão-tenente:
Um comandante de submarinos que foi ferido em combate e recebeu uma Cruz de
Guerra. Veio à escola fazer uma palestra exaltando o patriotismo, a coragem, o
heroísmo.
– Resumo
do romance:
Capítulo
I – Em plena Segunda Guerra Mundial, o romance começa com uma descrição na
relva de um campo de Schlagball, uma espécie de basebol alemão. Pilenz e outros
colegas tentam meter-se com Mahlthe, pegam num gato e lançam-no sobre a
sua maçã-de-adão , claro que este reagiu mal. Há assim aqui o início do bullying sobre Mahlke – ele é o patinho
feio da turma.
Capítulo
II- A narrativa passa para um diálogo em que nos aparece Mahlke a falar da
vida dele naquela escola da Juventude Hitleriana. Pilenz vai ao quarto dele e
repara que tem um gira-discos e um altar à Virgem Maria. Ele não era muito
estudioso, gostava mais de ginástica, gostava de ser palhaço. Assistem à batalha
naval entre a Marinha alemã e a polaca na Baía de Gdansk, onde ficou a perdurar
um ambiente de guerra com os navios ali afundados.
Capítulo
III – A maçã-de-adão de Mahlke era objecto de escárnio dos colegas, eles
gozavam com isso, e ele para contrapeso dessa característica usava dependurado
ao pescoço uma imagem da Virgem e uma chave de fendas inglesa. Relata-se aqui a
provocação de Tulla Pokriefke para ele entrar numa demonstração de onanismo
(masturbação masculina). Ele os impressionou, mostrando que tinha o maior pénis
da classe, e foi o único a ejacular duas vezes.
Capítulo
IV – Fala-se do período em que Mahlke introduziu a moda dos pompons na
escola. Ele continua com os seus talismãs dependurados ao pescoço, na tentativa
de esconder a sua maçã-de-adão. Nas férias de Natal, Pilenz recebe a visita de
umas primas de Berlim. A bacia de Danzig naquele inverno está gelada, fazem com elas uma
visita ao caça-minas Rybitwa, preso no gelo, para as impressionar. O convívio
com as jovens não foi além de uns beijos e abraços. É realçada a devoção de Mahlke à
Virgem Maria.
Capítulo
V – Um tenente da Luftwaffe, antigo aluno da escola, vem ali fazer uma
palestra sobre as suas experiências de guerra, fala dos seus voos sobre o
território inimigo, impressionando os alunos com a audácia dos seus feitos. O
reitor Klohse recebe-o cordialmente e faz uma introdução à sua palestra. Os
alunos têm de ouvir os discursos enfadonhos do reitor e dos professores. Ainda
está frio, ele já têm saudades de mergulhar no navio encalhado. Mahlke por esta
altura está mais maduro.
Capítulo
VI – Chega-se ao verão, voltam aos mergulhos no mar, Mahlke consegue
mergulhar em profundidade, e numa das suas tentativas felizes consegue
alcançar outras divisões do Xaveco, nome que davam
ao caça-minas encalhado, acabando por ter acesso à cabine do navio, do
lado de lá, mas acima da água. Encontra lá objectos interessantes como
um fonograma e discos, de que faz uso. Transforma aquele lugar secreto
no seu local de trabalho, a que mais ninguém tinha acesso, por não
conseguirem mergulhar até lá.
Capítulo
VII – Um capitão-tenente, comandante de um submarino vem ali à escola fazer
uma palestra. No pavilhão desportivo juntam-se professores e alunos, o reitor
Kloshe discursa, os professores aplaudem, há troca de bilhetinhos entre alunos
e alunas. O capitão-tenente fala de naufrágios, de mares, de guerra naval. Os
alunos estão bem informados sobre esta terminologia, sabem até de cor o nome dos
navios e submarinos dos outros países. Depois dá-se o roubo da Cruz de Ferro do
oficial da marinha alemã. A suspeita recai no pobre do Buschmann.
Capítulos
VIII – As averiguações ao roubo continuam. No domingo vão para a praia, os
alunos divertem-se e falam do sucedido, chegando à conclusão de que aquele
roubo só poderia ter sido obra de Mahlke, do Grande Mahlke, como passou então a ser chamado. Pilenz vai ao caça-minas
afundado, o Rybitwa, e confirma as suas suspeitas. O facto chega ao
conhecimento do reitor Klohse, e Mahlke acaba por ser expulso, transferem-no
para outra escola. Mas ao facto não se queria dar muita publicidade, que só
prejudicaria o prestígio da escola.
Capítulo
IX – As férias de verão são passadas pelo narrador sem Mahlke, e sem ele
parece que falta ali qualquer coisa, andavam sempre um atrás do outro, como o
gato e o rato. Depois das férias ele reaparece na igreja do reverendo Gusevski. A devoção de Mahlke à Virgem Maria é tão
fervorosa que até parece rondar a idolatria. Confessa que se ofereceu para os
submarinos. No terceiro domingo do advento o narrador visita Mahlke em casa,
onde mora com a mãe, ele está bem informado sobre a guerra que estavam a
travar.
Capítulo
X – Em 1943, o narrador Pilzen oferece-se para a Luftwaffe, fala das suas
experiências, dos alunos que se alistaram na guerra. Só mais tarde, em
Fevereiro, volta a encontrar com Mahlke, mas ele está modificado pela guerra, mais distante, a
conversa que mantém com ele é curta e reservada. Não ouviu falar mais dele. Vai mais
tarde a casa da sua tia saber notícias dele e ela quis dar-lhe a ler uma carta
que ele lhe enviara. Ali em Danzig estava tudo na mesma, ou quase, o caça ainda estava no
mesmo sítio, mas o liceu era agora abrigo de pássaros, e a Virgem de Mahlke
teria ido para a sucata.
Capítulo
XI – Em 1944 Pilzen está por casa, onde a mãe tem hospedado um primeiro-tenente,
que veste os chinelos do seu pai, e anda muito à volta dela. Ela metia em casa
outros homens. Fala do altar erigido no aparador da sala de jantar em homenagem
ao seu irmão mais velho, Klaus, morto na Crimeia, com toda a sua simbologia
fúnebre. Foi também convocado para a guerra. Só mais tarde teve notícias do Grande Mahlke, que se meteu com a mulher
de um seu comandante, uma quarentona fogosa. Volta aos blindados, a que pertencia, tem uma intervenção
corajosa em combate e é promovido, como o jornal da terra noticia.
CapítuloXII
– Em 1944, o agora sargento Mahlke regressa à sua escola onde o
reitor
Klohse o espera. Foi condecorado, está bem fardado, não dá mostras de
ter sido
ferido em combate –, a Virgem deve-o ter protegido. Ganhou uma Cruz de
Ferro,
aquela não era roubada. Quer fazer ali uma palestra, mas o reitor Klohse
opõe-se,
devido ao seu mau comportamento anterior, sugere que a faça na cidade.
Vão ao gabinete e discutem o assunto. Nesse dia à noite encontram-se, o Grande Mahlke está desvairado, pega nos
colarinhos do reitor e dá-lhe duas bofetadas. Vai com o seu amigo para a
cidade, onde põe em questão as suas crenças religiosas. Está desanimado, se
aquela condecoração não servia para o reabilitar não voltava à guerra, e acaba
por perder o comboio para ir para a sua unidade militar.
Capítulo
XIII – Assiste-se a uma missa em Latim na Capela de Maria do
reverendo
Gusewski, a três, estando presente Pilzen, em que se fala de pecado e
indulgência. Mahlke está lá à frente perto do altar de Maria, e é o
primeiro a
ajoelhar-se para receber a comunhão. Depois da cerimónia Mahlke fica cá
fora à
chuva. O Reverendo está preocupado, e é Pilenz que vai falar com ele,
aconselhando-o
a ir apresentar-se ao comando das tropas e inventar uma desculpa
qualquer para
a sua não apresentação no dia devido. Ele vivia agora com Pokriefke, não
queria partir. Estava farto de guerra, achava que já tinha
cumprido a sua parte. Era famoso entre as crianças da escola, que
queriam
colher o seu autógrafo. Refugia-se no Xaveco, mas dão-lhe umas groselhas
a
comer que lhe fizeram mal, e é o amigo que tem de despachar dali para
fora. Pilenz
está de novo em casa, a mãe tem agora ali um responsável pela segurança
de
vagões a comer com ela. Recebem uma carta, era a sua ordem de
alistamento, o
que fez chorar a mãe. Quando em 1959 em Regensburg houve um encontro de
antigos
sobreviventes da guerra, dos que fizeram por merecer uma Cruz de Guerra,
ele quis
falar com Grande Mahlke, estava cá
fora à sua espera, mas ele teimava em não comparecer, mantinha a mesma sobranceria
de sempre.
– Apreciação
geral do romance
O romance não é muito volumoso,
parece até tratar da questão com certa ligeireza, como se tratasse de uma
história aparentemente banal, porém, retrata a vida daquela época com grande rigor,
incorporando nela o que há de mais importante naquela narrativa. Acusam Günter
Grass de incidir demasiado nas relações entre sexos, usando de uma
linguagem grosseira, mas o sexo é algo que não pode ser banido totalmente dos nossos livros,
já que é o que impulsiona a vida, ainda que a maioria dos escritores o evite
para não ferir susceptibilidades. E devemos salientar que durante a guerra
estas relações se tornam relevantes, porque naturalmente ocorre um impulso natural
à natalidade (é da Biologia), surge por vezes necessidade premente de fazer alianças conjugais para
enfrentar os racionamentos (é da Sociologia), e até combater a enorme solidão que se gera (é da Psicologia). Há
naquele concurso de onanismo, quase inocente dos adolescentes, sobretudo uma
manifestação à vida. Houve quem o criticasse por ter ido longe demais na nestas descrições, mas, como já foi dito
por outros –, esses críticos não manifestaram a sua repulsa, não se
escandalizaram com o relato de horríveis matanças daquela guerra estúpida,
essas, sim, mais dignas de censura, mais reprováveis, repelentes. O autor não
ignora aqui a religião, fala da fé obsessiva de Mahlke, dos altares privados, facto
corriqueiro por essa altura, pois eram tempos em que os seres humanos, na ausência
de quem lhes valesse na Terra se voltavam para os Céus.
Sob o ponto de vista narrativo, trata-se de uma história que o narrador conta ao narrado, quase desprovida de diálogos, que não precisa de travessões. O jovem Mahlke parece-nos bem
caracterizado, o seu perfil psicológico está detalhado com precisão analítica. Ele
é órfão de pai, que morreu num acidente de comboio, vive com a mãe e uma tia,
num ambiente maternal permissivo. Apesar do carinho que tem à sua volta é um
tanto revoltado, desinteressado, pouco motivado pelos estudos – é um
não-conformista capaz de qualquer desvario, por isso dizem que é meio maluco. Gostava
de ser palhaço de circo. Além disso é fraco e doente, foi para a escola mais
tarde. Mahlke sente-se marginalizado, sobretudo depois de os companheiros notarem
que tinha uma grande protuberância na laringe, uma grande maçã-de-adão, e pior
do que isso, tinha o maior pénis da classe –, tudo razões para o
marginalizar. Falta-lhe talvez o pai para lhe dar força e segurança,
auto-confiança. Ele sente-se acossado, marginalizado, e para compensar isso
refugia-se na sua solidão, usa amuletos que traz ao pescoço, reagindo por vezes
às provocações com actos bruscos e violentos. Tenta parecer mais forte do que realmente
é para compensar este seu complexo de inferioridade. Sentindo-se só, volta-se
para si mesmo, é misantropo, sorumbático, e como tal, muito religioso –, vai regularmente
à missa, comunga, tem uma fé fervorosa na Virgem Maria. Ela, na sua infinita
bondade o compreenderá, ela lhe dará a força que lhe tem faltado.
– A
importância deste romance
As cenas deste romance passam-se
durante na Segunda Guerra Mundial na cidade alemã de Danzig (hoje Gdanks,
Polónia). O autor começa o livro, evocando reminiscências da adolescência, como
se nos viesse contar uma história de crianças, mas não é esse o seu propósito,
trata-se de um romance destinado a adultos. O facto de predominarem
personagens ainda na adolescência, quando a mente humana começa a estruturar-se,
é que torna o livro original, já que aparentemente eles têm pouco a ver com a
guerra, e foram excluídos dela pela maior parte dos autores. Os jovens nascem aqui
num ambiente de guerra, à sua volta
só se vêem vestígios de destruição e violência, têm familiares mortos em
combate, passam por enormes sacrifícios, que aceitam como naturais, e estão a preparar-se
para ela. A guerra é encarada por eles como algo empolgante, assim o depreendem
da educação que estão a ter, nas aulas ou em casa, nos comentários dos
professores e dos pais, nos livros e nos filmes – aquela surge-lhes como algo
ligado às virtudes de um povo, necessária para a defesa da liberdade, da honra e
da justiça –, é feita em nome dos mais altos valores. As crianças acabam por
ter preferência pelos jogos de guerra, gostam de decorar os nomes dos navios e
submarinos afundados, dos aviões abatidos, em vez de se interessarem pelas
matérias de estudo obrigatório. Quando o capitão-tenente vem dar uma palestra à
escola e fala de afundamento de navios (Capítulo VII), o facto é sentido como
algo inolvidável, ninguém quer pensar no sofrimento que terá causado às pessoas
que naufragaram e morreram, e se encontram agora no fundo dos mares, pasto dos
peixes.
Outro aspecto que há aqui a considerar é
o esvaziamento da noção da morte,
que é encarada pelos jovens com uma leveza impressionante. Desprovida daquilo
que ela tem de mais terrível: o sofrimento, a perda, a extinção de uma vida. É como se ela
não existisse para eles, só pudesse vitimar os outros. Quando o tenente da Luftwaffer
veio fazer uma palestra à escola, disse, ao referir-se a um avião inimigo que
abateu: Foi ele que teve de ir à água
(página 59), reduzindo nesta expressão o que é mandar alguém para a eternidade,
não manifestando a mais leve mágoa pela morte do seu contendor. E repara-se que
com isto também estava a menosprezar a sua própria vida, se fosse ele a ir à
água ia na sua vez, e talvez não demorasse muito para que isto acontecesse. Embora
em casa, nos altares de família se condoessem com os seus mortos, lhe erigissem altares, sobretudo as pobres
mães, cá fora esforçam-se por o esconder. Os jornais, os filmes e a propaganda a
que estavam sujeitos davam-lhes a falsa imagem de um mundo quase paradisíaco, dourando
de esplendor os aspectos positivos da guerra, e ignorando os negativos. A
verdadeira motivação da guerra e as suas consequências nefastas eram um assunto
tabu. E havia ainda os comunicados especiais com que se pretendia obter um
efeito psicológico acomodatício mais forte sobre a população, face a notícias aterradoras
que pudessem ocorrer. Em O Tambor, Günter Grass mostra-nos como uma criança ao deparar-se com um mundo cruel à sua volta se recusa a crescer, mas em O Gato e o Rato ele vai mais longe, e mostra-nos como essa criança depois de crescida, e mesmo já a envelhecer, está um tanto destruída por dentro.
Este livro serve para nos alertar
com letras grandes perante o perigo dos grandes ditadores, dos falsos profetas,
dos tiranos de todos os tempos e de todos os povos. Neste livro vemos como toda
a estrutura política se serve da educação e da propaganda para estender sub-repticiamente
a sua influência pelos mais jovens, e os levar inocentemente para o abismo.
Como ela consegue formatar, distorcer e condicionar o pensamento das pessoas
até que ele se torne uma massa amorfa de ideias irreflectidas. Deste risco pensávamos
estar bem acautelado o povo alemão, pátria de grandes pensadores, que admiramos, como Leibnitz,
Kant, Nietzsche, Schiller, Fichte, Karl Marx, Engel, Schopenhauer, Novalis, Max
Weber, Habermas, Hanah Arendt, e tantos outros. Julgávamos que com este saber acumulado estávamos
mais protegidos da insanidade mental das nações, mas não, isto que nos sirva de lição para olharmos com reserva as
nossas ideias, sobretudos as mais apaixonadas, e que os povos não vivam ao sabor de ideologias, não se deixem
contaminar por ideais belicistas, ou por teorias de uma falsa superioridade racial, que, ainda que possa
ocorrer temporariamente em aspectos singulares nas nações –, pois num confronto
há normalmente um perdedor e um vencedor –, lá no fundo, biologicamente, não
existe, potencialmente somos todos iguais. Günter Grass
é um escritor vigoroso, por vezes contundente, com um sentido realista das
coisas. O Gato e o Rato é um grande
romance.
25/10/2017
Martz Inura
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