GEORGE ORWELL







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GEORGE ORWELL
1984 (Nineteen Eigty-Four)
Tradução de Ana Luísa Farias
ANTÍGONA (2015)



O HOMEM
            George Orwell era o pseudónimo de Eric Arthur Blair, nasceu em Motihari, na Índia, em 23 de junho de 1903. Era filho de um funcionário público. Pouco depois a mãe trazia-o para a Inglaterra, para a cidade de Henley-on-Tames. O pai só viria em 1912. Quando chegou tinha perdido os vínculos com o filho, que o considerava conservador. Era bastante enfermiço. revelando precocemente dotes literários. Foi estudar para um colégio interno, embora os pais não fossem ricos. Era um aluno inteligente e conseguiu uma bolsa para frequentar o Wellington College e o Eton College, mas os seus pais não tinham posses para o mandarem estudar para a universidade e ele ofereceu-se para a polícia, indo servir na Birmânia. Ao fim de cinco anos cansou-se e regressou a Inglaterra. Antes ainda passou por Paris, vivendo ali em dificuldades, quase como mendigo. Ele lia muito Kipling e H. G. Wells. Em 1936 casou-se com Eileen O’ Shaugnessy, que o apoiou nas suas aspirações literárias. Visionário, vai para Espanha durante a Guerra Civil para lutar contra as tropas de Franco. É ferido como um tiro na garganta e regressa à Inglaterra. Ele era muito atreito às bronquites, e pouco depois manifesta-se nele a tuberculose. De 1941 a 1943 é produtor na BBC, mas sente-se manietado pela propaganda política que ali se fazia e sai para se tornar um editor socialista. Mas continuou a escrever. Com a esposa adotou um filho, Richard. Eles tinham um casamento aberto, e pouco depois ela morria-lhe. Em 1949 conseguiu concluir o romance 1984, já com muita dificuldade, datilografando alguns trechos na cama. Vendo o fim à vista, pouco antes da sua morte casou-se com Sónia Blomwell, que editava os seus livros, a qual ficou herdeira e administradora da sua obra. Em 21 de janeiro de 1949 falecia em Londres, tinha quarenta e seis anos de idade.  


A OBRA
            Apesar de morrer cedo, George Orwell deixou vasta obra: ensaios, poesia, crítica, e meia dúzia de romances. Alguns dos seus livros foram adaptados ao cinema, sendo os dois últimos, os que lhe deram grande projeção, tornando-o um dos escritores mais influentes do século XX. Destaca-se aqui os romances:
            –  Dias na Birmânia (1930)
            A Filha do Reitor POR. (A Filha do Reverendo BRA) (1930
\           O Vil Metal POR. (Mantenha o Sistema BRA) (1931),
Um Pouco de Ar por Favor (1939)
O Triunfo dos Porcos POR. (A Revolução dos Bichos BRA) (1945)
1984 (1949).


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O ROMANCE 1984
                                 
– DEFINIÇÃO DE ALGUNS TERMOS IMPORTANTES

O Mundo no Livro: No livro, o mundo era então dominado por três Superestados:
            . Oceânia: Reino Unido, Irlanda, Islândia, toda a América, Sul da Árida e Austrália.
            . Eurásia: Europa continental e quase toda a Rússia
            . Lestásia: A China, Japão, parte da Índia e nações vizinhas 

O Partido: O Partido era constituído pelo grupo de pessoas que ocupavam o poder, dirigido pelo Grande Irmão (Big Brother), que governava segundo os princípios dos regimes totalitários, sob os lemas à partida contraditórios:
            - Guerra é Paz
- Liberdade é Escravidão
            - Ignorância é Força.

Os Ministérios:O autor achou que bastariam quatro para exemplificar o sistema:
            - Ministério da Paz (paradoxalmente dedica-se à Guerra)
            - Ministério da Verdade (paradoxalmente dedica-se à difusão da mentira)
            - Ministério da Riqueza (paradoxalmente institui a pobreza, branqueia a fome)
            - Ministério do Amor (paradoxalmente é antissexo, controla a população.

Novilíngua:  É a língua em uso, derivada do inglês, no fundo é o modo de expressão que encontraram para melhor difundirem a propaganda do Partido e espalharem a verdade que interessa ao Estado, isto é, (a Velhilíngua era o anterior Inglês). Algumas caraterísticas: Tem uma semântica especial, ignora o mal, o Mau dir-se-ia: Imbom; está a perder termos, ao contrário das demais línguas, para fugir à realidade; está apta ao Duplopensar, isto é, a creditar por um lado e descrer por outro.

            Telecrã (Teletela): Uma espécie de televisão capaz de nos ouvir e falar.

Crimeia: pensamento ilegal, contrário ao do Grande Irmão.
           
Proletas (es): digamos que são a classe mais desfavorecida.
           
Bempensante: seguidor do Partido.
           
Socing: o socialismo inglês.

PERSONAGENS PRINCIPAIS
– Winston Smith: É a personagem principal do romance, um modesto funcionário do Departamento do Controlo do Pensamento. Homem de temperamento fleumático, procura refinar a verdade do Partido, mas nem por isso deixa de pensar por si mesmo, o que lhe vai trazer problemas. Por outro lado, deixa-se apaixonar por Júlia, quando o amor ali está proibido. Não acredita no que lhe dizem e quer inteirar-se do pensamento da oposição, aceitando aderir à Fraternidade, organizada pela oposição, que possui um livro subversivo. Ele acreditava que seria através dos proletas que viria a libertação.
– Júlia: A amante de Winston, mulher corajosa e apaixonada. Pertence à Liga Juvenil do Partido Antissexo e trabalha no Departamento da Ficção. Na rua veste a faixa respetiva da liga e defende encarniçadamente as suas doutrinas, mas no íntimo é contra o Partido, que odeia. Será o medo que a leva a ter um Duplopensar.
– O’Brien: É um falso amigo de Winston, que se mostra descontente com o Partido, e o consegue atrair para a Fraternidade para depois os torturar, num processo que classifica como de Saúde Mental. É um elemento da polícia política. Ao fim do romance tenta convencer Winston não só a obedecer ao Grande Irmão como a amá-lo.
– Emanuel Goldstein (inspirado em Leão Trotsky): É uma ex-figura do Partido, agora caído em desgraça, inimigo do Estado, a quem o Partido faz graves acusações e lhe dedica diariamente horas de ódio através do telecrâ. Contudo, dado signo da mentira sob o qual vivem, não se sabe sequer se ainda existe, é o processo de afirmação do Partido.
– Parsons: Um camarada de Winston, pessoa gorda, mas ativa, que trabalhava como ele no Ministério da Verdade, desses que não põem nada em causa, absolutamente estúpidos. Tinha saído há pouco da Liga da Juventude. Era casado e já com filhos.
– O Grande Irmão (inspirado em Estaline, Hitler e Churchill): É o presidente da Oceânia, um ditador que nunca ninguém vê, mas que a propaganda faz com que pareça estar em toda a parte. É omnipresente, poderoso e infalível. Pode ter um caráter simbólico. É a personagem impulsionadora do romance através do medo e da repressão. 


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– BREVE RESUMO DO ROMANCE
            Não faltam críticas e recensões excelentes sobre este livro, vamos reduzir esta síntese ao mínimo indispensável, já que o romance é uma alegoria, interessam sobretudo as ideias que deles possamos extrair (desculpem se falhámos neste propósito):

Primeira Parte
            Winston acorda num dia claro e frio de abril, deparando-se com telecãs por todo o lado anunciando: O GRANDE IRMÃO ESTÁ A VER-TE. E pouco depois pôde ver e ouvir os slogans do Partido dirigido pelo Grande Irmão (Big Brother): GUERRA É PAZ/LIBERDADE É ESCRAVIDÃO/IGNORÂNCIA É FORÇA. A trama passa-se na Inglaterra. Pensar-se-ia que isto era é a subversão da realidade, mas não, ali, por aquela altura não era. Havia quatro ministérios: Ministério da Verdade, que sustinha o que erra falso; o Ministério da Paz, que fazia a guerra; o Ministério do Amor, que impunha a ordem e fazia a repressão; o Ministério da Riqueza, que geria a fome.
            Contudo, Winston teve acesso a um diário subversivo, porventura da Fraternidade, com uma folha cheia de: ABAIXO O GRANDE IRMÃO. Ali se podia ler, embora nem fosse bom pensar, já que uma tal atitude era crime. Ele simbolizava o poder totalitário, era infalível, as suas ideias representavam a verdade com a qual se e criava a ideologia a inculcar nas pessoas, de modo uniformizar-se o pensamento. Os proletas, os mais sacrificados daquela sociedade, tinham esperança numa outra verdade, e eram os mais vigiados. O mundo estava então reduzido a três Superestados: Oceânia, Eurásia e Lestásia. Winston fala com Parsons, seu colega de departamento, descobre que Goldstein é o inimigo público a abater, e sobre o qual se desencadeia duas horas de ódio diário. Houve ainda uma semana de ódio.
            O Grande Irmão estava em efígie por todo o lado, desde os livros às moedas, pelos telecrâs, era omnipresente, sempre a difundir ideologia, e de modo intimidatório, as pessoas tinham receio, mesmo de pensar, pois pensar diferente do Grande Irmão, mais do que um ato criminoso, constituía o próprio crime. Há muita repressão, purgas frequentes, a Polícia do Pensamento vela incessantemente por uniformizar as ideias segundo o modelo do grande Irmão. Há um Núcleo do Partido, o mais favorecido, o Partido Exterior, que constituía a classe média, e os proletas, os menos beneficiados. O medo era inibitório. Havia até o recurso ao Duplo-pensar, que era uma pessoa pensar uma coisa para o Partido, e outra coisa para si. Era aceitável as coisas serem e não serem ao mesmo tempo, contra os princípios da lógica.
            A informação era completamente controlada pelo Partido, que se apossara da produção de notícias, chegava a inventar falsos personagens, a criar acontecimentos inexistentes. Vivia-se sobre o signo da mentira, feita pela verdade que convinha ao Partido, soberanamente dirigido pelo Grande Irmão. Para velar por isso havia a Polícia do Pensamento e os seus departamentos. A própria ficção era controlada, pois não podia ter conteúdo ideológico contrário ao Partido. Eles chegavam ao cúmulo de querer controlar o passado para condicionar o futuro. Havia carência de artigos, mas os telecrâs anunciavam o aumento da produção, e a fome era como se não existisse. A sociedade era muito vigiada e violenta, a repressão comum. Para muitos um enforcamento era um espetáculo a não perder.
            A sociedade estava a fechar-se sobre si própria. Inventara a Novilíngua, a que estava a reduzir termos, ao contrário de todas as línguas do mundo. Havia coisas que não convinha que se falasse, e outras a que era parecido alterar o sentido. Escritores como Chaucer, Shakespeare, Milton e Byron tinham sido censurados e transformados numa coisa diversa do que eram. Também eles, lá atrás, se subjugaram ao Partido. Para fortaleceram a suas ideias estabeleceram horas diárias de Ódio, ou mesmo uma Semana do Ódio contra as ideias adversas ao Partido. Os telecrâs difundiam estatísticas deformadas, certificando as suas ideias falsas. Tudo naquela sociedade se produzia em maior número, menos a doença e a loucura. A prostituição era punida, embora na prática fosse fomentada. Os filhos retirados aos pais para reeducação. A castidade era vigiada pela Liga Juvenil. O sexo para além da procriação era uma perda de energia.
            Tudo era feito de modo a engrandecer o Partido, que era indestrutível por dentro. Para qualquer desfalecimento havia o GIN VITÓRIA reconfortante. A História fora reescrita para não estar em contradição com a ideologia do Partido. Havia milhares de funcionários a reescrevê-la continuamente: esta era uma tarefa importante para a sociedade, pois é com o passado que se constrói o futuro. A liberdade era o poder de afirmar que 2 mais dois eram 4, mas o Partido encontrava no Estado verdades bem mais importantes do que esta, era preciso não acreditar na evidência, que os poderiam levar ao erro, já quando vemos Sol a correr à volta da Terra foi o mesmo. Gerou-se mesmo a certeza de o passado ser mutável.
            O individualismo era fortemente reprimido, as verdades já tinha sido todas inventadas pelo Grande Irmão. Predominava o pensamento do Estado. Vivia-se ali no melhor dos mundos, o capitalismo era favorável à injustiça, à miséria, lia-se em todos os livros de História. A sociedade estava vigiada. Para além da Polícia do Pensamento havia o controlo eletrónico dos telecrãs. Instituíra-se o Ritual da Confissão, em que os camaradas se feriam numa convulsão frenética, como que se procurando penitenciar de qualquer pensamento pecaminoso que tivessem tido. A Terra era o centro do mundo. A religião tinha sido banida, as igrejas transformaram-se em museus. Winston queria lembrar-se do seu amigo O’Brien, longe das trevas em que caíra, mas o barulho dos telecrãs não o permitiam.

Segunda Parte
            Winston vai a uma casa de banho e uma rapariga faz-lhe chegar um papel com os dizeres: Eu amo-te. Ora isto constituía uma falta grave, porque o amor estava proibido pelo Grande Irmão. Vai encontrar-se com ela na Praça da Vitória, onde havia um desfile que lhes serviria como disfarce. Ele ainda não estava certo que aquilo corresse bem, tinha medo que ela o denunciasse. Mas o amor foi mais forte do que o medo, e conseguiram falar. Depois de alguns contactos fizeram amor, embora ela pertencesse à Liga Juvenil Antissexo. Winston e Júlia tentam iniciar uma vida de casados clandestinamente, o que era difícil, tinham de estar sempre a mudar de casa. Nos telecrâs continua-se a estimular o ódio, a fomentar o belicismo, a instituir o medo. O Partido apresentava-se ao povo como invencível. Aquele amor era perigoso, mas Júlia achava que valia o risco.
            Ele tem um sonho com a mãe, muito aflitivo. Pensa estar assombrado por Centros de Recuperação Ideológica. Vai-se encontrar com um seu amigo, O’Brien, que sabe nuito acerca de si e parece simpatizar com a oposição. Reúnem-se então numa sala da Fraternidade, onde se conspirava contra o Partido e eram a favor da destituição do Grande Irmão. Ali é-lhes dado a conhecer o livro seguido pela oposição, que a Polícia do Pensamento não conseguia destruir, pois, por mais que esta os destruísse, outros acabavam por reimprimir mais uns tantos. Estão ali Winston e Martim, e O’Brien conseguiu convencê-los a aderir à causa da Fraternidade. O Partido, através do telecrã vigiava todos os seus membros, contudo, eles ali sentiam-se protegidos, e iam apenas ler um livro.
            O livro em causa era A Teoria e Prática do Coletivismo Oligárquico de Emanuel Goldstein. Nele se explicavam muitos conceitos com os quais se pretendia aniquilar o Partido. Ali se falava da ignorância e da força, da guerra e da paz, da geografia e da história, e se desmistificava a ideologia do Partido. Ali se desmascara que todas as convicções, hábitos, gostos, emoções, atitudes mentais só serviam para alimentar a mística do Partido, e impedir que eles tomassem conhecimento da realidade. Um membro do Partido vivia do berço até à cova sob o olhar da Polícia do Pensamento. Mesmo os intelectuais do Partido pugnavam pela ortodoxia, recorrendo ao Duplopensar. Estão a conspirar nestas ideias, quando aparecem homens vestidos de preto da Polícia do Pensamento e os prendem. Foram traídos por O’Brien, que se fez passar por elemento da Fraternidade.

Terceira Parte
            Winston não sabia onde estava, imaginou que estivesse no Ministério do Amor. Bem, era isso mesmo, estava numa prisão para ser posto à prova. Havia ali presos do Partido e presos de direito comum, diferentemente tratados. Na parede havia quatro telecrãs, um em cada uma. Não via O’Brien, e ainda tinha a esperança que ele através da Fraternidade viesse ali tentar salvar os seus seguidores. Tratavam-no por Smith, como se ele agora lhes pertencesse. Ele disse para Parsons, com quem estava preso, que esperava que não o fuzilassem, pois não tinha feito mal a ninguém, só tinham pensado nalgumas coisas, porventura questionáveis. Mas aquele esclareceu-o que havia o Crimepensar, de que não estava livre. E ele uma vez tinha pensado, talvez dito: «Abaixo o Grande Irmão». Ora isso poderia ser grave. Por fim apareceu um oficial que o levou dali.
            Foi parar à Sala 101. Estava numa cama de campanha na presença de O’Brien, e em frente dele um homem de bata branca com uma seringa hipodérmica. Já conhecia o processo. Aquilo era claramente uma sala de tortura. Ali ia ser sujeito a grandes tormentos até o fazerem vergar ao Partido. Ele, perante os seus algozes confessaria tudo, dizia que era religioso, que assassinara membros eminentes do Partido, que vendera segredos militares, que era um pervertido sexual, que matara a própria mulher. Ia ser vítima de uma tal crueldade que confessava tudo. O’Brien veio à sala e tentou reconforta-lo, dizendo que ele estava ali à sua guarda, e era preciso que se regenerasse. Tinham na sala um processo de lhe graduar o sofrimento numa escala de 1 a 100, conforme ele estivesse a mentir, e eles eram generosos, raramente ultrapassavam os 40.
Winston queria saber por que estava no Ministério do Amor, e O’Brien esclareceu-o, dizendo que ele estava ali por sua própria culpa, por não ser humilde, não aceitar as ideias do Grande Irmão que tudo sabe, e só quer o melhor para nós. Não estava ali para ser castigado, sequer para lhe extorquirem uma confissão, mas para se curar. O objetivo daquele interrogatório era aceitar as ideias do Partido como verdadeiras, mesmo sabendo-as falsas. Liberdade é escravidão, dois e dois são cinco. Aquele processo era um mero Ato de Submissão num processo gradual de obtenção de Saúde Mental. E eles ali não se tornariam em mártires, como na Inquisição, eles ali eram aniquilados, eram uma peça com defeito, uma nódoa que urgia ser tirada. Eles iam extrair tudo dele até ficar oco. Por fim a agulha do homem da bata branca fê-lo mergulhar num sono profundo.
O’Brien era uma pessoa amigável, muito esclarecido nas coisas do Partido, e explicou a Winston, lamentando-se por o Ministério do Amor estar a perder tanto tempo com ele. Havia três estádios de reintegração, o saber, o compreender e o aceitar. A civilização baseava-se no ódio e no medo. Ele compreendia a mecânica da sociedade, mas só o como, não o porquê. Eles estavam mais avançados que os nazistas alemães ou comunistas russos. O Partido procurava apenas a aclarar a Verdade, garantir o Amor, fomentar a Riqueza, manter a Paz. A Terra era o centro do universo. O homem é que era o seu criador, pois sem ele o mundo não podia ser reconhecido, e era como se não existisse. Winston estava amarrado a uma cama, mas agora já não tão apertado, ainda tinha a esperança de curar-se e alcançar a felicidade. Até que alguém lhe desse um tiro na nuca por aqueles corredores, quando não contasse com isso, era o que se constava.
As condições da sua cela melhoraram. Já tinha uma almofada, um banco para se sentar, enfim, depois daquela lavagem ao cérebro que lhe deram, sentia que lhe tinham elevado o estatuto. Ao fim de algumas semanas, talvez meses, ele já confundia o sonho com a realidade, tinha perdido a capacidade de raciocinar. Tinha perdido a capacidade de ser sensível à dor, já nada o aborrecia. Na sua cabeça as suas ideias começaram a esvaziar-se de sentido. Começou então a imaginar que qualquer dia morreria por ali como os outros, por aqueles corredores, com um tiro na nuca, sem que desse por isso, era notável a humanidade dos guardas. Mas havia um problema, ela ainda odiava o Grande Irmão, e isto era óbvio para O’Brien, uma tal imperfeição tinha de ser corrigida, iam enviá-lo de novo para a Sala 101. Winston tinha progredido muito intelectualmente, era um facto, mas ainda lhe faltava qualquer coisa: ele devia não só obedecer ao Grande Irmão, como ainda a amá-lo.
            Winston estava insensibilizado às agulhas, mas tinha um ponto fraco que iam explorar: as ratazanas aterrorizavam-no. Foi então enviado para uma gaiola, onde elas o pudessem roer aos bocadinhos. Isto já tinha sido feito na China, não estavam a inventar nada. O’Brien, como sempre era muito didático, explicava-lhe tudo. Foi assim que lhe ensinaram que dois e dois eram cinco, que ele aceitou como verdade irrefutável. Ainda se lembrou de Júlia. Por fim foram ligados os telecrãs e anunciado que o Estado através do Grande Irmão tinha conquistado grande parte da África, feito meio milhão de prisioneiros, era a maior vitória da humanidade. Winston Smith não pode deixar de se sentir feliz com tamanha vitória do seu país. Bebeu mesmo uma golfada de gin. Foi levado ao Ministério do Amor, atrás dele vinha um guarda armado, que talvez dali a momentos lhe desse um tiro na nuca. Tudo lhe tinha sido perdoado, sentia a sua alma branca como a cal, a sua luta chegara ao fim, finalmente amava o Grande Irmão. 

Apêndice
            Aqui se esclarecem para os mais curiosos os princípios da Novilíngua (nova fala).

– APRECIAÇÃO GERAL
            1984, de George Orwell, é uma alegoria para criticar o totalitarismo estalinista e nazista, mas pode ser aplicado menos redundantemente ao fascismo ou à política de Winston Churchill na Grã-Bretanha do pós-guerra. Num período em que o comunismo era uma grande ameaça para o Ocidente, e para o qual ainda não havia antídoto, este livro transposto para Inglaterra, mas pensado como se ele se tivesse passado na União Soviética. Teve êxito imediato. Era uma maneira gritante de atacar os regimes totalitários e nos alertar também para o perigo que representava o progresso tecnológico como invasão da vida privada e controlo das ideias. O romance, distópico, ficcionando a política e o meio social, não foi isento a crítica negativa. Houve quem considerasse que o amor entre Winston e Júlia era pouco convincente. O Sunday Times num artigo considerou-o bater todos os recordes da chatice. A União Soviética baniu-o de 1950 a 1990. Porém, isto não beliscou o seu valor. A obra uma lufada de ar fresco na Literatura. Concluído em 1948, a editora sugeriu que os dois últimos dígitos trocassem a posição, para dar a ideia que aquela ficção se podia tornar realidade não muito remotamente.
            O livro retrata, pois, a política soviética então vigente, com processos já ensaiados no Ocidente, mas ali levados ao exagero, em que a verdade era tratada para melhor se controlar o povo e o Partido se manter no poder. Estávamos perante um Partido Único e um chefe todo poderoso. Havia a classe Alta, dos incluídos no Núcleo Interno do Partido; a classe Média, dos que pertenciam o Núcleo Exterior do Partido; e a dos proletas, que eram a classe Baixa, a mais numerosa e sacrificada. Afinal, paradoxalmente o Ministério da Paz era para fazer a guerra e garantir o poder das classes altas; o Ministério da Riqueza era para garantir o privilégio dos instalados e levar os pobres a aceitarem a fome; o Ministério da Verdade era para manipular a verdade e difundir a mentira, impondo a ideologia do Partido, educando as crianças de forma a seguirem o pensamento oficial. O Ministério do Amor, esse era para difundir o ódio, criminalizar o sexo, só autorizado para a procriação. Vivia-se sob o signo da mentira, com o mundo visto ao contrário, sob a repressão mais violenta.  
            De o Grande Irmão (Big Brother) emana a política a seguir pelo Partido. Ele era infalível, manifestando a sua presença através das efígies das moedas, dos quadros das escolas, das capas dos livros, e nos telecrãs espalhados por toda a parte. Apesar de omnipresente, nunca ninguém o tinha visto, ele podia ser um produto da ficção, já ter morrido, tal como Emanuel Goldstein, a dirigir a oposição do exterior. Seria uma forma do Partido criar um chefe baseado numa ideia, tornando-o de certo modo indestrutível. Podia ser a ficção de um grande ditador, de que, com feição mais corpórea, Hitler e Estaline seriam bons exemplos. O livro foi lido com curiosidade, inspirou muita gente, desde políticos a pensadores. Em 1999, a empresa de televisão holandesa, Endemol, criou mesmo um programa designado Big Brothher, que se espalhou por todo o mundo. Ali, uma câmara vigiava dia e noite os concorrentes, pois no livro os telecrãs faziam esse mesmo controlo. 
            A personagem principal é Winston Smith, que vai tomando consciência de como se vive no país uma mentira colossal. Rebela-se com Júlia contra a proibição do amor. Isto era um perigo, mas os dois achavam que valia a pena correr o risco. Tenta colar-se à oposição, à Fraternidade, onde Emanuel Goldstein era muito citado. Trabalhava no Ministério da Verdade, era um modesto funcionário encarregado de alterar a História, pois sabia-se que controlando o passado controlava-se o futuro. Note-se que ainda hoje a História dos países é deturpada em determinado sentido, o de favorecer a política estabelecida –, é reescrita para as escolas. Tinha um amigo, O’Brien, que o traiu e enviou para a Sala 101 a fim de se curar e recuperar a sua Saúde Mental. Perante os algozes da Polícia do Pensamento ele acaba por confessar tudo o que eles queriam, e as suas ideias, de tão marteladas já as aceitava, mas ainda odiava o Grande Irmão, o que era inadmissível. Era preciso não só acreditar nele como amá-lo. Por lá se fina Winston Smith em mais uma sessão na Sala 101, num reino de delirante felicidade.
            Este livro, dos mais influentes do século XX, mantém-se actual, continuando a chamar-nos à atenção para os perigos que ainda nos ameaçam nos dias de hoje. Conceitos como Big Brother, duplipensar, buraco da memória, crime de pensamento, 2+2=5, depois de 1949 tornaram-se vulgares. Recorrendo a uma linguagem metafórica, o autor escreve sem grandes artifícios, e de uma forma clara e expressiva. Os seres humanos, para não se sentirem em instabilidade sistémica, isto é, em dessintonia emocional e intectual com o sistema social em nascem, por norma põe-se fanaticamente ao lado da ideologia A ou de B. Nascem, e, enquanto acreditam no Pai-Natal, aceitam sem grande criticismo aquilo que lhe inculcam na cabeça. Adotam os hábitos do país em que nascem, seguem normalmente a religião com que o doutrinam, aceitam o clube que lhe impingem, aferem o seu pensar pelo senso comum –, deixam-se formatar, ao fim e ao cabo prefabricar. E depois, são normalmente arrogantes e até fanáticos na defesa das suas verdades, uns mais e outros menos, conforme nos pode exemplificar claramente uma curva de Gauss. George Orwell estava doente quando escreveu 1984 (Nineteen Eihty-Four). Sabia que era um livro necessário. Obrigado. Requiescat in Pace.

22/01/2019
Martz Inura 










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