LEÃO TOLSTOI
Anna Karénina
Posfácio de Vladimir Nabokov
Bela tradução (do Russo) de António
Pescada
RELÓGIO D`ÁGUA EDITORES (2006)
O
HOMEM
Leão Nicoláievitch Tolstoi nasceu
na Rússia, em Iàsnaia Poliana, perto de Tula, em 1828, e faleceu em Astapovo,
na província de Riaz, em 20 de Novembro de 1910. Filho da nobreza, era conde,
de uma fratria de cinco irmãos. Aos nove anos ficou órfão de pai e mãe, sendo
educado por precetores. Em Kazan estudou Ciências Jurídicas e Línguas
Orientais, mas cedo abandonou os estudos por se incompatibilizar com o ensino,
os professores consideravam-no pouco dotado e sem interesse pelas matérias. Tem
a seguir uma vida de boémio, meio perdido. É fortemente emotivo, depressivo, e
chega a ter ideias suicidas. Em 1851 entra para o exército russo, onde, como
oficial de artilharias é destacado para o Cáucaso, ao lado do seu irmão,
Nicolau. É ali que começa a escrever as suas primeiras obras, de cariz
autobiográfico. Faz depois uma viagem pela Europa, visita a Alemanha, a França
e a Suíça. De regresso à Rússia dá-se conta da injusta condição dos servos do
seu país, que tenta libertar, criando uma escola para eles na sua propriedade.
Casa com Sofia Andreievna Beers, de quem tem treze filhos, dos quais só oito
sobrevivem à infância. Escreve então livros como Guerra e Paz e Ana Karénina,
que o celebrizam. Tem neste período uma vida intensa e criativa, mas morrem-lhe
sucessivamente três filhos e uma tia, e ele, que tinha ficado órfão muito cedo,
fica bastante abalado, e é então acossado pela ideia da morte. Na literatura
assume uma posição cada vez mais doutrinária, atacando a Igreja Ortodoxa, que o
excomunga. Leu O Mundo como Vontade e Representação de Schopenhauer, de que
recebeu grande influência. Faz a seguir uma vida de asceta, na procura de uma
sublimação interior, a exemplo de Cristo e de Buda, cultiva a pobreza, a ponto
de rejeitar a sua herança e recusar receber os seus direitos de autor. Era um
homem atormentado pelo sentido da vida, chegando a recolher-se num mosteiro. O
seu alegado desequilíbrio psíquico, com o tempo acentuou-se, tornando-o ainda
mais radical. Fisicamente, também aparece mais debilitado. Incompatibiliza-se
com a família, que o trata como doente mental, e o passa controlar. Em 28 de
Outubro de 1910 apanha uma aberta, e, digamos, foge de casa, para ir viver uma
vida de pregação e estoicismo. Desassossegado, faz longas viagens a pé em pleno
Inverno, pregando o amor e a não violência, e apanha uma pneumonia, de que
morre na estação ferroviária que agora tem o seu nome, na província de Riaz,
aos oitenta e dois anos.
A
OBRA
A obra de Leão Tolstoi é vasta,
inclui doze romances, dos quais de destacam:
– A Infância (1852) (autobiográfico)
– A
Adolescência (1854) (autobiográfico)
– A Juventude (1856) (autobiográfico)
– Guerra
e Paz (1859)
– Ana Karenina (1877)
– A Morte de Ivan Ilitch (1886)
– A sonata a Kreutzer (1889)
– A Ressurreição (1899)
Além dos romances escreveu mais de
trinta obras de pendor ensaísta, de raiz sobretudo doutrinária, teológica, mas
também política e de pendor panfletário, como sejam:
– A Confissão (1879)
– Uma crítica Teologia Dogmática (1880)
– No que acredito (1884)
– O reino de Deus está em vós (1893)
–
Carta aos liberais (1898)
– Um calendário da sabedoria (1909)
E dezenas de contos, que vão desde
1852 a 1906. Citam-se só cinco, para se dar uma ideia dos temas tratados, que é
vasto:
– A Invasão (1852)
– Cónicas de Sebastopol
(1855-1856)
– Prisioneiro no Cáucaso (1872
– Arrependimento (1886)
– Divino e humano (1906)
O
ROMANCE Anna Karénina
Principais
Personagens
– Anna Arkadievna Karénina: A personagem
principal. Mulher sedutora, apaixonada, romântica, culta, um tanto instável, de uma beleza
fascinante. Acredita no amor sincero e puro. Era casada com Aleksei Karenin, irmã
de Stepan Oblonski, e amante de Alksei Kirílovitch Vronski.
– Conde Aleksei
Aleksándrovitch Karenin. Pessoa muito dedicado à causa pública, negligenciando
a mulher, Anna, com quem mantém uma relação convencional e fria. Era mais velho
do que ela vinte anos.
–
Conde Alksei Kirílovitch Vronski:
Homem enérgico, arrojado e rico, oficial de cavalaria, que se vai enamorar de
Anna Karénina, já casada, tornando-a sua amante, rejeitando Kiti. Dá muita
importância à vida social e à sua carreira.
–
Príncipe Stepan Arkádievitch Oblonski
(Stiva). Irmão de Anna Karénina. Aristocrata de princípios morais pouco
rígidos, funcionário menor do governo russo. Tem um caso com a precetora dos
seus filhos que quase destrói o seu casamento com Dária Aleksándrovna. É amigo de Lévin.
–
Princesa Dária Aleksándrovna Oblonskaia
(Dolli). Mulher votada à família, amigável, esposa de Stepan, a quem perdoa uma
traição, e que dá uma mão a Anna Karénina, quando ela se vê sozinha, rejeitada pela sociedade.
–
Konstantin Dmítrievitch Lévin.
Proprietário de terras, pessoa generosa, de nos princípios, muito dedicado à
agricultura. Foi rejeitado numa primeira fase por Kiti a favor de Vronski, mas
recuperou-a para um casamento bem conseguido.
–
Nicolau Dmítríevitch Lévin: O irmão magro e enfermiço de Aleksei
Lévin. É um livre pensador que viveu com Maria Nicolaevna, ex-prostituta.
Morreu de doença.
– Serguei Ivánovitch Koznichev: Escritor,
intelectual e frio, muito voltado para si, meio irmão de Lévin.
– Princesa Ektarina Aleksándrovna Scherbátskaia (Kiti). Mulher a quem se pôs o
problema de casar e foi rejeitada por Vronski. Casou depois com Aleksei Lévin,
que desde há muito a pretendia. É corajosa e compassiva.
– Princesa Elizaveta Fiódorovna Tverskaia
(Betsi): Amiga de Anna, e prima de Vronski. Representa a moral menos rígida
daquele tempo.
–
Condessa Lídia Ivánovna:
Pessoa voltada para o paranormal, que já sofreu muito, amiga de Karenin,
repesentando de um círculo de opinão, oposto ao de Betsi. Apoia no infortúnio
Aleksei Aleksándrovitch Karénin. Opõe-se a Anna Karénina.
–
Varvara Andreievna (Varenka): Mulher
bondosa que foi abandonada pelo marido, e que soube superar a situação e
tornar-se independente, que em Kalsbad ajuda Kiti a esquecer Vronski, e a quem
uma declaração de Amor de Sergei Ivánovitch Koznichev falhou
–
Serguei Alekstéitch Karénin (Serioga) filho de Anna e de
Aleksei Karenin. Educado pelo pai, sente-se revoltado por não poder ver a mãe.
– Madame Stahl: Inválida, protetora de
Varenka, que dá mostras de ser justa e piedosa, mas que de quem muitos duvidam
da sua honestidade.
–
Condessa Vronskaia:
Mãe de Vronski, amiga do filho, mas que desta Karénina, que diz que lhe
desgraçou a vida do filho.
– Laudau: Píquico francês que aconselha
Aleksei Aleksándrovith no divórcio.
– Anna (Ani), filha de Anna e Vronski.
– Agáfia
Milaiovna: Antiga enfermeira, depois governanta de Konstantin Lévin.
Resumo
do livro
Primeira parte
Dária
Aleksándrovna Oblonskaia (Dolli) descobre que o marido, o príncipe Stepan
Arkádievitch Oblonski (Stiva) lhe é infiel com uma precetora francesa, o que
abala o seu casamento. Vem visitá-la Anna Arkadievna Karénina. Entretanto,
aparece por ali Konstantin Dmitríevitch Lévin a pedir apoio a Stepan para pedir
em casamento Ektarina Aleksándrovna Scherbátskaia (Kiti), irmã de Dolli. Fala-se
de política, de agricultura, da vida em geral. Este vai à procura dela, mas ela
anda na patinagem. Lévin vai então a casa dos Scherbátski pedi-la em casamento,
mas Kiti confronta-se em escolher entre Vronski e Lévin, e por influência da
família nega-lhe o pedido. Este fica muito desiludido e vai para a sua
herdade na província. Há um encontro de Vronski com Kiti, mas ele não parece
muito atraído por ela. Entretanto, na estação de caminho de ferro tem um
primeiro encontro com Anna Karénina, uma mulher fascinante. Ela fica por casa
do irmão, Stepan Oblonski, a tentar reconciliá-lo com a mulher, quando aparece
por lá Kiti. É servido um chá em que Vronski está presente. Mais tarde há um
baile em casa dos Scherbátski, Vronski dança com Kiti, mas naquelas mudanças de
dança tem um primeiro encontro com Anna Karénina, também convidada a estar
presente, por quem se sente fascinado. Há uma terrível tempestade e
eincontram-se na estação, onde ele lhe manifesta os seus sentimentos, que ela
desvaloriza. Anna Karénina regressa a casa, vé o seu filho Serioga de oito anos
e tem um contacto áspero com o marido, Aleksei Aleksándrovitch Karenin, que
trabalha num ministério, a que se dedica com muito empenho. Vronski está S.
Petersburgo, apresenta-se no Regimento de Cavalaria, onde é capitão, e fica-se
por ali à espera de se encontrar com Anna Karénina.
Segunda Parte
Kiti ficou desgostosa com aquele
desinteresse de Vronski, e adoece. A irmã Dolli vai até lá a casa tentar
animá-la, mas sem grande resultado. Ela está não só desgostosa por ter sido preterida
por Vronski, como atormentada por ter recusado o pedido de Lévin. Entretanto, Anna
Karénina prossegue a sua vida mundana, sempre em jantares, bailes, envolvida
com a alta sociedade, mas vazia por dentro. Um dos círculos de amizade de Anna Karénina
é Elizaveta Tverskaia Vronskaia (Betsi), prima de de Vronski, pessoa de ideias muito liberais, e este aproveita
para ir lá a casa encontrar-se com ela. Segue a carreira militar, mas
procura encontrar-se com Anna Karénina, cuja presença o fascina. Numa dessas
reuniões está presente o marido dela, Aleksei Aleksándrovitch, que acha
exagerada aquela relação, naquilo que ela representa de mal para a opinião
pública, como denegação da importância do casamento, pelo que representa de
infelicidade para o filho, e pelo que afeta a sua própria felicidade. Quer
apresentar-lhe o problema, mas não sabe como começar, e as relações de
desconfiança e animosidade aumentam entre si.
Entretanto,
na sua herdade Lévin dedica-se afincadamente à agricultura, actividade que
exerce com grande paixão. Recebe certo dia Stepan Arkádievitch, irmão de Anna
Karénina, e organizam lá uma caçada com alguns amigos pelos arredores. Divertem-se
imenso. Falam de política, de agricultura e de negócios. No fim da caça Lévin perguntou
pela doença de Kiti, Stepan dá-lhe algumas indicações, mas ainda mais se
exasperou ao pensar que ela estava doente, não por gostar de si, mas por amor a
esse Vronski, que também a rejeitara.
Vronski
volta à cidade e entra nas corridas de cavalos, onde soma algumas vitórias. Tem
ali grandes amigos no regimento, Iáchvin e Petristski. Anna Karénina continua à
volta dele, vai também às corridas de cavalos, e um dia aparece grávida. Vronski
reagiu mal à situação, não estava preparado para ser pai naquelas condições. As
relações de Anna com o marido continuam confusas. Vronski entra nas corridas,
mas tem um revés, em que cai e se magoa, morrendo-lhe a égua, o que o deixa desolado.
É então que Anna Karénina numa discussão confessa ao marido que é a amante
dele, e se sente desgostosa como o seu desaire. Vronski recupera da queda em
casa de Stepan e Dolli. Entretanto, Kiti tenta esquecer os seus desaires numas
termas na Alemanha com Varvara Andreievna (Varenka), afilhada de Madame Stahl,
que também teve problemas com o marido, por a mãe dele não gostar dela. e vivia
quase permanentemente no estrangeiro. Ela não precisa de nenhum homem para ser
feliz, e encoraja-a a esquecer Vronski, tentando, ainda nas nas termas de
Karlsbad, aproximá-la de Lévin.
Terceira Parte
Serguei Ivánovitch Koznichev ia partir
de férias para o estrangeiro, mas antes quis passar uns dias em casa do irmão,
Konstantin Lévin, e há aqui um parêntesis para se discutir sobre o Estado
Social, sobre da instrução que se estava a dar aos camponeses, defendendo cada
qual pontos de vista filosóficos diversos. Há uma ceifa, na qual Serguei quis participar.
Falam sobre o processo de produção, de como ceifar mais rapidamente aqueles outeiros.
Stepan Arkáditch viajou para S. Petersburgo, e a esposa, Dária Aleksándrovna,
irmã de Kiti, vai para a quinta assistir à ceifa. Konstantin veio mais tarde a
casa de campo de Stepan, e Dária Aleksándrovna confidencia-lhe que Kiti vem
passar ali o verão, dando-lhe a entender o interessa dela por ele, que não
parece muito convencido, e até pensa em casar com uma camponesa. Contudo, em julho
Lévin está em sua cada de Pokróvskoie a tratar de assuntos da sua quinta, e nas
suas andanças dá com uma carruagem transportando Kiti, era ela, e ficou
alarmado, ainda a tinha muito presente dentro de si.
Na casa de Akeksei Aleksándrovitch o
problema com a mulher, Anna Karénina agudisa-se, ele pondera travar com Vronski
um duelo, tratar do divórcio ou de uma separação. O duelo era-lhe desfavorável,
ia travá-lo com um militar, ainda por cima mais novo, o divórcio também o
desgostava, chegou à conclusão que não era feliz, mas nem ela nem ele deviam
ser felizes. Em S. Petersburgo volta-se mais para o trabalho no ministério, que
o distrai. Anna Kanénina está com o filho em Moscovo. Quando regressa encontra
a casa revirada, o marido saiu dali. Ela está para ir embora, recebe uma carta
dele e resolve ficar, antes ainda quer falar com Elisaveta Trevskaia, prima de
Vronski, como para recuperar energias. Pensa no marido, que dizem ser uma
excelente pessoa, mas só ela sabe como ele a menospreza. Por aqueles dias
encontra-se mesmo com Stremov, inimigo político do marido. Vronski não se
sentia confortável com aquela situação, tinha a sua moral, egocêntrica: podia
enganar, mas não podia ser enganado. Faz uma vida normal no regimento e
encontra-se com Anna Karénina, que lhe dá conta de como está a situação.
Entretanto, o marido, Aleksei Aleksándrovitch, continua o seu frutuoso trabalho
no ministério, onde é visitado pela mulher, e os dois discutem a sua situação,
ele ameaça ficar-lhe com o filho.
Na
sua herdade, Konstantin Lévin dedica-se com grande entusiasmo à agricultura,
agora com a ideia fervente de que Kiti Scherbátskaia está ali muito perto dele,
a uns trinta quilómetros. Vai visitar uma família de agricultores e observa o
seu modo de vida. Recebe então uma carta de Sviajski, o chefe da nobreza
naquele distrito, a convidá-lo para ir à caça com ele, sabendo que ele tinha lá
uma cunhada casadoira, que lhe queria impingir. Ele ainda não se tinha
esquecido de Kiti, mas não quis ser descortês, e foi. Na presença dele voltaram
a falar da reforma agrária, dos latifundiários, da falta de autoridade, de
reformas, da nova relação com os mujiques, da divisão da Polónia. Alguém
considera que as reformas da Europa podem não resultar na Rússia. Entretanto,
vê passar a cunhada dele com um decote abonativo. Mas continuam a falar, e
Tolstoi como faz aqui uma exposição das suas teorias agrárias. Vem para casa e
recebe a visita de seu irmão Nicolau Lévin a pedir o dinheiro de uma herança a
que tinha direito. Porém, verificou que ele estava gravemente doente. O irmão
partiu soturno, e pouco depois também parte Konstantin Lévin, com uma ideia
bastante pessimista da vida.
Quarta Parte
Anna
Karénina e Aleksei Aleksándrovitch continuam a viver na mesma casa, e Vronski fica-se
por S. Petesbrurgo, bastante aborrecido. Recebe um bilhete de Anna, que está
desesperada, não sabe o que fazer à sua vida. Vronski tinha sido promovido a
coronel e resolve ir falar com ela. Por azar encontra o marido em casa, é uma
situação deveras desagradável. Ela a seguir discute com o marido, que quer ir
para Moscovo e pôr termo àquela vergonhosa situação. Ela fala-lhe em divórcio e
ele ameaça tirar-lhe o filho Serioga. Ela acusa-o de crueldade mental e
confessa o seu estado de gravidez. Aleksei Aleksándrovitch fica indignado e vai
consultar em S. Petersburgo um advogado para tratar do divórcio. Leva cartas de
Vronski, que denunciariam o adultério, mas o advogado acha tal prova
insuficiente. Não se sente muito confiante naquele litígio, mas na política as
coisas correm-lhe bem. Encontra-se com Stepan Arkáditch, seu cunhado, e a
esposa Dolli, que lhe perguntam por Anna Karénina, e ele diz que está tudo bem.
O casal acha o cunhado esquisito e a mulher vai comprar roupa para Gricha e
Tânia, seus filhos. No dia seguinte, domingo, Stepan Arkáditch passa pelo
Teatro Bolchoi. Vai para o hotel e espera encontrar ali, entre outros: Lévin.
Kiti e Aleksei Aleksándrovith. Consegue falar com este último, que lhe dá conta
do divórcio que está a lavrar com a sua irmã. Ele está perplexo, mas já não
pode fazer nada. Há um jantar em Moscovo, que entre outras pessoas inclui
Stepan, Aleksei Alesándrovitch Karenin e Konstantin Lévin. Kiti também lá
estava. Falam de política, da situação injusta da mulher, sobre a partilha da
Polónia. Todos estão animados em falar menos Kiti e Lévin. Há uma aproximação
dos dois, feita através e siglas ou senhas, que ela tem de decifrar. No
dia seguinte Lévin foi a casa dos Scherbátski pedir Kiti em casamento, os dois
sentem-se muito felizes. Ele desejava o casamento para o dia seguinte, mas
ainda era preciso comprar o enxoval. Trocam os diários.
Aleksei
Aleksándrovitch vive em quarto de hotel, longe da mulher. Dária Aleksándrovna
vai ali tentar a reconciliação, que é impossível, e, entretanto, Anna Karénina
está de parto e envia uma carta inflamada ao marido a dizer que vai morrer,
este comove-se e vem vê-la, ela afinal é sua mulher. Dá-se o encontro desagradável
com Vronski. Os médicos estão com dificuldade em a salvar, e aquele estado dela
une os dois homens que se chegam a cumprimentar. A situação dos dois homens é
má, mas Vronski acha que a sua ainda é mais horrível. Sai dali para casa e
tenta o suicídio com um revólver, que falha, são os criados que o salvam. Fica
a convalescer por uns dias, pretende oferecer-se para Tachkent, no extremo da
Ásia, como que a fugir àquele problema. Interveio então Elizaveta Tverskaia
(Betsi), quer que Vronski, seu primo, vá visitar Anna Karénina, que teve uma
menina. Aleksei Aleksándrovitch sente-se tranquilo com aquela situação. O bebé
chora e ele manda chamar o médico. Saiu Betsi e entrou para visitar Anna
Karénina o seu irmão, Stepan Arkáditch. Ela está muito perturbada, fala mesmo
em morrer. Há uma conversa de Stepan com Aleksei Aleksándrovitch para remediar
as coisas, mas este considera que o divórcio nem é simples nem resolve o
problema. Entretanto, Vronski recupera e vai falar com Anna Karénina,
restabelecendo o amor entre ambos, e combinam viajar até Itália. Um mês depois
Anna parte com Vronski para o estrangeiro, ficando a seu cargo a menina, e
Aleksei Akeksandrovitch fica com o filho, Serioga.
Quinta Parte
Começa a tratar-se do casamento de
Kiti. Konstantin Lévin precisa de uma certidão de confissão e põe-se o
problema, ele não tem fé e não sabe as necessárias orações. Arranjam-lhe então um
monge bondoso que tenha paciência para o casar naquelas condições. Ele tem de
seguir os costumes da terra, a cunhada Dolli faz com que siga as regras. Como
tal, fazem uma despedida de solteiro. No casamento é o noivo que se atrasa por
a sua roupa ter ficado esquecida em casa dos Scherbátski. As cerimónias são
seguidas a preceito, mas eles enganam-se e têm de as repetir. O casamento foi
muito luxuoso e reuniu muita gente. Tolstoi faz uma autêntica reportagem sobre
um casamento na Rússia naquele tempo, gasta meia dúzia de capítulos nisto.
A seguir volta a falar de Anna
Karénina, que está em viagem com Vronski pela Itália, onde fazem uma vida
faustosa. Eles chegam a alugar mesmo um pequeno palácio. Ela consegue
restabelecer-se e recuperar a alegria de viver, mas Vronski sente-se sufocado
pela presença dela e dedica-se à pintura, em que mostra os seus dotes de
artista. O casal encontra ali os russos Goleníshev e Mikháilov, este último é pintor
pretensioso, que se diz com posição firmada no meio. Durante esses dias
convivem muito com eles e trocam impressões sobre pintura. Mikháilov vende um
quadro de Vronski e promete pintar o retrato de Anna. O casal passa em Itália
por momentos felizes, mas finalmente também se cansam daquela vida. Isto só se
compreende tendo Vronski grandes proventos, muito dinheiro que a mãe lhe envia.
Konstantin Lévin por sua vez está
numa fase de adaptação ao casamento, que lhe tira alguma liberdade, mas dá
outra dimensão. Dedica-se à agricultura, preparando-se para o período de
maternidade de Kiti. Deparam-se com os primeiros problemas de casados, coisas
triviais. Lévin decide ir visitar o irmão, Nicolau Lévin, que está gravemente
doente num hotel numa cidade ali perto. Kiti vai com Lévin, que encontra lá o
irmão mal alojado num quarto sujo a cheirar mal. A doença do irmão é grave –,
ele tem três dias de vida. Durante aquele tempo sofre bastante e tem de ser
ajudado pelas pessoas, e ainda á Kiti que é a mais corajosa e sabe lidar melhor
com a morte, Lévin fraqueja. Depois de enormes padecimentos, Nicolau finalmente
morre, quando todos já estavam exaustos e perturbados, à espera que ele morresse.
Kiti adoeceu, teve de parar a assistência ao doente durante algum tempo, mas
observada depois pelo médico, este verificou que os enjoos que ela tivera foram
motivados pelo seu estado de gravidez.
Em S. Petersburgo Aleksei
Aleksándrovitch anda perturbado com as suas relações com a mulher, e não sabe o
que há de fazer, e exasperado ao saber por Betsi das diligências de Stepan
Arkáditch para resolver o problema. Sente-se isolado e deixa-se aproximar por
Lídia Ivánovna, que vai ter muita influência nas suas decisões. Ela tem a sua
experiência de vida: foi abandonada pelo marido, muito rico e libertino, no
segundo mês de casamento. Vronski e Anna Karénina chegam a S. Petersburgo e ela
quer ver o filho Serioga, não tendo a colaboração do marido. Ele continua a
trabalhar no ministério, é condecorado com a ordem Alexandre Nevski, mas aquilo significa que na prática está a ser
posto de lado. Ela vai visitar o filho, porém, o porteiro e a precetora opõem-se,
ao filho fora-lhe dito que a mãe morrera. Serioga não tinha acreditado. Vronski
instala Anna Karénina nos melhores hotéis, ainda que em quartos separados para
atenuar qualquer crítica, mas verifica que ela é mal-aceite pela sociedade, que
tem um preconceito contra as mulheres que deixam os maridos. Anna Karénina quer
ver o filho e força um encontro no dia de anos dele. O filho reconheceu-a. Ela
tinha comprado brinquedos para lhe dar, mas ao encontrá-lo é tanta a emoção e o
tempo tão curto que se esquece de os dar. Na cidade continua a ser mal recebida,
parece que todos a evitam. Por fim, num intervalo de uma peça de teatro é mesmo
insultada por uma tal Katavássova, que disse ser uma desonra estar ao lado dela
no camarote. Está ali muita nobreza. Vronski aparece lá e ela pôs a culpa nele desta
receção, por não a ter acompanhado, e ele nela, a quem pediu que não viesse
àquele espetáculo.
Sexta Parte
Dária Aleksándrovna está a passar o
verão com os filhos em Pokróvskoie, na casa da sua irmã Kiti Levina, que está
grávida. Varvara Andreievna (Varenka) é ali a governanta e tem uma atração por
Serguei Ivánovith, meio irmão de Lévin. Desenrola-se-se aqui uma conversa de
mulheres muito interessante. Kiti está especialmente contente e há no ar
indícios de Serguei Ivánovitch ir fazer uma declaração de amor a Varenka. Ela
sai com as crianças de Kiti, há alguma emoção, mas ele hesita, ainda o ensombra
uma namorada que lhe morreu. É servido um chá e depois uma ceia, estão
presentes os homens que projetam ir à caça. No dia seguinte dois carros e uma
telega estão preparados para os levar dali. Vão Stepan Arkáditch, Konstantin
Lévin, Vassenka Vesslovski. Caçam narcejas e galinholas e falam dos mais
diversos temas. São seis capítulos a descrever aquela caçada, o que dá uma
noção da importância da caça para os nobres russos. Só depois se reúnem homens
e mulheres e Vesslovski, que fala de Vronski a Kiti e é convidado a sair dali
de casa. Dária Alecksándrovna pensa então em fazer uma visita a Anna Karénina,
que está ali perto. Ela teve um papel importante na sua reconciliação com Stepan.
O marido concorda e ela vai ter com ela e dá lá com Vronski e Vesslovski. Fica
uns uns dias e vê o luxo em que vivem: percetora inglesa, feitor alemão,
médico, arquiteto. Anna Karénina parece feliz e mostra a Dária as suas
instalações. Está muito grata por ela a ter visitado, pois sente-se rejeitada
por toda a sociedade, está à espera do divórcio para Aleksei Kirilovítch
Vronski ser o pai da sua filha. Dária apercebe-se que nem tudo vai bem naquela
relação, e que ela e Anna não têm a mesma ideia sobre o casamento. Dária
regressa a casa e descobre que Anna Karénina toma morfina. Os criados comentam
que Vronski é um forreta, e que apesar de ser rico se sentem melhor em casa dos
Lévin. Vão ser realizadas as eleições da nobreza, Vronski vai ter que sair e
Anna Karénina não se sente confortável ali sozinha. Mas ele vai, não quer
perder a sua liberdade, e as suas relações começam a azedar.
O mesmo não se passa entre Lévin e
Kiti, que mantém relações saudáveis. Em setembro mudam-se para Moscovo por
causa do parto. Pouco depois realizaram-se as eleições provinciais na província
de Kachin. Ele está com problemas em participar e Kiti encoraja-o a ir, e sem
ele saber encomenda um uniforme de nobre, faz todo o gosto em que vá bem
apresentável. Por fim ele parte para a rica província de Kachin, onde se vão
realizar as eleições. Chega-se ao dia e o governador abre finalmente a
assembleia para se iniciar todo aquele processo. Há aqui muita discussão
política, muita formalidade parlamentar. Estão ali presentes os nobres russos
da região, e aquilo prolonga-se por várias sessões, envolvendo discussões,
negociações e votações. Fala-se de política, de que mais se podia falar, dos latifundiários, da agricultura. Depois de muitos jogos de poder é eleito
Nevedovski, que passa a ser o novo chefe provincial da nobreza. Há um baile no
culminar deste processo. Tolstoi gasta seis capítulos a descrever estas
eleições, tal a importância que lhes dá, enfim, não mais do que as da caça.
Na sua casa de campo Anna Karénina
desespera com a ausência do marido nas eleições, que a não quis levar (para não
ter que se confrontar aquela sociedade conservadora, que considerada aquela
relação pecaminosa, ou pelo menos condenável. Ela protesta, acha que os homens naquela
sociedade têm todos os direitos e que as mulheres não têm nenhum. Anna Karénina
passou ali cinco dias à conversa com Varenka e em visitas tediosas às suas
instalações. Quando Vronski chegou encontrou-a um pouco aborrecida e tentou
justificar-se, dizendo que tinha obrigações, e para a compensar resolve levá-la
para Moscovo, onde vivem como marido e mulher. Entretanto ela tinha enviado
para o marido, Aleksei Aleksándrovski uma carta a pedir-lhe o divórcio.
Sétima Parte
Lévin e Kiti durante três meses
fazem uma vida retirada em Moscovo. Ela, com uma criança no ventre sentia uma alegria
nova e estranha. Todos à volta dela a acarinhavam, mas o mesmo não se passava
se saísse de casa. No campo Lévin era sereno e calmo, mas na cidade mostrava-se
mais preocupado. E está a travessar problemas financeiros, não tem dinheiro no
banco, porém, sabe onde o ir busca. Vai falar com o seu velho professor Katavássov
e elogiar-lhe os seus trabalhos literários, que ele talvez o apresente a Metrov
e resolva o problema. Ali em Moscovo gasta-se muito dinheiro. O livro trata das
leis do desenvolvimento. Lévin encontra Lov (Arseni) casado com Natália, irmã
de Kiti. Vão a concertos de música, a recitais de poesia, à ópera, falam de
arte, reunindo todas as formas de expressão. Enfim, fazem uma vida mundana e
ociosa. Depois reúnem no clube, onde Lévin encontra Vronski e Stepan. Este vai
ter o gosto de apresentar a Lévin a sua irmã Anna Karénina, de quem parece ter
muito orgulho. Ele fala com ela e fica espantado com a sua beleza, inteligência
e cultura. Lévin chega a casa e diz a Kiti que Stepan o apresentou a Anna
Karénina, e a mulher tem um acesso de ciúmes. Por outro lado, Vronski soube que
ele veio lá e estabelece-se no casal um clima de frieza.
Lévin fica a pensar na reação da
esposa, e de como se fora encontrar com uma mulher que se dizia perdida. Porém,
aquele mal-estar que se gerou vai terminar imediatamente, porque Kiti entra em
trabalho de parto. É preciso chamar o médico que parece não ter pressa nenhuma
em vir, e a parteira Lisabeta Petrovina. Para Lévin o parto é angustiante, está
a arrastar-se, corre mal. Para ele é quase tão doloroso como a própria morte,
sente-se confuso no meio de tantos gritos, tantas aflições, tantas
movimentações naquela casa. O próprio médico lhe parece apreensivo, e ele,
vendo ali tantos sobressaltos até tem a impressão que Kiti vai morrer, não ter
um filho. Mas ela acaba por ter um rapaz e sente-se feliz, embora cansada. Para
Lévin, naquele momento é como se tivesse vencido uma batalha. Ainda não sabe
bem o que sente pelo filho. Seguem-se as visitas da família, a sensação de ser
pai.
Stepan Arkáditch está numa situação
económica aflitiva. Tinha gasto um terço do dinheiro do bosque que vendera. O
mal dele era não ter agora um salário compatível com a sua dignidade, foi falar
com Aleksei Aleksándrovitch, que lhe arranja um lugar numa caixa económica,
onde ia auferir um salário de nove mil rublos, então muito dinheiro, embora não
fosse dos maiores salários. Stepan aproveita para pedir ao ainda cunhado que
conceda o divórcio a sua irmã, Anna Karénina. Encontra-se com o sobrinho Serioga
e verifica que ele sofre por não ver a mãe. Sente-se revoltado com isso, mas
não pode fazer nada. Ainda fala com Betsi, mas ela diz que Aleksei
Aleksándrovitch é agora muito influenciado por Lídia Ivánovna e o um tal vidente,
Landau. Stepan vai ter um jantar com eles, e no dia seguinte obtem a resposta
definitiva de Aleksei Aleksádrovitch: é um rotundo não.
Em
sua casa, Anna Katérina sofre com a recusa do marido em lhe dar o divórcio, e, movida
por ciúmes culpa Vronski de todos os males, incluindo a perda de Serioga, seu
filho, e as suas relações agravam-se. Perde mesmo o sentido de maternidade com
a sua filha Nani, ainda bebé. Sente-se uma mulher perdida e começa a falar da
morte, prenúncio de ideias suicidas. Vronski diz que ela tem uns ciúmes
doentios e tenta satisfazê-la na medida do possível, mas está a ser difícil, ela
está muito deprimida, com dores de cabeça, doente. Zanga-se quando ele fala da
mãe, desconfia dele. Ele traz ali Wilson e os dois têm uma conversa amena.
Agora discutem por tudo e por nada, e as zangas que antes duravam uns momentos
agora duram um dia inteiro. Vronski resolve sair, tem encontros inadiáveis, ela
sente a sua carruagem partir e acha que a melhor situação para si é a morte.
Vai para a cama e toma todo o ópio que encontra no frasco, pensando que com
isso se libertará da vida. Mas não, de manhã acorda com um pesadelo terrível,
recordando o dia anterior como um imenso nevoeiro. Volta a falar com Vronski,
que dormia no escritório, discutem e ele diz que assim não é possível viver.
Mas ela diz que ele pode, ela é que não pode. Ele resolve sair, e ela diz que
ele se vai arrepender, está completamente fora de si.
Quando
Vronski partiu, Anna Karénina sentiu-se tão só como se o mundo tivesse acabado.
Pede então a um criado que procure para onde ele foi. O criado diz que ele foi
para os estábulos. Ele vai lá e o conde diz-lhe que se ela precisar de uma
carruagem tem ali uma. Ela envia-lhe a seguir um bilhete para que haja uma reconciliação:
“A culpa é minha. Volta para casa, precisamos de nos explicar. Vem, por amor de
Deus, tenho medo”, escreveu. Mas o criado não encontra Vronski, que tinha
partido para a estação de Nij Novgorod. Ela vai ao quarto e não reconhece a
filha como sua, está desnorteada. Pensa então ir para casa de Dolli, sente-se enlouquecer.
Manda um telegrama e uma mensagem a Vronski: “Preciso de lhe falar, volte
imediatamente”. Fala com Anna Arkádievna, vai partir para casa dos Oblonski
(Dolli), onde vai encontrar também Kiti. Há aqui uma conversa difícil entre as mulheres.
Quando ela se vai embora elas acham que ela continua bela, mas que há algo de estranho
nela. O cocheiro Piotr levou-a para casa, mas ela ia ainda pior do que quando
foi. Recorda a conversa com Dolli e imagina que ela também a considera uma
imoral. Chega a casa, e tinha recebido a seguinte resposta de Vronski ao
telegrama: “Não posso vir antes das dez horas”. Ela manda aprestar uma
carruagem e vai par a estação, durante a viagem tudo lhe parece repugnante,
sente-se a mulher de dois maridos. Fala da complexidade que é o amor com
Vronski. Ela tinha-se esquecido para onde ia, e levam-na para Obiralovka. Segue
para a estação e toma uma carruagem. Está numa paragem quando recebe a resposta
à sua mensagem: “Lamento muito não ter recebido a sua nota. Estarei em casa às
dez horas”. Ela lembrou-se então de um homem que ali foi esmagado do dia do seu
primeiro encontro com Vronski, e pensou logo em morrer ali como ele. Vronski
livrava-se dela e ela de todos e de si. Furta-se de quem a acompanha. Vai para
a plataforma da estação. Passou pela linha um comboio, ela hesitou, mas
mandou-se para debaixo da segunda carruagem. Ainda viu o mal que estava a fazer
e tentou sair dali, mas já não teve forças, de repente foi trucidada pelas
pesadas rodas do comboio, apagando-se naquele chão para sempre.
Oitava Parte
O romance diverge aqui para o livro
que Serguei Ivánovitch está a escrever: Ensaio
de Analise dos Princípios e Formas de Estado na Europa e na Rússia, cujo
tema ele discute com Lévin, e depois, perde-se a descrever outras preocupações mais mundanas,
como se a vida tivesse de continuar, e a morte de Anna Karénina fosse um
acontecimento natural e esperado. Serguei há muito que queria falar com Lévin,
e lá seguiu com ele para a à estação de Kursk, onde estavam concentrados muitos
voluntários para irem apoiar a Sérvia na guerra contra os turcos. Tratam-se de
povos eslavos que precisavam da sua ajuda. Está ali Stepan Arkáditch, que sabe
que naquele comboio está Vronski, que ia levar um esquadrão à sua custa. Viu-o pesaroso
e envelhecido, acompanhado da mãe. Serguei e Katavássov entram no comboio e partem.
Serguei tem curiosidade em saber que tipo de voluntários eram aqueles que iam
para a Sérvia, e tem de se mudar para a segunda classe, onde se encontravam
alguns, e não fica muito bem impressionado com o que vê, alguns são de má
formação, para além de irem mal-organizados. A ajuda à Sérvia estava a ser do
domínio privado, pondo a alguns a questão da justeza de um tal oferecimento. Em
Moscovo havia flores à espera deles e cânticos de apoio à sua luta.
Serguei Ivánovitch consegue entrar à
fala com a condessa Vronskaia, mãe de Vronski, que o ia acompanhar até Kursk.
Ele comentou para ela que o filho tivera um grande gesto em ir apoiar os sérvios,
mas ela não se mostrou muito convencida da bondade desta atitude. Aquilo também
podia ser a sua perdição. Depois começou a dizer mal de Anna Karénina, que fora
a desgraça do marido dela e do seu filho, até na escolha da morte foi baixa e infame.
Conta-lhe como Vronski sofreu quando soube que ela se atirara para debaixo de
um comboio. Foi horrível olhar para ele, que andava por lá perdido, só comia
quase à força, sem alegria de viver. E ele já uma vez tentara o suicídio por
causa dela. Aleksey Karenin ficara-lhe com a filha, e por mútuo acordo, o filho
também não estava em condições para nada. Só se animara com esta bendita ideia
de de oferecer para a guerra da Sérvia. Serguei Ivánovitch encontra depois Vronski
na estação, a quem enaltece a sua atitude e encoraja. Este mostra-se mais
animado, dizendo que ainda pode ser útil ao cumprir o seu dever, mas vê-se que lá
no fundo estava à procura da morte para se redimir dos remorsos de não ter
ajudado como devia Anna Karénina a suportar as suas dificuldades, e assim
encontrar-se com ela numa outra vida.
Serguei Ivanóvitch e Katavássov
regressam a casa de Lévin e Kiti. É relatada a vida quotidiana do casal, em que
se fala da descrença de Lévin. Sente-se o desgosto por ele não ser cristão. Kiti,
contudo, acha que será melhor ser descrente como o bondoso Katavássov do que
crente como a hipócrita Madame Stahl. Lévin desde que viu o seu irmão Nicolau
moribundo que se preocupa mais com a questão da fé. Põe-se a filosofia a partir
dos espiritualistas e dos materialistas. Volta à suas ocupações na agricultura,
às abelhas, mas sente que precisade dar um sentido à vida. Sobretudo responder
às perguntas: O que sou? Onde estou? Porque estou aqui? Ele obtém do mundo
respostas muito diferenciadas e está confuso. Tem uma crise existencial,
sente-se perdido e chega a pensar no suicídio. Embrenha-se então em teorias
filosóficas. Encontra-se com Katavássov que lhe fala de Spencer. A seguir Katavássov,
Stepan e Serguei Ivánovitch contam-lhe que se encontraram com Vronski, que se
ofereceu para a Sérvia, levando um esquadrão à sua custa. Voltam a falar de
política e da razão do povo russo ainda não ter direito a voto. Vão dar um
passeio e os filhos de Lévin perdem-se. Ele vai à procura deles quando um carvalho caiu ao ser atingido por um raio. Ele então grita: “Meu Deus, Meu Deus,
que não tenha caída em cima deles”. Aqui, Tolstoi, como dá a entender que o
homem é naturalmente religioso, no mais íntimo de si traz escrita a palavra de Deus. Konstantin Lévin sente-se confuso no meio de
tantas teorias, de tantas religiões, e na ausência de um diretriz unificadora,
vai orientar a sua vida no sentido de fazer o bem, enfim, foi o melhor que conseguiu
arranjar. Contudo, nós considerámos que o que é bem para uns é mal para outros,
a solução ainda tinha de ser apurada. Tolstoi, humanista, parece-nos aqui preocupado
em dar um pequeno contributo para um mundo melhor.
Apreciação
Geral do Romance
Leão Tolstoi faz aqui
uma obra de natureza polifónica, já muito críticos o explicaram. Tal como numa
sinfonia de Tchaikovski se sobrepõem várias melodias, neste livro também se
sobrepõem vários dramas ou melodramas. O romance tem muitas personagens, incide
sobre uma família alargada. E há mais do que um casamento a correr perigo, mais
do que uma paixão a desenrolar-se, e com diferentes desfechos. O romance começa,
ao contrário do que se esperava, a narrar os problemas de relacionamento do
casal: Dária Aleksándrovna e Stepan Arkádtich Oblonski. Até parece que a Anna
Karénina, que dá nome ao livro, não é assim uma personagem tão importante, e só
muitas páginas depois é que ela aparece com Aleksei Vronski, e ainda assim, intervalada
com a paixão de Konstantin Lévin e Kiti, que apesar dos seus contratempos
iniciais, vai resultar num casamento bem-sucedido. Ele esboça ainda um amor
entre Serguei Ivánovitch e Lisaveta Karenka, que não frutifica, refere o
desaire do casamento de Lídia Ivánovitch. São várias histórias a desenrolarem-se
quase simultaneamente no romance.
Mas o autor não se
fica só pelas paixões amorosas, ele como que pretende reunir no livro o
fenómeno social total, escrevendo autênticos tratados sobre agricultura, que
são uma réplica das próprias reformas que empreendeu nas suas propriedades. Dá
indicações sobre política externa, quando fala da partilha da Polónia, ou da
ajuda que a Rússia está a prestar à Sérvia. Faz a dicotomia entre o campo e a cidade. Descreve com grande riqueza de
pormenor os costumes daquela sociedade; quando se realiza o casamento de Kiti
faz uma autêntica reportagem sobre o que lhe antecedeu, sobre a cerimónia, e sobre
o que lhe sucedeu; do mesmo modo quando ela tem o parto, descreve todas aquelas
diligências, todos os problemas e preocupações que normalmente ocorriam nestes
casos; quando os homens vão para a caça também nos narra esta atividade,
proeminente masculina, com grande rigor e prolificidade; e o mesmo se pode dizer
quando às eleições provinciais, e todas as suas peripécias; ou quando se debruça-se
sobre a doença e a morte de Nicolau Lévin, abandonado num quarto de hotel; e
ainda nos longos desenvolvimentos que faz sobre a arte e a pintura, gastando
nestas descrições normalmente cinco capítulos.
Contudo, esta pretensão
de o autor querer ser exaustivo, abarcar toda a realidade social, querer mudar
e melhorar o mundo com as suas ideias, inserindo autênticos ensaios neste livro,
tem o reverso da medalha: para alguns leitores menos ilustrados, ou que
simplesmente se pretendam voltar mais para o enredo romântico do livro, privilegiem
o seu aspeto lúdico, o autor pode parecer excessivo, ao afastar-se daquilo que
para eles é importante, a trama do romance. Leão Tolstoi, num tempo em que imperava
o analfabetismo, a ignorância, o obscurantismo, queria levar algum conhecimento
à sociedade através dos seus livros, achava que tinha o direito e o dever de a
tentar melhorar, a tornar mais justa, e hoje algumas das suas ideias sobre
aquele sociedade ainda um tanto medieval, aquela agricultura arcaica, aquela
sua fome de Deus, podem não interessar a alguns leitores modernos, que têm
outra visão do mundo, outros problemas a resolver. Porém, para quem tenha
curiosidade de conhecer a Rússia daquele tempo, queira perceber os problemas
que afligiam pelo menos uma parte daquela sociedade, pode encontrar neste
romance matéria de estudo muito importante.
Ele retrata
sobretudo a classe nobre, as personagens são quase todas condes e condessas,
príncipes e princesas, grandes latifundiários, que ele descreve com uma grande lucidez
e clareza por a conhecer bem por dentro. Mas não deixa de aqui e ali de falar
dos mordomos, camareiros, precetoras, professores, criados, cocheiros, enfim, da
classe servil. A sua visão do mundo é muito ampla, ele é possuidor de uma vasta
cultura, leu muitos livros, sabe várias línguas, tem grandes conhecimentos de Sociologia
e Psicologia, leu a Bíblia em mais do que uma língua, conhece as religiões, estudou
as ciências e as artes do seu tempo, está a par do ateísmo e do pensamento de alguns
agnósticos, de alguns descrentes. Nasceu metido num ambiente político e no meio
rural, conhece bem a nobreza russa, mas também os camponeses, os
mujiques. Na sua narrativa põe-se a
descrever o pensamento íntimo de algumas personagens, como se fosse um mágico
que lhes soubesse ler o pensamento, ou uma divindade omnipresente. O leitor
acaba por não só ver o que se está a passar como a conhecer a interioridade das
personagens para melhor poder interpretar a sua ação.
Anna Karénina, a
mulher infiel morre, nós gostávamos dela, e Tolstoi não a salvou, não a
conseguiu salvar. Vladimir Nabokov diz que o amor de Lévin e Kiti, que teve um
princípio de rejeição, sobreviveu, porque tinha uma raiz metafísica, baseada no
amor e no sacrifício, e que o amor de Vronski e Anna Karénina, que se fundava
no amor carnal, ali foi cavar a sua ruína, mas ela não morreu por ter pecado, por
ter praticado o adultério, como está implícito em Madame Bovary de Gustave Flaubert. Contudo, nós achámos que a sua
morte, e de acordo com a elaborada moral de Tolstoi se deveu a mais do que esse
fator. Ela também morreu porque teve um marido que não perdoou a sua falta, não
lhe deu o divórcio e retirou-lhe o filho; um amante que não compreendeu a sua
fragilidade e deixou de a apoiar quando ela mais precisava; uma sociedade que a
rejeitou, ostracizou, levou à sua ruína moral e psíquica. Eles, dizendo-se
cristãos, 1800 anos depois esqueceram-se completamente de Jesus Cristo, que em
relação à mulher adúltera disse à multidão, que
aquele que estivesse sem pecado lhe atirasse a primeira pedra, foi a falta
de humanidade que verdadeiramente a matou. Hoje a sociedade evoluiu, há outra
compreensão, a mulher adquiriu mais direitos, as pessoas estão mais livres para
amar, ela hoje dificilmente morreria pelos motivos que morreu, hoje, Leão
Tolstoi poderia salvá-la. Anna Karénina
é um romance extraordinário, dos melhores de sempre.
Martz Inura
17/08/2018
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