ITALO SVEVO
A Consciência de Zeno
Tradução de Maria Franco e Cabral do Nascimento
DOM QUIXOTE
O
HOMEM
Italo
Svevo, pseudónimo de Ettore Schimtz, era filho de pai alemão, de origem
judaica, e mãe italiana, nasceu em 19 de Dezembro de 1861 em Trieste, então
pertencendo ao Império Austro-Húngaro, e faleceu em Motta de Livenza, na
Itália, em 13 de Setembro de 1928, vítima de acidente de automóvel. O seu pai
queria que fosse comerciante, porém, a sua inclinação era pela literatura.
Escreveu Uma Vida (1892) e Senilidade (1998), sem grande aceitação.
Ligou-se então mais ao negócio do seu pai e ao ensino. Em 1907, aproveitou os
contactos que tinha com James Joyce para este lhe ensinar Inglês, o que aquele aceitou,
fazendo-o ler Dubliness. Foi então
que ele se familiarizou com a nova escrita baseada na “Corrente de Consciência”,
que o levou a escrever A Consciência de
Zeno. Mas ninguém é profeta na sua terra, este livro foi mais uma vez ignorado
em Itália. Passou, porém, para os meios literários franceses através dos
críticos Valéry Larbaud e Benjamin Cremieuxe, que o tornaram famoso.
A
OBRA
Italo Svevo é autor de vasta obra,
que inclui contos, romances, peças de teatro e ensaios, de que pode começar a
ler:
- Uma Vida (1892)
- Senilidade (1898)
- A Consciência de Zeno (1923)
O
ROMANCE A Consciência de Zeno
Breve
Resumo
O livro está dividido em seis
capítulos, que embora cronologicamente soltos, não são totalmente desgarrados,
há neles uma sequência. E ainda comporta uma introdução do Dr. S., vejamos um
breve resumo:
-
Introdução do Dr. S.: Como vingança
de Zeno Corsini abandonar as consultas de psicanálise, o médico resolve
publicar os seus diários, por duvidar deles, expondo o seu paciente ao
ridículo.
- Primeiro capítulo: Zeno começa a descrever todas as suas tentativas
frustradas para deixar de fumar, que chega ao cúmulo de embebedar um enfermeira e
fugir de uma clínica, dando um claro exemplo de como a sua vontade de abandonar
o tabaco é frouxa, e ele contraditório, atribuindo esta insuficiência à
educação pouco rigorosa do pai.
- Segundo capítulo: Aqui fala do pai para revisitar a sua infância. O
pai era uma pessoa rigorosa, ainda que bondosa, que terá falhado na sua
educação, pois não conseguiu fazer-se amar pelo filho. Mesmo ao morrer deu-lhe uma
bofetada, que ele considera involuntária, mas que o marcará para o resto da vida.
- Terceiro capítulo: Trata do seu casamento burguês. Ele está
interessado em casar com uma das filhas do rico comerciante João Malfenti. São
elas: Adelina, Alberta, Augusta e Aninhas. Ele prefere Adelina, a mais bela e espirituosa,
mas ela rejeita-o, Alberta não gosta dele, e Aninhas é demasiado jovem, é
Adelina que o reclama, pois ele precisa de uma mulher e ela gosta dele. É aqui
que aparecem a tia Rosa e Guido, pessoa exuberante que vai acabar por seduzir Adelina e
tornar-se seu cunhado.
- Quarto capítulo: Descreve as vicissitudes da sua vida de casado. Mergulhado no tédio tentar tomar conta da empresa do pai, mas o
gestor que ele ali tem, Olivi, opõe-se, como que não lhe reconhecendo
capacidade para tal. Ele desiste, e deixa-se envolver com Carla, uma jovem
pianista de dezasseis anos, de quem é mecenas, e de que se aproveita para a fazer
sua amante. Ela aceita a sua proposta, sente-se uma senhora e quer
abandonar o canto e o piano. Ele insiste em que ela continue e arranja-lhe um
professor barato, que acaba por se apaixonar por ela e levar-lha para casar. Zeno volta
inconsolável para a esposa grávida.
- Quinto capítulo: Afastado da empresa do pai e desencantado com a
sua vida de casado resolve ajudar o cunhado, Guido, na gestão da sua empresa.
Este, filho de gente rica é um tanto irresponsável e mete-se a jogar na bolsa,
escondido da família. Admite pouco depois no seu escritório Carmen, uma mulher de uma beleza
ostensiva, de quem se torna amante. Descura a empresa, abusa da bolsa e caminha
para a falência. Tenta que a mulher o ajude a suportar os prejuízos. Ela
rejeita e ele tenta um suicídio simulado, que corre mal e o conduz à morte.
Zeno, na tentativa de lhe salvar a honra de comerciante na bolsa – é essa a desculpa, –, não comparece
ao seu funeral, embora isto desagrade a Adelina
- Sexto capítulo: Zeno Cosini, ele próprio, depois de seis meses de interrupção
da terapia, volta aos seus relatos para criticar o médico de pouco probo, e pôr
em questão a própria psicanálise, que não lhe trouxe nenhumas melhorias, ele curou-se por si. Aparece
a falar do início da Primeira Grande Guerra, que o apanha à volta de Trieste, e
do mal-estar do ser humano contemporâneo, que apesar de ter tudo se sente
acossado por uma sociedade egoísta e cruel. Talvez só uma bomba que despedace a
Terra e a liberte dos homens, carregados de doenças e parasitas, a possa
fazer prosseguir livre e pura a sua viagem pelo espaço infinito.
Personagens
principais
Zeno
Cosini: O protagonista do romance. Comerciante de Trieste que vive da
ociosidade, inteligente mas bizarro, pretende deixar de fumar, recorrendo para
tal a um psicanalista. É um tanto inconsequente, simulado, e moralmente amorfo.
O
pai de Zeno: Pessoa sóbria que procura educar o filho com austeridade
impondo-lhe ideais de trabalho e estabilidade. Não consegue passar a filho a
sua ciência e experiência. Há o caso da bofetada ao fim –, pano para mangas do complexo de
Édipo.
Augusta
Malfenti: Esposa de Zeno. Foi ela que o escolheu de entre as suas três
irmãs, e se impõe a ele. Tem dois filhos, uma moral tradicional, centrada nos
valores da família.
Adelina
Malfenti: É a irmã pretendida por Zeno, mas recusa-o, acabando por casar
com Guido, de qualidades mais ostensivas. Tem gémeos. Com a idade torna-se
doente e melancólica.
Guido:
É o marido de Adelina, grande orador e espampanante violinista, tem pretensões
a grande empresário mas é fraco e aventureiro, acaba na falência económica e
moral.
João
Malfenti: É o sogro de Zeno, muito rico, pessoa aberta e dinâmica, muito
voltado para o trabalho e para a família.
Sra. Malfenti: esposa de João Malfenti, mãe
exemplar e esposa extremosa, burguesa de gema. Mãe de Alberta, Augusta, Adelina
e Aninhas.
Carla
Greco: Uma jovem pianista de quem Zeno se torna mecenas, para a tornar sua
amante. O ridículo é que lhe arranja um mestre que acaba por casar com ela.
Carmen:
Um mulher com um beleza ostensiva, que Guido admite na sua empresa para a
tornar sua amante.
Dr.
S.: É o psicanalista de Zeno, que aparece antes do preâmbulo, fazendo
publicar por vingança a sua autobiografia, esperando que ele fique furioso, e
se mostra céptico sobre a veracidade das histórias que conta de si próprio.
Comentário
Geral do Romance
A narrativa de A Consciência de Zeno é um infindável monólogo, explorando a “Corrente
de Consciência” ao modo de James Joyce, de quem Italo Svevo foi aluno de inglês
e amigo. O escritor irlandês, na altura ainda pouco conhecido, para a sua
tarefa não viu melhor que dar-lhe a ler os seus livros, e foi ali que ele veio
viver à fonte. Este processo, com raiz em Edouard Dujardin, e depois glosado
por Dostoiévski e Tolstoi, foi utilizado por Virginia Woof e muitos outros
autores de diversas literaturas, já foi tratado nestas páginas. No livro Zeno
Orsini começa a expor o seu propósito de deixar de fumar, coisa trivial, para transformar
toda aquela narrativa no relato da sua vida inteira, no que ela tem mais de
profundo e absorvente. Esta obra é interessante sobretudo pelos dois seguintes
aspectos:
Primeiro, pela sua componente formal, ele vai seguir o
modelo do seu mentor, mas dá-lhe uma forma ainda mais obsessiva, indo
mergulhar na psicanálise de Freud, de quem tinham sido, aliás, tradutor. O próprio
título remete o leitor para a consciência de alguém, para o fluxo da consciência.
O pensamento torna-se aqui ainda mais importante do que a acção. O texto é
propício a uma análise de conteúdo. Está escrito na primeira pessoa, é
confessional, intimista, apresentando-se os factos como sendo verídicos, quando
a realidade que produz é aqui e ali polida, amputada, adulterada. Moralmente,
depreende-se que apesar de todas as suas imposturas, ele não é uma pessoa tão digna e honesta como a que relata no livro, mesmo confessando-se mulherengo,
ocioso, com pouca força de vontade, inconsequente. A Consciência de Zeno tem
ainda a particularidade de incluir nas suas páginas a crítica de si mesmo, o
seu psicanalista manda que ele dite os seus pensamentos, mas depois descrê da
sua veracidade na nota inicial, quando fala das verdades e mentiras ali
acumuladas; e ele próprio, Zeno Cosini, denuncia os objectivos e métodos da sua
terapia, e ao fim do livro desdenha da Psicanálise, onde lhe parece haver mais
Psicologia que análise.
Segundo, pela grande dose de humanismo que revela, pondo a
nu uma personagem, que tenta encobrir algumas das suas facetas menos
confessáveis, e acaba por cair no ridículo, revelando as mentiras mais
descabeladas. Ele, quando expõe as suas interioridades, apesar do cuidado que
possa ter ao polir a realidade e se defender de quaisquer recriminações futuras, deixa
pistas reveladoras daquilo que é, ou seja: errático, depravado, rancoroso,
caindo em paixões tão primárias de que até ele terá vergonha delas, quando diz no último capítulo, que de certas sandices, antes quer rir-se delas que as discutir.
Zeno Orsini não é perfeito, mas ainda assim é uma pessoa de princípios. É fraco
perante as tentações da vida, mas sensível à felicidade do seu semelhante. É
mecenas da jovem Carla, paga-lhe uma bolsa de estudos, compra-lhe um piano, é benemérito, mas
logo se aproveita da sua vulnerabilidade para a tornar sua amante, sofrendo por
a perder, tendo em casa a mulher grávida. É amigo de
Guido, mas deve-o ter levado ao fracasso quando o vai tentar ajudar – é essa a
nossa suspeita –, ele, a quem Olivi não reconhecia competência para gerir a sua
própria empresa! E depois, quando o tenta salvar da falência, será mais para
obter os favores da mulher, Adelina, por quem sempre teve uma grande adoração,
pois arranjou uma desculpa para nem sequer ir ao seu funeral. Não tem paciência
para aturar as crianças, falta-lhe esta sensibilidade. A Consciência de Zeno é um livro original, capaz de prender o
leitor.
06/12/2017
Martz Inura
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