A Amante Holandesa
QUETZAL
J. Rente de Carvalho em A Amante Holandeza, vai-nos levar a uma recôndita aldeia transmontana para nos contar uma história ligada à emigração, rica em humanidade, cheia de nostalgia, por vezes triste, dolorosa, mas também com momentos aprazíveis, onde se ouve o balido das ovelhas, os riachos gorgolejam, com sabor a vinho do Porto ou a cheirar às docas de Amesterdão. Versa um universo de vidas aparentemente insignificantes, sofridas, fracassadas, sem deixarem de ter o seu quê de grandioso; descreve relações perdidas no tempo, nem sempre bem conseguidas, às vezes apagadas, mas nem por isso inconsequentes; fala de amores de ocasião, volúveis, falhados, mas ainda assim com a sua imponência momentânea, com um arrebatamento único, altissonante.
É um romance do anti-herói, ou simplesmente de um ser humano sem qualidades extaordinárias, nascido num meio difícil, com uma psicologia moldada na pobreza e na carência, na tristeza e na solidão, mas ainda assim movida pelo sonho; um ser primário e rude, não muito habilitado, sem que por isso não seja tocado por uma pressentida elevação. Trata a miséria, a desgraça, a tragédia com uma tal veemência que aqui e ali nos toca bem fundo, e arreliadoramente nos faz criar nós na garganta, com paragens obrigatórias para chorar, que só a custo controlamos: tal a intensidade com que nos põe a nu as almas, nos descreve as situações, nos absorve bem para dentro das suas histórias e nos obriga a revivê-las, a acreditar nelas.
O autor dá ao romance um tom ligeiro, sem ser superficial, capaz de nos levar a reflectir sobre o ser humano e a sua condição, sem pretenciosas filosofias, bem arquitectados princípios, grandes teorias políticas: foge aos juízos de valor, é amoralista. Transporta-nos para um universo de personagens retratadas quase em estado puro, desprovidas de artificialismos, que acabam por nos levar as mãos à consciência, nos surpreender, às vezes pôr em questão os nossos princípios de seres civilizados. A história em si, fora um ou outro episódio, não tem nada de extraordinário, relata o dia-a-dia de uma pessoa simples, é a mestrria do autor que consegue extrair dela toda a humanidade com o seu quê de grandioso que nos atrai, nos arrebata, nos enternece.
O escritor José Saramago refere-se ao livro com as palavras "O prazer de uma linguagem em que a simplicidade vai a par com a riqueza". E, na verdade, ele é um dos que terá autoridade para o afirmar, e não exagerou no que disse. A linguagem de J. Rentes de Carvalho, sendo simples é vigorosa, expontânea, exprimindo aqui e ali situações de uma grande densidade emocional, com um sentido próximo da realidade mais profunda. Vai tecendo a sua trama, desbobinando o seu enredo, mas nunca revela tudo o que se passa à sua volta, deixa sempre algo para o leitor investigar por si mesmo. Na verdade, a vida na sua simplicidade e riqueza deixa sempre algo por explicar, de certa forma é atravessada por mistérios. Muitas decisões são expontâneas, resultam de automatismo psíquicos, são accionados por instintos. Às vezes as pessoas arrependem-se, não se revêem no que fizeram, è por isso que há psicólogos, psiquiatras, sociólogos, médicos, para nos tentarem ajudar, e nem eles atinam sempre com as nossas maleitas.
Trata-se de uma narrativa bem urdida, onde o sonho se sucede à desilusão, a alegria à tristeza, a euforia ao drama, que o autor faz povoar de passado, com o qual vai clareando a personagem principal, Amadeu, o Gato. A sua maturidade desencantada e sofrida é habitada por lembranças saudosas da juventude: o tempo das grandes esperanças. A acção inicia-se numa aldeia obscura, perdida nos montes, onde um extenso rebanho anda à procura de pastagens, mas está salpicada de cidade longínquas, estranhadas, misteriosas, que deixaram marcas profundas na sua alma. Decorre nas montanhas de Trás-os-Montes, áridas, rústicas e pedregosas, mas espraia-se nas planícies verdejantes, a perder de vista, muito humanizadas, roubadas ao mar pela Holanda.
Eu queria referir algo de menos bom neste livro para dar credibilidade à crítica, apontar-lhe defeitos, mas é difícil dentro do que o autor se propôs. Claro que não se trata de uma obra pretensiosa de mil páginas, com amores eternos para inspirar cineastas, atravessando decisivos momentos históricos, ou com uma novo paradigma para o romance, mas é um romance que não se fica pela mera reportagem descolorida, pela descrição factual pura e simples de acontecimentos, pelo estudo de caso mais ou menos bem elaborado. É um livro a não perder, em que as palavras por vezes doem, fazem enternecer, provocam um sorriso, bem dentro da literatura, capaz de emocionar, fazer reflectir, e não sei se também aperfeiçoar a visão que temos do mundo. 03/ 2011 Martz Inura
O autor dá ao romance um tom ligeiro, sem ser superficial, capaz de nos levar a reflectir sobre o ser humano e a sua condição, sem pretenciosas filosofias, bem arquitectados princípios, grandes teorias políticas: foge aos juízos de valor, é amoralista. Transporta-nos para um universo de personagens retratadas quase em estado puro, desprovidas de artificialismos, que acabam por nos levar as mãos à consciência, nos surpreender, às vezes pôr em questão os nossos princípios de seres civilizados. A história em si, fora um ou outro episódio, não tem nada de extraordinário, relata o dia-a-dia de uma pessoa simples, é a mestrria do autor que consegue extrair dela toda a humanidade com o seu quê de grandioso que nos atrai, nos arrebata, nos enternece.
O escritor José Saramago refere-se ao livro com as palavras "O prazer de uma linguagem em que a simplicidade vai a par com a riqueza". E, na verdade, ele é um dos que terá autoridade para o afirmar, e não exagerou no que disse. A linguagem de J. Rentes de Carvalho, sendo simples é vigorosa, expontânea, exprimindo aqui e ali situações de uma grande densidade emocional, com um sentido próximo da realidade mais profunda. Vai tecendo a sua trama, desbobinando o seu enredo, mas nunca revela tudo o que se passa à sua volta, deixa sempre algo para o leitor investigar por si mesmo. Na verdade, a vida na sua simplicidade e riqueza deixa sempre algo por explicar, de certa forma é atravessada por mistérios. Muitas decisões são expontâneas, resultam de automatismo psíquicos, são accionados por instintos. Às vezes as pessoas arrependem-se, não se revêem no que fizeram, è por isso que há psicólogos, psiquiatras, sociólogos, médicos, para nos tentarem ajudar, e nem eles atinam sempre com as nossas maleitas.
Trata-se de uma narrativa bem urdida, onde o sonho se sucede à desilusão, a alegria à tristeza, a euforia ao drama, que o autor faz povoar de passado, com o qual vai clareando a personagem principal, Amadeu, o Gato. A sua maturidade desencantada e sofrida é habitada por lembranças saudosas da juventude: o tempo das grandes esperanças. A acção inicia-se numa aldeia obscura, perdida nos montes, onde um extenso rebanho anda à procura de pastagens, mas está salpicada de cidade longínquas, estranhadas, misteriosas, que deixaram marcas profundas na sua alma. Decorre nas montanhas de Trás-os-Montes, áridas, rústicas e pedregosas, mas espraia-se nas planícies verdejantes, a perder de vista, muito humanizadas, roubadas ao mar pela Holanda.
Eu queria referir algo de menos bom neste livro para dar credibilidade à crítica, apontar-lhe defeitos, mas é difícil dentro do que o autor se propôs. Claro que não se trata de uma obra pretensiosa de mil páginas, com amores eternos para inspirar cineastas, atravessando decisivos momentos históricos, ou com uma novo paradigma para o romance, mas é um romance que não se fica pela mera reportagem descolorida, pela descrição factual pura e simples de acontecimentos, pelo estudo de caso mais ou menos bem elaborado. É um livro a não perder, em que as palavras por vezes doem, fazem enternecer, provocam um sorriso, bem dentro da literatura, capaz de emocionar, fazer reflectir, e não sei se também aperfeiçoar a visão que temos do mundo. 03/ 2011 Martz Inura