LEÃO TOLSTÓI
Guerra e Paz
Tradução de Isabel da Nóbrega e
João Gaspar Simões
PUBLICAÇÕES EUROPA AMÉRICA
O
HOMEM
Leão
Nicoláievitch Tolstói nasceu na Rússia, em Iàsnaia Poliana, perto de Tula,
em 1828, e faleceu em Astapovo, na província de Riaz, em 20 de Novembro de
1910. Filho da nobreza, era conde, de uma fratria de cinco irmãos. Aos nove
anos ficou órfão de pai e mãe, sendo educado por preceptores. Em Kazan estudou Ciências
Jurídicas e Línguas Orientais, mas cedo abandonou os estudos por se
incompatibilizar com o ensino, os professores consideravam-no pouco dotado e
sem interesse pelas matérias. Tem a seguir uma vida de boémio, meio perdido. É
fortemente emotivo, depressivo, e chega a ter ideias suicidas. Em 1851 entra
para o exército russo, onde, como oficial de artilharias é destacado para o
Cáucaso, ao lado do seu irmão, Nicolau. É ali que começa a escrever as suas primeiras
obras, de cariz autobiográfico. Faz depois uma viagem pela Europa, visita a
Alemanha, a França e a Suíça. De regresso à Rússia dá-se conta da injusta
condição dos servos do seu país, que tenta libertar, criando uma escola para
eles na sua propriedade. Casa com Sofia Andreievna Beers, de quem tem treze
filhos, dos quais só oito sobrevivem à infância. Escreve então livros como Guerra e Paz e Ana Karenina, que o celebrizam. Tem neste período uma vida intensa
e criativa, mas morrem-lhe sucessivamente três filhos e uma tia, e ele, que tinha
ficado órfão muito cedo, fica bastante abalado, e é então acossado pela ideia
da morte. Na literatura assume uma posição cada vez mais doutrinária, atacando
a Igreja Ortodoxa, que o excomunga. Leu O
Mundo como Vontade e Representação de Schopenhauer, de que recebeu grande
influência. Faz a seguir uma vida de asceta, na procura de uma sublimação
interior, a exemplo de Cristo e de Buda, cultiva a pobreza, a ponto de rejeitar
a sua herança e recusar receber os seus direitos de autor. Era um homem
atormentado pelo sentido da vida, chegando a recolher-se num mosteiro. O seu alegado
desequilíbrio psíquico, com o tempo acentuou-se, tornando-o ainda mais radical.
Fisicamente, também aparece mais debilitado. Incompatibiliza-se com a família,
que o trata como doente mental, e o passa controlar. Em 28 de Outubro de 1910 apanha
uma aberta, e, digamos, foge de casa, para ir viver uma vida de pregação e estoicismo.
Desassossegado, faz longas viagens a pé em pleno Inverno, pregando o amor e a
não violência, e apanha uma pneumonia, de que morre na estação ferroviária que
agora tem o seu nome, na província de Riaz, aos oitenta e dois anos.
A
OBRA
A obra de Leão Tolstói é vasta,
inclui doze romances, dos quais de destacam:
– A Infância (1852) (autobiográfico)
– A
Adolescência (1854) (autobiográfico)
– A Juventude (1856) (autobiográfico)
– Guerra
e Paz (1859)
–
Ana Karenina (1877)
–
A Morte de Ivan Ilitch
–
A sonata a Kreutzer (1889)
–
A Ressurreição (1899)
Além dos romances escreveu mais de
trinta obras de pendor ensaísta, de raiz sobretudo doutrinária, teológica, mas
também política e de pendor panfletário, como sejam:
–
A Confissão (1879)
–
Uma crítica Teologia Dogmática (1880)
–
No que acredito (1884)
–
O reino de Deus está em vós (1893)
– Carta
aos liberais (1898)
– Um calendário da sabedoria (1909)
E dezenas de contos, que vão desde
1852 a 1906. Citam-se só cinco, para se dar uma ideia dos temas tratados, que é
vasto:
–
A Invasão (1852)
– Cónicas de Sebastopol (1855-1856)
– Prisioneiro no Cáucaso (1872
–
Arrependimento (1886)
–
Divino e humano (1906)
PERSONAGENS PRINCIPAIS DO ROMANCE Guerra e Paz
Uma foto para nos localizarmos, da série da BBC de 2015
Do grupo do centro, da esquerda para a direita: Pedro, Natacha, André, Nicolau, Sónia
Do grupo da direita, da esquerda para a direita: Maria, Gen. Nicolau Bolkonski, Conde Rostov, Condessa Rostov
Dada a extensão do romance, que é composto por quatro livros, constituídos por várias partes e dezenas de capítulos, vão-se aqui apresentar as suas personagens principais, integradas nas respectivas famílias, para que, quem for ler o romance tenha uma pequena noção de como elas estão relacionadas. Os seus nomes, são frequentemente usados na sua forma mais simples, tal como na obra original. O romance contém 559 personagens, das quais, cerca de 200 são histórias. Destas últimas, e antes das famílias, como síntese vão referir-se apenas três:
Czar Alexandre I: Sensível, arguto, avesso a comandar
o exército, o autor defende-o de algumas decisões controversas;
Napoleão Bonaparte: O imperador dos franceses. Tolstói
considera-o pequeno, pomposo, arrogante, ávido de poder e glória, insensível ao
sofrimento que aquela guerra causava aos povos;
General Mikael Kutuzov: Comandante do exército russo. Já
velho, mas experiente e sensato, que sabia mais a dormir que os outros generais
acordados. Lutava pela defesa da Rússia para além de qualquer honra ou glória
que isto lhe trouxesse.
FAMÍLIA BOLKONSKI de são Petersburgo
General
Nicolau Bolkonski: Homem já idoso,
viúvo, aposentado do exército, pai de André Bolkonski e Maria Bolkonskaia. De tratamento
difícil, muito rabugento, consegue, contudo, ter uma boa relação com o seu
filho André.
André Bolkonski: Jovem inteligente,
cheio de ideais nobres, filho do general Nicolau e marido de Lisa, grande amigo
de Pedro. Oferece-se para a guerra, fazendo parte da equipa de ajudantes e
campo do general Kutuzov. É ferido em combate e feito prisioneiro das tropas de
Napoleão, que o trata bem. Regressa à Rússia e a esposa morre-lhe de parto ao
ter um filho, Nicolucha. Mais tarde acaba por falecer devido aos ferimentos que
sofreu em combate.
Lisa Bolkonskaia: Filha do conde Bezukov,
casada com André Bolkonski. Morre de parto a ter o Nicolucha.
Maria Nicolaevna Bolkonskaia: Filha do
general Bolkonski. O príncipe Vassili tenta que o seu filho case com ela, mas
ele acha-a demasiado feia. Com a morte do irmão André passa a ser uma herdeira
rica e acaba por casar com o falido Nicolau Rostov, de quem tem três filhos.
FAMÍLIA BEZUKOV, da província, com
várias casas
Conde
Cirilo Vladimiro Bezukov: Muito
velho e rico, com alguns filhos ilegítimos, (Pedro, Nacha, Lisa e Pétia), já
muito velho e doente, dá preferência a Pedro Bezukov na herança dos seus bens.
Pedro Cirilovitch Bezukov: Filho
ilegítimo do conde Bezukov. Corpulento, impulsivo e estouvado. Teve um passado
em Paris. É seduzido por Helena Kuraguine, com quem casa, e lhe é infiel. Trava
por causa das acusações que fazem à mulher um duelo com Dolokov e adere à
maçonaria. Com a morte do pai, herda uma das maiores fortunas russas. Estabiliza
o seu carácter na idade madura ao casar com Natacha Rostov, que lhe dá quatro filhos.
Fédia Dolokov: Não pertence à família Bezukov, mas está relacionado com
ela. É uma personagem aventureira e
agressiva, que quase conduz à ruína o príncipe André. É o homem lobo da novela.
Na guerra é intrépido e sem piedade.
FAMÍLIA KURAGUINE, de Moscovo, com
casa na província
Príncipe
Vassili Sergevitch Kuraguine (amigo
de Ana Pavlovna Shereer), pai de Anatole Kuraguine e de Helena Vassilievna
Kuraguine: Nobre russo falido, oportunista, que procura arranjar bons partidos
para os filhos: Anatole e Helena e Hipólito.
Ana Pavlovna Scherer: Amiga do príncipe Vassili,
uma espécie de anfitriã das relações públicas da família Kuraguine, sendo
confidente da czarina-mãe, Maria Feodorova.
Anatole Kuraguine: Filho do príncipe
Vassili. Jovem estouvado que rejeita um bom com Maria Bolkonskaia, e se mete
com a criada Bourienne. Mais tarde estraga o casamento de Natacha Rostov com
André Bolkonski.
Helena Vassilievna Kuraguine: Filha do
príncipe Vassili, casa com Pedro Bezukov. É uma mulher muito bela e sedutora,
infiel ao marido, o qual chega a travar um duelo por sua causa. Morre
precocemente.
FAMÍLIA ROSTOV, de Moscovo, com
casa na província
Conde Ilya Andreitch Rostov: Patriarca da família
Rostov, pessoa excêntrica e mundana, que desbarata a sua riqueza em luxos,
fazendo uma vida faustosa.
Condessa Natália Rostov: Matriarca da família
Rostov (mãe de Nicolau, Natacha, Vera e Pétia), vive de aparências, é também
pródiga nos gastos.
Nicolau Ilitch Rostov Andreievitch: Filho
dos Rostov. Generoso, deixa a universidade para servir o exército russo. É ferido
em combate e promovido. Envolve-se em negócios ruinosos com Drubestski. Volta
ao exército depois da guerra e consegue pagar as dívidas sem recorrer aos bens
da mulher, Maria Bolskonskaia, com quem tinha casado.
Natacha Rostov: Filha dos Rostov, extremamente
bela. É noiva de André, a que o pai deste, demora o casamento por um ano, período
em que sendo tão jovem e ingénua se deixa atrair por Anatole Drubetski,
desfazendo o noivado. Casa mais tarde com o endinheirado Pedro, dando-lhe
quatro filhos, tornando-se mais recatada.
Sónia Rostov: Sobrinha dos Rostov. Tem
na juventude uma paixoneta pelo seu primo Nicolau, mas desquita-o da sua
promessa para ele se casar com a princesa Maria, e mantém-se solteira.
Pétia Rostov: O filho mais novo dos
Rostov, jovem impetuoso, educado ao Deus dará, com quinze anos envolve-se na
defesa da Moscovo, na qual morre, o que afeta muito a condessa sua mãe.
Maria Dmitrievna Akrosimova: Intrépida criada dos
Rostov que mandou quatro filhos para a guerra-
Amélia Bourienne (Mademoiselle): Criada formosa da princesa Maria
Rostov, de origem francesa.
Denissov: Oficial do exército russo, amigo
de Nicolau Rostov.
FAMÍLIA DRUBETSKI, ligada aos
Rostov
Ana Mikailovna Drubetskaia: Senhora humilde, de
parcos recursos, que procura avidamente a promoção social no seio da nobreza. É
mãe de Bóris Drubetski, seu único filho, por ele move mundos e fundos para
que suba na vida.
Bóris Drubetski: Filho de Ana Mikailovna,
jovem ambicioso, mas pobre, que tem uma carreira bem-sucedida no exército
russo. Tenta casar com Natacha Rostov, mas não tem meios para tal e o casamento
gora-se. De origem modesta, tem de aproveitar as oportunidades que a vida lhe
oferece.
BREVE RESUMO DO ROMANCE Guerra e Paz
Este resumo, que se pretende minimalista,
dará para o leitor se situar melhor na obra, já que ela é extensa, e tem
centenas de personagens. É de salientar esta excelente tradução portuguesa de
Isabel da Nóbrega e João Gaspar Simões. Este romance, como era hábito na época,
foi inicialmente publicado numa revista literária, em fascículos, e com o nome
de “1805”, mas o autor não terá
ficado satisfeito com a sua redação e veio a republicá-lo de 1886 a 1869, já
com o nome Guerra e Paz. Contudo, por
outras revisões passou, a mulher de Tolstói, Sofia Andreievna, queixou-se de o
ter copiado vinte e uma vezes.
PRIMEIRO LIVRO
O primeiro livro compõe-se de três
partes, vai de 1805 a 1807, tratando da coligação da da Rússia com a Áustria
contra a França.
Na
primeira parte começa por descrever o ambiente mundano na cidade de São Petersburgo,
então a capital da Rússia, onde sobressaem o obeso Pedro, filho ilegítimo do
velho conde Bezukov, o príncipe André Bolkonski, boémio inveterado, o príncipe
Vassili Servegich Kuraguine, amigo de Ana Pavlovna, e Kuraguine. No X capítulo
a ação passa para Moscovo, a pretexto de uma festa de aniversário na casa do
conde Ilya Rostov. Aparecem ali a mulher: Natália Rostov, bem como o filho
Nicolau, a filha Natacha, e o filho mais novo, Pétia. Vagueia por ali ainda uma
sua sobrinha, de nome, Sónia, que desenvolve uma relação com Nicolau. Descreve-se
depois a vida do velho conde Bezukov, que tem como filho ilegítimo, Pedro. Ana
Mikailovna Drubetskaia induz o príncipe Vassili Kuraguine a impedir que que a
herança do conde Bezukov vá parar a Pedro. Entretanto, em Moscovo só se fala da
eminência da guerra da Rússia contra a França. O príncipe André é mobilizado
para a guerra, deixando a sua esposa, Lisa, grávida, em casa de seu pai e da
irmã, princesa Maria.
Na segunda parte a acção desloca-se
para a Áustria, para perto da cidade de Braunau, onde o exército russo, comandado
por Kutuzov, com o exército do imperador Francisco da Áustria, enfrentam o exército
de Napoleão. Intervêm o príncipe André Bolkonski, o príncipe Bagration, e Dolokov,
alistado como soldado, e ainda Nicolau Rostov e Denissov. O general-chefe Kutuzov,
a comandar o exército russo, soma pequenas derrotas, que transforma em falsas
vitórias, em nome de um pretenso patriotismo. O príncipe André recebe uma missão
importante. Há diversos confrontos, grandes movimentos de tropas. O general
austríaco, Mack, sofre uma pesada derrota perante os franceses, o que torna o
exército russo mais vulnerável.
A terceira parte decorre de novo na
Rússia, fala do oportunista príncipe Vassili, que casa a sua filha Helena com o
Pedro, um dos maiores herdeiros da Rússia. Ele tenta ainda casar o seu filho,
Anatole Kuraguine, com a princesa Maria, filha do príncipe Nicolau Andreitch
Bolkonski, mas ele acha-a feia, envolve-se com Mademoiselle Bourienne e o
casamento não se concretiza. Nicolau Rostov, que é levemente ferido em combate,
o que inquieta os seus familiares. Entretanto, dá-se a preparação para a Batalha
de Austerlitz (Cap. VII). Kutuzov é contra aquela batalha, na noite anterior
não terá dormido a pensar naquele disparate, e durante a reunião para a mesma,
adormece. A batalha acaba por ter lugar, confrontam-se os exércitos da Rússia,
e da Áustria contra Napoleão, mas este vence, e as tropas russas têm de
regressar a casa, esfomeado e com muitas baixas. O drama da guerra é aqui bem
evidenciado. O príncipe André distingue-se nesta batalha, mas é gravemente
ferido, caindo nas mãos de Napoleão.
SEGUNDO LIVRO
Com o segundo volume de 1806 a 1812,
perpassa um período de paz. Os nossos heróis regressam à vida social de
Moscovo. O jovem Nicolau é recebido alegremente pela família com o seu amigo
Denissov. Pedro é desrespeitado por Dolokov com piadas sobre a infidelidade da
mulher, e desafia-o para um duelo, incidente que tem longo desenvolvimento. Há
notícias da morte de André em Austerlitz, mas afinal foi boato, ele foi apenas
ferido e ainda regressa, a tempo de ver sua mulher, Lisa, que morre de parto. Há
aqui referência aos amores de Natacha, de quem todos os homens gostam, e aos negócios
obscuros de Dolokov, pessoa de má índole.
Na segunda parte, depois de uma
conversa com Helena, Pedro regressa a São Petersburgo. Os mações tentam
apoiá-lo na sua infelicidade com a mulher, mas ele é ateu e não se deixa convencer.
Mesmo assim, doa importantes capitais para as obras de caridade da maçonaria. Em
1806, inicia-se uma nova guerra ente a Rússia e a França. O filho de André, Nicolucha,
adoece, e é a irmã deste, Maria, que o trata como mãe. Bóris oferece-se para a
nova campanha. André resolveu não intervir mais em combate e passa à reserva,
tem uma longa conversa com Pedro, que, movido pelos ideais maçónicos descobre
um sentido mais espiritual para a vida.
Na terceira, em 1808, as relações
entre a Rússia e a França recompõem-se. O príncipe André agora está em São
Petersburgo e tem conversas animadas com Speransky sobre a maçonaria, cujo
interesse mercantilista e interesseiro o desilude. Há paz, a Rússia e a França
são agora aliados. Na retaguarda acaba por ser convidado para intervir na
renovação do código militar russo. Este vai a casa dos Rostov e enamora-se por
Natacha. Pedro promete ajudá-lo nesta aproximação. André vai a seguir pedir a
bênção do pai para casar com ela, mas este protela o casamento por um ano, na
esperança que ele não se realize, pois não a considera digna do filho.
Na quarta parte Nicolau assume o
comando de um regimento deixado por Denissov, e pouco depois regressa a sua casa,
a dos Rostov. O pai, Ilya Rostov, renuncia ao cargo de marechal. Ele e o filho
entram numa longa caçada. No Natal, Nicolau enamora-se por Sónia, sendo
contrariado pela mãe, que não o quer ver casado com uma noiva sem dote. Os dois
sofrem com esta contrariedade. O príncipe André regressa a Moscovo e Natacha
sofre com este afastamento, fica nervosa com o protelamento do seu casamento
por um ano, estabelecido pelo pai daquele.
Na quinta parte o velho príncipe
Nicolau Andreievitch Bolkonski veio instalar-se em Moscovo com a sua filha
Maria. É uma pessoa doente e de mau humor. Natacha vem visitá-lo, mas ele recusa-se
a recebê-la. É a princesa Maria, sua filha, que a acompanha. Há então um espectáculo
de ópera em Moscovo, em que a princesa Maria a leva. Natacha vai deslumbrante,
dá nas vistas, e é seduzida por Anatole Kuraguine, que a pretende raptar para
casar com ela. Mas ele já é casado, Sónia descobre-o, Pedro confirma-o e o
rapto falha. A ingénua Natacha descobre que foi enganada e fica lavada em
lágrimas, destroçada.
TERCEIRO LIVRO
A primeira parte deste livro inicia-se
em 1811, com a invasão da Rússia pelas tropas de Napoleão, que passam o Rio
Niemen. Este estava inicialmente em Dresden, e Alexandre I em Vilnius. Em
Moscovo a nobreza continua a festejar a vida, há banquetes e bailes. André
Bolkonski, desgostoso com o caso de Natacha sai do exército e vai visitar o pai
à província. Nicolas Rostov é promovido a capitão e louvado por feitos em
combate. Pétia Rostov, cioso dos feitos do seu irmão, oferece-se para o
exército, mas tem ainda quinze anos. Em Moscovo há movimentações da nobreza e
dos comerciantes ricos para ajudar na guerra –, teme-se pelo futuro. Natacha
continua deprimida com os seus desaires amorosos e frequenta mais a igreja pra
se compensar, contudo, permanece adoentada.
Na segunda parte ultimam-se os
preparativos para a guerra, Mikael Kutuzov acaba por ser nomeado comandante-chefe
dos exércitos russos. Em Moscovo a vida prossegue André Bolkonski envia uma
carta ao pai para ele sair dali, bem como a irmã Maria e o filho, Nicolucha,
porque a cidade já não é segura, porém, o pai sofre um acidente vascular
cerebral e morre, atrasando a partida. Há encontros entre Helena com Ana
Pavlovna. A guerra encaminha-se para a batalha de Borodino, em que o
tenente-coronel Denissov vai entrar na guerrilha e André Bolkonski é convidado
a comandar um regimento. Nicolau Rostov acaba por se encontrar nesta fuga de
Moscovo com a princesa Maria, a quem presta ajuda e recorda velhos tempos. Pedro
acaba por entrar nesta guerra como simples observador para poder testemunhar as
suas grandezas e misérias. Dá-se a batalha de Borodino, Napoleão não consegue
vencer Kutuzov, embora infrinja grandes baixas às tropas russas, tentando
elaborar sem êxito um plano para bloquear o avanço de Napoleão sobre Moscovo. Napoleão
terá perdido um quinto das suas forças, mas Kutuzov perdeu um meio.
Terceira Parte: No quartel-general
de Kutuzov há planos para obstar a ocupação de Moscovo, que falham. Tolstói faz
aqui mais algumas considerações filosóficas sobre esta guerra. Os nobres a
abastados começam a fugir de Moscovo, e os pobres destroem tudo o que não podem
levar, para que não caia nas mãos de Napoleão. Mesmo assim, a condessa Bezukova
organiza uma festa em São Petersburgo, onde há intervenções de Helena e Ana
Pavlovna. Os Rostov são também forçados a partir. No palácio deles aloja-se uma
escolta com feridos, em que se inclui, incógnito, o príncipe André Bolkonski, que
acaba por ser descoberto por Natacha já no caminho. Esta pede-lhe perdão pela
sua infidelidade, tornando-se sua enfermeira desvelada. Moscovo fica
despovoada, quase só com velhos, doentes e vadios, cerca de um terço da
população. Rostopchin é um presidente da câmara controverso, que não queria
abandonar a cidade. Os franceses entram por fim em Moscovo, há os habituais
saques e prisões. Pedro fica na cidade com o objectivo quixotesco de matar
Napoleão, mete-se em encrencas e acaba sendo feito prisioneiro pelos franceses.
QUARTO LIVRO
Na primeira parte deste livro o
autor leva a acção para São Petersburgo, quer mostrar como eles estavam ali a
ver a guerra. Fala da czarina-mãe, Maria Feodorovna, preocupada com a
assistência hospitalar, e da czarina, Elisabeth Alekselevna, envolvida em
acções patrióticas. Ana Pavlovna dá uma grande festa, em que é lida uma carta
do metropolita de Moscovo pelo príncipe Vassili. Refere-se a doença da condessa
Bezukova, como se isto fosse importante face aos cinquenta mil mortos que eles
sofreram na Batalha de Borodino. É recebida na capital uma carta animadora de
Kutuzov dizendo que os russos não recuaram perante as forças invasoras, embora
meia Rússia esteja nas mãos dos franceses. Chega por fim a notícia de que
Moscovo foi abandonada. Nicolau Rostov é enviado a Voronetz comprar cavalos
para o exército, e perde-se pela esposa loura de um governador daquele território.
Ele está endividado, e toma conhecimento da paixão por si da princesa Maria Bolkonskaia,
Nicolau dá notícia à princesa Maria sobre o estado de saúde do seu irmão, André
Bolkonski. Há aqui um jogo de interesses: se ele morrer, ela torna-se uma grande
herdeira, e aí ele pode vir a casar com ela e desquitar-se de Sónia. Entretanto,
em Moscovo Pedro está preso com gente de baixa condição, assiste a uma execução
de russos às mãos de franceses, ele é o sexto homem da fila para ser executado,
mas a execução, que execrava os próprios soldados franceses, acaba em si, e ele
escapa ao fuzilamento e é retido numa igreja em ruínas. Ali encontra um soldado,
Platão Karataev, pessoa simples e verdadeira, que o animou. André Bolkonski, que
tinha seguido na comitiva dos Rostov, continua gravemente ferido. A princesa Maria
Bolkonskaia, sua irmã, vai à sua procura e encontra-o em Yaroslavl, colaborando
a partir dali com Natacha no seu tratamento: As duas aproximam-se, assistindo
aos seus últimos dias de vida.
Na
segunda parte Tostói volta a fazer considerações de ordem filosófica sobre a História,
sobre a tática militar do seu tempo, em que comenta os papéis desempenhados por
Kutuzov, cuja sagacidade e prudência defende, contra o belicismo de Napoleão
Bonaparte, cujo valor minimiza. Embora não contenha muito enredo, contém uma
opinião fundamentada e importante sobre o desenrolar daquela guerra. Ali é
referido os contactos que Kutuzov manteve com Napoleão e das démarches que se seguiram. Napoleão
ocupa Moscovo, que ardeu em parte, não tem um inimigo com quem se possa defrontar,
e face à vastidão daquele país não tem remédio senão regressar de onde veio. A
imensidão do território, a forte resistência russa e o inverno venceram-no.
Esta
terceira parte deste livro volta a referir-se à Batalha de Borodino, à ocupação
de Moscovo e à retirada de Napoleão, que se inicia em 28 de Outubro. A situação
está a inverter-se, mas nem assim Kutuzov deixa de ser criticado. Há muita
intriga na Corte. Pétia Rostov anda envolvido na defesa da cidade de Moscovo,
onde os franceses cometem alguns desmandos. Denissov e Dolokov estão a organizar
uma guerra de guerrilha em perseguição das forças napoleónicas, cansando-lhes
baixas. Este último é um homem destemperado pela guerra, e torna-se desapiedado
e cruel. Pedro Bezukov, que ia levado com prisioneiro pelas tropas francesas
acaba por ser libertado.
Na quarta parte ocorre a morte de
André Bolkonski, Natacha Rostov e Maria Bolkonskaia remetem-se a um luto
cerrado, ficando a viver umas semanas juntas. Entretanto, o exército de
Kutuzov, movido pela ambição dos seus generais, sobretudo estrangeiros,
persegue o exército napoleónico a todo o custo, que tenta bater em Vizma e em
Krasnoie. O general Kutuzov volta a ser criticado pela sua inacção, até o
imperador está descontente com ele, embora mais tarde o condecore. Devia-se ter
em atenção que o exército francês em fuga, ainda que enfraquecido, ia uns
passos à frente, seguia com destino desconhecido, e podia partir durante a
noite com destino incerto, surpreendendo o exército russo, que também estava
mal equipado, esfomeado, desgastado por aquela dura campanha. Mesmo assim, as
forças napoleónicas sofreram muitas baixas e são forçadas a dispersarem-se. Na
casa dos Rostov chega a notícia de Pétia ter sido morto, o que afecta muito a
velha condessa. Por insistência do pai de Natacha regressam a Moscovo.
EPÍLOGO
Na primeira parte do epílogo Tostói
analisa, já em 1819, as consequências daquela guerra, em que o czar Alexandre I
está no máximo do ser poder. Pedro Bezukov, já viúvo de Helena, casa-se com
Natacha Rostov, que lhe vai dar três filhas e um filho, é um homem mais austero,
com maior consciência social, e a esposa frequenta menos a sociedade, perdeu o
fulgor da juventude. Nicolau Rostov, a quem morrem os pais, herda deles
sobretudo dívidas, de tal modo que os seus familiares lhe recomendaram que
renunciasse à herança, porém, ele quer honrar o nome dos pais e aceita-a. Depois
de um encontro com Maria Bolkonskaia, em que se interrogam sobre o seu passado,
ainda em 1814 casa com ela. Esta, depois da morte do seu irmão, André, tinha-se
tornado riquíssima, e ele em três anos, com grande empenhamento consegue pagar
essas dívidas sem recurso à fortuna da mulher. Em 1820 há uma grande festa na
casa dos Rostov, em que está presente Denissov, velho amigo de Nicolau, evocando-se
a heroicidade daqueles conturbados tempos.
Na segunda parte do epílogo o autor
reincide nas suas considerações sobre a Filosofia da História, faz uma análise
da política europeia de 1805 a 1812, dos movimentos de tropas de Oeste para
Leste e de Leste para Oeste. Para ele os imperadores e os grandes generais são o
fruto contextual de uma época, a sua acção é mais o resultado das aspirações dos
seus povos que a expressão da sua vontade. Os historiadores devem procurar as
motivações para aquela guerra, não nestas personagens, mas nos seus povos. O
motor da história está mais nas necessidades de afirmação das nações que na
vontade dos seus chefes, generais ou imperadores; o aparecimento de grandes
líderes, de grandes chefes, de grandes generais tem mais a ver com a
oportunidade que lhes é criada pelo desenrolar dos acontecimentos, que pela sua
genialidade. Isto deve levar a que sejam reequacionadas as leis da história,
como eram então entendidas.
APRECIAÇÃO
GERAL DO ROMANCE
Como o próprio autor diz ao fim no
seu apêndice, este romance transcende a forma habitual deste género, que
agiganta na forma de estudo e ensaio. Nele são retratadas com grande primor
centenas personagens, que em poucas palavras se materializam perante os nossos
olhos. Com uma rara veia descritiva, ele pretende abarcar meio mundo, debruçando-se
sobre diversas nações, dando-se ao trabalho de usar mais do que uma língua. Parte
dos diálogos eram escritos em Francês, por ser então uma língua muito falada
pela aristocracia russa. O seu nível de análise pressupõe grandes conhecimentos
de Filosofia da História, de Sociologia, do mundo em que vivia, pondo em
evidência os problemas políticos, económicos, sociais e culturais do seu tempo.
Ele leu, estudou, viajou, foi ao
local de algumas batalhas, e informou-se bem sobre esta matéria para ter
autoridade para escrever sobre um período da Europa tão importante, esmiuçar-se
sobre a natureza da guerra, e poder contestar a grandeza à figura de Napoleão,
quase venerado no seu país natal, e mesmo respeitado pelos outros países, quando
afinal, era um homem com as suas limitações, demasiado obcecado pelo poder,
pela vã glória de mandar, indiferente aos sofrimentos que causava, ignorando o
enorme caudal de mortos que arrastava consigo; defendendo Alexandre I de
algumas críticas, a posteriori fáceis
de lavrar.
Contra a maneira de pensar da sua
época, em vez de enaltecer virtudes à guerra, a grandeza aos feitos militares,
que levavam à morte e à incapacidade milhares de pessoas, espalhavam a devastação
por toda a Europa, ele preferiu enaltecer os ideais da paz, a concertação
política e social, contestando que a guerra deva ser vangloriada, e as proezas
militares enaltecidas. É contra a beligerância dos povos, a violência gratuita,
a tentativa da hegemonia de uns países sobre os outros. Destes princípios
muitos políticos de hoje deviam beber. Contra a beligerância de Napoleão, ele
prefere o pacifismo de Kutuzov, que se vê forçado àquela guerra, a qual não lhe
merece grande entusiasmo.
A crítica social está presente ao
longo do livro, às vezes com certa ironia. Ele denuncia a sociedade russa do seu
tempo, de senhores e de servos, em que uma classe desfavorecida se fartava de
trabalhar, constituída por artífices, serviçais, lacaios, criados, camareiros, mordomos,
perceptores, vivendo uma vida modesta e sacrificada em proveito de uma classe
ociosa, que vivia no meio do luxo e da ostentação, organizando grandes caçadas,
bailes luxuriantes, copiosos banquetes, retrata-nos um meio em que as pessoas
são movidas pelo egoísmo, pela avareza, pelas honrarias, pela vã glória, pela
vaidade, insensíveis ao sofrimento alheio, enfim, tocadas pela desumanidade, classe
que, sem ideais verdadeiramente nobres, só poderia conduzir à guerra.
Mais racional que místico, não
podemos ignorar o papel corrosivo das suas obras na sociedade russa, da fé cristã
que espalhou, de cariz contestatário e anarquista, das ideias de justiça social
que apregoou, impressas de generosidade e solidariedade, próximas das
primitivas ideias de Cristo. Ele atreveu-se a dizer no seu tempo que “Dar
centavos com a mãe esquerda para roubar milhares com a direita, chama-se
caridade”. O pensamento expresso nos seus ensaios atraiu muitos leitores,
criando-lhe uma aura de sabedoria, atraindo muitos discípulos e seguidores à
sua propriedade, cujo fervor pietista chegou a criar ciúmes à sua esposa, Sofia
Nicolaevna.
Ao fim do seu longo epílogo. Tolstói
entra, como se escreveu atrás, nos domínios da Filosofia da História,
considerando que esta não se reduz à descrição da vida dos reis e imperadores, à
acção dos seus generais, mas há que estudar a vida dos seus povos, as suas
necessidades e aspirações, analisando o contexto civilizacional em que se
encontram, e neste aspecto rompeu com algumas as correntes filosóficas e
históricas do seu tempo, notoriamente arcaicas, aproximando-se da modernidade.
Ele queria uma História da Humanidade, não uma história dos seus heróis.
Quando à mecânica que explica os
movimentos da História, ele rejeita as antigas teorias históricas, que
explicavam a sucessão dos acontecimentos pela intervenção divina, pela sagrada Providência,
que tinha o poder de influenciar os homens e definir o destino da humanidade. Ele
considerava que a sua dinâmica dependia sobretudo da estrutura e necessidades
das nações, tinha a ver, digamos, com a suas “aspirações”, um conceito que não
precisou muito em pormenor, e que anos mais tarde, Émille Durkheim definiria, o
de “consciência colectiva”. Dependia, pois, das contingências do tempo em que
viviam, e regia-se pelas leis da História.
Seguramente, ele pretende tirar
importância histórica ao papel dos seus interventores de cúpula, como sejam o
imperador Napoleão, ou o czar Alexandre I. As nações europeias, por estarem divididas
e estruturadas de maneira desajustada, propícia ao confronto de ideias, tinham
tendência à afirmação do seu poder, a expandirem a sua influência, foi isto que
levou àquela guerra, se estas personagens não tivessem surgido, outras teriam
aparecido a desempenhar o seu papel. Elas foram, digamos, impulsionadas pela
História, Alguns críticos consideram-no determinista por partir deste
automatismo dos factos históricos, como se de um fenómeno matemático se
tratasse.
De facto, ele é um tanto
estruturalista, ao comparar o poder distribuído por toda a sociedade como aquele
que se reparte por um exército, em que o poder assenta na cúpula no comandante
do exército, mas se partilha por toda a estrutura, do general ao soldado raso.
Faz derivar a acção da liberdade e da necessidade, numa equação em que são
indirectamente proporcionais. Todavia, esta lei da necessidade tem
condicionantes: o homem não possui um conhecimento pleno da sociedade em que
vive; varia com o tempo em que está inserto nela; a realidade social é
infinitamente complexa, ele não pretenderia que as leis históricas tivessem a
rigidez fechada das leis da Natureza.
Tolstói poderá não ter definido o processo
histórico da forma mais perfeita, verdadeiramente científica, e não sabemos se
algum dia este o poderá vir a ser, em virtude da complexidade do facto
histórico, que tem a ver mais com a qualidade que com a quantidade, da vida
social ser uma realidade muito aberta e fluída, do agente social ser pouco
previsível, mas ele tentou libertar-se das explicações dos antigos filósofos e historiadores,
já então obsoletas, que faziam o processo histórico depender da intervenção
divina, e estar materializado na acção dos imperadores, dos reis, dos chefes e
líderes da sociedade, que seguiriam as directrizes da Providência, prescindindo
da vontade do homem.
O romance Guerra e Paz é uma obra avassaladora, que disseca de várias
perspetivas a História da Europa do seu tempo, e sobretudo a da Rússia, uma
obra integrada no realismo nascente. Conhecedor profundo da psicologia humana, da
sociedade europeia, da ciência militar, e até da História, Tolstói analisa com muito
rigor aquela guerra e todo o seu contexto, usando uma linguagem sóbria e
precisa, que nalguns aspectos faz lembrar A
História do Peloponeso de Tucídides.
É uma obra não só volumosa como grande, no sentido mais amplo da palavra,
magistral, para nós, talvez a maior epopeia dos tempos modernos.
Martz Inura, 5.3.2018
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