JOSEPH CONRAD
O Coração das Trevas
Tradução de Teresa Amaro
COLECÇÃO MIL FOLHAS
O
HOMEM
Joseph
Conrad, (de nascimento Jósef Teodor
Konrad Nalecz Korzeniovski) nasceu na cidade de Berdichev, com dominação
czarista, hoje pertencente à Ucrânia. O seu pai era aristocrata e nacionalista e
foi exilado com a família para Vologda, e pouco depois deportado para a
Sibéria, onde morreria quatro anos depois. A mãe, entretanto, morrera de
tuberculose. Enfim, aos onze anos estava órfão de pai e mãe. Um seu tio tomou
conta dele, e quis que ele seguisse uma carreira universitárias, mas Joseph era
muito aventureiro, e até para fugir ao serviço militar na Rússia quis entrar na
marinha mercante. Em 1874 estava em Marselha a trabalhar nesta área. Mas a
situação dele não era fácil, sem pais, por ali perdido, sem saber para onde se
voltar. Há registo de uma tentativa de suicídio. Porém, em 1878 entrava como
aprendiz de marinheiro num navio inglês, dando um rumo feliz à sua vida, permanecendo
na marinha inglesa por mais vinte anos, dando-lhe a possibilidade de visitar as
terras mais distantes, navegando desde o Oceano Atlântico ao Índico e Pacífico,
chegando ao posto de capitão de longo curso. Em 1886 obteria a cidadania
inglesa, e em 1894 terminaria a sua carreira no mar para contar as suas
milhentas histórias. Casou com Jessie George e teve um filho. Faleceu em 3 de Outubro
de 1924 em Bishopsbourne, aos 66 anos.
A
OBRA
É um facto curioso, Joseph Conrad,
tendo começado a falar polaco, falava também russo, francês, e foi em inglês, a
sua quarta língua, que ele se tornou escritor. Para ele os aurores que mais admirava
eram Shakespeare, Walter Scott e Flaubert. Ele escreveu para além de muitas
histórias, memória e ensaios, e dezassete romances, dos quais se destacam:
–
Lord Jim (1899)
–
O Coração das Trevas (1899)
–
Nostromo (1904)
–
O Agente Secreto (1907)
O
ROMANCE O Coração das Trevas
O livro é constituído por três
artes, três capítulos não assinalados no livro, mas correspondente à sua
publicação ao longo de 1899 na revista Blackwood
Magazine, como era costume naquela época.
PRINCIPAIS PERSONAGENS
–
Kurtz: A personagem admirável, que
todos gostam de enaltecer como um grande homem, porque ele sozinho conseguia
comprar mais marfim que todos os outros exploradores juntos, presumindo-se que por
processos cruéis, massacres e assassinatos. Possuía ali muito poder.
Personifica o mal, o colonialismo, o medo, a tortura, a maldição e também a
avidez, a ganância, a procura do lucro fácil sem olhar a meios, desprezando os
valores humanos. Todos manifestam uma grande admiração por aquele homem, sem
dúvida notável, mas que o narrador pelo menos não nos descreve muito que o
possa abonar, e só diz bem dele para não ser enforcado.
–
Charles Marlow: É o alter ego do
autor, que fez um dia viagem semelhante, e que dela quer dar conta aos seus
amigos marinheiros por cima das águas calmas do Tamisa. Aquela viagem foi
horrorosa, ele reconhece que teve momentos em que esteve perto do abismo, em
que sentiu perder o controle das coisas.
–
O Administrador: Pessoa muito
reservada que vive não Posto Principal e dirige ali as operações comerciais
seguindo as determinações da companhia. De estatura média, olhos de um azul
vulgar, um homem normal. O seu propósito era servir os interesses da companhia,
estava desprovido de valores humanos.
–
O Chefe da Contabilidade: O homem
que faz as contas da companhia, e está nos Posto inicial, que pensa ainda vir a
subir na escala da administração e diz por isso muito bem de Kurtz.
–
Van Shuyten: um holandês ainda
imberbe que os aguardava no Posto Interior, mas que estaria algures noutro
sítio e era quem abastecia o posto da lenha.
–
Um Russo: Personagem também afectada
psicologicamente, que aparecera junto de Kurtz no Posto Interior.
BREVE RESUMO
Primeira
Parte
Descreve como arranjou aquele trabalho e
como decorreu a viagem até o Posto Principal, no interior do Rio Congo, indo à
procura de um homem extraordinário, que domina o comércio do marfim, o senhor
Kurtz.
O
marinheiro inglês Charles Marlow, a bordo de uma chalupa de recreio, Nellie, em pleno estuário do Rio Tamisa
conta aos seus companheiros de viagem como arranjou trabalho num vapor fluvial
de uma companhia que se dedicava `importação de marfim do Congo. Ele tinha
chegado há pouco tempo, depois de andar pelo Oceano Índico e Pacífico, e pelos
Mares da China. Pôs mulheres e amigos conhecidos à procura de trabalho para si,
e até uma tia, no Continente, que lhe enviou uma carta dizendo conhecer alguém ligado
à administração. E lá conseguiu que o nomeassem comandante de um vapor fluvial.
Atravessou o Canal da Mancha e foi apresentar-se ao serviço nos escritórios da
companhia. Ali fez os necessários exames médicos, coisas esquisitas, até lhe
mediram a dimensão crânio.
Parte por fim num vapor francês,
parando em quase todos os portos de escala. Por fim chega à foz do Rio Congo,
mas o seu lugar de trabalho ainda era 200 milhas acima. Arranjou passagem num
vapor de mar comandado por um sueco, com quem conversou. Ele diz-lhe que um seu
amigo se enforcou ali perto –,
viu logo que estava em terras estranhas. Finalmente deixou-o no Posto Inicial da
sua companhia, mais a montante. Viu seis negros que lhe pareciam “selvagens
infelizes”, e logo ali notou o “demónio da violência e da ganância”. À volta do
posto rebentou uma mina, alguém morreu, “eles já não eram inimigos, não eram
criminosos, já não eram deste mundo”. Por fim dá com um branco, o chefe da
contabilidade, que fazia questão de usar camisas engomadas e punhos à maneira. Havia
ali doentes, ouvia os seus queixumes, subitamente chegou uma caravana. O chefe
da contabilidade fala-lhe então do senhor Kurtz, chefe do interposto comercial
do interior. Era um homem que admirava, e a quem futurava um destino auspicioso
na companhia.
Ao
fim de dez dias não tinha chagado o vapor para o levar ao seu destino, e teve
de partir por terra com 60 homens, para uma caminhada de 300 quilómetros. Há
cenas de violência durante a viagem, num ambiente terrífico, a que não sabia se
ira sobreviver: caminhar, acampar, dormir. Ao décimo quinto dia o rio torna-se
mais largo, ficava ali o Posto Principal da companhia. Tinha de ir falar com o director
geral, ele estava à espera, verificando que ele não tinha espírito de organização,
de iniciativa, de ordem, o cargo viera parar às mãos. Disse-lhe que ele demorara
ao vir por terra, e ele tivera de ir fazer o trabalho por ele, era preso render
os postos da companhia. O vapor que o devia ter trazido afundara-se no rio. A
situação era muito grave, corriam rumores que havia um posto em risco, onde
Kurtz estaria doente. Ali no posto principal havia ruídos estranhos, houve um
fogo inexplicável –, o ambiente era medonho. Tanto
lhe falou do senhor Kurtz que quis saber mais sobre ele. Era o chefe do Posto
do Interior. E pôs-se logo a gabá-lo, dizendo que era um prodígio da ciência e
do progresso, um emissário da piedade. Porém, verificou que um indígena estava
ali a ser castigado sem piedade. Mas Charles Marlow via
naquilo tudo um refrigério da morte, um simulacro da filantropia. Partiu por
fim num vapor que por lá atracou, cheio de curiosidade de ver Kurtz.
Segunda
Parte
Esta parte descreve a viagem pelo rio, desde
o Posto Principal até ao Posto Interior, onde estava Kurtz.
Uma
tarde, estava sentado no convés do pequeno vapor e apareceu por lá o
administrador a vociferar com ele por aquilo não andar. Charles Marlow não
queria receber ordens dele como pilotar aquela embarcação. Falaram de Kurtz e
da urgência de ir lá buscá-lo. Quando o vapor ficou em condições partiu, embrenhando-se
na floresta medonha, parecia estar a subir para os primórdios do mundo. E no
rio era preciso ter cuidado com os baixios e com os pedregulhos que por lá
aparecessem. As margens eram ameaçadoras, os indígenas encarados como inimigos,
receava haver por ali canibais que os comessem. Num ambiente tão estranho e
adverso “a Terra parecia sobrenatural”. Os homens não eram inumanos, mas
sobrenaturais. Talvez já estivessem todos loucos.
Cerca de 50 milhas abaixo do Posto
do Interior dão com uma cabana com lenha para quem quisesse, pertencia à
companhia. Deram lá com um livro, que Marlow levou consigo. O administrador num
abrir de olhos levou dali aquela lenha. A corrente tornou-se mais rápida, ao
fim do dia verificaram que estavam a oito milhas do Posto Interior. Homens
empunhavam espingardas, era um mundo assustador, com algo de sinistro. De
repente caiu sobre eles um nevoeiro pesado, não se via nada à frente, ele temia
que o navio fosse atacado, foi à proa e deu as suas ordens. Foi então que temeu
vir a ser pasto de alguma refeição parar os indígenas, que seriam canibais. Havia
ali uma aldeia, parece que não os iam atacar, mas o barulho alienado que faziam
era inconcebível.
Só duas horas depois o nevoeiro
levantou e deram com uma ilhota e um banco de areia, e uma enfiada de baixios
que se viam debaixo da corrente. O vapor era uma embarcação frágil, como uma
chata coberta com duas casinhas de teca com portas e janelas ao meio. A
caldeira ficava na proa e as máquinas à ré. O timoneiro era um negro corpulento,
mas muito instável. Apareceram troncos no rio, que podiam danificar a
embarcação. Por fim rebentou um forte tiroteio, uma tremenda confusão,
ouviam-se gritos bélicos do interior da floresta num “lamento trémulo e
prolongado com aquele que imaginámos que será o último voo da esperança da
terra” –, eles estavam a ser atacados. Naquele ambiente estranho e hostil até
começaram a duvidar se seriam ou não humanos.
No meio de tal confusão até Kurtz já
devia ter morrido. Tudo aquilo era absurdo, demoníaco. Afinal quem era Kurtz?
Era filho de mãe inglesa e pai francês, fizera os seus estudos em Londres. A Sociedade
Internacional para a Supressão de Costumes Selvagens tinha-lhe pedido um
relatório para sua futura orientação. Segundo se depreendia, possuía uma
eloquência iluminada. O administrador e os seus capangas estavam refugiados no
convés, e Marlow ouviu gritos sinistros no convés de baixo, o seu timoneiro
tinha morrido, ia servir de alimento aos peixes. Bem, eles também teriam feito uma
chacina no mato, com os disparos que fizeram da embarcação. Apareceu mais acima
alguém na margem, o vapor atracou, era um homem ainda imberbe, o holandês Van
Shuyten, que disse que Kurtz estava lá em cima, que andava há dois anos por
aquele rio, longe de tudo e de todos. Pareceu-lhe desorientado, foi ele quem
deixou mais abaixo a lenha, e Marlow quis devolver-lhe o livro. O administrador
queria que Kurtz viesse embora, mas os indígenas não o queriam deixar partir, ele
transforma-se num seu ídolo.
Terceira
Parte
Nesta parte descreve-se o encontro com Kurtz
até à sua morte, e depois, já na sede da companhia a falar com a que seria sua
mulher.
Quando
finalmente se quis encontrar com Kurtz, ali senhor de todo o poder, a ponto de
todos dizerem maravilhas dele, encontra um homem desorientado, no meio de uma
trupe de saltimbancos, cuja personalidade só se poderia analisar na ponta de um
olhar extático, tomado pelo horror do que tinha visto, como se ele já não
estivesse ali, um russo. Durante anos a vida esteve ali por um fio. Os
“selvagens” olhavam Charles Marlow de olhos esbugalhados, como se ele fosse um
ser sobrenatural. Um russo que ali estava, também tomado daquele horror, disse
para levarem Kurtz dali depressa. Mas não era fácil, as tribos à volta do lago
seguiam-no, e agora adoravam-no.
Kurtz terá ali cometido muitos
crimes contra a humanidade, era quase um monstro, mas ele terá submergido ao efeito nefasto dos
costumes dos “selvagens”. Reconhecia-se ele ter feito coisas bárbaras, mas
parece ter sido vítimas das circunstâncias, não teria forma de agir de outra
maneira. Aqueles crimes ali não faziam sentido, pois aqueles povos regiam-se
por outros princípios. Além disso ele estava meio louco, a ponto de agora se
deixar adorar como um deus. Ali não havia regras para além da sua vontade, não
havia limites à moral. A sua alma devia estar destruída, ele não tinha nem fé
nem temor, era levado pelo horror, pela loucura. Deram-se em reunir os
indígenas à volta do lago e deixara-se idolatrar como um seu ídolo.
Viu ao longe na sua habitação umas bolas,
que depois verificou serem cabeças empaladas de pessoas, destinados a
impressionar os circunstantes, carregando a zona de um estranho poder
sobrenatural. Para o administrador seriam rebeldes. Já não eram inimigos, nem
criminosos, eram rebeldes. O administrador estava ali e todos os demais brancos
no meio dos indígenas, mas não tinham medo, pois uma palavra de Kurtz chegaria
para serenar os “selvagens”. A seguir apareceu um grupo de guerreiros armados
de lanças, arcos e escudos, saídos do nada, se Kurtz não lhes dissesse as
palavras certas os brancos estavam desgraçados, disse o russo. Ele vinha postado
num palanque, transportado pelos indígenas, que subitamente pousou.
Charles Marlow sente-se
desconfortável ao ver costumes tão estranhos nos indígenas, com vestes
diferentes, alimentação diferente, danças e rituais tão exóticos que lhe parecem
ser de alienígenas, mas que ele considera “selvagens”. Depois de mais algumas cenas
inexplicáveis uma bela mulher “selvagem” aproxima-se do vapor. O administrador,
o russo que ali estava e Charles Marlow seguem-na com o olhar. Ela olhou para o
vapor e a seguir voltou-lhe as costas para se perder no interior da mata e ir falar
com Kurtz. O administrador foi a seguir à tenda dele, dizendo que o vinha
salvar, mas ele respondeu com a sua voz cava que ele vinha era buscar o seu
marfim, que não estava tão doente como pensavam. Marlow falava sempre bem de
Kurtz, pois dizendo mal temia ser enforcado. Ali soube que o ataque ao vapor
foi desencadeado por ordem de Kurtz –,
o homem estrava louco. Kurtz não vinha e foram-no buscar, mas ele estava no
meio de tendas com fogueiras à volta e um feiticeiro de cornos a dirigir tudo aquilo.
Foram por fim buscar Kurtz a uma
tenda, mas ele pouco mais pesava que uma criança, era “uma alma que não
conhecia limites, sem fé, nem medo, debatendo-se às cegas consigo própria”.
Levaram-no para a casa do leme. Porém, os “selvagens” invadiram o navio, o
administrador já não sabia o que fazer, embora tivesse ali Kurtz. À volta dos
brancos, olhavam-nos como se já estivessem mortos. O barco avariou, tinha que
ser, e Kurtz deu um maço de papéis a Marlow para ele os guardar. Era o horror,
o horror. Alguns “selvagens” comeram nesse dia na messe. Ele está perto do
administrador, quando um negro veio anunciar que Kurtz estava morto. E lá o
levaram e enterraram na mata como um troféu. O senhor Kurtz era de facto um
homem notável, tinha muitos conhecimentos, e além do marfim mostrava interesse
pela “Supressão dos Costumes Selvagens”. Apareceu ali um primo a dizer que ele
teria sido um grande músico, enquanto o piloto inglês imaginava que ele teria
sido um jornalista com vocação para a pintura, um “génio universal”. Bem, ele
não escrevia nada de jeito, mas afinal teria o dom da palavra. Ficou com o maço
de cartas e um retrato de rapariga que ele lhe dera a guardar.
Um ano depois Charles Marlow está de
regresso e quer devolver as cartas à mulher de Kurtz. Ela apareceu vestida de
negro diante dele como que flutuando. Queria saber tudo acerca do passado do
seu ente querido, com um misto de orgulho e de desgosto. Na sua dor, parecia
que havia de saber chorá-lo como ele merecia. Ele fora um homem notável, a sua
morte foi uma perda “para o mundo”, não podia ser esquecido. "A sua morte fora em tudo digna da sua vida", disse Charles Marlow
para a confortar, concordando em dizer que era o seu melhor amigo, que o conhecia muito bem, enaltecendo
as suas notáveis qualidades. E quando ela lhe perguntou qual fora a palavra que
ouvira, ele disse piedosamente que fora o nome dela. E isto como foi uma compensação para todo o
seu sofrimento. Para a mulher não lhe tinham feito a justiça que lhe era
devida, ele era um homem extraordinário. Ele ouviu-a dizer isto toda ufana, e
não foi capaz de lhe contar a verdade, falar de um homem que viveu e morreu num
mundo tenebroso, mergulhado numa imensa treva.
COMENTÁRIO AO ROMANCE
Joseph Conrad aliviou neste livro as
personagens de carga psicológica, volta-se mais para os factos, tem uma
narrativa escorreita, com uma leveza de uma história contada a marinheiros
sabidos, muito focada na condição humana, na crise de identidade, que
experimentou no seu começo de vida, e que se aplica à história que está a
contar, à própria sociedade, provocada pelo choque de culturas. Ele consegue
ver ali, sem que cite o termo, uma anomia antropológica gritante, ou seja, uma
perturbação psicológica nos indivíduos, que ficavam como que alucinados pelo
confronto de ideias e crenças antagónicas, que conduziam a uma grande inquietação
e excitação social, tornando-a caótica, devido à perda da consciência colectiva.
Note-se que o conceito de anomia tinha sido definido por esta altura por Émile
Durkheim e fora alvo de alguma curiosidade pela comunidade científica. A
linguagem do autor é viva, fluída, absorvente, o que fez com que o
considerassem entre os maiores escritores da Língua Inglesa, qualidades que nem
sempre conseguiremos ver expressas nas traduções das suas obras.
Um dos pontos fortes deste romance é
a atmosfera de estranheza, de horror, tenebrosa, que se apossa das personagens.
Ainda que delineadas com simples pinceladas imprecisas, às vezes toscas, com
sabor surrealista, como se fôssemos levados a experimentar uma paisagem
fantástica dos quadros de Bruguel dos tempos antigos, ou a visionar o filme Apocalipse Now dos tempos modernos, pinceladas
de traços fortes e provocantes. Aquelas paisagens quentes, cheias de árvores
frondosas e animais exóticos tinham por detrás ameaças veladas, olhares
sinistros, que agigantavam os medos de qualquer um, a ponto de perturbar a sua
lucidez. Há costumes macabros, uma estranheza perpassada pela fantasia de mil
mortes inesperadas, o horror mais assustador, ele vagueava pelo âmago do desregramento.
No meio daquele mundo caótico, de feiticeiros, de máscaras, de amuletos, as
pessoas ficam possuídas ao fim de algum tempo da loucura, a realidade deformava-se,
tornando-se caótica. Os indígenas eram por aquele rio acima uma ameaça de morte,
desconcertavam o mundo –, de inimigos passaram a criminosos, e depois já eram
encarados como sombras.
À primeira vista O Coração das Trevas pode até parecer
ter uma visão racista do mundo, ou pelo menos uma visão imperialista, mas temos
que nos situar no tempo, no imaginário da época. Na Inglaterra, por aquela altura
ainda se sabia pouco sobre do interior da África para além do Saara, e não
a desligarmos da colonização do Congo por Leopoldo II da Bélgica, e a levada a
cabo pela Inglaterra, pela França, por Portugal e outros países, pois se no
livro se fala dos “selvagens”, por outro lado também se ataca de modo
inequívoco a avidez dos brancos, e de certo modo se põe em causa o colonialismo.
Com a simulada pretensão de ir ajudar os “selvagens” a libertar-se da
obscuridade, criaram-se companhias comerciais que ali vinham tirar vantagem
materiais. Em nome da civilização violentavam-se os povos da região, tudo aquilo era
apenas um simulacro de Filantropia. Fazia-se a distinção entre selvagens e
civilizados, e mesmo entre os indígenas, que ou eram desenvolvidos ou eram
primitivos. Neste romance Joseph Conrad conseguiu dar-nos uma ideia daquele mundo
caótico, despojado de valores confiáveis, de decadência morar, em que as pessoas viviam horrorizadas,
enfim, no coração das trevas.
04/05/2018
Martz Inura
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