Vladimir Nabokov
Lolita
Tradução de Fernanda Pinto
Rodrigues
Editorial Teorema
Coleção Novis Visão (2000)
O
HOMEM
Vladimir Vladimirovich Nabokov nasceu na Rússia, em São Petersburgo,
em 23 de abril de 1899, e faleceu em 02 de julho de 1977, em Montreux, na Suíça.
Era filho de uma família abastada, que tinha entre os seus empregados uma
professora francesa e uma governanta inglesa, permitindo-lhe saber falar francês
e inglês desde a mais tenra idade. A revolução russa levou a que a sua família tivesse de partir para Inglaterra, em 1920, onde recomeçou os seus estudos na Trinity College. Estuda
zoologia e concluiu um diploma de literatura russa e francesa, sendo o primeiro
aluno da turma. Desde cedo teve vocação para as letras. Publicou ainda
jovem duas coleções de versos, e fez até um estudo sobre borboletas. Em 1922 acompanha a sua família para Berlim,
onde o seu pai é assassinado por um monarquista russo. A sua mãe vai para
Praga, mas ele continua em Berlim, sobrevivendo durante quinze como professor
de línguas, boxe e ténis. Em 1925 casa-se com Vera Slonim, de quem tem um filho,
Dmitri. Com a efervescência política na Alemanha, em 1937 vai para a França, e,
em 1940 embarca para os Estados Unidos, onde tem família. Em Nova Iorque começa
a trabalhar como voluntário no Museu de História Natural. É possuidor de uma vasta
cultura e títulos académicos. Em 1941 está a lecionar literatura comparada em
Wellesley College, e, em 1945, literatura russa e europeia na Cornell University.
É-lhe concedida a cidadania americana em 1945. Continua a escrever. Por fim,
resolve editar Lolita. O livro trata
de relações impróprias de um quarentão com a sua jovem enteada de 12 anos. É um
assunto tabu, alguns editores recusam o livro, mas ele é persistente e consegue
publicá-lo em França em 1955, e três anos depois em Nova Iorque. Com a
publicação deste livro, objeto de muita crítica, saiu do anonimato, e obtém um
enorme sucesso financeiro. Em 1961 regressa à Europa, vai viver para Montreux,
na Suíça, onde continua a escrever e a viver exclusivamente da escrita. Mas o
peso de Lolita é enorme. Morre de uma
doença infeciosa aos 78 anos.
A
OBRA
Para
além da sua poesia, os seguintes romances:
– Mashenka (1926)
– A Defesa (1929)
– O Olho (1930)
– Riso na Escuridão (1934)
– Pnin (1937)
– Rhe Gift (1938)
– Lolita (1955)
– Ada or the Ardour (1969)
Do filme Lolita (1962) de Stanley Kubrick
O
ROMANCE Lolita
–
Humbert Humbert: É o narrador e a
personagem principal do romance. Nasceu em Paris em 1910. Era filho de pai
Austro-francês e mãe inglesa. O pai era dono de um hotel na Riviera e tratava-o
com certa distância. Em criança teve uma grande paixão pela colega de escola,
Annabel Leigh, que viria a falecer de tifo em Corfu. Esta morte afetou-o
bastante. Ele é atraído por adolescentes, as mulheres mais maduras causam-lhe
repulsa. Parece apresentar este trauma, e a deficiente educação do pai, como
justificação para o seu desvio sexual. Nunca mais se interessou por mulheres,
até ser despertado por Dolores Haze, filha de Charlotte Haze, de apenas 12 anos.
Casa com a mãe para ficar com a filha por perto. Ele é controlador, possessivo,
obcecado por Dolores, a sua Lolita, que consegue atrair para a sua posse. Inicia
um périplo com ela pela América para a controlar, perde-a por fim, quando ela
teve de ser internada num hospital. Depois de a reencontrar descobre que a
perdeu para Quilty, a quem assassina. É preso e na prisão vai escrever as suas
memórias, assumindo a sua culpa. Morre em 16 de novembro de 1952 por
insuficiência cardíaca.
–
Dolores Haze (Lolita) (Dolly) (Lo): É
uma menina de 12 anos, graciosa, frágil, brincalhona, para ele uma ninfita. É um tanto namoradeira e tem
relações com um colega, Charlie, e um com um dramaturgo, Clare Quilty. Humbert
fica apaixonado por ela à primeira vista. Ela deu-lhe alguma atenção, mas pouco
depois esquecia-o. Contudo, ele arranjou maneira de se se aproximar dela, casando
com a sua mãe, que era viúva. Morta esta num acidente, ela é aliciada por ele a
dar uma volta pela América, Cansa-se de tanta viagem e frequenta um colégio.
Desiste dos estudos e inicia com o padrasto outro périplo até à Pousada dos
Caçadores Encantados. Ali adoece e foge com Clare Quilty. Mais tarde casa com
Dick Schiller, sem um braço. Tem 17 anos, com uma gravidez adiantada, está em
dificuldades e pede ajuda monetária ao padrasto. Apesar de um tanto saída, namoradeira,
não deixa de ser uma criança, de quem Humbert se aproveitou.
–
Charlotte Haze (Srª Haze): É uma
trintona não muito bonita, do género de Marlene Dietrich, que vive em Ramsdale
com a filha Dolores. Não parece muito ligada à filha, a quem manda no verão para
um acampamento de férias, e que pensa enviar para um colégio interno. Ela é
muito americana, e aprecia o ar snobe de Humbert, de estilo europeu. Apaixona-se
por ele. É também muito ciumenta, e mais se torna quando verifica que Humbert é
ninfolepto. Ele desejava ver-se livre dela, e é isto que acontece, ela morre atropelada
por um carro, quando vai pôr cartas no correio.
–
Valéria: A filha de um médico
polaco, com quem Humbert se casa, e vive de 1935 a 1939. Com este casamento ele
pensa libertar-se daquela sua tendência por ninfitas
– Annabel Leigh: Era uma adolescente que
ficou um verão no hotel do pai de Humbert, e por quem este se apaixonou, teria então,
13 anos. Era de descendência inglesa e holandesa. No fim do verão foi com os
pais para Corfu, onde morreu de tifo.
–
Srª. Pratt: A diretora da escola
Beardsely School for Girls. Ela alertou Humbert para o comportamento sexual
atrevido de Dolores e pretende que ela frequente as aulas de teatro e dança, a
que ele se opõe.
– Mona Dahl: Colega de escola de Dolores, por quem Humbert também se interessa.
– Mona Dahl: Colega de escola de Dolores, por quem Humbert também se interessa.
– Gaston Godin: Professor de francês na Bearsley
School, com quem Humbert costuma jogar xadrez, não muito inteligente e com
gostos esquisitos.
–
Rita: Uma mulher com quem Humbert
passou a viver depois de Lolita lhe ter fugido. Bebe bastante, e está
consciente que ele mais tarde ou mais cedo a deixa.
–
Monique: Prostituta jovem com quem
Humbert se relaciona
–
Clare Quilty: Um dramaturgo
americano, nascido em Nova Jersey, que consegue convencer Lolita a fugir com
ele e a tenta aliciar a entrar em filmes porno. Humbert vai atrás dele e mata-o a tiros de
pistola.
–
Resumo do livro
Prefácio
O prefácio está escrito por John
Ray, PhD, um editor de livros de psicologia. Constitui as memórias de um viúvo,
Humbert, que morreu de uma trombose nas coronárias em 16 de novembro de 1952,
quando aguardava o seu julgamento na prisão pela morte de Clare Quilty. O advogado
dele, Clarence Clark, tratou que os nomes das personagens fossem mudados e esta
confissão só fosse publicada depois da morte do seu constituinte. O próprio prefácio
admite que esta é uma lamentável e
sórdida história. Ali se diz que Dolores Haze (Lolita) morreu no dia de
Natal de 1957, ao dar à luz um nado-morto do sexo feminino.
Primeira Parte
Depois de poemar Lolita, a paixão da
sua vida, Humbert refere alguns dos seus dados biográficos. Nasceu em Paris em
1910, filho de um pai brando e indolente, dono de um hotel na Riviera, cidadão
suíço, de ascendência franco-austríaca. Descreve a seguir a sua relação com
Anabela, uma menina a sua idade que passou pelo hotel do pai, quando ele tinha
treze anos. Ele, no capítulo 5 refere legislação sobre a puberdade em alguns
países, historia amores precoces na literatura, e nota-se que tem uma fixação
por meninas dos 9 aos 14 anos, que designa por ninfitas. Tem uma relação forte com ela, que quase chega a
consumar-se. Por fim, ela é levada pelos pais do hotel, e soube mais tarde que
veio a morrer em Corfu, de tifo. Esta morte afetou-o de modo marcante. É
através da sua educação desleixada e desta morte prematura que ele pretende
justificar o seu retardamento sexual.
Procura então prostitutas. Mas o que
o atrai mesmo é elas serem adolescentes, ninfitas.
Tem uma vida insípida. Mais tarde é tratado por um médico dentista, vindo a
casar com a sua filha, Valéria. Contudo, isto serve apenas para encobrir o seu
desvio sexual. Não sente grande atração pela mulher, mas lá a vai aguentando,
até que descobre que ela lhe é infiel com o motorista, Maximovich. Sofre um colapso
mental, de que é tratado. Este seu casamento dura de 1935 a 1939. Recupera a
sua vida solitária, de ser desenraizado. Vive confortavelmente de uma pensão
deixada por um tio rico. Depois dos trâmites do divórcio vai para os Estados
Unidos, para Nova Iorque, para casa de uns primos Mc Koos, em Ramsdale, que têm
uma filha jovem. E espera que a lei daquele país seja mais permissiva quanto à
idade do casamento. Quando lá chega a casa tinha sido pasto de um incêndio. No meio
daquela desgraça aparece uma vizinha dos primos, Charlotte Haze, viúva e rica, a
oferecer-lhe estadia.
Ele
rejeita inicialmente esta proposta, mas resolve aceitá-la quando verifica que ela
tem uma filha, Dolores Haze (Dolly), de apenas 12 anos. A menina é muito saída,
graciosa, dá-lhe algumas falas, mas não lhe liga muito. A mãe tinha perdido um filho
durante o parto, sofre desse desgosto, e trata a filha com frieza, até a quer
pôr no colégio interno para ficar mais a sós com o marido, a que ele se opõe
para que esteja sempre perto dela. Humbert tenta aproximar-se cada vez mais de
Dolly, que é alvo das suas atenções. Um dia em que Charlotte esteve fora senta-a
ao colo e faz-lhe veladas carícias. Mostra-se amável, oferece-lhe livros aos
quadradinhos ao gosto dela. A mãe nota demasiada proximidade entre os dois e resolve
mandá-la para um acampamento de verão. À partida Lolita dá um beijo na boca a
Humbert, que a criada presenciou.
Charlotte
fica preocupada com a simpatiza da filha com Humbert, para si inadmissível. Ela
gosta dele, é seduzida pelo seu ar snob europeu, e propõe-se resolver o problema
casando com ele, de outro modo ele tem de abandonar aquela casa. Perante tais condições
ele aceita aquele casamento, que será um sacrifício para continuar perto de
Lolita. Contudo, o seu relacionamento com Charlotte deteriora-se, ele deseja mesmo
vê-la morta, talvez afogada num lago, embora não tenha coragem para a assassinar.
Ela é ciumenta, acaba por descobrir através de um diário de Humbert a atração
que ele tem pela filha, e, a partir desse momento não o quer ver mais junto
dela. Está nervosa, e resolve denunciá-lo aos seus familiares, indo nesse
sentido pôr cartas ao correio. Pouco depois ele recebe um telefonema em casa a
dizer que ela tinha morrido num acidente. Quase não quer acreditar e vai ao
local. De facto, ela tinha sido atropelada por um carro. Ele recupera as cartas,
para si acusatórias. Trata do enterro, evitando comunicar o facto a Lolita, sob
o pretexto de não ferir os seus frágeis sentimentos. Como padrasto tenta agora tomar
conta dela.
Charlotte
morreu, e a filha continuou no acampamento de verão. Quando Humbert a vai
buscar como padrasto, ela está doente, e ele vai lá expressar a sua falsa
preocupação. Depois, quando melhorou, convenceu-a a sair dali e ir frequentar
um colégio de Ramsdale na Nova Inglaterra. Não lhe confessa o falecimento da
sua mãe. Durante a viagem, estando os dois a dormir num motel, as drogas que ele
tinha comprado para abusar da filha, sem a mãe dar por isso, utiliza-as com
Lolita. A droga não fez o efeito previsto e ele não pode abusar dela nessa
noite. Ela nota, contudo, o seu interesse por ela, e para se mostrar madura,
diz que já perdeu a virgindade. É então que têm a primeira relação sexual. Prossegue
a seguir com ela o seu périplo pelos Estados Unidos. Dolly parece ter gosto em ser
sua amante. Contudo, com o tempo, aquela relação torna-se desconfortável para ela,
que quer falar com mãe. Humbert confessa-lhe então que ela tinha morrido. Prosseguem
a seguir naquela viagem, onde ela lhe faz várias revelações sobre o seu passado.
Ele satisfaz todos os seus caprichos, e cobre-a de presentes para a ter
controlada. Está obcecado por ela.
Segunda Parte
Para
que não perca o controlo de Dolly, que pode ir parar à guarda de um seu
familiar, ou a uma instituição do Estado, Humbert continua em viagem pelos Estados
Unidos, mondando constantemente de cidade e de motéis, satisfazendo à sua ninfita todos os caprichos para a manter
apaziguada. Ela pode-lhe fugir, ligar para a família e ele ser apanhado pela
polícia. Contudo, ela é muito caprichosa e rebelde, começa a dar mostras de
estar farta daquelas viagens intermináveis e daquela relação obsessiva. Para a
demover a furtar-se ao seu controlo ele ameaça pô-la num reformatório, o que
ela detesta. Humbert é cada vez mais possessivo e ciumento. Dolly começa a
ficar impaciente, e ele resolve parar na cidade fictícia de Beardsely, em Nova
Inglaterra, para ela frequentar uma escola de meninas. Mas ele é tão ciumento
que aluga um apartamento em frente para a poder expiar a toda a hora. Ela é uma
aluna com um comportamento demasiado desenvolvido para a sua idade, e falta ao
teatro e à dança, porque o padrasto não a quer metida no meio de rapazes. A
Prof. Pratt pede ao pai para que ela não se isole e a autorize a frequentar
estas atividades. Ele, a custo, aceita que ela faça teatro.
Passa
a ir aos ensaios de teatro, e ela encontra por lá Quilty, que escreve os
argumentos, e de um momento para outro resolve desistir dos estudos. Dolly não foi
muito convincente na justificação que deu para sair da escola, mas Humbert, que
detesta que ela frequente o teatro e conviva com rapazes, facilmente acede ao
seu capricho. Para justificar a sua saída na escola, Humbert diz que tem de
mudar para outra cidade. Inicia então outro périplo com ela, agora segundo a vontade
de Lo, que se mostra mais segura de si. Durante a viagem, Humbert suspeita
estar a ser seguido por outro condutor. Tem alguns percalços. Lolita agora anda
mais saída, fugidia. Um dia saiu do hotel e ele dá com ela junto de um carro
vermelho a conversar com um rapaz. Só depois de uma escaramuça o consegue
afugentar e trazer para casa. Continua a sua jornada, e nas montanhas do
Colorado ela adoece e tem de ser internada num hospital. É um momento doloroso
para Humbert, que vê a sua ninfita
furtar-se ao seu controlo. E uns dias depois, quando vai a vai buscar,
disseram-lhe que ela tinha ido embora com um tio, que pagou as contas e a levou
para casa de um avô. Humbert fica desesperado e vive nesta amargura durante
dois anos com uma alcoólatra, chamada Rita.
Ele,
por ser erradio, tem mais do que uma posta restante nos correios, para onde lhe
podem enviar correspondência, e um dia recebe uma carta de Lolita. Ela tem
agora 17 anos, comunica-lhe que casou, está grávida, desesperada, e pede que
lhe envie 400 Dólares. Ele vai tentar localizá-la. Leva uma pistola consigo. Quando
a encontra certifica-se que está mesmo grávida. A sua cabeça parece-lhe pequenina.
Tinha perdido o interesse sexual por ela, mas ainda a ama, e pede-lhe que venha
com ele, o que ela recusa. Ele leva a pistola para matar quem a roubou, mas não
foi esse Richard Schilller com ela está casada. Depois de alguma conversa, em
que ela lhe pede para ele ter juízo, lá o conseguiu acalmar. Ele ainda está
apaixonado por ela e dá-lhe 400 dólares em dinheiro e 3.600 num cheque. Ela
chama-lhe pela primeira vez querido. Confessa-lhe que tinha sido Clare Quilty
que a tirou do hospital e a tentou levar até Hollywood para fazer dela uma
estrela de filmes pornográficos.
Humbert
não quer ver Richard Schiller, que considera inocente no meio daquilo tudo, e parte
então para Ramsdale. Vai a casa de um tio de Quilty, ali dentista, que lhe indica
a sua morada, esperando que fosse um encontro de amigos. Humbert, finalmente encontra-o
o dramaturgo numa mansão. Os dois conversam inicialmente de modo amigável, até
que Humbert confessa que o vai matar. Durante a discussão dá a ideia que
aquelas cenas já estavam escritas num argumento de Quilty. Há uma luta entre os
dois, que nos parece caricata. Dir-se-ia que estão a representar. Por fim,
Humbert atinge Quilty com alguns tiros, ele não morre logo, ficámos na dúvida
se não estarão a representar. Mas por fim atinge-o em cheio, e ele la morre.
Sai a seguir desenfreado pela cidade de carro, e é detido pela polícia por
condução perigosa. Confessa então o seu crime. Vai para a prisão e aguarda
julgamento. Acha que pelo seu ato de pedofilia merece bem 35 anos de prisão, já
que é contra a pena de morte, mas pelo resto acha que deve ser absolvido. Pede
ao seu advogado para as suas memórias só serem publicadas depois da sua morte.
Lolita foi o amor da sua vida, deseja-lhe a melhor sorte do mundo.
– Apreciação geral
Lolita é, à primeira vista, um romance a descrever
a relação amorosa de um quarentão com uma jovem de 12 anos. Porém, observando
com rigor as suas páginas, trata-se de um caso de pedofilia heterossexual. O grande interesse do livro está no elevado nível de análise psicanalítica com que o tema está narrado. Nele se pode ver o comportamento típico do predador de da presa, e perceber como estes casos ocorrem. Dolores Haze, Dolly, Lolita, Lo, como
também é chamada, é uma jovem rebelde, a quem a mãe trata com dureza. Mas não é
totalmente ingénua, ou, sob o ponto de vista psicológico, demasiado frágil. É até
sexualmente muito desenvolvida para a sua idade. Humbert, tem campo fértil para
explorar, e está completamente obcecado por ela. É matreiro, controlador, ciumento
e perverso. Enfim, um pedófilo na verdadeira aceção do termo, seduzido, pois, pela
sua beleza frágil, quase angélica, pela sua candura infantil. Ele ama-a para além
do que devia, talvez do que queria, mas não lhe pode resistir. A fascinação que
ela lhe desperta é mais forte do que ele. Dolly, como se disse, não é
completamente imatura, já teve relações com outros rapazes. Vista pela perspetiva
de Sigmund Freud, teria tido mesmo um sórdido prazer em roubar o marido da mãe.
Está nos limites de deixar de ser ninfita,
mas ainda possui a candura e a graciosidade de uma criança, e, embora tenha as
suas defesas, não está suficientemente preparada para se proteger da
perversidade do predador que é Humbert.
Hoje
percebemos melhor que em 1955, que Humbert tem, digamos, um software errado na sua cabeça, que não
domina. Vejamos, a uma criança em que é suposto a um adulto despertar ternura, a
ele provoca o desejo depravado e incestuoso, e a uma jovem de 18 anos, ou mesmo
mais madura, no máximo do seu esplendor erótico, com condições para a
maternidade, a ele provoca-lhe indiferença, se não mesmo repulsa. Ele, antes de
ser depravado, é um transviado sexual, capaz de molestar as jovens ninfitas de 12 a 14 anos, é assim que
lhes chama. O seu instinto sexual está fortemente alterado. O autor escolheu
este intervalo de tempo, talvez para não chocar tanto a sua época, mas não
raramente este intervalo desce para níveis inferiores, ainda mais chocantes. O
crime em ele ter uma grande paixão e relações com uma jovem de 12 anos é
apenas circunstancial. Note-se que a idade mínima de uma mulher para
casar varia com a cultura de cada povo. Houve povos que as consideravam aptas para tal a partir da primeira menstruação, e outros que as destinavam ainda mais cedo
aos seus noivos. O problema dele era estar exclusivamente interessado em ninfitas, isso é que era para ele doentio. O
romance, apesar do título, está focado na figura de Humbert, a quem importa
analisar, tornando-se a personagem principal. Ele tem a consciência que a sua
atitude é social e moralmente condenável, mas nada o faz desistir de se apossar
da infância de Lolita, que sacrifica aos seus prazeres perversos.
Tendo
feito um retiro para se aconselhar e reeducar, Humbert não consegue estancar a
sua paixão por Lolita, que amou à
primeira vista, à última vista, a todas as vistas. Quando a leva em viagem
pelos Estados Unidos, cerca-a de mimos, satisfaz-lhe todas as suas vontades,
dá-lhe prendas valiosas, porém, vigia-a, faz-lhe ameaças veladas para que ela
não o denuncie à família ou fuja ao seu controlo. Lolita, como se disse, não é
totalmente imatura, e com o périplo que ele a obriga a fazer, vai ganhando
experiência. Torna-se consciente do seu poder, e passa a tratá-lo por vezes com
severidade. Aprende a furtar-se à sua vigilância. Tem outros amantes, e
consegue livrar-se dele quando se saturou da vida nómada e sem sentido a que
ele a sujeitava. Durante dois anos Humbert andou desesperado sem saber dela. Quando
a encontrou pensa em assassinar quem a tirou à sua posse, mas foi encontrar Lolita
pesadamente grávida, e não com quem a roubou, mas com um jovem que será o pai
de seu filho, e já não teve coragem de matar ninguém, oferecendo-lhe dinheiro,
que seria da mãe dela, e refugia-se na sua melancolia sem fim. Mas ela dá-lhe pistas
para quem a roubou, um tal Quilty, e é nele que vai desencadear toda a sua ira.
É
um livro que trata de um assunto controverso, chocante, que pode ser desagradável
de ler para muitos, mas que versa um aspeto da vida, cuja descrição e estudo
não nos pode ser vedado. Se tivéssemos de rejeitar temas pungentes não podíamos
escrever romances sobre hediondos crimes, poemar sobre paixões proibidas, e a
História da Primeira Grande Guerra, de todas as guerras, ficariam por contar. Os
editores e os críticos tendem a recusar os livros originais, quer na forma,
quer no conteúdo. Normalmente têm pouco tempo para os analisar e também não
querem arriscar muito. O livro esteve recusado por muito tempo nos Estados Unidos
– um país que muitos dizem permissivo –, tendo de ser publicado inicialmente em
França, e ainda demorou três anos a ser publicado na América. Este tema tende a
ser censurado ainda hoje, o que é reprovável, até para defesa das crianças, e
tratamento dos pedófilos, que terão um retardamento sexual. E porque o terão? Todos
os seres biológicos nascem com pequenas diferenças, não são absolutamente normais,
há neles maiores ou menores desvios, quer na sua componente física, quer
psíquica, aparentemente erros, para se fazer a necessária adaptação ao meio. Estima-se
que os pedófilos, heterossexuais e homossexuais, na sua forma manifesta e
molesta, sejam seguramente mais do que um por mil indivíduos. Será algo que
estará já escrito nos seus genes. Quem tenha meios que faça estudos
aprofundados para que a sociedade tenha mais dados sobre esta matéria e melhor possa
lidar com estes casos, minorando os seus nefastos efeitos. Este livro é muito
comentado em psiquiatria, e dele podem tirar ilações preciosas, pais e
educadores.
Lolita é um livro estilisticamente
construído com muito rigor, faz uma narrativa na primeira pessoa, para trazer a
ação para mais perto do leitor, tem uma linguagem profunda e precisa, será
porventura sobre este tema o romance psicanalítico mais elaborado que se
escreveu. Em última análise trata-se de um trabalho sobre um amor proibido, com
muito de perverso e maléfico. Contudo, não deixa de ser um romance eivado de
lirismo, literariamente bem conseguido, uma obra de arte. Por vezes é kafkiano.
Repare-se que Quilty, o homem que ele vai assassinar, é uma aproximação de (Guilty),
o culpado. Dá impressão que Humbert ao fim não vai assassinar ninguém, mas a sua
própria (culpa). E quando se encontram parecem que estão a representar uma peça
de um argumentista que os conheça aos dois. Só ao de leve se pode considerar um
romance erótico, e muito menos, pornográfico. Quem tiver uma mente sã não se
excitará sexualmente muito com este livro, que tem uma veia melancólica; antes pelo
contrário, sentirá por vezes repulsa em alguns dos seus parágrafos. Está
escrito com grande veemência, traduzindo para o leitor com clareza uma
realidade que muitos faziam por ignorar. E nem sequer apoia a pedofilia. A
próprio personagem, Humbert, tem consciência da sua ilicitude, de que é um psicopata,
que roubou a infância a Lolita. E acrescenta ao fim que desta história só se
aproveitará de imortalidade o refúgio da
arte. Isto é o que dizia a personagem. Vladimir
Nabokov, ele próprio, estava consciente da importância deste livro, que
disse ter eclipsado o restante da sua obra. Lolita
era um livro que precisava de ser escrito, e ele conseguiu-o fazer: é dos romances mais marcantes
do século XX.
Martz Inura
30/12/2018
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