LUÍS DE CAMÕES




 Os Lusíadas
LUÍS VAZ DE CAMÕES
Edição organizada por Emanuel Paulo Ramos
Porto Editora, Lda.
6ª Edição sem data, a primeira é de 20 de novembro de 1952


   O HOMEM
            Luís Vaz de Camões terá nascido em Lisboa em 1524, na Mouraria, era filho de Simão Vaz de Camões e de Ana de Sá e Macedo. O pai era um fidalgo de origem galega, e a mãe, também fidalga, oriunda de Santarém, os dois de origem pobre. Aos três anos a família terá ido para Coimbra para fugir à peste em Lisboa. É hoje mais ou menos consensual que o seu tio, Bento Vaz de Camões, ingresso no Mosteiro de Santa Cruz dos Agostinhos, onde eram ministradas humanidades, o terá apoiado nos seus estudos. Não há registo de ter frequentado a Universidade de Coimbra, mas circulou à volta dela. Por volta dos vinte anos regressou a Lisboa, onde se torna escudeiro, frequenta a corte de D. João III e se inicia como poeta. Há notícia de se ter envolvido com as damas da corte. Nem tudo lhe terá corrido a contento, por esta razão se terá retirado de Lisboa, indo viver para Santarém. Pouco depois é nomeado para prestar o serviço militar na Praça de Ceuta, então um tirocínio obrigatório para a juventude nobre, onde perdeu o olho direito. De volta a Lisboa, o seu ingresso na vida social terá sido difícil. Houve quem ironizasse com a sua gloriosa deformidade. Pode-se imaginar o desgosto que terá tido. Pobre e malquerido não teve remédio senão oferecer-se para a Índia. O pai foi seu fiador, mas ele não embarcou logo. Numa procissão de Corpus Christi teve uma altercação com um tal Borges Gonçalves, encarregado dos arreios do monarca, pelo qual foi condenado e esteve preso na Prisão do Tronco, em Lisboa, sendo depois perdoado por ordem régia de 7 de março de 1553, quando aquele ficou «são, e sem aleijão ou disformidade».  
Largou do Tejo finalmente na nau São Bento da frota de Álvares Cabral recebendo 2400 reis como os demais. Aportou a Goa em setembro de 1553, pondo-se ao serviço do Vice-rei, D. Afonso de Noronha como soldado, à ordem de quem entrou numa expedição contra o rei de Chembé. Com o Vice-rei, D. Pedro de Mascarenhas, andou em patrulha no Mar Vermelho e foi invernar a Ormuz. Por essa altura já trabalharia em Os Lusíadas. Em 1556 regressa a Goa, onde está no governo da Índia D. Francisco Barreto, para quem compôs o Auto de Filodemo. Porém, terá sido preso pouco depois por sátiras à imoralidade da vida em Goa, ou talvez por dívidas contraídas não resgatadas. Estará na prisão até 1561, foi liberto no tempo de D. Francisco Coutinho, que o empregou e protegeu, nomeando-o para Provedor-mor dos Defuntos e Ausentes para Macau em 1562. É lendária a sua presença na gruta, que mais tarde recebeu o seu nome. De regresso a Goa terá naufragado na foz do Rio Mekongue. Salva-se e alguém lhe paga o resgate, indo parar a Malaca, onde volta a ser preso por apropriação indébita dos bens dos defuntos e ausentes de Macau. Com a chegada à Índia do Vice-rei D. Antão de Noronha, que era seu amigo desde Ceuta, serviu nas suas forças com bravura, prontidão e lealdade, tendo ainda tempo para se dedicar à poesia.  
Em dezembro de 1567 embarcou numa nau de Pedro Barreto para Sofala, Ilha de Moçambique, onde comia de amigos. Tentou embarcar com Diogo Couto de regresso à pátria, mas foi embargado por Pedro Barreto em duzentos cruzados, por conta de gastos que tivera com ele. Tiveram de ser os amigos a reunir essa importância para ele poder embarcar para a Metrópole. Aportou a Cascais na nau Santa Clara em 7 de abril de 1570. Durante todo este tempo terá feito as últimas revisões de Os Lusíadas. A obra tinha de ser censurada, e desta tarefa se encarregou um espírito compreensivo e muito culto da época, Bartolomeu Ferreira, que a poderá ter salvo de alguns cortes. Depois de muitas diligências a obra é finalmente apresentada ao rei, D. Sebastião, ainda jovem, em 1572. O rei mandou que a mesma fosse publicada e concedeu-lhe uma pequena pensão pelos serviços por si prestados na Índia, a rondar os quinze mil reis anuais, considerando-o fidalgo de sua Casa.
Morou nos finais da sua vida num quarto perto da igreja de Sant’ Ana. A tradição diz que ele viveu em estado de pobreza, sem um trapo para o cobrir. Para muitos, este relato parece exagerado, ele recebia uma pensão de cerca de quinze mil reis anuais, num tempo em que a damas de honra da corte recebiam dez mil. Ele tinha trazido do consigo do Oriente o escravo Jau, terá tido algo de seu. Porém, dado o seu pouco jeito para a gestão de dinheiros, e a pensão ter sido paga de modo irregular, é mais que provável que tivesse passado por períodos de penúria. A derrota de D. Sebastião em Alcácer-Quibir afetou muito o seu moral. Em 1580 Lisboa é atingida por mais um surto de Peste Negra, Luís de Camões é levado para o hospital, onde morreu em 10 de junho de 1580. Foi sepultado no adro da igreja de Santa Ana (atual Rua do Instituto Bacteriológico). A configuração deste espaço alterou-se muito depois do terremoto de 1755 A sua mãe sobreviveu-lhe, tendo passado a receber a sua pensão como herança. Os seus pressupostos restos mortais foram guardados num sepulcro na igreja de Santa Ana, e em 1880 transferidas para o Mosteiro dos Jerónimos. 


A OBRA: A obra de Luís Vaz de Camões é constituída por poesia, peças de teatro, e o poema épico Os Lusíadas. Alguma se terá perdido, vejamos:
El Rei Seleuco (peça de teatro escrita em 1545, publicada em 1616)
Auto de Filodemo  (escrito em 1556, publicado em 1587)

Anfitriões (publicado em 1587) (comédia em forma de auto)
Os Lusíadas (1572) (poema épico)
Rimas (1595) (poesia)


O LIVRO, Os Lusíadas

 1 – Contexto histórico-geográfico: A obra foi concluída por volta de 1556 e publicada em 1572. Estava-se na Idade Moderna, iniciada não há muito, em 1543, com a queda de Constantinopla. Culturalmente estava-se no período do Renascimento, mais um golpe no feudalismo, indo alicerçar as suas ideias na cultura clássica, em busca das raízes para uma nova maneira de ver as coisas, combatendo o dogmatismo e o misticismo, valorizando a razão, a experiência e a ciência, centrando a vida mais no ser humano, daí que humanista. A ação decorre de Lisboa e pelo Oceano Atlântico, indo até Calecute, como se pode ver melhor na gravura abaixo.


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A verde a ida e a vermelho a vinda
 
 2 – Principais personagens: A epopeia esta cheia de personagens da História de Portugal, que inclui os reis até então, e ainda o Conde D. Henrique, Egas Moniz, D. Inês de Castro, D. Maria de Portugal, Nuno Álvares Pereira, Vasco da Gama, Paulo da Gama, embora o verdadeiro herói da obra seja o Povo Português. Da mitologia greco-romana, aparecem Júpiter, o pai dos deuses; Vénus, a deusa do amor e da beleza; Marte, o deus da guerra; Mercúrio, o deus da eloquência, do comércio e dos ladrões; Neptuno, o deu do mar; Baco, o deus do vinho e dos excessos; Eólo, o deus dos ventos; Calíope a musa da poesia épica, e ainda a ninfa Tétis.  Os narradores são, para além dele próprio, Vasco da Gama, Fernão Veloso e Paulo da Gama. Mas é também dada a palavra a Júpiter, ao Velho do Restelo e até Tétis, no canto X, com as suas profecias.

 3 – Acontecimentos mais marcantes: De vez em quando o autor incide num episódio importante da História de Portugal ou acontecimentos relevantes da viagem para Índia. Entre eles inclui-se o episódio do O Concílio dos deuses no Olimpo (Segundo o modelo da Eneida, canto I, 20-41), A Batalha do Salado canto III, 107-117), os episódios de D. Inês de Castro (canto III, 118.135), de D. Maria de Portugal, canto III, 101-106), A Batalha de Aljubarrota (canto IV, 28-44), O Velho do Restelo (que personifica o espírito derrotista dos que põem dificuldade em se fazer qualquer coisa, canto IV, 94-104), O Fogo de Santelmo e a Tromba Marítima (canto V, 17-23), o Adamastor (personificando o medo que inspirava então o oceano desconhecido, (canto V, 37-60); O Naufrágio de Sepúlveda (canto V, 46-48), Os Doze de Inglaterra (reminiscência dos romances de cavalaria, canto VI, 46-49 ); A Tempestade (canto VI, 78-80). 

 4 – Análise material: Os Lusíadas é a mais importante epopeia dos tempos modernos, narra a viagem de Vasco da Gama, a sua passagem do Cabo da Boa Esperança e a descoberta do caminho marítimo para a Índia, aproximando civilizações, universalista, dando “novos mundos ao mundo”. Esta eivado do gosto da aventura, assenta na História de Portugal, que é narrada a pedido do rei de Melinde; liga-se à mitologia antiga, fazendo reunir a assembleia dos deuses clássicos que vão discutir à maneira de Virgílio a grandiosa expedição portuguesa. Esta é apoiada por Vénus e contrariada por Baco.
Esboça a oposição entre o mundo cristão e o mundo muçulmano da altura, a que não se podia fugir. Tem um sentido ético, fazendo algumas críticas à administração. Perpassa-o um sentimento romântico, enaltecendo os atos de bravura, o heroísmo, os limites entre a Fé e o Império. Estruturalmente compõe-se de uma Proposição, dizendo a que se propões o livro, uma Invocação às Tágides, como que um pedido a Deus para que o inspire; uma Dedicatória, que faz ao D. Sebastião, a Narrativa, em que vai descrever a história e as façanhas do povo português, e por fim, o Epílogo, as últimas doze estrofes do livro, pessimistas e críticas em relação ao estado de decadência do Império.

 5 – Análise formal: o livro é constituído por dez (10) cantos, mil e cento e duas (1.102) estrofes, perfazendo um total de oito mil e oitocentos e dezasseis (8.816) versos. Emprega uma rima oitava (ABABABCC), e recorre a versos decassilábicos, alguns acentuados na 2.ª e 6.ª sílabas, mas a maioria na 6.ª e 10.ª (heroicos), ou na 4.ª, 8.ª e 10ª (sáficos). Há dispersa por toda a obra uma doce harmonia, uma atmosfera tocada de maravilhoso, revelando o autor grandes conhecimento da História de Portugal, uma grande erudição e uma suave filosofia inspirada no cristianismo.

6 – Breve estudo da sua linguagem: a linguagem de Os Lusíadas é erudita, o discurso preciso e fluído, apesar de condicionado pela rima. Usa ainda alguns anacronismos, mas aportuguesa latinismos, sendo inovador na sintaxe que usa. É com uma técnica elaborada que consegue descrever toda aquela epopeia, procurando dar à obra para além de rigor histórico, uma elevada expressão estética. Revela-se conhecedor dos estilos de linguagem que o precederam, dominando a arte da versificação. Recorre muito a alegorias, metáforas, hipérboles, pleonasmos, a toda a espécie de imagens, dando colorido à narrativa, indo buscar termos ao Latim, com o que modernizou a aprimorou a Língua Portuguesa. Há no livro, em relação aos clássicos, um sentido de modernidade, enaltecendo a experiência, pondo-nos perante a contradição, o mistério, a dúvida, um desafio perante o novo mundo que está para vir.   

 7 – Influências e influenciados: Luís de Camões foi fortemente influenciado pela veia épica de Homero (928 – 898 a.C.), e Virgílio Marão (70 – 19 a. C.), servindo-lhe a Eneida de modelo. E ainda pelo lirismo de Dante Alighieri (1265 – 1321 d. C.), Francisco Petrarca (1304 – 1374 d. C.) e Ludovico Ariosto (1474 – 1533). As fontes históricas de que se socorreu foram a Ásia de João de Barros (1496 - 1570), e a História da Conquista e Descobrimento da Índia, de Fernão Lopes de Castanheda (1500 – 1559), contudo, muito do que escreveu se baseou na sua própria experiência. Quanto à História de Portugal socorreu-se sobretudo em Fernão Lopes (1385 – 1460), e Gomes Eanes de Zurara (1510 – 1574).
A sua influência estendeu-se à maioria dos escritores portugueses e brasileiros, seria fastidioso citá-los, e mesmo aos espanhóis, já que Filipe II de Espanha, I de Portugal, mandou publicar Os Lusíadas em espanhol e o distinguiu como o Príncipe dos Poetas. Deles se destaca Lope de Veja (1562 – 1635) e Miguel de Cervantes (1547 - 1616). Contudo, vão-se citar autores de outras literaturas, que ou o admiravam ou foram por si influenciados: o italiano Torquato de Tasso (1544 - 1595); os alemães, Goethe (1749 - 1832) e Friedrich Hegel (1770 - 1831); o francês Montesquieu (1689 - 1755); os ingleses William Wordworth (1770 - 1850), Lord Byron (1788 - 1824) e  Elisabeth Bowning (1806 - 1861); e até do americano Herman Melville (1818 - 1891).

             8 – Breve resumo:
Canto I
- Começa com a proposição, invocação, dedicatória e narrativa
- Reúne-se o concílio dos deuses, e a armada chega ao Índico
- A armada lança ferros em Moçambique. Cilada vencida por Gama
- A armada leva um piloto indígena e chega a Mombaça: nova cilada.
Canto II
- Convite traiçoeiro do rei de Mombaça. Baco finge-se de sacerdote
- Urde-se uma traição, que dá lugar à intervenção dos deuses
- Júpiter interfere por fim vaticinando bons augúrios aos portugueses
- Partida da armada e chegada a Melinde, onde são bem recebidos
- O rei de Melinde pede a Gama que lhe conta a História de Portugal
Canto III
- Invocação a Calíope, a musa da poesia épica
- Descrição da Europa, povo luso, Viriato, Conde D. Henrique
- História dos reis da primeira dinastia
- Descrição dos episódios de Egas Moniz, Batalha de Ourique,
- D. Maria de Portugal, Batalha do Saldo e Inês de Castro
Canto IV
- História dos reis da segunda dinastia até D. Manuel I
- D. Nuno Álvares Pereira e a Batalha de Aljubarrota
- D. Manuel I, a empresa do Gama e o Velho do Restelo
Canto V
- Vasco da Gama conta a partida de Lisboa
- O roteiro da viagem com o Cruzeiro do Sul, o Fogo de Santelmo
- A Tromba Marítima, o gigante Adamastor e a doença do escorbuto
Canto VI
- Despedida festiva de Melinde e partida para a Índia
- Intervenção dos deuses nos destinos dos portugueses
- Episódio dos 12 de Inglaterra
- Tempestades, preces de Gama, avista-se Calecute.
Canto VII
. Chegada da armada a Calecut em espírito de cruzada
- Gama anuncia a sua chegada e é visitado pelo Catual
- Gama desembarca e é recebido pelo Catual
- Gama visita o Samorim, e o Catual visita a armada
Canto VIII
-Paula da Gama explica ao Catual o significado das bandeiras
- Há quem vaticine desgraças sobre a chegada dos portugueses
- Entrevista de Gama com o rei de Melinde
- O rei de Melinde permite a troca de fazendas pelas especiarias
Canto IX
- Prisão de dois feitores, há perdido em destruírem a armada
- Gama consegue partir trazendo ricas especiarias para Portugal
- Alegria dos marinheiros perante os perigos que enfrentaram
- Vénus prepara os marinheiros para um repouso na Ilha dos Amores
- Exortações à fama e à glória
Canto X
- Banquete de Tétis e invocação a Calíope
- Tétis conduz a armada. Profecias sobre os portugueses
- Chegada ao porto de Lisboa
- Lamentos e exortação a D. Sebastião.

 9 – Críticas que foram feitas: Os Lusíadas costumam ser criticados por falta de rigor histórico, e algumas pequenas imprecisões lhe têm sido encontradas por viciação da própria época, mas de somenos importância. Criticam-no por se colar demasiado ao catolicismo, ir contra o poder muçulmano e até protestante, mas deve entender-se às ideias então prevalecentes em Portugal. Ainda sob o temor da «Queda de Constantinopla», a feitura desta empresa adquiriu o espírito de cruzada. A Europa sentia-se então ameaçada. O Norte de África fora terra de cristãos, tomado pela força das armas, Santo Agostinho foi lá bispo em Hipona. Muitos não o queriam tão colado às epopeias clássicas, como a Eneida de Virgílio, mas ele não o podia fazer de maneira mais airosa, os europeus tinham saído há pouco da Idade Média, estavam em pleno Renascimento, ele tinha de fundamentar esta obra nos valores antigos, ainda que, dando-lhes uma valência meramente simbólica. Não falta quem o acuse de um nacionalismo exacerbado, de ser imperialista, estar demasiado ligado à religião cristã, há quem quem desdenhe até da sua rima, preferindo o verso branco, ignorando que ele teve de viver a sua época. O túmulo deste grande poeta está nos Jerónimos. O Dia de Portugal de Portugal, de Camões e das Comunidades celebra-se a 10 de julho, data da sua morte, mas às vezes tudo isto parece ser apenas folclore. 
   Rebaixar Os Lusíadas  (e para se gostar dele tem de se estudar um pouco de História e Mitologia), é o mesmo que o fazer de D. Quixote de Miguel Cervantes, da Serenata para Cordas de Tchaikovsky, ou dos frescos  da Capela Sistina de Miguel Ângelo. Só por pura ignorância ou tosca sensibilidade alguém o pode fazer. Dele se leia, como quem reza, as primeiras três estrofes:

As armas e os barões assinalados
Que, da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
E em perigos e guerras esforçado,
Mais do que permitia a força humana,
Entre remota edificaram
Novo Reino que tanto sublimaram;

E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando:
Cantando espalharei por toda aparte,
Se a tanto me ajudar o engenho e a arte.

Cessem do sábio Grego e Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a antiga Musa canta,
Que outro valor mais alto se levanta.

….         ….   ….      ….   ….

      10 – A sua importância. A importância de Os Lusíadas na literatura é incontestável. Por mais mal que se diga de Luís de Camões, se tente obscurecê-lo. enquanto houver Portugal e a Língua Portuguesa ele prevalecerá. Mas atenda-se que os impérios, e até os países e as línguas têm uma duração limitada. Ele no seu tempo conseguiu apurar a Língua Portuguesa, tornando-a mais escorreita e fluída, criando-lhe imagens sublimes, cuja influência se estende aos nossos dias. Repare-se que ele pegou numa língua quinhentista, ainda pouco elaborada, um tanto arcaica, dado que ainda não há muito o Latim era a língua oficial do reino, e sublimou-a com novas formas de dizer. 
Muitos autores estrangeiros atestaram o extraordinário valor desta obra. Apesar da linguagem erudita que por vezes emprega, das mais diversas figuras de que se socorre, ele consegue ser compreendido pelo povo, que dele extraiu muitas máximas, com o que formatou a forma de ser português. Ainda é nas crises de identidade nacional que os portugueses a ele vão socorrer. E muitas vezes a sua ajuda foi necessária. Se quisermos um princípio para sublinhar uma ideia, é fácil encontrá-lo em Os Lusíadas ou nos seus sonetos: «O fraco rei faz fraca a forte gente», «Se vão da lei da Morte libertando», «Quem quis, sempre pôde» «Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades». Como ele soube definir o apego ao poder em nome de qualquer ideologia: «Ó glória de mandar! Ó vã Cobiça!». Que melhor definição para o bem-querer? «O amor é fogo que arde sem de ver».
Ele conseguiu exaltar o sentimento nacional do seu país, num período fulcral da sua História, elevar o orgulho da lusitanidade, exortar o povo português a unir-se perante as dificuldades e voltar-se para os grandes empreendimentos, universais, dando-lhe um sentido histórico, quase messiânico, vindo da tradição judaico-cristã. Ele conseguiu fortalecer os genes que mantiveram unido um país até hoje, com uma importância na «Máquina do Mundo» muito maior do que seria de esperar, dada a pequenez do seu território e o número exíguo dos seus habitantes. Na época de Quinhentos Portugal tinha cerca de um milhão de habitantes.
Há nos seus poemas épicos uma componente de humanidade, ao idealizarem perante os portugueses «que outros valores mais altos se levantam», a dar-lhes uma noção do maravilhoso e da verdadeira grandeza, combinando o divino e o humano; uma conceção de justiça, condenando a corrupção e o divisionismo, a decadência; uma coragem redobrada para enfrentar as dificuldades que advieram, combatendo a inércia e o pessimismo; fazendo um convite à aventura, à procura de um mundo maior e melhor. Há nesta obra um incentivo à experiência e ao questionamento das coisas; à universalidade das ideias, portanto, mais próximas da realidade.
Ele canta as façanhas dos portugueses nos descobrimentos, mas mais do que isso descreve o início da expansão europeia, tem a noção da extraordinária empresa que foram as descobertas, ligando os povos, dando início à globalização; exorta a aplicar a ciência no desvendar do desconhecido, incentiva o incremento da relações entre os povos, a aquisição de novos conhecimentos, o alargamento do mundo de então, fazendo-nos perceber que se 1543 foi uma data marcante para limitar a Idade Média, as descobertas dos portugueses, e depois a dos outros povos marítimos europeus que os seguiram, vão iniciar o verdadeiramente espírito da Idade Moderna.  (a rever)

Martz Inura
20/03/2020









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