OSCAR WILDE
O Retrato de Dorian Gray
CLÁSSICOS RELÓGIO D`AGUA
Tradução e Nota de Margarida Vale de Gato
Tradução e Nota de Margarida Vale de Gato
O
HOMEM
Oscar
Fingal O`Flahertie Wills Wilde foi um dramaturgo, jornalista, romancista,
ensaísta e poeta irlandês. Nasceu em Dublin em 16 de Outubro de 1854. Era o
segundo de três filhos, de uma abastada família protestante, que lhe possibilitou
estudar na Portora Royal Scholl de Erniskillen
e no Trinity College de Dublin, de
quando a Irlanda ainda estava integrada no Reino Unido. Tinha umapersonalidade
irrequieta e apaixonado, e logo ali se evidenciou como helenista e latinista,
ganhando uma bolsa de estudos para ir estudar no Magdalen College de Oxford.
Mais tarde foi viver para Londres.
Era um pessoa que fazia culto da sua personaloidade, um dândi, com uma
inteligência muito criativa, propício a seguir as ideias mais extravagantes. Com
uma vida social intensa, criou um movimento esteticista, muito fundamentado nas
ideias do belo e do prazer, retiradas dos autores clássicos, daí falar em Narciso,
Páris, Adonis, Altínoo. Ele tentou apropriar-se do belo como um antídoto contra
o moralismo vitoriano conservador, e contra a desumanidade trazida pela
revolução industrial.
Tornou-se bastante conhecido,
chegando a ser convidado para ir aos Estados Unidos e ao Canadá dar
conferências sobre a sua nova teoria da arte. Está uma temporada em Paris onde
mergulha no seu meio literário e abandona o movimento estético. A sua vida
sexual era controversa, naquele tempo de ideias conservadoras. Volta para
Inglaterra e casa com Constance Lloyd, filha de um advogado abastado, de quem
tem dois filhos, serenando um pouco as suas ideias e produzindo as suas
melhores obras. Escreveu peças de teatro como A Importância de se Chamar Ernesto e o Marido Ideal, que tiveram muito sucesso na Inglaterra, no
desvanecer da era vitoriana.
Oscar Wilde era bissexual, naquela
época uma tendência condenável no Reino Unido. Tendo por amante o filho de um
marquês, não interessa o nome, foi levado tribunal acusado de conduta
imprópria. Desta acusação obtiveram duas provas por grosseira indecência com
homens, que lhe acarretaram uma condenação de dois anos de prisão. No cárcere
escreveu De Profundis. Libertado da
prisão seguiu para França, de onde nunca mais voltou, escrevendo ainda The Ballad of Reading Goal. Vítima da
sua própria inadaptação à sociedade, e da intolerância de uma época, morreu na
indigência, em 30 de Novembro de 1900 em Paris.
A
OBRA
Como já se disse, a obra de Oscar
Wilde é multifacetada, ele era uma pessoa hiper-activa, cheio de ideias, foi
jornalistas, ensaísta, romancista, poeta, dramaturgo, vamos apenas referir as
mais importantes:
- O Príncipe Feliz e Outras Histórias (1889) contos
- O Retrato de Dorian Gray (1890) romance
- O Leque de Lady Windermere (1892) peça de teatro
- Salomé (1893) peça de teatro
- Um Marido Ideal (1895) peça de teatro
- A Importância de se Chamar Ernesto (1895) peça de teatro
- De Profundis (1895) epístola.
O RETRATO DE DORIAN
GRAY:
De o filme de Oliver Parker (2009)
PERSONAGENS PRINCIPAIS
Dorian
Gray: Um jovem bem-parecido, narcisista, que levado pelas novas ideias
hedonistas, por novas concepções de beleza, se entrega a uma vida de luxúria e
prazer, amoral, que o conduz à morte (premonição da vida do autor).
Basil
Hallward: Um pintor idealista, que retrata Dorian Gray, em quem vê uma
beleza que o impulsiona a pintar a sua obra-prima, e por quem se apaixona.
Lorde
Henry Wotton (Harry): Um aristocrata decadente, amigo de Dorian Gray, que
defende uma teoria hedonista, libertina e amoral. Ironiza a cultura vitoriana.
Sibyl
Vane: Uma artista talentosa, pobre, por quem Dorian se apaixona. Contudo,
ela ao apaixonar-se por ele perde a sua veia artística, já que o amor real ultrapassa
o da ficção.
James
Vane: O irmão de Sibyl, protector da irmã, que vai como marinheiro para a
Austrália, e que jura vingar a morte dela.
Allan
Chambell: Químico amigo de Dorian, a quem ele recorre para fazer
desaparecer o cadáver de Basil Hallward.
RESUMO DO LIVRO
O livro começa com Lord Henry a
assistir à pintura do retrato de Dorian Gray por Basil Hallward, que pensa com
a beleza deste ter atingido uma nova grandeza na sua arte. Lord Henry tem uma
visão hedonista do mundo, e tenta incutir em Dorian a ideia de que a beleza é
único objecto que na vida vale a pena perseguir, valorizando a luxúria. Em face
a este desiderato ele quer manter a sua juventude, permanecer para sempre belo,
e estás disposto a fazer até um pacto com o diabo para que o quadro envelheça
em vez dele. Dorian quer ficar com aquele retrato, que vai funcionar para si como
um reflexo da sua própria consciência.
Sempre à volta da arte, o tema
recorrente no romance, o autor deixa-se enfeitiçar por ela, ao ponto de a confundir
com a vida. Vai assistir a uma peça de teatro de Shakespeare, na qual descobre
a bela actriz Sibyl Vane, por quem se deixa apaixonar, propondo-lhe o casamento.
E ela vai aceitar, ele é o seu “Príncipe Encantado”. As peças podem ter heróis
românticos, mas são fictícios, e Dorian representa a realidade. Um seu irmão,
James Vane, que pretende ser seu protector, adverte-a que matará quem a magoar.
Encantado com a sua representação,
Dorian convida Basil e Lord Henry para irem vê-la representar Romeu e Julieta de Shakespeare. Mas ela
de tão apaixonada por ele deixou de acreditar na peça, para se lembrar apenas do
seu “Príncipe Encantado”, prefere a realidade à fantasia, tenciona mesmo abandonar
os palcos. Tomada da paixão como está, perde a concentração e representa horrivelmente,
a ponto dos amigos de Dorian abandonarem o teatro. Este fica tão desiludido com
esta representação que rejeita Sibyl – ela deixou de corresponder ao seu modelo
de mulher.
Porém, ao chegar a casa verifica que
o seu retrato se alterara, evidenciando uma sombra da sua crueldade, e desgostoso
resolve reconciliar-se com ela, mas era tarde demais, assombrada com aquele
desgosto, Sibyl tinha-se envenenado com ácido cianídrico. A partir dali ele vai
entregar-se a uma vida de luxúria e devassidão, que lhe incutiu o decadente
Lord Henry. Uma noite, antes de seguir para Paris, Basil vem visitar Dorian,
criticando-o pelo seu sensualismo exagerado, que ele nega. Seguem os dois para
a sala ao lado, onde está o retrato, e Dorian vê o quadro horrivelmente desfigurado
pela sua devassidão. Em desespero, culpa-o do seu nefando destino, apunhalando-o
várias vezes até à morte. O corpo de Basil fica ali inerte e é preciso
livrar-se dele. Para isso tenta chantagear um químico seu amigo, Alan Campbell,
para que faça desfazer o cadáver com ácido nítrico.
Dorian Gray consegue fazer desaparecer
o corpo do amigo, que todos julgam em Paris, trata-se de um crime quase
perfeito. Porém ele ainda se sente culpado, não tem descanso e vai refugiar-se
num antro de ópio, onde a sua consciência pode nublar-se em reinos de fantasia
e voltar ao esquecimento. Porém, encontra lá James Vane, que quer vingar a
morte da irmã, que se suicidou 18 anos antes. Ao sentir-se ameaçado leva-o para
a luz para que ele o veja melhor, ora ele continua jovem (pacto com o diabo), e
a James não parece ser o homem a quem procura, que será muito mais velho, e
desiste de o matar. Dorian volta a Londres, onde tem uma conversa interessante
com Lord Henry, e vai a uma caçada onde James Vane morre acidentalmente.
Com seu perseguidor morto, menos uma
ameaça, Dorian Gray poderia descansar, mas não é o que acontece, o remorso
persegue-o, culpando-o pela sua vaidade, pela sua curiosidade libertina. Olha
para o retrato, que lhe parece corrompido pela sua própria depravação (como se
disse, ele é um reflexo da sua consciência), e, desesperado, pega na faca com
que matou o seu amigo Basil e esfaqueia o retrato, que confunde consigo
próprio, e assim morre. Os criados acordam com os gritos e chamam a polícia, só
identificando o cadáver pelos seus anéis – o corpo envelhecera instantaneamente,
estava velho e decrépito, enquanto o retrato regressou à sua beleza original.
UMA APRECIAÇÃO GERAL DO ROMANCE
O
Retrato de Dorian Gray teve duas edições iniciais, a da
revista mensal Lippincott`s Monthly Magazine em
1890, que aqui e ali censurou o texto, para não ter problemas com a sua
publicação, e a publicada em livro, em 1891, mais certificada e solta. Vivia-se
em plena época vitoriana, da revolução industrial, da disciplina severa, da
moral preconceituosa, puritana e conservadora. Embora hoje o romance não nos
pareça obsceno, na época foi acusado pelos críticos de ser um atentado à moral
pública, obrigando o controverso autor a defender-se na imprensa.
Trata-se e um romance filosófico, na
área do simbolismo e do esteticismo, com a arte a ser considerada como
expressão máxima da nossa personalidade. Nesta perspectiva o belo sobrepõe-se
ao bom. As nossas feições podem ser mais ou menos harmoniosas, exprimem uma
sensação de beleza que na sua origem é arte. Quando nos vestimos, procuramos
não só resguardarmo-nos do tempo mas também parecermos formosos – realizamos
uma forma de arte. Quando falamos, declamamos, cantamos, de certa forma
teatralizamos, representamos, mesmo ao pensarmos as nossas ideias podem assumir
uma forma de poesia, a vida precisa da arte para se manifestar. Viver será uma
arte: a vida era para ele a primeira e a
maior das artes (diz-se a páginas 166).
Outra ideia que aparentemente se apregoa
é a do hedonismo, em que se dá preferência ao prazer dos sentidos em detrimento
dos valores morais – em que o espírito perde para o físico, a eternidade para a
temporalidade, a moderação para o prazer. Mas o autor defende-se: Não existem livros morais ou imorais,
diz no prefácio. Ele fala mais do que uma vez em curar a alma por meio dos sentidos e os sentidos por meio da alma. Parece
desvalorizar os princípios, que poderão ser um produto da nossa imaginação. Ele
pretendia atacar a moral vitoriana reinante, falava de um hedonismo que recreasse a vida e a salvasse o puritanismo severo e
desagradável que nos nossos dias conhece um curioso revivalismo (página 167).
Mas Oscar Wilde não será o que
espelha o livro, inicialmente criado no seio de uma família protestante,
converteu-se mais tarde ao catolicismo. Aderente obstinado do movimento
estecista que perpassou na Europa nas décadas de 80 e 90 do século XIX,
decadentista, como reflexo corruptor de uma civilização que se desmoronava, ele
em si tinha já elementos reformadores contra aquela sociedade. Como diz um seu
crítico, Richard Ellman, Dorian Gray é um
romance estético por excelência, não pela adesão à sua doutrina, mas pela exposição
dos seus perigos.
Numa apreciação posterior que fez ao
romance o autor desmultiplica a sua personalidade nas três personagens mais
importantes do livro, o que depois Fernando Pessoa fará mais tarde com os seus
heterónimos. Numa entrevista que deu diz: “Basil
Hallward é aquilo que penso de mim; Lord Henry, o que o mundo pensa de mim;
Dorian é o que eu gostaria de ser noutra época, talvez”. Assim sendo, para
alguns dos seus estudiosos, o romance tornou-se numa sua autobiografia, e muitos
começaram à procura das personagens do livro para descobrirem o seu autor. Porém,
esta apreciação é um tanto contraditória, e avessa àquilo que ele pretendia no
romance, que não fosse a imitação da própria vida. No prefácio ele diz: Revelar a arte e ocultar o artista é o
objecto da arte.
No dizer de alguns críticos O Retrato
de Dorian Gray é um romance gótico, ao estilo de meados do século XVIII,
isto é, excêntrico, na fronteira do lúgubre e do sinistro. Apropria-se dos
mitos antigos da eterna juventude e do pacto com o diabo, da beleza imortal, em
busca de um esteticismo, de um dandismo, de um estilo de vida que apraza aos
sentidos. Faz-nos regressar aos processos narrativos da Idade Média, do herói
lendário Fausto. É, pois, um romance híbrido de antiguidade e modernidade, de realismo
e simbolismo, equacionando os problemas de uma vida cheia de sombras, focada na
arte, mas com reflexos do amor e da beleza, da paixão e da eterna juventude, do
prazer e dos pecados inauditos, da personalidade múltipla, ingredientes que dão
panos para mangas para os seus críticos, que nunca poderão esgotar o tema. É um
romance nem sempre fácil, mas desafiante e original.
Martz Inura
02/04/2017
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