D. H. LAWRENCE
O Amante de Lady Chatterley
Tradução e notas de António R.
Salvador
Prefácio de Octavio Paz
RELÓGIO D`ÁGUA EDITORES
O
HOMEM
David
Herbert Lawrence nasceu a 11 de Setembro de 1885, em Eastwood, Nottingham,
Grã-Bretanha, e faleceu em Vence, na França, em 2 de Março de 1930. Filho de um
mineiro e de uma professora primária, distinguiu-se desde cedo nos estudos,
ganhando uma bolsa para frequentar a Escola Superior de Nothingham, onde
estudou Pedagogia. Começou a trabalhar numa fábrica de instrumentos cirúrgicos,
mas contraiu uma pneumonia, e teve de parar por algum tempo, passando a
escrever. Desde jovem que revelou o seu interesse pelas letras. Em 1912 apaixona-se
por Frieda Weekley, casada com um professor universitário, mais velha do que
ele seis anos, e já com três filhos, e fugiu com ela para a Alemanha, de onde
ela era natural. Ali foi acusado de espião, sendo libertado por instância do
pai dela, que os mandou para a Itália. Casaram-se finalmente em 1914. Contudo, começaram
logo a dar-se mal, andaram pela Austrália, pela Nova Zelândia, Taiti, Ceilão,
depois vieram para o México e a seguir para os Estados Unidos. Ali, no retiro
do seu rancho em Toas, Novo México, entrou em conflito mais acirrado com a
mulher e juntou-se à pintora Dorothy Brett, mas não ficaria por aqui, ainda se
ligaria a Mabel Evans. Estes encontros e desencontros não o impediam de
escrever, até parece que o inspiravam. Na Grã-Bretanha, entre outros livros
escrevera Filhos e Amantes (1913) e Arco-Íris (1915), e pouco antes de partir,
Mulheres Apaixonadas (1921), na
Itália escreveu A Vara de Aarão
(1922), na Austrália Canguru, no
México, A Serpente Emplumada (1923),
de novo na Itália, em Florença, O Amante
de Lady Chatterley (1928). Enfraquecido com a pneumonia na juventude,
contraiu mais tarde a tuberculose, e morreria aos 44 anos. Três mulheres:
Frieda, Dorothy e Mabel disputaram o seu corpo. A viúva venceu o pleito, e o seu
futuro marido, Angelo Ravagli, a seu pedido mandou exumar e cremar o corpo,
cujas cinzas mandou vir para os Estados Unidos e as fez emparedar num pesado
bloco de cimento, que se encontra hoje depositado numa capela do chamado Rancho
de H. D. Lawrence, em Taos, um pouco a norte da cidade de Santa Fé, no Estado
do Novo México. O rancho é numa espécie de parque de poetas, aberto ao público.
A
OBRA
A obra de D. H. Lawrence é
vastíssima, não obstante ter falecido quando muito se esperaria dele, inclui
romances, poesias, peças de teatro, contos, livros de viagens, ensaios, crítica
literária, cartas e até traduções. Possuía dotes multifacetados de artista, fez
ainda algumas incursões como pintor surrealista. Lawrence ensaia reanalisar o
ideário do seu tempo, das suas numerosas cartas e dos seus ensaios, e mesmo os
romances, podem descortinar-se neles uma filosofia muito crente da pujança
vitoriana, da energia organizacional da revolução industrial, que viveu de
perto. As suas narrativas incluem frequentemente a descrição de sexo explícito,
e é obsessivo por relações desiguais em idade e situação. Socialmente punha-se ao
lado das classes superiores, que eram a prova do êxito do seu país, por vezes
longe dos valores democráticos – o ideário que vencia naquela época. Temos de
compreender que Platão, um farol grego da cultura ocidental, também seguia
essas ideias, de os mais aptos estarem à frente da política, e que até
idealizou uma cidade em que os filhos não saberiam quem eram os pais, com a
finalidade de combater o egoísmo familiar. E pensando assim Platão naquela
altura, não o costumamos ver criticado por isso. Destacam-se aqui três
romances:
– Filhos
e Amantes (1913)
–
Mulheres Apaixonadas (1920)
–O
Amante de Lady Chatterley (1928)
O
ROMANCE O Amante de Lady Chartterley
A actriz Joely Richardson como Lady Chatterley
PRINCIPAIS PERSONAGENS
– Constance
(Connie) (Lady Chatterley): Mais do que o seu amante, que dá nome ao livro, é ela
a personagem principal do romance. De estatura mediana, olhos azuis e cabelos
castanhos encaracolados, era uma mulher inteligente, mas um tanto insegura.
Casa à pressa com Clifford, mas quando ele regressa da guerra, hoje diríamos paraplégico, não
consegue manter-se fiel, e com a compreensão dele começa a ter relações fora
do casamento
–Clifford
(Sir Chatterley): É o marido de Constance. Sofreu graves ferimentos durante a
guerra e ficou paralisado da cinta para baixo. Até pelas suas próprias
limitações, era muito voltado para si, obcecado em se afirmar como escritor. Também tinha perdido quase tudo. Possuía uns olhos
cinzentos excitados, um esquecimento qualquer de desolação
–
Olivier Mollers: Guarda de caça de Sir Clifford que se torna o amante de Constance
(Lady Chatterley). É uma personagem reservada, que vive numa cabana do bosque,
como que num retiro, à procura de tranquilidade. Fora ferrador, estava muito ligado
aos cavalos, já com um passado na Índia, onde foi tenente. Fisicamente é muito atraente,
tem uma frieza cativante
–
Michaelis: Dramaturgo, amigo de Clifford, que aceita a insinuação de Constance
de levar mais longe o seu relacionamento, mas não ousa arcar com as
consequências
–
Tommy Dukes: Brigadeiro do exército britânico, amigo de Clifford, que tinha uma
visão muito negativa da sociedade
–
Charles May: Escritor de livros científicos, amigo de Clifford, com quem trava diversas conversas
–
Hammond: Também escritor, amigo de Clifford desde a universidade, como os dois
anteriores frequentador da sua casa
–
Lady Flint: Vizinha de Constance, a quem permite uma escapatória, para que esta desabafe as suas frustrações
–
Mrs Ivy Bolton: Criada de quarto de Sir Clifford, enfermeira já viúva, que apoia o
seu benfeitor com grande dedicação, mas que mantém uma certa cumplicidade com a esposa deste
–
Hilda: Irmã de Constance, dois anos mais velha do que ela, e sobre quem exerce
alguma dominância. É frígida e autoritária, não se dá muito bem com os homens
–
Sir Malcolm: O pai de Constance, senhor muito vivido, com uma moral aberta, que
já vai no segundo casamento. Sugere que a filha arranje um amante
–
Tia Eva Bennerley: Uma tia de Clifford, que compreende a situação
desconfortável em que se encontra Constance e lhe recomenda que não se feche em
casa
–
Bertha Coutts: É a mulher de Mellors, de ânimo exaltado e violento, ciumenta, que se
nega a dar o divórcio ao marido e o persegue na cabana
–
Duncan Forbes: Pintor já estabelecido, que aceita simular um casamento com Constance
à condição dela posar para ele
BREVE RESUMO
Sir Geoffrey tinha três filhos:
Emma, a mais velha; Herbert, que em 1916 morreu na guerra, e Clifford, que
também estava na Flandres, nas linhas. Este último veio à Inglaterra de férias e
casou à pressa em 1917 com Constance, embora contra a vontade da irmã, dez anos
mais velha do que ele, e a seguir voltou para a Flandres. Porém, seis meses
depois vinha dali em pedaços, sobreviveu, mas ficou paralisado da cinta para
baixo. Já não haveria herdeiros, o pai morreu de desgosto.
Constance
vivia então num apartamento em Londres, mas em 1920 regressou com o marido a casa, a
Wragby, e ele passou a ser Sir CLifford, e ela Lady Chatterley. Esta, também
chamada Connie, era filha de Sir Malcolm, e tinha uma irmã mais velha do que ela
dois anos, Hilda. As duas tiveram namoros na juventude. Connie, de olhos azuis
e cabelos castanhos encaracolados, vinha das montanhas da Escócia, não estava
habituada às planícies dos Midlands. Ele vivia obcecado pela escrita e ela
fazia uma vida solitária em seu apoio, não só na escrita como na higiene
pessoal.
O pai de Lady Chatterley, sabendo
que ela tinha o marido paralítico da cinta para baixo, não ia deixar
descendência, aconselhou-a mesmo a arranjar um amante. Apareceu por lá por casa Michaelis, um irlandês que fez muito
dinheiro com as suas peças de teatro na América. Era amigo do marido e chegou a
retratá-lo num das suas obras. Tinha 30 anos e Lady Chatterley começou a insinuar-se,
e uma noite ele subiu até ao quarto dela e tiveram um encontro emotivo. Ele prostrou
perante ela e beijou-lhe as mãos. Ela ficou tocada por este gesto, que prometia
muito, mas ele ficou-se por ali, não queria arriscar naquela relação.
Michaelis não dava a Lady Chatterley
a importância que ela exigia, e ela começou a relacionar-se com outras visitas
do seu marido, como os seus antigos amigos da universidade: Tommy Dukes, que
era brigadeiro, Charles May, um irlandês que escrevia livros científicos; e
Hammond, também escritor. Eles e o marido tinham conversas ousadas entre si,
indo de política ao sexo, e certa vez detiveram-se a dizer mal do sexo oposto,
e ela, que estava a ouvir relativamente afastada, interveio em defesa do seu
sexo, dizendo que ainda havia mulheres agradáveis no mundo.
A situação de impotência sexual de Sir
Clifford era percebida por este, e numa conversa que teve com a esposa chegou a expressar a esperança de ainda
ter um herdeiro, e chegou a concordar com a hipótese de
ela vir a ter um filho fora do casamento. Isto encorajou-a a relacionar-se com
Michaelis, que naquele momento andava muito lá por casa. Ele chegou a propor-lhe casamento, mas fora de propósito, pois ela
era já casada. Têm conversas ousadas entre si, falam mesmo sobre sexo, mas a
relação não se desenvolve –, ele não é tomando pelo sentimento da paixão.
Lady Chatterley parece desiludida pela
falta de amor que sente à sua volta, e chega a falar disto a Dukes. Intimamente sente-se
desiludida com Michaelis, a quem não consegue despertar um sentimento profundo. Nesse
dia era preciso dar um recado ao guarda de caça, Mellors, mas o criado estava
com gripe, e Lady Chatterley ofereceu-se ao marido para ir lá. Sai para o
bosque e conforta uma criança que encontra pelo caminho, e fala de filhos. Ao
chegar à cabana dá com um homem à volta dos 37 anos em troco nu a lavar-se. Quase
quis vir logo embora, mas tinha de lhe dar o recado e pouco foi ter com ele.
Quando chegou a casa trocou algumas impressões sobre ele com o marido –, afinal
tinha vindo da Índia, onde fora tenente. Ela pôs-se a pensar em Mellors e achou
que ele tinha qualquer coisa de especial.
Nessa noite chega ao quarto no
terceiro piso, o marido ficava no rés-do-chão, e pôs-se a ver nua ao espelho
para se avaliar, e sentiu-se velha. Saiu no dia seguinte para se encontrar com
a tia de Clifford, Lady Bennerley, que lamenta a sua vida recôndita. Lady Chatterley assiste em casa a
sucessivas conversas desinteressantes do marido com os amigos, e sente-se tão deprimida que escreve
uma carta à irmã dizendo que não anda a sentir-se bem. Ela vem quase de
imediato e leva-a para Londres a um médico. Michaelis vem ali conversar com
ela, mas não é muito convincente. Esta saída deu pretexto para ela arranjar uma
criada de quarto para o marido, Mrs. Bolton, que também era enfermeira, e como
se sentiu liberta do que era apoiar o marido na escrita e até na sua higiene
pessoal a toda a hora.
Mrs Bolton nas conversas encorajava Lady
Chatterley a sair. Ela vai outra vez dar uma volta pelo bosque e dá uma segunda
vez dom o guarda de caça, Mellors. Ele está em mangas de camisa e sente-a como
uma intrusa. Ela diz vir à procura de narcisos, e ele manda-a entrar para a
cabana para que se aqueça. Depois de uma conversa mais longa ela manifestou
interesse em vir ali mais vezes à cabana e ter uma chave, mas ele disse só ter
uma, outra que houvesse estaria na posse de Sir Clifford. Não foi muito
solícito. Ela volta para casa e fala dos modos bruscos do guarda de caça ao marido, e este
dá-lhe mais algumas informações sobre ele: esteve na Índia, foi ferrador no
Egipto, sempre muito ligado aos cavalos, um coronel indiano gostou dele e fê-lo
tenente. Andou à procura da chave da cabana em casa, mas não a encontrou. Ela volta ao
bosque uma terceira e vez e conversa com o guarda, e veio meio confusa para
casa, não sabe se falou de mais.
Sir
Clifford deixou de ter os amigos em casa, ficou mais excêntrico, e cada vez
mais dependente dela. Lady Chatterley anda cada vez mais saída e acaba por ter
uma conversa com ele, que admite que ela possa ter um filho fora do casamento
desde que continue com ele. Ela vai ao parque mais uma série de vezes. Até que o
guarda de caça lhe arranjou uma chave, mas passou a evitá-la. Têm então um
encontro enternecedor junto das galinhas, que tinham pintainhos. Regressam à cabana
e ela tem um momento de fraqueza e começou a chorar, que ele aproveitou para se
aproximar dela. Tocam-se, e há o primeiro contacto carnal entre ambos. Ela regressa
a casa e depois volta lá, sente-se desorientada. Durante uns dias não vai lá,
antes faz uma caminhada até casa de Mrs Flint, no lado oposto. Mrs Ivy Bolton,
que andava intrigada com aquelas saídas, também fica a saber que o amante dela
é Mellors.
Lady
Chatterley fica mais por casa a arrumar velharias. Não tem mesmo mais que
fazer. Sir Clifford parecia adivinhar o que se estava a passar, e diz que corre
por ali que vai haver um herdeiro rico em Wragby, mas esclarece que deve ser um
boato. Ela fica intrigada, ele pode já saber de tudo. Resolve então fazer uma
viagem pelos Midlands, pela terra do carvão e do ferro, dos mineiros, aquela
relação com o guarda de caça trá-la desvairada. Apetece-lhe sair e ir até
Veneza, e o marido concorda desde que ela volte, talvez grávida, é essa a sua
esperança. Lady Chatterley tem então uma conversa com Mrs Bolton, já viúva, como se disse, que lhe fala
do que é ter um homem nas veias.
Lady
Chatterley continuou a ir à cabana, mas o guarda de caça andava cada vez mais
esquivo, também ele estava apreensivo com aquela relação, que era complicada, e ele também era
casado com Bertha Coutts e tinha um filho, sabia quem deixara em casa. Mas a
Connie, ele não lhe saía da cabeça, e andava pelo bosque à sua cata, como que à
procura de fazer o que devia ser feito. Encontram-se por fim, um encontro emotivo,
ela fala-lhe em ir a Veneza e ele pede-lhe para ela antes de ir passar com ele
uma noite na cabana, não será pedir muito. Beijaram-se mais uma vez –, estão
apaixonados.
Sir
Clifford também resolve um dia dar um passeio pelo bosque com a sua cadeira de
rodas motorizada. Leva a esposa, falam outra vez dela ter um filho e do pai
biológico que ela escolheria –, evidentemente que tinha de ser da sua classe, pessoa com alguma nobreza, e ser saudável.
Indispõem-se a discutir sobre as classes dirigente e as classes servidoras, Sir
Chatterley, era conservador e defendia as primeiras. Entretanto a cadeira de
rodas avaria, e os dois vêem-se obrigados a ir chamar Mellors. Este apressa-se
a vir ajudar, mas não percebe muito de motores, e aquilo ainda se arrasta. Lady
Chatterley diverte-se a ver os dois homens ali, amigos entre si.
Nesse
dia Constance volta à cabana, já de noite, e falam sobre Clifford, sobre o qual
ela desvenda alguns segredos. Mellors confessa então ter sido abandonado pela
mulher, já ser casado, e ter um filho. Ela não se mostrou muito admirada e
apontou-lhe a fotografia de uma mulher que estava emoldurada num quadro numa
das paredes, que ele foi arrancar, para mostrar o seu pouco interesse por ela.
Dormem, estão nervosos, e só de manhã vão além de pequenas carícias. É aqui que
o autor se alonga da descrição explícita do acto sexual. Ela ficou tão possuída
daquele amor alucinante que queria ficar ali o resto da sua vida.
Já em casa, Lady Chatterley recebe a
seguir uma carta da irmã Hilda a dizer que o pai está em Londres, e que a vem
buscar ali num dos dias seguintes para a levar a Veneza. O marido parece até satisfeito, acha que com
esta viagem ela talvez lhe consiga trazer um herdeiro. Ela vai falar mais uma vez
com o guarda de caça, e ele mostra-se triste, tem aqui desenvolvimentos de
negativismo, de desprezo pela vida, e autêntico pessimismo antropológico. Os dois têm
uma conversa demorada, brincam com flores. Demora-se e à vinda dá com Mrs
Bolton à sua espera, ela já sabe de tudo, e manifesta aqui a sua cumplicidade feminina.
Lady Chatterley demora a chegar a
casa e foi sujeita a um intenso interrogatório pelo marido, que temia que lhe
tivesse acontecido algo de mal, sabia-se lá o quê, talvez constipar-se. Ela
reagiu e pouco depois estão a falar de filosofia, e a interpretar o pensamento
dos homens. No dia seguinte chega Hilda para a levar para Veneza. Lady
Chatterley confessa à irmã a sua relação com Mellors, e quer passar a
última noite com ele, mas ela interfere no processo, e depois de a ir buscar
para onde está alojada, vai levá-la lá. Chega à cabana e conversa com Mellors,
mas chateia-se com ele e sai pouco depois, Hilda não se dá muito bem com
homens. Lady Chatterley fica ali à mercê dele aquela noite toda, pronta para lhe
levantar todos os seus véus. De manhã Hilda veio busca-la.
Seguem então as duas para Paris e
hospedam-se num hotel. O pai, Sir Malcolm, já estava ali à sua espera. Mas Paris arrasa-a, a ela
não lhe interessa o aspecto vetusto daqueles monumentos, o aparato da civilização, o
rebuliço das pessoas, tem saudades de estar em Wragby. Por fim chega a Veneza
e é afrontada com toda aquela oferta de turismo, obrigada a passar por uma
série de corredores de quadros com pinturas que nada lhe diziam, andar com os gondoleiros,
ia à Piazza. Fartou-se da Ilha do Lido e das suas praias, e de toda aquela
panóplia que é receitada aos turistas, estava ansiosa por vir embora. Foi então
que teve a certeza de estar grávida. Para complicar a coisa começa a receber
cartas de casa do marido, de Mrs Bolton, e até de Mellors, ficando a saber que
Bertha Coutts invadiu a cabana e fez de lá sair o marido. Ficou muito confusa,
sobretudo imaginando-se já nas bocas do mundo.
Lady Chatterley tinha de resolver
para onde iria depois de regressar de Veneza. Estava apática. O pai notou o seu
ar infeliz e manifestou quão desagradável era agora regressar a Wragby, depois
daqueles dias magníficos em Veneza, mas ela responde que já não iria regressar a Wragby,
que estava grávida. Quando chegam a Londres tem uma carta de Mellors no hotel,
os dois vão encontrar-se ali perto, mas não sabem como resolver a sua vida. É
então que Lady Chatterley combina um encontro entre ele o pai, talvez eles descubram
a solução. Eles concordam então em simular uma relação entre Lady Chatterley e
o pintor Duncan Forbes, para que Mellors se pudesse afastar durante algum tempo
e obtivesse o divórcio da mulher, e ela conseguisse o divórcio de Sir
Chatterley. Ela tendo um caso com uma pessoa da sua classe já não seria tão
escandaloso. Duncan é pintor, e aceita desde que ela pose para ele. Não se
resume o XIX capítulo, pois tudo pode ainda acontecer, o escritor podia optar
por vários finais, que agradariam a uns e desagradariam a outros.
COMENTÁRIO SOBRE O ROMANCE
O
Amante de Lady Chattterley trata de um caso de infidelidade de Lady
Chatterley com o guarda de caça do seu marido, Olivier Mellors. O livro contém
alguns parágrafos de sexo explícito, considerados na altura obscenos, o que
tornou impossível a sua publicação em alguns países. Todavia, as descrições
sensuais que faz, hoje não escandalizam assim tanto as pessoas, e o romance tem
sido publicado por todo o lado. A nós, menos nos impressionou as cenas sexuais,
que o drama que envolve as personagens: Constance, uma mulher na força da vida,
fechada por casa, com um marido inválido, incapaz de lhe dar um filho, que não
tinha coragem de abandonar; Clifford, o marido ainda jovem, paralisado da cinta
para baixo por graves ferimentos sofridos na guerra, que se sente sexualmente destruído,
sofre o desgosto de não deixar descendência, e se sujeita a que a mulher tenha
um filho fora do casamento; e até Mellors, o amante involuntário, que já sofreu
muitos desgostos na vida, teve complicações graves com própria esposa, meia histérica, de quem
tem um filho, e agora que encontrou uma mulher que o satisfaz, ela é casada, e está
a ter dificuldades em ir por diante com aquela relação, tendo de enfrentar as
más-línguas e tudo o que vinha a seguir. Por vezes a vida para que se realize é
madrasta para as pessoas.
No campo da sexualidade, D. H. Lawrence
defendia o acto de amor como uma força incontornável de afirmação da vida, de natureza primordial.
As suas personagens sentem-se constrangidas entre os instintos primários e as
convenções sociais, e normalmente deixam-se sucumbir pela força regeneradora
dos primeiros. As descrições que faz do acto sexual, mesmo quando explícitas são
algo inocentes, sem sadismos, com um leve toque de amor, como que integradas na
sua missão cósmica. O prefácio que Octavio Paz faz ao livro tem apontamentos
neste âmbito com muito interesse. Neste seu romance confirma-se a tendência do
autor para tratar de temas de amor complicados, pela sua obsessão por relações
desiguais, socialmente criticáveis, em que põe as personagens à deriva sem
saberem muito bem o que fazer, digamos que escravas da força vital que
impulsiona a vida, que acaba por ser mais forte do que elas próprias. O romance
equaciona o problema com detalhe, usa de grande rigor linguístico, mesmo quando
aborda temas de sexo, não é vulgar, respeita os limites, tenta ser decente sem encobrir
a realidade, tal como ela é, quase cientificamente. É um clássico.
O
Amante de Lady Chatterley não será porventura o melhor livro de D. H.
Lawrence, mas é o mais controverso e curioso, por tratar do erotismo de uma
forma original, afastada sobretudo dos padrões franceses, mais escabrosas, e ao
tempo os mais propagados, já que esta matéria continuava a ser censurada por
todo o lado. De facto, esteve livro esteve censurado nalguns países ocidentais,
acusado de conter obscenidades, até à década de 60 do século XIX. O autor,
prevendo isso, no prefácio que faz em defesa do livro disse sobre o romance, ser uma obra bonita, terna e frágil, tal
como a nudez. E na verdade, em boa medida é. Está escrito com grande sobriedade,
nos primeiros capítulos mal damos por se falar de sexo, até parece que estamos
na presença de um romance sentimental. Depois passa pelas cenas de sexo
explícito, mas trata-as como algo natural, quase imaculado de malvadez, naturalmente sem
fugir à sua faceta erótica, mas que tem muito a ver com a verdade e a vida. Ele
pressupunha que não nos iríamos envergonhar das nossas origens carnais. Faz uma
análise da sociedade vitoriana, escreve sobre como era então vista a Revolução
Industrial, para muitos algo ameaçadora, não será um romance sublime, e não se
recomenda a todas as idades, mas é um livro bem escrito que na sua época fez a
diferença.
28/04/2018
Martz Inura
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