SAUL BELLOW





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SAUL BELLOW
Herzog
Tradução de Salvato Teles de Menezes
Quetzal Editores (2014)

O HOMEM
            Saul Bellow (originalmente Solomon) era um romancista, ensaísta e académico natural do Canadá, que que optou pela cidadania dos Estados Unidos da América. Era de ascendência judaica, originário de uma família de judeus russos emigrados. Nasceu em 10 de junho de 1915, em Lachine, perto de Montreal, no território do Québec.  A família vivia com dificuldades, e para tentar melhorar a sua sorte emigrou para Chicago, Estados Unidos, em 1924. Ele viveu integrado numa comunidade carenciada, conheceu de perto a miséria, daí que fosse sensível às classes mais desfavorecidas e adoptasse ideais de esquerda.
            Em Chicago tentou ingressar na Universidade e estudar Literatura Inglesa, mas dificuldades levaram-no a cursar na Northwestern University, onde estudou Sociologia e Antropologia. Quando surgiu a Segunda Guerra Mundial serviu na marinha mercante. O ter ascendência russa e ideias de esquerda afastaram-no de missões de maior responsabilidade. Casou cinco vezes. Esteve dois anos em Paris, a partir de 1948, beneficiando de uma bolsa da Fundação Guggenheim. Foi professor universitário no Ninnesota em Boston e Chicago. Ganhou vários prémios literários, entre os quais o Pulitzer, o National Book Award for Fiction, e o Prémio Nobel em 1976. Faleceu em sua casa, em Massachusetts, em 5 de abril de 2005, aos 89 anos.

A OBRA
            Principais obras, nem todas traduzidas para Português:
            Dangling Man (1944)
            – The Victim (1948)
            Adventures of Augie March (1953)
            Henderson the Rain King (1959)
            Herzog (1963)
            Sammlers`s Planet (1969)
            Humboldt Gift (1975)
            The Dean`s December (1982)

O ROMANCE, Herzog

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PRINCIPAIS PERSONAGENS

  Moses Elkanah Herzog: O protagonista do romance, um universitário na casa dos quarenta anos, que se está a divorciar da segunda esposa, Madeleine. Ele tem um passado judaico, uma origem humilde, é uma pessoa estudiosa e pacífica, mas está a reagir mal à pressão daquele divórcio, que envolve a custódia de uma filha, June. Sente-se a ficar louco e começa a escrever cartas às pessoas que lhe vêm à cabeça: amigos e inimigos, vivos ou mortos, grande parte delas pessoas importantes no domínio da cultura e da arte. Mas nem sequer as envia, é o processo que utiliza para recuperar algum equilíbrio mental que alguns põem em dúvida. 
 – Daisy (Margarida): A primeira esposa de Moses Herzog, de origem judaica, muito organizada e conservadora, mãe de Marco. A rigidez das suas normas levou a que o marido se desentendesse com ela. É a antítese da segunda esposa dele.
Madeleine: A segunda esposa de Moses Herzog, uma mulher liberal que não aceita ser capacho do marido. Ela não quer viver a vida de servidão da mãe, e odeia o pai. Herzog diz que ela é neurótica, mas poderá estar a exagerar. Converteu-se ao cristianismo. Ela trocou-o pelo ser melhor amigo, Valentine Gersbach, dando origem ao divórcio.
Valentine Gersbach:  Vizinho e o maior amigo de Moses Herzog, que o vai trair. É casado com Phoebe, de quem um filho, e deficiente – tem uma perna de pau.
Ramona: Uma mulher linda, culta e sedutora, natural da argentina que Moses Herzog considera uma sacerdotisa do sexo. Acompanha-o em diversos momentos em que ele se sentiu só, e cuida dele.
June: A filha de Madeleine e Moses Herzog. É ainda uma criança e demonstra grande afeição pelo pai. Tem diálogos de adulta com o pai, que disputa a sua custódia em tribunal.
Marco: O filho de Moses Herzog com Daisy. Não está muito presente no romance, mas é objeto da preocupação de Herzog, que faz tenção de o visitar.
O pai de Moses Herzog (Jonas Herzog): Emigrante russo que trouxe a sua família para o Canadá. Dedica-se ao contrabando de bebidas alcoólicas. É um homem marcado pelas dificuldades da vida, severo, mas no fundo com bom coração. Chegou a ameaçar o filho com uma pistola. Depois de viúvo voltou a casar com Taube.
A mãe de Moses Herzog: Uma mãe preocupada, uma esposa dedicada, que procurou criar os seus filhos dentro da tradição judaica. Na Rússia pertencia à classe alta, era rica, mas ali no Canadá teve de se sujeitar ao modesto trabalho de costureira.
Tante Taube: A segunda esposa do pai de Moses Herzog, viúva por duas vezes. Foi casado com um comerciante por atacado que a amava muito e a deixou rica. Preocupou-se em não ser uma má madrasta.
Shura: O irmão rico de Moses Herzog. Tem um espírito prático e sucesso no comércio. Possui muito dinheiro que às vezes abona a Herzog, que nem sempre lhe reconhece a bondade: acha que ele despreza toda a gente.
Will: Irmão de Moses Herzog, a quem por vezes ajuda financeiramente, e que o tenta proteger da prisão e o encaminha depois dele lá sair. Preocupa-se com o seu estado de saúde mental e físico.
Helen: Irmã de Moses Herzog, que se preocupava com ele. Intervém pouco no romance.
Zipporah: Irmã de Moses Herzog. É uma autêntica matriarca que se preocupa com a administração da sua casa e com os filhos. Está no mercado do imobiliário.
Lucas Asphalter: É um amigo de Moses Herzog, não muito rico, mas que demonstra uma grande generosidade com ele, ao ponto de lhe oferecer a sua casa por uns tempos. Sentiu bastante a morte de um seu macaco.
Sandor Himmelstein: Um advogado de Chicago que tomou conta do caso de Moses Herzog, quando do divórcio dele com Madeleine.
Dr. Edvig: Foi o psiquiatra que tratou Moses Herzog quando este se sentiu abalado com o seu divórcio. Questionou-o sobre a sua sanidade mental e ficou a desconfiar que estivesse do lado de Madeleine.


            BREVE RESUMO DO LIVRO
Herzog é um romance difícil de resumir, já que o enredo nem será a sua parte mais importante. O mais que conseguimos aqui será um amontoado de factos mais ou menos coerentes. O autor divide o romance em nove partes, embora não as titule. Só para efeito de estudo o fazemos aqui com o início do texto de cada capítulo.

I - SE ESTOU FORA DE MIM ISTO NÃO ME IMPORTA (Pág. 9)
            Moses Elkanah Herzog depois de um período menos bom, em que havia quem pensasse que estava maluco, sai de Nova Iorque de avião para Chicago, indo refugiar-se numa terriola de Massachusetts. Está a sair de um divórcio com a sua segunda mulher, Madeleine, que o fascinara inicialmente, mas cuja relação se deteriorou, ao ponto dela o trocar pelo seu melhor amigo, Valentine Gersbach. No meio daquele caos mental que se seguiu sentiu a necessidade de se explicar, de se exprimir, de se justificar, de se perspetivar, de se esclarecer, de se retificar. Era preciso munir-se de instrumentos: soube que Bach calçou luvas pretas para escrever um réquiem. Para ele, Madeleine era agora uma histérica, que espalhava com o amante que as suas relações mentais colapsaram. Contudo, até ele próprio começa a duvidar ter os parafusos todos na cabeça. É claro que o seu comportamento revelava as pancadas que levou ao longo da sua vida (os traumas). Fez um autoexame para repensar o primeiro casamento com Daisy, de quem tem um filho, Marco, e da mesquinhez das batalhas sexuais que travou. A tensão causada pelo divórcio com Madeleine era insuportável, levando-o a abandonar a sua carreira académica e a ir viver num casarão em Ludeyville. Ela agora era neurótica, odiava o pai, converteu-se ao cristianismo, a sua relação não poderia durar muito. Foi ao psiquiatra, Dr. Edvig, e ele achou que devia sair da idade. E um seu amigo, Sandor Himmelstein, disse-lhe que podia ficar em sua casa até arrumar as coisas. Herzog sente que precisa de ajuda e inicia uma espécie de reflecção, que se traduz em escrever cartas. Pede desculpa à mãe por não a visitar no túmulo há tanto tempo, e escreve muitas outras cartas, inclusive a Ramona, sua amante: escreve-as, pensa-as, não as envia. Acaba também por se cansar de Ramona e vai tentar encontrar-se com Libbie, uma recém-casada em Martha`s Vineyard, porém, arrepende-se e resolve vir dormir ao seu quarto a Nova Iorque. Para saber o seu estado de saúde consulta um antigo refugiado, Dr. Emmerich, que dá nota positiva ao seu estado físico. Mas ele ainda toma comprimidos para uma infeção que apanhou na Polónia, e se recorda de antigos crimes de guerra. Sai à rua e vai comprar roupas na Quinta Avenida que o rejuvenesçam. Recorda se da sua infância, do pai, contrabandista de bebidas alcoólicas. A sua narrativa diverge para o passado. Aparece num hospital com uma tal Wanda, ainda a recordar-se do gueto de Varsóvia, e acaba por considerar que afinal tivera uma sorte incrível.  

II - NO TAXI QUE PERCORRIA AS RUAS QUENTES (45)
            De novo em Nova Iorque, perdido naquela vastidão. Recorda a mãe, que sempre acreditara nos benefícios do banho e morrera muito nova. Depois de muitas deambulações pela cidade começa a falar da Polónia, da Turquia, e resolveu escrever à tia Zelda, discutindo o amor impossível de Madeleine, para o qual a esta lhe dá vagas explicações. Não se sentindo respondido pela tia escreve agora a um seu amigo de Chicago, Lucas Asphalter, de quem consegue obter algum apoio, reconhecendo que ele está envolvido com gente maluca. Momentos depois está o deambular com o seu pensamento pela cidade de Hamburgo pela zona da prostituição. Escreve a Byzhkovski sobre a riqueza da igreja e debruça-se sobre o problema de Berlim Oriental, problemas que então afligiam o mundo. Neste frenesim de se explicar escreve a seguir ao professor Hoyle, ao Dr. Bhave, ao professor Heidergger, a Nietzsche, a John Dewey, discutindo questões importantes para a humanidade, os fundamentos genéticos da vida. Pensa vagamente nos filhos, em Madeleine e Gersbach. Vem-lhe ao pensamento Tocqueville e o seu impulso em direção ao bem-estar como o mais forte numa sociedade democrática. Tenta mais uma vez explicar o seu divórcio com Madeleine recorrendo a Nietzsche e Calvino. Os seus encontros filosóficos com estes autores servirão para amortecer o desgosto do divórcio que está a enfrentar. Cita livros russos e destaca palavras alemãs carregadas de sentido. Mais uma carta ao Dr. Edwig. Herzog desconfia que ela o escolhera a ele como médico para o seduzir e se livrar dele, que era apenas um seu paciente. Ele desconfiava de tudo e de todos.

III - CARO GOVERNADOR STEVENSON (101)
            Começa este capítulo com uma carta ao governador Stevenson, antigo candidato presidencial. Volta a estar com Ramona, uma mulher que o atrai, mas, mal damos por isso ele está a passear com Zinka em Liubliana. Salta para o comissário Wilson, que o critica por se preocupar demasiado com questões de índole social, e a seguir para Shapiro, a quem se sente na obrigação de dar satisfações. Daqui a pouco estão a falar de Chicago, de Madeleine e da igreja russa, de Tikhon Zadonski, de Dostoievski e Herzen. Shapiro na sua intervenção refere-se a Solviov, para os dois voltarem a falar de Gersbach e de Chicago. O seu divórcio continua a atormentá-lo. A carta alonga-se a ponto de comentarem Marx e Engel e o niilismo de Hitler. Não sem que discutam sobre a Alemanha, a França, a Inglaterra, Wellington e Napoleão. A Europa e holocausto ainda estão muito presentes no seu pensamento. Critica o livro de história imaginária do seu amigo, embora goste da ideia de milenarismo e paranoia. Herzog estava de novo com problemas judiciais e envia uma carta a Sandor Himmelstein. Num bolso tinha poemas de Blake. Herzog aproveita para se queixar de Madeleine, e referir que quer ficar com a filha. Continuava a ser um velho judeu a perder a fé em si mesmo. Deu dinheiro ao advogado, mas suspeita que ele o tenha dado a Madeleine para ela comprar vestidos. Ele pensa que toda a gente conspira contra o seu casamento. Tomou um ferry para ir ter com Libbie, uma mulher encantadora à espera de Arnold. O seu pensamento foge-lhe a seguir para Himmelstein, que nunca tendo lido um livro de metafísica, vendia o Vazio como se fosse uma coisa imóvel. Não conseguiu suportar a amabilidade de Libbie e regressa de avião ao Boston sombrio, sob o signo de Madeleine. Ali guardava a carta de Geraldine Portnoy na mesa de cabeceira, e se perde a falar de Rousseau e de Karl Marx, para regressar aos pensamentos deprimentes sobre Madeleine e Gersbach.

IV DE MANHÃ ESTAVA DE NOVO A ESCREVER SUAS CARTAS (151)
            A primeira carta é dirigida a monsenhor Hilton, o padre que atraíra Madeleine para a Igreja Católica. Lamenta-se por ter sido abandonada por uma mulher tão bela, e trocado por um indivíduo grosseiro como Gersbach. Numa sua viagem de comboio de Filadélfia para Nova Iorque vem-lhe à mente Marco, seu filho. Continua depressivo, aquelas paisagens lembram-lhe a Guerra Civil e Kierkegaard. Continua a carta a monsenhor descrevendo a sua relação com Madeleine e a sua conversão. Herzog exercera várias profissões, passava as noites a estudar a Enciclopédia Faça Você Mesmo. Fala da gravidez de Madeleine, mas não para de filosofar, de criticar o que lhe parece errado. Volta-se para Mossbach, lamentando não estar de acordo com a sua apreciação de T. E. Hulme e da sua definição do romanismo como religião cindida. Chama à sua atenção Nachman e Laura, que andaram pela Europa a sondar Rimbaud, Van Gogh, Rilke. Herzog recorda os tempos em que ficava por casa, meio obtuso, partilhando o espaço com Willie e Shura. Recorda o seu falecido pai, homem severo, para falar da sua partida da Rússia para o Canadá, referindo os seus sucessivos fracassos. Evoca a mãe, com os seus grandes olhos, sempre a tentar educa-lo segundo os velhos princípios judaicos, não gentios. Não se esquece de Haydn nem de Mozart. Fala da tia Zipporah, de carácter forte, e do tio Yaffe. Sente que não perdeu nada em vir para a América. Mais uma narrativa confusa, e volta a falar do pai, que se dedicava ao contrabando de uísque.

V - O TELEFONE TOCOU, CINCO, OITO, DEZ TOQUES (219)
            O telefone continuava a tocar, ele não sabia bem onde estava e tinha de atender. Começou a situar-se, afinal era pai de dois filhos. Levantou o auscultador, devia estar em Chicago, era Ramona para mais um momento de prazer, mas de natureza transcendental, que compara com a noção de prazer de Thomas Hobbes. Escreve sensibilizado ao padre Teihard de Chardin partilhando o seu conflito entre Deus e a Ciência. Esmiuça a sua situação de judeu durante o serviço militar. Refere a monografia de McSigins. Fala de política, da Guerra Fia, do Sr. Hughes. Herzog entra em novas abordagens da vida com Pulver, fala de Tolstoi de Hegel, da essência da vida humana. Tanto está com os pés em terra a pensar na sua vida como está nas nuvens a voar com aas suas ideias. Sendo assim, do mesmo modo que pensa em Tocqueville passa pelo West Side em Nova Iorque. Os judeus foram uns estranhos para o mundo e agora o mundo está a tornar-se estranho para os judeus, é uma sua citação. Regressa a uma casa que comprou para Madeleine para estar com Ramona que podia aliviá-lo daquele stress por meio do sexo. Nas suas deambulações não encontra a paz e escreve a Schrodinger para tentar descobrir o sentido da vida. Encontra de novo Ramona, estudando moral, e logo se recorda de Madeleine, que tinha vocação para escritora. Ele ainda gostava dela. Tem mais umas tiradas kafkianas sobre o que lhe está a acontecer. Mas sempre imerso em filosofia, na justiça social, na humanidade. Chega por fim ao Moralismo Romântico em que cita Rousseau, Kant, Hegel. Finalmente vai dormir com Ramona.

VI - DEPOIS DO PEQUENO ALMOÇO ACOMPANHOU RAMONA (297)
            Ramona estava extremamente bela e ele era a causa disso – constata. Levou-a ao táxi naquela cosmopolita cidade de Nova Iorque, sentindo-se sozinho ao vê-la partir. Mistura encanto feminino com grandiosa síntese intelectual. Tem a seguir um acesso de ciúmes de Hobertly, para concluir que ela leu Marcusse, N. O. Brown, todos os freudianos. Diligencia para que o seu advogado Simkin trate do seu divórcio tendo em conta que Madeleine reclama a custódia da filha, June. Tem mais umas tiradas kafkianas. Daqui a pouco está a falar de Cagliostro e Rasputine, de Arte Moderna, de Versalhes e do Kremlin e a querer Gersach afastado do seu processo de divórcio. Dá-se conta que os literatos se apropriam das melhores coisas que encontram nos livros uns dos outros e já está a pensar noutro advogado, no Wachsel. Reaparece numa camioneta para Catskill a sair do terminal do West Side. Quer falar com Daisy e recordar a sua infância em Montreal, destacando as grandiosas reproduções de Bracque e Klee no Museu de Arte Moderna. Dá com uma rapariga bonita Valdepenas – as mulheres atraem-no –, e vai falar com o juiz do seu caso. A conversa tem é pouco consensual. Fica deprimido com esta diligência e dramatiza sobre a situação dos judeus, ainda a pensar no holocausto. Ressalta que Sara Herzog já tinha lido Darwin. Haeckel e Spencer. Aquele janeiro foi terrível. De repente aparece no tribunal ente testemunhas, jurados e advogados descrevendo cenas chocantes do seu caso. Por azar estão ali a decorrer vários julgamentos, e o de uma mãe que matou filho, e isto deixa-o ainda mais perturbado. O seu advogado Simkin constata a sua insanidade mental e isto mais o deprime.

VII - NOVA IORQUE JÁ NÃO CONSEGUE RETÊ-LO (346)
            Herzog tinha de ir a Chicago ver a filha. Tomou o avião e atrasou a hora por causa dos meridianos. Foi à casa que fora de seu pai, onde vivia a viúva Tante Taube, velha desconfiada que tinha sobrevivido até aqui à morte. Ela própria se considerava uma morta viva. Ficou rica desde que casou com o seu primeiro marido. Ele gostava muito dela e lhe deixou-lhe tudo. Era sua madrasta e recebe-o com muitas precauções, embora depois se torne amistosa. Falam do sofrimento e de doenças, recordam as más relações de Herzog com o pai. Ele andou lá por casa à procura dos rublos que ali havia para os dar ao filho Marco. Quando érea criança brincava aos casinos com o irmão Willie. Trouxe consigo a pistola do pai com a qual ele uma vez o ameaçara, embora não o quisesse matar. Mas ele talvez o quisesse fazer agora a Madeleine e Gersbach. Bebem pacificamente uma chávena de chá. Trouxe também os rublos. Agora queria encontrar Madeleine e a filha, Junie, e o seu pensamento foi poisar em Feuerbach, que detestava. Faz evocações que vão de Buda a Francis Bacon, não para de filosofar. Encontra-se com Phoebe, a esposa de Geserbach, para a qual tudo está bem com o marido, embora Herzog ache que ele ande com Madeleine. Ela recusa-se mesmo a divorciar-se dele, e não acredita que o marido a ande a trair. Não quer que o filho dela fique sem pai, mas está disposta a apoiar Herzog no divórcio. Herzog tece, entretanto, algumas confissões sobre a sua personalidade emotiva e arcaica. Por fim resolve ir dormir a casa de Lucas Asphalter, ao qual telefona, e a quem tinha escrito uma carta do início do livro. Ele está de luto pelo seu macaco e ele tenta-o animar. Encontram-se e não demoram muito a dissertar sobre Filosofia, incidem muito sobre o romantismo e o cristianismo. Referem-se com apreensão aos filósofos modernos que querem estabelecer de novo o temor da morte. Pretende transformar a vida numa linguagem para ali forçar Madeleine e Gersbach a terem Consciência. Vai dormir ali em casa dele.

VIII - POR FIM PÔDE ABRAÇAR A FILHA (392)
            Na presença de Asphalter consegue receber a filha, Junie. Para ele foi uma enorme alegria. Ficou de ficar ali às quatro horas para a entregar. Tem no carro uma conversa cheia de ternura com a filha, que gosta do pai. Fala-lhe de Marco, o seu meio irmão, que ela sabe existir. Quer saber coisas sobre o tio Valentine, que anda com mãe. A menina era um prodígio de inteligência, uma futura Madame Curie. Vai com ela de carro pela cidade. Estava na hora de comer, ia à procura de uma sanduíche, quando trava o carro, com os travões par si demasiado afinados e parou de repente, levando a que uma furgoneta lhe embatesse de traseira. A sua preocupação imediata foi a filha, mas ela estava bem, e ele sentia apenas uma pequena dor nas costelas. Chegou por fim a polícia, agindo de maneira rude. cética às suas explicações. Esta deu no carro com rublos, uma pistola e duas munições, que ele disse terem pertencido ao pai. Eles acharam estranho ele ter ali rublos, mas mais grave foi encontrarem-lhe a pistola ilegal com duas munições. Não acreditaram muito na sua versão. O motorista que embateu no carro foi multado, mas a ele e à filha levaram-no para a esquadra, havia ali muito a esclarecer. A filha June assistia assombrada àquele interrogatório. Herzog estava preocupado com aquela demora, não queria que Madeleine soubesse que aquilo tinha acontecido, era mais um trunfo para ela. Pediu desculpa à filha por aquele acidente. O ambiente na esquadra era desagradável. Demorou tanto que pouco depois entrava ali Madeleine a reclamar a filha, examinou-lhe as pernas e os braços, não fosse ela estar ferida. A mulher vinha de vestida azul, linda, e respondeu de maus modos à polícia. Lá levou a menina acusando-o de insanidade mental. Herzog ficou com a polícia, acusado de ter uma arma ilegal com duas munições, e para sair dali tinha de depositar uma fiança. Teve de telefonar a Will Herzog, seu irmão, para o vir ali buscar. Tem mais umas extrapolações incongruentes. o irmão levou-o ao Dr. Ramsberg, afinal tinha apenas uma costela partida. A seguir vai com ele para a casa de campo de Ludeyville. Continua cheio de ideias altruístas, à procura do caminho da verdade, da ordem e da paz.

IX - CHEGOU À CASA DE CAMPO NA TARDE SEGUINTE (441)
            Tomou um avião para Albany, um autocarro para Pittsfield e um táxi para Ludeyville. Asphalter dera-lhe um soporífero para dormir toda a noite. Ia descansar numa casa de campo. Mais uma vez o problema para um judeu se integrar numa América branca. Anglo-saxónica, protestante. Sente-se um pouco incluído nas comunidades a quererem integrar-se, como os irlandeses e italianos. Esta num ambiente edílico, mas não deixa de pensar no seu percurso na América, nascido que foi numa época de emprego generalizado. Arranjou emprego, mas na sua consciência manteve-se sempre desempregado. Tinha de voltar a ler Confúcio. Enquanto dá a volta a casa vê vestígios do passado, de Madeleine, Ramona e Gersbach, lembra Condorcet a precisar de outro defensor. Escreve então de seguida uma longa carta a Ramona em que fala da expedição de Amundsen e Scott ao Antártico. Escreve a Luke, e ao professor Mermelstein para o felicitar pelo seu esplêndido livro. Volta a Wallace e Darwin e fala da necessidade de pesquisar, estudar, sintetizar. Refere o seu capítulo Do Céu ao Inferno e do Romantismo Apocalítico, numa História da Psicologia Revolucionária que vá de Lutero a Lénine. Para Herzog o mais normal é que o sofrimento destrua as pessoas, as esmague, e irremediavelmente não as ilumine. Há pessoas cheias de imaginação capazes de criarem ficções maravilhosas. Para o justificar manda-o embora, que está perdoado, mas que não cometa mais pecados. Dirige-se de seguida a Nietzsche para criticar o seu espírito Dionisíaco, que tem um toque germânico. Mesmo assim mostra a sua grande admiração por ele, a quem chama Herr Nietzsche, pois ele Quer que sejamos capazes de viver com o vácuo. Quer que não nos iludamos com a bondade, a confiança, as medíocres considerações humanas, mas que nos questionemos como nunca nos questionámos, de maneira implacável. Escreve a seguir ao Dr. Morgenfruh, morto há algum tempo, para se identificar e dizer que o Homem não descende um pacífico símio arbóreo, mas de uma espécie terrestre e carnívora, uma animal que caçava em bandos e esmagava os crânios das presas com uma moca ou fémur. Contrariando Zuckerman não está convencido da conceção esperançosa e benévola da consciência humana. Lembra-se então de Rozanóv para uma verdade extraordinária que ele disse mais universal que a religião. A verdade está acima do Sol. Assume algum ceticismo. Moses Herzog chega à conclusão que a consciência histórica da Humanidade é uma necessidade de sobrevivência. Critica os intelectuais e profissionais fanáticos de criarem entes absolutos e verdades insofismáveis. Agora tudo pode acabar, incluindo a Civilização e a própria Natureza. Herzog, na sua loucura rabiscou mesmo algumas palavras a Deus: Como se tem esforçado meu espírito para encontrar um sentido, uma coisa que seja coerente! Não me saí muito bem. Mas quis cumprir a Sua incognoscível vontade… Depois de uns dias pelo campo foi visitado pelo irmão Will. Havia a hipótese de ir para um hospital, mas ele queria ir para casa de Ramona. Apesar do seu pessimismo achava que a vida no mundo não pode ser só uma imagem. Naquele dia depois de mais uma saída pelo campo chegou a casa com um ramo de flores silvestres para o oferecer a Ramona com quem vai jantar. Naquele momento ele não tinha nenhuma mensagem para ninguém. Nem uma única palavra. Como se Ramona tivesse o poder de curar.  



            APRECIAÇÃO GERAL
            Trata-se de um dos romances mais autobiográficos de Saul Bellow, com uma estrutura frequentemente kafkiana, na medida em que Moses Herzog, que a si próprio considera não ter todos os parafusos na cabeça, tem uma ação por vezes incongruente, e esta desenrola-se num mundo surreal, frequentemente difícil de explicar, estranho e cruel. Por outro lado, o autor faz atravessar o romance de ideias, de explicações, de justificações, de teorias filosóficas, e não deixa de incluir referências a ciência e à arte, fazendo-nos lembrar Jorge Luís Borges. Estes elementos são integrados no texto de forma original através das suas infindáveis cartas, que não envia a ninguém, mas com as quais discute os princípios que norteiam o mundo. Ele escreve-as aos amigos e inimigos, aos vivos e aos mortos, aos políticos, aos filósofos, aos cientistas, e até se dirige quase ao fim ao próprio Deus.
            O romance tem como fio condutor o divórcio de Herzog com sua segunda mulher, Madeleine, e é predominantemente psicológico. Ele fica desregulado com todo este processo, o seu estado anímico vai rapidamente da euforia à depressão. Por outro lado, ao questionar quem lhe está mais próximo e os grandes génios da humanidade, como que tenta trazer para este mundo teorias que expliquem a realidade e o aproximem da vida. É desta maneira que pretende esquecer aquele pesadelo. Algumas das suas cartas ao serem dirigidas a proeminentes figuras no mundo da cultura potenciam as suas perguntas de uma grande intencionalidade, dando às respostas uma maior ênfase, porque nós já conhecemos mais ou menos as ideias fundamentadas daqueles a quem são dirigidas.
            Saul Bellow ao identificar Moses Herzog como um judeu a quem a mãe sempre procurou apurar a origem, não fosse ele ficar gentio, dá-nos conta que ele foi sujeito a uma longa aculturação russa, alemã, polaca, canadiana, americana. Já não é um judeu puro. Um passado austero e miserável marcou-o. O gueto de Varsóvia ainda pesa muito sobre a sua cabeça a ameaçá-lo nos seus sonhos. Ele permanece judeu, mas reconhece-se na cultura universal, e admira filósofos como Nietzsche, tem as suas dúvidas, está por dentro da religião cristã, sabe integrar-se na cultura americana, mas não se sente um ostracizado, pois outras comunidades, como sejam a dos italianos e irlandeses também têm as suas dificuldades de integração e têm de lidar com elas. Possui, apesar da sua pretensa loucura, uma visão lúcida do mundo, assumindo o judaísmo com um certo distanciamento.
            A sua religiosidade não será muito intensa, não se o vê a falar com rabis ou a entrar em sinagogas, mas ela está presente na sua vida. Ele não conseguiu furtar-se à educação da mãe, que neste aspeto era muito conservadora. A ideia de Deus, que considera incognoscível, não lhe está ausente. Vê com curiosidade e tolerância as diversas religiões, e não as leva muito a sério, não se deixa fanatizar por certezas absolutas, porque a verdade está acima do Sol, isto é, para além da luz. Porém, mesmo assim, louco, ele não rejeita a sua pretensão muito judaica de contribuir para um mundo melhor, de criar uma realidade coerente que dê sentido à vida. Dentro das suas possibilidades pretende chegar à verdade e à justiça. Tem-se a impressão que ele considera o cristianismo uma espécie de romantismo religioso, como se este fosse uma forma de judaísmo romântico.
            O divórcio de Herzog com Madeleine é, pois, mal suportado por ele, que se vê a ter uma filha do seu maior inimigo (a), o que à partida é impensável, quase paradoxal. Ele ainda a ama, ainda a admira, e vê-la assim transformada em sua maior inimiga deprime-o, cria-lhe instabilidade emocional, daí que abandone a sua carreira académica e se ponha a escrever cartas a todo o mundo, que é uma forma de esquecer o drama que o oprime e da própria miséria de onde veio, ou seja, do seu passado atribulado e miserável. Para não ficar louco ele começa a escrever cartas, refugia-se no mundo das ideias, na Filosofia. Já Tolstoi quando se chateava com a mulher se punha a escrever mais intensivamente para se esquecer das desavenças com ela e recuperar o seu equilíbrio mental.
            Há ainda um lado humano a destacar neste livro: ver como Herzog, cheio de conflitos familiares, religiosos e filosóficos, que já passou por muito sofrimento, teve um pai austero, se sente falhado como escritor e como académico, que agora tem de lidar com um maldito divórcio, traído pelo seu melhor amigo, e ainda assim vai à procura de se encontrar, de se explicar, de se justificar, de se refazer, considerando que apesar de tudo teve muita sorte. Há nele preocupações altruístas. Ultrapassando o seu pessimismo antropológico, ele ainda consegue encarar a vida com um otimismo, que diríamos, sofrido, severo, mas persistente. Herzog é um romance de Saul Bellow difícil porque profundo, complexo, que se baseia na liberdade e se repensa no conhecimento, rico em ideias regeneradoras.

Martz Inura
07/10/2018




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