HERMAN MELVILLE


 

 


HERMAN MELVILLE
Moby Dick
Tradução de Lúcia do Carmo Cabrita Harris
COLECÇÃO GERAÇÃO PÚBLICO (2004) (831 páginas)

 

O HOMEM

Herman Melville nasceu em 1 de agosto de 1819, em Nova Yorque, Estados Unidos, e faleceu na mesma cidade, em 28 de setembro de 1891, aos 72 anos. Terceiro filho, de uma irmandade de oito crianças, com a morte do pai, em 1832, teve que ir ajudar a família, a viver então em dificuldade. Foi o seu irmão mais velho, Gansevoort, que tentou manter a empresa de feltros e peles do pai em funcionamento. Queria estudar e foi para a Academia de Albany, mas não conseguiu prosseguir os estudos. Teve que vir ajudar o irmão. Foi bancário, professor primário, marinheiro e por fim agricultor. Com 21 anos, e cheio de espírito de aventura, a conselho do irmão mais velho embarca num navio da marinha mercante, St Laurence, com destino a Liverpool. Em 1941, depois de muitos fracassos, consegue fazer parte da tripulação do baleeiro Acushnet. Com ele viaja pelo Oceano Pacífico. Nas Ilhas Marquesas abandona a embarcação com um companheiro, que o deixou entregue a si próprio, quando ele mais precisava, pois estava ferido numa perna. Tenta conhecer os costumes da tribo de canibais, Typee, experiência, a partir da qual escreveu um livro com o mesmo nome. Mas não estaria por aquelas terras muito tempo. Passa por lá o baleeiro australiano, Lucy Ann, que o leva de volta. Por azar, os marinheiros dessa embarcação tinham-se amotinado por causa de atraso nos pagamentos. Ele acaba por tomar parte do motim e fica preso em Tahiti. Consegue fugir, e em 1841 faz parte da tripulação do Charles & Henry como arpoador. Depois de várias peripécias regressa por fim a Boston em 1844 como marinheiro, na fragata United States. Durante esta viagem pôde devorar a biblioteca do navio nas suas horas livres e adaptar-se à disciplina e dureza da vida de marinheiro. Casou com Elizabeth Shaw, de quem deixou descendência. Nos últimos tempos viveu em Pitsfield, onde tinha uma quinta. Morreu na obscuridade.

 

A OBRA

A obra de Herman Melville ainda é bastante extensa, sendo ele um homem de ação. Não se vão aqui incluir os sete contos que deixou escritos. A maioria dos seus romances só os poderemos ler em inglês. Os primeiros livros, por terem como tema narrativas de viagens, costumes estranhos, foram bem aceites, mas já os seguintes, em que focou mais o seu aspeto introspetivo, não tiveram amesma aceitação. De tal modo que um dos seus últimos livros Isle of the Cross se perdeu, por o editor o ter ignorado. Morreu na mais completa obscuridade. Mesmo Moby Dick foi um fracasso nas vendas. Um dos seus grandes êxitos só se salvou por ter sido guardado numa lata, que o protegeu da humidade e da bicharada, e foi publicado em 1924, sendo adaptado à ópera pelo compositor Benjamim Britten, e ao teatro e cinema pelo escritor Peter Ustinov. Citemos os seus romances:

Type: A Peep at Polynesian Life (1846)

Omoo (1947)

Mardi (1949)

Redburn (1949)

White-Jacket (1950)

Moby Dick (1851)

Pierre (1952)

Isle of the Cross (1853) (Perdido)

Israel Potter (1852)

The Confidence-Man (1859)

Billy Budd (1934) (Póstumo)

 

O LIVRO Moby Dick

 


 

– Principais personagens

Capitão Ahab: É o capitão do navio baleeiro Pequod e a personagem central do romance. Sem uma perna, amputada por uma baleia branca (Moby Dick) na viagem anterior, que substitui por um osso de baleia, comanda o navio com mãos de ferro, mantendo em respeito a tripulação. Porém, a ideia monomaníaca de capturar Moby Dick leva-o a comandar o navio de forma imprudente, conduzindo à sua perda e de toda a tripulação, à exceção de Ismael, que vai ser o narrador deste romance. 

Ismael: Jovem aventureiro, natural de Manhttan, que mete duas camisas no seu saco de viagem e parte para o Cabo Horn a caminho do Pacífico.  que quer ser baleeiro e embarca com o seu amigo Queequeg no Pequod para uma volta ao mundo à caça da baleia. É um homem pacífico, com espírito de aventura e grande poder de observação. Passa por diversas peripécias no navio, acabando por ser o seu único sobrevivente e o narrador do romance.

Starbuck: O elemento mais rebelde da tripulação do Pequod. É trabalhador e disciplinado, mas está contra a obstinação do capitão Ahab de sacrificar tudo para ir atrás de uma baleia, por desejo de vingança. Isto vai contra as ideias da religião Quaker, a que pertencia, em Nantucket. Ele é casado e tem um filho, pretende que o navio se preocupe em extrair o óleo das baleias, a sua maior riqueza. As ideias imprudentes de Ahab, talvez loucas, chegam a levá-lo a pensar em o matar para libertar o navio e regressarem a casa, mas desiste da ideia, já que não tem o apoio da tripulação.

Stubb: Indivíduo não muito evoluído culturalmente, um tanto descontraído, mas que tem alguma experiência de vida e bom-humor. É o segundo companheiro de Ismael, que o encontrou no Cabo Horn. Sempre com um cachimbo na boca e um sorriso prazenteiro, é destemido na caça à baleia, por vezes não medindo bem o perigo que ele e os seus companheiros corriam.

Flask: Homem baixo e robusto, apelidado de “King-Post”, por a sua figura fazer lembrar a pesada cunha de madeira que é utilizada para apoiar os navios quando estão em manutenção. É o terceiro companheiro de Ismael no Pequod. Na caça à baleia é arrojado e possante, atacando as presas como se o alimentasse alguma raiva contra elas.

Queequeg: É um polinésio filho de um chefe tribal, natural de Rokovoko, uma ilha fictícia dos mares do Sul, que partilhou o alojamento com Ismael em Nantucket. Cheio de tatuagens na pela, forte e corajoso, mantém algumas tradições da sua tribo. Por vezes tem um comportamento estranho, mas é dócil, tentando integrar-se na civilização. É arpoador no barco baleeiro de Starbuck, onde Ismael é remador. Quando adoeceu gravemente exigiu que lhe fizessem um caixão, para caso morresse no mar, não o mandassem num lençol para o oceano e os peixes o devorassem. No início do romance tem com Ismael uma grande intervenção, que depois se vai eclipsando.

Pip: Um jovem afro-americano que é contratado para vigia do navio. Está muito pela cabine, perto de Ahab. É considerado ter uma inteligência brilhante. Tem um passado de escravo. Diz que é do Conneticut, mas é do Alabama. Tem uma intervenão inleliz na caça à baleia e enlouquece.

Perth: O carpinteiro do navio, só mais interventivo no fim do romance, faz uma nova perna de marfim para Ahab, que tinha danificado a anterior. Faz também um caixão para Queequeg.

Dough Boy: O homem que administras o navio, no que respeita ao apoio de serviços. É muito meticuloso e nervoso.

O Homem da Ilha Man: Dos mais antigos marinheiros do navio, com grande experiência dos mares, que Ismael conheceu de uma viagem anterior. Era dotado de qualidades paranormais. É dado a profecias sombrias.

Capitão Bildad e Capitão Peleg: Dois prósperos proprietários de baleeiros, agora aposentados, que no início do livro providenciam à manutenção e reabastecimento do Pequod.

 

Arpoadores a destacar: Queequeg, já atrás referido, do barco do Starbuck; Tashtego, nativo americano, arpoador no barco de Stubb; Daggoo, um arpoador de origem africana, muito alto, porte nobre, do barco de Flask; Fedallah, o arpoador do barco de Ahab, descendente de zoroastrista indianos, também lhe chamam Parse, é a sombra negra de Ahab, tem premonições curiosas e é tido por alguns como a personificação do diabo.  

 Tripulação do navio: à volta de 30 homens, talvez 44, tem a origem mais diversa, e como que representam a humanidade, porventura os Estados da Nação Americana. São índios, brancos, negros e amarelos, naturais dos Estados Unidos, da Irlanda, de Portugal (Açores), da Índia, França, Islândia, Holanda, Sicília, Malta, Espanha, Inglaterra (Ilha Man), da China, Chile e Dinamarca.

 Personagens de alguns dos outros navios: Capitão Boomer, comandante do Samuel Enderby, a quem falta um braço arrancado por uma baleia branda, que substituiu por uma prótese de osso de baleia; capitão Gardiner, comandante no navio Rachel, que pediu a Ahab para o ajudar um seu baleeiro perdido. É ele que mais tarde salva Ismael em pleno oceano, capitão Derik de Deer, alemão, que não agrada a Ahab; Capitão Bouton de Rose, capitão de um navio francês olhado com desprezo; o capitão Mayhew do navio Jerobão.

 Roteiro do Pequod: O navio parte do Cabo Horn, no norte da costa leste dos Estados Unidos da América, desce pelo Oceano Atlântico, passa pelos Açores, Cabo Verde, ultrapassa o Cabo da Boa Esperança, entra no Oceano Índico, chega ao Oceano Pacífico, navegando pela região da Nova Guiné, onde se afunda.


Literatura de viagem – Observador

Com a devida vénia, de O Observador

 

– Breve resumo

O livro é muito grande, saiu inicialmente em três fascículos. Tem 135 capítulos. Vamos reduzir a síntese para que se leia com vagar o livro. A história é narrada por Ismael, que aborrecido da vida, mete num saco de viagem mais umas camisas, e, partindo de Manhattan, segue para Nova Bedford e parte para o Cabo Horn, na costa leste do Estados Unidos da América. Infelizmente, o Nantucket que o devia levar já tinha partido, e teve de se alojar ali numa pensão barata, já que o seu dinheiro não era muito. Acabou, pois, por ir parar à Estalagem da Baleia, onde também estava alojado Queequeg, um índio da Nova Zelândia, filho de um chefe de tribo, pessoa possante e de costumes estranhos, completamente tatuado. Contou-lhe a sua história. Apesar dos seus modos estranhos, parecia dócil e prestável, e Ismael facilmente se adaptou a ele. Passa pelo cemitério onde vê lápides resultantes de um naufrágio. Enquanto espera novo navio vai à igreja local rezar, onde o padre Mapple faz um sermão sobre Jonas e a Baleia e abençoa os marinheiros que vão partir, embora pareça vaticinar grandes desgraças para aquela viagem.

Em Nantucket Ismael procura escolher um navio para empreender a sua grande viagem, e decide com Queequeg, escolher o Pequod, de entre três navios que ali estavam fundeados. Este navio pertencia na sua maior parte a Peleg, um capitão aposentado, que, associado com o capitão Bildad, um famoso Quaker da região, tratam de o reabastecer de tudo o que é necessário para ele se fazer ao mar. Nomeiam para seu comandante o capitão Ahab, um homem com provas já dadas, embora não muito cristão. Só tem uma perna, que uma baleia branca lhe arrancou durante uma anterior viagem. Aparece por ali um aventureiro chamado Elias que prevê desastres para eles durante a viagem, mas nada os atemoriza dos nossos aventureiros, que estão bem cientes que aquela vida de marinheiro é sempre perigosa, nunca se sabe se se volta.  

Ismael e Queequeg, que durante a curta estadia na modesta estalagem de Nantucket fizeram amizade, embarcam para o navio, ainda atracado no cais. Os capitães Peleg e Bildad falam como Starbuck, o imediato do Pequod. Não veem o capitão Ahab, que é muito reservado e está metido na cabina. Stubb é o segundo imediato e Flask o terceiro, todos da Nova Inglaterra. Há na tripulação do navio gente de toda a parte. Respeitam-se as diversas crenças. Para Ismael os cristãos eram todos católicos romanos, que depois divergiram para rituais esquisitos. (18) Numa tripulação que excederá os 30 homens há americanos, ingleses, holandeses, portugueses, espanhóis. dinamarqueses, neozelandeses, indianos e islandeses. Por curiosidade, os quatro arpoadores, Qeequeg, Tashtego, Daggo e Fedallah não são cristãos.

Durante alguns dias manteve-se uma grande azáfama da tripulação, fazendo-se preparativos para ele poder partir. Não pode faltar nada. O capitão Peleg quase não foi visto ir a terra, preocupado que estava em trazer para o navio tudo o que fosse necessário para empreender uma tal viagem, que para ele não era nova. O capitão Ahab, de feitio esquisito, permanecia no seu camarote, preparando porventura as suas cartas, ou fixando os seus objetivos para capturar a Moby Dick. O capitão Bildad estava encarregado da aquisição de provisões, que fez içar para o navio. Chega o dia da partida, foi avisado em terra para todos os marinheiros do Pequod regressarem até à noite ao navio. Por fim o Pequod é rebocado do cais, ia partir.

A viagem inicia-se, segue-se os procedimentos habituais de adaptação ao navio. Há ali muitos marinheiros experientes. O capitão Ahab é muito temperamental, comandando o navio com rigidez. É um homem imponente, possuindo uma perna artificial que fez a partir de marfim tirado de um osso de baleia. A sua amputação foi feita pela baleia Moby Dick, que tem a obsessão de caçar. Tem uma discussão mais violenta com Stubb no convés do navio, e este é o seu segundo imediato. Ele sente-se humilhado, pensa em reagir àquela admoestação, mas Flask diz que aquela repreensão ali à frente de toda a gente, era um processo de afirmação de Ahab, e vindo dele, que era um homem ríspido e mal-humorado, até seria uma honra, e ele ficou-se por ali.

No navio Starbuck é o primeiro imediato. Era uma pessoa com que se podia contar, calmo, quase imperturbável, embora soubesse reagir com energia e prontidão aos problemas que fossem surgindo. Finalmente o capitão Ahab veio falar à tripulação. Ele insiste em que a tripulação do Pequod procure a lendária baleia branca, Moby Dick, de dorso enrugado. Este era o objetivo fundamental daquela viagem. Starbuck manifestou-se contrário a esta ideia obsessiva de se vingar daquele animal, que ia contra a sua religião Quaker. Mas Ahab diz que todas as coisas se ocultam atrás de uma máscara, que tem de ser desvendada pelo homem, e Moby Dick era a sua máscara. A tripulação, embora sem entusiasmo, aceita esta ideia.

As coisas serenam, e das vigias do Pequod avista-se uma baleia. O capitão Ahab ordena que a tripulação desça aos botes, onde estão normalmente quatro homens, um guia, dois remadores e um arpoador. Ismael e Queequeg munem-se de um feixe de arpões para caçar a baleia, os outros botes também intervêm, entre as quais o do capitão Ahab, com o seu sinistro arpoador, Fedallah. Queequeg ainda consegue arpoar a baleia, mas fê-lo de forma muito superficial, não conseguindo matá-la. Ela conseguiu escapar, e isto para eles era uma frustração.  

A viagem prosseguiu, enfrentando dias alternados de mar bonançoso e alterosas vagas. Passam pelos Açores, por Cabo Verde. O capitão Ahab, no camarote do navio, mal se via, e quando aparecia com a sua perna de marfim, que enterrava em buracos do navio, e, movimentando-se como um boneco, tinha um aspeto sinistro. Depois de passarem o Cabo da Boa Esperança, que melhor seria que lhe chamassem das Tormentas, porque era muito encrespado, encontram o navio baleeiro Goney, mas ele não se deixou contactar, prosseguindo viagem, o que não é comum no alto mar, pois poderiam trocar informações de interesse mútuo. No oceano não era raro encontrar navios negreiros, que se procuravam furtar ao contacto, poderia ser o caso.  

Na continuação da viagem enfrentam uma segunda baleia, que Stubb golpeia, fazendo-a rebocar para o navio. Contudo, estavam por ali tubarões, que atraídos pelo sangue da baleia tentaram atacar a carcaça, fazendo com que Queequeg quase perdesse um braço ao tentar afugentá-los. Ali ele viu o perigo que podia correr. Mais à frente avistam um novo navio, o Jerobão, em que Ismael apura que o mesmo tinha sido atingido por uma epidemia, e que houvera um motim a bordo, motivado pela presença a bordo de um tal Gabriel, profeta dado a temores. O capitão Mayhew do Jerobão alerta Ahab sobre o perigo que era tentar caçar a Moby Dick, aconselhando-o a desistir da empreitada. 

Dough-Boy, o despenseiro, chama para o jantar. A refeição é na mesa do camarote do capitão, e envolve ritos especais, próprios dos marinheiros. Normalmente ali as conversas são moderadas e o ambiente pacífico. Não era momento para se falar de coisas que os dividissem. Há num dos dias seguintes vigias nos mastros e dão com a presença de baleias, que lançam fortes esguichos de água ao virem à superfície, embora possam estar debaixo de água mais de uma hora. Avistam finalmente uma baleia branca, Ahab põe o Pequod a persegui-la. Conseguem apanhar um cachalote e atingir a baleia branca. Discute-se então ela ter o dom da ubiquidade, ser imortal. Stubb e Flask vêm a estranha amizade ente Ahab e Fedallah e discutem sobre o rumor deste ter vendido a alma a este último. Aquela obsessão pela Moby Dick tinha laivos de insanidade mental.

Ao fim de algumas semanas, a sudeste do Cabo, avistam o navio Albatroz. Viram o aspeto miserável dos seus marinheiros espalhados pelo convés, eram a coisa mais comum naqueles tempos. Ainda demoraram a tomarem contacto. Perguntaram-lhe pela baleia branca, mas eles não lhe souberam dizer nada. O capitão Ahab não chegou a subir a bordo do Albatroz por temer a tempestade, e ele tinha uma prótese na perna, não queria fazer má figura. O autor vai dedicando vários capítulos ao dia-a-dia dos marinheiros no Pequod e à própria fisiologia da baleia. Por aqueles lados do Indico a seguir ao Cabo da Esperança, é uma encruzilhada de rotas de navios, e avistam o Town-Ho, com uma tripulação de aspeto quase exclusivamente composta por polinésios.

Deparam-se a seguir com o navio alemão, Jungfrau, comandado por Derick De Deer (81) a precisar urgentemente de óleo, e que compete com ele na caça de uma baleia, que, entretanto, se afunda e se perde. Dão com um grupo de cachalotes, mas eles dispersam-se e conseguem capturar apenas um. Este é rebocado e amarrado ao navio. Mas a operação foi feita de tal maneira que o fez inclinar. Também não teria sido amarrado como devia, porque as amarras partiram-se pouco depois estrondosamente. O navio que estava inclinado, equilibrou-se com o afundamento da carcaça, tal a sua dimensão e peso. Mais uma manhã perdida.

Já no Oceano Índico, no meio de uma grande calmaria Stubb mata um cachalote. Isto dá motivo para se fazer uma ceia da sua carne. Herman Melville continua a descrever as diversas operações e curiosidades sobre a caça da baleia, referindo-se ao seu esquartejamento, à extração do óleo do tonel de Heidelberg, do jato característico das baleias, da importância da sua cauda para se movimentar e defender, dos haréns que as baleias-macho conduziam pelos mares, que não eram muito apetecíveis, dado que com os seus afazeres vitais com as baleia-fêmeas, não tinham grande peso e eram muito velozes, filosofou ainda sobre o direito dos peixes à liberdade. 

Encontram-se com o navio francês Botão de Rosa, com quem contactam. Ahab pergunta-lhe pela Moby Dick, mas não sabem nada dela. Ainda dialogam um pouco, mas existe entre eles uma certa desconfiança. Vários dias após o encontro com o Rosebud, Pip, um jovem negro, entra em pânico quando seu bote estava a caçar uma baleia deixou-se emaranhar pelas amarras do arpão, que tiveram de cortar para o salvarem. Stubb repreendeu-o furiosamente pela sua inépcia e diz que ele será abandonado no mar se voltar a fazer tal disparate. Quando Pip volta a cometer o mesmo erro, Stubb não o socorre e este só sobrevive porque um bote mais próximo o resgata. Foi grande o susto que apanhou, e saiu dele meio louco.

Faz-se uma descrição da arrumação do navio, das limpezas, da candeia, dos mastros das vigias, do que era o dia a dia dos baleeiros. Encontram a seguir o navio Samuel Enderby, de Londres, comandado pelo capitão Boomer. A este capitão também faltava um braço. Ahab a primeira pergunta que lhe fez foi sobre a Moby Dick, mas eles não sabiam dela. O médico do navio recomendou mesmo a Ahab para não ir no seu encalço, que era perigoso. Mas Ahab anda nervoso, empenha-se demais na caçada e parte a perna de marfim, pedindo ao carpinteiro do navio para lhe fazer outra. Discute com Starbuck, que contestou aquela mania de dar caça a Moby Dick a todo o custo, e ele fez-lhe saber quem ali manda: Só existe um Deus no mundo e um capitão no Pequod.

Entretanto Queequeg fica muito doente, com febres altas, e julga-se às portas da morte. Pede então como seu último desejo que lhe façam um caixão, não quer sei deitado ao mar como os outros e ser devorado pelos peixes. Isto vai contra as suas crenças. Mandam chamar o carpinteiro do navio que mede Queequeg para lhe fazer o caixão. Entretanto, este recupera a saúde e passa a utilizar o caixão como arca.

O Pequod navega agora no Pacífico, o capitão Ahab ordena ao ferreiro Perth, que forje um arpão com que há de matar Moby Dick, exigindo que o aço seja temperado com o sangue dos seus quatro arpoadores não cristãos do navio. Aquele será o arpão do Diabo. Durante este percurso encontram-se com um navio de Nantucket, Bachelor. O seu comandante numa conversa que tem com Ahab nega a existência da Moby Dick, mas este não liga ao que disse. Está cada vez mais obcecado para a caça a esta baleia e nada o demove. No dia seguinte conseguem matar quatro baleias, uma delas por Ahab, mas nenhuma é a Moby Dick. Ele e o seu amigo mais próximo, Fedallah, fazem uma reza para que que consigam finalmente matar a Moby Dick, e Ahab proclama-se ali mesmo a sua imortalidade.

Ahab depois de meses no mar decide continuar por rotas difíceis à procura de Moby Dick, em vez de regressar a casa pelo Cabo da Boa Esperança. Há uma grande tempestade. Um tufão assola o navio e desmagnetiza a bússola. Starbuck vai à cabine do capitão avisá-lo, mas este está a dormir. Fala então com Stubb, achando que seria melhor abatê-lo com um tiro, porque ele estava a pôr em perigo a tripulação. O modo tresloucado como o capitão estava a comandar o navio fizera-o entrar quase em pânico. Porém, Stubb, esperançado que as coisas se resolvessem, aconselhou-o a não o fazer. 

No dia seguinte Ahab consegue pôr a bússola a funcionar, mas a tripulação está cética e desmoralizada, contudo, obedece às suas ordens. Ahab, ao verificar que Pip tinha enlouquecido oferece-lhe a sua cabine. A seguir depara-se com o navio Rachel, que lhe pede para o ajudar a procurar um dos seus baleeiros perdidos, que trata como filho. Ahab recusa, dada a sua obsessão em apanhar Moby Dick. Encontram-se ainda com o navio Delight, um nome nada próprio para andar naquela freima, cuja tripulação diz ter enfrentado Moby Dick e o seu navio ter sofrido alguns danos. Ahab reflete então sobre o seu passado de baleeiro de 40 anos, a solidão que era aquela vida, admitindo que perseguiu até ali Moby Dick mais como um demónio do que como homem. Também ele está desalentado.

Por fim detetam a Moby Dick no oceano, e durante três dias vão estar ocupados na sua perseguição. No primeiro dia Ahab participa ferozmente na caçada, mas ela ataca e afunda o seu baleeiro. Ele só se salva por ter sido recolhido por Stubb. No segundo dia ele prossegue com a sua perseguição, que é mais desastrosa. Ele no seu frenesi de a caçar parte a perna de marfim, e Fedallah, o seu grande amigo ali dentro, morre afogado ao ser arrastado para o oceano pela linha do seu arpão. Starbuck critica Ahab, pela sua obsessão de caçar Moby Dick, cuja perseguição doentia é ofensiva das leis de Deus. Mas a ele nada o demove, a caça àquela baleia é para continuar no dia seguinte.  

No terceiro dia o ataque a Moby Dick prossegue, mesmo perante os protestos de Starbuck, que está em pânico, alertando para o facto de muitos navios saírem dos seus portos e jamais retornarem. Ahab não o ouve e segue com a sua tripulação para a caça à Moby Dick, ele próprio a ataca com um arpão, mas esta não foi ferida de morte e volta a virar-lhe o baleeiro. Enfurecida, investe a seguir furiosamente contra o casco do Pequod, numa zona frágil do navio, causando-lhe um rombo, a partir do qual este se começou a afundar. Ahab, num derradeiro esforço para abater a baleia lança-lhe um novo arpão, mas de modo tão infeliz que fica emaranhado na linha e Moby Dick mergulha no oceano, afundando com ele. Só Ismael sobrevive a este naufrágio. Tendo ficado à deriva depois de cair do seu baleeiro destruído, vê o Pequod afundar-se, já só lhe via os mastros quando se conseguiu agarrar ao caixão de Qeequeg, que, fechado que estaria, submergira à superfície, e ao qual se agarrou. Foi salvo pelo Rachel, que um dia depois passou por ali à procura de um dos seus filhos, e o recolheu a bordo.

 

           Uma reprodução: a baleia branca, a canoa, o navio

 

– Apreciação geral

            Moby Dick é um livro muito extenso, inspirado no naufrágio do navio Essex em 1822, comandado por George Pollard. Foi publicado inicialmente em três fascículos. Ele junta-lhe muitas passagens da Bíblia, inclui referências à mitologia clássica, e como pretende fazer deste livro uma epopeia dos tempos modernos. Simultaneamente, faz um estudo biológico dos cetáceos a partir da ciência do seu tempo, descreve em pormenor a estrutura e a organização do navio, o dia-a-dia dos marinheiros e de todo o processo da captura da baleia e recolha daquilo que ela tinha de interesse económico, recorrendo mesmo à História. Inicialmente, o Livro teve fracas vendas, e é compreensível, porque ao divagar por temas estranhos ao enredo afasta o leitor da história. Ele encena a grande epopeia que é a do capitão Ahab capturar a tremenda Moby Dick, o maior animal à face da terra, mas depois detém-se por diversos temas ligados àquela viagem, e o clamor que se espera daquela história perde a sua chama.

            Porém, aquilo que para uns pode ser um enfado, para outros é interessante. Ele recupera os conhecimentos da história da baleia naqueles recuados tempos de 1851, fala dos cetáceos e mais em pormenor sobre a biologia da baleia, naquele tempo ainda mal conhecida, que dá a conhecer ao mundo. Explica o interesse económico que ela tinha na altura, descreve as rotas marítimas para a sua caça, os processos que seguiam para a sua captura e o modo como recolhiam dela representava uma mais-valia, como o seu fino óleo, o seu marfim, a sua madrepérola, a carne e até os bigodes, usados nos espartilhos das senhoras. Representa simbolicamente a luta do homem contra a natureza. No livro os marinheiros consideravam que ela tinha o dom da ubiquidade –, eles ignoravam que a baleia branca, hoje chamada beluga, não era única, elas existem aos milhares, e por muitos mares, mais sobretudo no Ártico.

Hoje a caça à baleia está mais ou menos proibida em todo o lado, mas na altura não estava. Ler a descrição da morte de uma baleia, um animal normalmente tão dócil, apesar do seu tamanho, não é agradável, mas temos que olhar à época, e verificar que a natureza, que é a nossa mestra, criou as espécies a alimentar-se umas das outras, mantendo entre elas um ajustado equilíbrio, os tais ecosistemas. Quer queiramos, quer não, a natureza criou carnívoros. Os próprios herbívoros alimentam-se de vegetais, que não nasceram intrinsecamente para serem comidos, e também terão sensibilidade. Todos os seres nascem sentenciados a uma morte mais ou menos breve: uns vivem muito tempo e outros vivem pouco. E, mesmo aqueles, como o efémero que lhes basta um ou dias de vida, não serão menos felizes que as tartarugas que chegam a ultrapassar um século. Podemo-los ver no dia em que nascem a voar vorazmente. Eles nasceram, folgaram, reproduziram-se, cumpriram a sua missão. A vida continua a ser um mistério, muitas verdades de hoje ruirão amanhã.

O livro é um excelente exemplar de literatura de viagens, mas suplanta este género, ao introduzir-lhe outras variáveis, como a História, a Mitologia, a Biologia, a Filosofia e a Religião. Leva-nos a quase dar uma volta ao mundo, num navio cheio de adornos satânicos, que parece estar amaldiçoado. Ainda que narrando a história de um homem meio louco, obcecado por matar uma baleia, induz-nos a sermos tolerantes, não discriminando as pessoas pela cor, pela classe de origem, pela religião. O capitão Ahab, depois de uma vida de solidão de quarenta anos de mar, amputado de uma perna, quando era um homem forte e enérgico, que não gostava de estar parado, transtornou-lhe a mente. Moby Dick, que durante muitos anos esteve quase ignorado, a partir de 1920 começou a ser mais lido, e os americanos após terem sido seduzidos por Billy Budd, outra grande obra de Herman Melville, acabaram por o recuperar para a sua literatura. Apesar de apresentar alguma complexidade, não ser de leitura fácil, é um excelente livro, um clássico, que poderá interessar sobretudo à gente mais jovem, que goste do mar e tenha espírito de aventura.

                (Esta página foi desformatada pelo sistema, carece de revisão)

Martz Inura

20/09/2019

 









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