ROBERT MUSIL


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ROBERT MUSIL
O Homem sem qualidades
Tradução, prefácio e Notas de João Barrento
PUBLICAÇÕES DOM QUIXOTE


O HOMEM

            Robert Edler von Musil nasceu em 16 de Novembro de 1880 em Klagenfurt, na Áustria (então Império Austro-húngaro). Acompanha os pais nas suas deambulações, frequenta a Academia Militar para seguir uma tradição familiar, e em 1891 está em Brno, onde entre 1897 e 1901 estuda engenharia mecânica como o pai. Nessa idade começou a manifestar interesse por Nietzsche, Maeterlinck, Novalis, Dostoievski. Entre 1903 e 1908 estuda Filosofia e Psicologia em Berlim, faz amizade com jornalistas e literatos, escreve em revistas impressionistas. Conhecidos os seus dotes literários, em 1911 torna-se bibliotecário na Universidade Técnica de Viena, casando-se nesse mesmo ano com a judia Martha Marcovaldi. Em 1914 rebenta a Primeira Grande Guerra e faz parte do exército imperial, onde chega a assumir as funções de comandante de companhia na Frente Italiana. Depois da guerra é colocado no Ministério dos Negócios Estrangeiros do seu país, e depois no da Defesa (1919-1922). Segue-se um período em que se dedicou quase exclusivamente às letras e às actividades culturais. É então que publica uma grande parte das suas obras. Ganha, entre outros, os prémios literários: Kleis (1923), Gerhard Hauptmann (1929), Goethe (1933). Vive e trabalha em Berlim de 1931 a 1933. Em 1938 com a anexação da Áustria pela Alemanha os seus livros são proibidos nestes dois países, tem de se exilar na Suíça: primeiro em Zurique, e depois em Genebra, onde morre em 15 de Abril de 1942, aos 61 anos, vítima de acidente vascular cerebral. Vivia ali pobremente, quase ignorado, ao seu funeral apareceram apenas oito pessoas. A esposa lançou as suas cinzas ao Ródano, e em 1943 publica à sua custa o que resta de O Homem sem Qualidades. A sua obra só seria redescoberta em 1952, quando foi reeditada por Adolf Frise.


A OBRA
            A obra de Robert Musil não sendo muito extensa distingue-se pela profundeza dos assuntos tratados, pela visão ampliada da realidade que abarca, pela sua modernidade, citam-se as seguintes:
            - O jovem Tӧrless (1906)
            - Os Videntes (1921
            - Três Mulheres (1924
            - O Homem Sem Qualidades (1930-1933-1942)


O ROMANCE O homem sem qualidades

        (Antes de mais salientar que se trata de uma bela tradução de João Barrento, a ponto de não darmos por ela, como se o livro tivesse sido escrito originalmente em Português)

- Personagem Principais:
 (Antes de mais salientar que se trata de uma bela tradução de João Barrento, a ponto de não darmos por ela, como se o livro tivesse sido escrito originalmente em Português)
            Ulrich: É ele o homem com todas as qualidades, ou sem nenhumas, porque as pode ter todas, é, enfim, a personalidade principal, pela qual o leitor vai entrar no romance. Com 32 anos, ele é engenheiro, é matemático, é director, é secretário da Acção Paralela, mas quer ser algo diferente do que é, e para melhor, e vai à procura de si mesmo.
            Leona: É a prostituta, a quem Ulrich recorre, e representa o extracto mais baixo da sociedade, que aqui é retratada
            Bonadea: Ao contrário da anterior pertencente à alta sociedade, é uma mulher sensual, esposa de um juiz, muito cimenta
            Diotima: É a prima de Ulrich, com quem tem uma relação ambivalente. Mulher bela, inteligente, de fácil relacionamento, muito empenhada na organização da Acção Paralela, e das pessoas que acredita no seu sentido patriótica
            Hans Tuzzi: Secretário permanente da Acção Paralela, marido de Diotima, que mantém a serenidade, mesmo perante a efervescência da sua organização
            Conde Leinsdorf: Iniciador da Acção Paralela, sempre à procura de uma ideia luminosa para o jubileu imperial, um mentor da realpolitik do império da Cacânia
            Paul Arnheim: Grande empresário prussiano, ligado aos negócios e à escrita. Admirador de Diotima, director da Acção Paralela
            General Stumm von Bordwehr: Introduzido na Acção Paralela por Ulrich, que conhece da vida militar, é bem-humorado e limitado
            Moosbrugger: Assassino de prostituta, objecto de alguma comiseração das senhoras e alvo de estudos psicológicos, sociológicos, teológicos, burocráticos, legais e políticos
            Clarisse: Mulher neurótica, insatisfeita sexualmente, que tenta defender a inocência de Moosbrugger. É casada com Walter, amigo de infância de Ulrich, a quem inferniza a vida, a ponto de o levar à insanidade
            Leo Fischel: Amigo de Ulrich, marido de Clementine, (Gerda Fischel), que tem um caso com o exótico Hans Stepp
            Agathe: Irmã de Ulrich, que a reencontra no funeral do pai. Tem uma relação ambígua com o irmão, porventura incestuosa. É algo perversa e tenta enganar o marido, Prof. Gottlib Hagauver na herança
            Dr. Meingast: poeta suíço consultado por Clarisse e Valter, meio profeta
            Lindner: Professor conceituado, mas ambivalente, a quem Agathe recorre
            Solimão: Criado negro de Arnheim
            Raquel: Criada de Diotima


- Definição de alguns conceitos para melhor ler o livro

            1º. O Homem sem qualidades
            Quem é este homem sem qualidades que parece perpassar todo o livro? O leitor irá criando a sua imagem á medida que lê o livro. É um ser humano em busca de si mesmo, permeável à manipulação, de certa forma despersonalizado, pois não tendo qualidades é passível de as ter todas –, não desiste de se regenerar. Contudo, nada nele é definitivo. Hoje sabe-se que o homem tem pouco de si, é construído pela sociedade desde o berço.
            O autor é quem melhor sabe sob este conceito, e diz no capítulo 29, a páginas 212-215 sobre Ulrich: Era, por isso, levado a crer que as qualidades pessoais que foi adquirindo, se ligavam mais umas às outras do que a ele; se fizesse um exame rigoroso de si mesmo; concluiria que cada uma delas, tomada isoladamente, não estava mais intimamente ligada a ele do que a outros que também as possuíssem 
            Acrescenta-se que este conceito pode ser extrapolado para a sociedade, que se deixa instrumentalizar pela cultura, evoluindo ao longo do tempo, ou mesmo para o próprio Império da Cacânia, que não sabia o que queria ser para ser tudo, e a titubear lá se ia adaptando ao querer das diversas nações que o compunham, acabando por não ser coisa nenhuma.

            Cacânia
            É o Império Austro-Húngaro, decadente (uma ironia, é um império de caca), que se recusa a encarar com frontalidade os problemas que tem pela frente. Os seus dirigentes como que varrem o lixo da sua administração para debaixo do tapete dos seus gabinetes, preferindo viver de aparências, de superficialidades que fossem adiando a sua agonia. Proclamam aos ares a paz, mas cinicamente preparam-se para a guerra. Procuram exteriorizar a sua (falsa) grandeza, mais não fazendo que encobrir a sua fragilidade. Emulado pelo Império Alemão do Kaiser Guilherme II, que pretende superar em grandeza e prestígio, o Império Austro-Húngaro, do imperador Francisco José desdobra-se em iniciativas faustosas, mas é tudo só acção de fachada, porque interiormente o império está enfraquecido pelo ressurgimento de uma série de nacionalidades com a Áustria, a Hungria, a Boémia, a Morávia, a Sérvia, a Roménia, a Croácia, a Bósnia, entre outras. Na sua extensão ia da Alemanha â Bulgária, da Suíça à Ucrânia, tinha vinte divisões territoriais.

            Acção Paralela
            No fundo é uma iniciativa patriótica, um exercício político que percorre todo o romance, e tem a ver com a comemoração dos 70 anos de poder de Francisco José que se aproxima, embora no fundo consista em mais uma manifestação de propaganda do império, pretendendo afirmar a soberania daquele imperador, que queriam forte como um rochedo. Era um gesto político, uma manifestação patriótica que visava contrapor-se ao jubileu dos 30 anos de poder do Kaiser Guilherme II da Alemanha, num confronto em que não queria ficar a perder. Os seus mentores e executores faziam-na crer como nascida do seio do povo, espontânea e natural, embora ela fosse algo balofa, artificial, uma manobra para fortalecer a unidade do império, cujas forças de coesão era preciso fortalecer para ele não se fragmentar.


- Breve Resumo do Livro
            A acção desenrola-se na cidade de Viena, nos anos que antecederam a Primeira Grande Guerra. A personagem principal é Ulrich, e é sobre as suas opções e as frequentes tensões do Império Austro-Húngaro, a desmoronar-se, que o romance se desenvolve. O protagonista é Ulrich (com muita biografia do autor), que já foi militar, engenheiro e matemático, mas que não se sente realizado e tira um ano de férias na sua vida, vivendo às custas do pai, para ir à procura de si mesmo. O romance desenvolve-se sob três eixos principais:
            - Por um lado está voltado para a crítica social, incidindo sobre todas as classes, embora de modo mais incisivo sobre as classes dirigentes. E existem as relações amorosas de Ulrich com mulheres como a prostituta Leone, Diotima, sua prima, e Agathe, sua irmã, com quem se antevêem relações de natureza incestuosa. Há casamentos desgastados como o de Tuzzi com Diotima, Valter com Clarisse, Gottlib com Agathe. E também a aproximação romântica de Arnheim a Diotima.
            - Por outro lado a narrativa inclui a Acção Paralela, muito recorrente no romance, a realpolitik do tempo, já atrás referida. Além de Ulrich estão envolvidos nela Tuzzi, secretário da organização, mas também o conde Leinsdorf, seu mentor, que pretende tirar dividendos políticos com ela, bem como o general Stumm Bordwehr, e ainda Paul Arnheim, empresário que vê as coisas pelo seu lado político e económico, e sobretudo Diotima, a mulher que é a cara simpática da organização, que desempenha o seu papel com fervor entusiasta, talvez um tanto ingénua.
            - E há ainda um último eixo, o caso de Christian Moonsbrugger, o miserável assassino de uma prostituta, um crime que fascina mulheres e eruditos do seu tempo. O autor trata do assunto com frequência, e pretende estudá-lo à luz da Psicologia, uma ciência que então se estava a afirmar: ninguém sabe se ele é um criminoso empedernido ou um doente mental, a sua psicopatia está em questão. A justiça vigente vai ser posta em questão. Nele se envolvem, entre outros, Ulrich, Clementine, uma mulher ninfomaníaca, que luta pela sua inocência, e o Professor Lindner, a quem recorre.

- Uma Apreciação Geral
            O livro é volumoso, nesta edição da Dom Quixote consta de 1294 páginas, mas todo ele é rico em conteúdo: rigoroso e profundo. Trata-se de um romance com uma estrutura ensaística – será filosófico, mas também psicológico, histórico, social, com intrusões na Sociologia, no Direito, na Política e na Economia. Robert Musil estudou Ciências Formais como a Matemática, Ciências Naturais como a Engenharia, Ciências Sociais como a Psicologia, tem uma visão abrangente da realidade, uma grande capacidade de análise em vários domínios do saber. Poucos escritores terão ido tão longe neste aspecto. Ele escreve um romance em que tenta escalpelizar o íntimo das pessoas, dar pistas sobre a complexidade da vida social e desmarcar com subtil ironia a política então seguida. Não nos pretende impingir ideia nenhuma: – abre um mundo vasto à nossa observação.
            O Homem Sem Qualidade é um romance modelar, muito complexo, em que o autor analisa a realidade de diversos ângulos, com uma exactidão, que se diria científica. Demorou mais de vinte anos a escrevê-lo, e deixou-o incompleto, por a morte o ter surpreendido. O seu conteúdo é muito reflectido sobre o meio social em que estamos integrados, que nos formata as ideias; sobre o mundo intrincado e caótico em que vivemos, cheio de armadilhas; e sobre nós próprios, que nem sempre possuímos os conhecimentos necessários para tomarmos as decisões mais acertadas, e somos guiados por uma razão que tem dificuldade em lidar com as situações mais íntimas, já que a afectividade inquina o nosso raciocínio. O facto não é novo, já os latinos tinham dito que errare humanum est, mas Robert Musil transporta este tema magistralmente para a actualidade. Trata-se de um livro fundamental nas nossas bibliotecas.

16/10/2017
Martz Inura





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