TRUMAN CAPOTE








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TRUMAN CAPOTE
A Sangue Frio
Tradução de Maria Isabel Braga
PUBLICAÇÕES DOM QUIXOTE (2006)



O HOMEM
            Truman Steckfus Persons, que conhecemos por Truman Capote, nasceu a 30 de setembro de 1924 em Nova Orleães, Louisiana, e faleceu em Los Angeles, Califórnia, nos Estados Unidos a 25 de agosto de 1984, foi um jornalista, romancista, roteirista de filmes e dramaturgo norte-americano. Teve uma infância e juventude difíceis, o que lhe deu uma visão maior para a escrever a sua obra-prima, A Sangue Frio, que lhe deu grande fama e elevados proveitos, mais de dois milhões de dólares. Mas já antes tinha tido outras experiências literárias, que iam do conto ao romance, e desde os nove anos. Ainda criança foi posto à prova com o divórcio litigioso dos seus pais, com a sua mãe a andar com ele por todo o lado. Era de filho de Archulis Persons, um comerciante pouco honesto, e Lillie Mae Faulk. Em 1933, aos nove anos, mudou-se com a sua mãe para Nova York, casou com um cubano chamado Joseph, que o adotou como Truman Garcia Capote. Em 1935 frequentou a Escola Trinity, e em 1930, Greenwich High Schooll, no Estado do Connecticute, onde termina a sua formação escolar e começa a trabalhar no jornal The New Yorker, tinha então 17 anos. Paralelamente escreve contos, e aos 24 anos ganha o prémio literário Henry Havard. Continua a sua atividade literária, e em 1958 publica o seu primeiro romance: Bonequinha de Luxo (Breakfast Tyffany`s). Truman Capote morreu de doença hepática agravada por ingestão de bebidas e drogas, em Bel Air, Los Angeles, em casa da sua amiga Joanne Carson, ex-esposa de Johnny Carson. Foi cremado e as suas cinzas distribuídas pelos seus amigos, o apresentador de televisão Johnny Carson e o escritor Jack Dunphy. As suas cinzas andaram de lado para lado, foram roubadas e recuperadas. Johnny Carson comprou para ele uma sepultura no Westwood Village Memorial Park Cemetry, onde não é seguro estarem lá algumas das suas cinzas. É referido terem lançado num lago em Crooked Pond, Nova York, onde está um pequeno marco a assinalar o facto. Do seu testamento conta um fundo que deixou para a instituição de um prémio o Truman Capote Literary Trust, em 1994.




A OBRA
            A obra de Truman Capote consta de vários roteiros para filmes, contos, ensaios, peças de teatro, romances, distingue-se aqui:
Miriam (conto) (1945)
Outras Vozes Outros Lugares (1948)
Bonequinha de Luxo (Breakfast Tiffany`s) (1958)
House of Flowers (Teatro musical na Broadway) (1958)
A Sangue-Frio (In Cold Blood) (1965)



O ROMANCE A Sangue-Frio

            PRINCIPAIS PERSONAGENS

Vejamos aqui algumas fotos dos seus intervenientes mais importantes:


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Os assassinos: Hickock e Perry Smith


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As vítimas: pai, mãe, filha e filho

            Perry Eduard Smith: Um dos assassinos da família Clutter, meio índio, baixo, pés pequenos, com grandes cicatrizes nas pernas devido a um acidente de mota. Tinha a pretensão de ser educado, bastante inteligente e culto. O seu registo criminal mostra todo o seu percurso de vida acidentado.
            Richard Eugene Hickock: Outro dos assassinos da família Clutter, pequeno e magro, de olhos vesgos. É uma pessoa bastante prática, exalando confiança, não dando ideia da sua crueldade. Casou duas vezes, tinha três filhos da primeira mulher. Foi preso por passar cheques sem cobertura e assaltos ao domicílio.

            Herbert Clutter: O pai da família Clutter, um homem de sorriso aberto, fazendo parte de várias organizações da aldeia, muito trabalhador e honesto, da religião metodista, que vivia para a sua família.
            Bonnie Clutter: A esposa de Herbert Clutter, que estava muito por casa por sofrer de forte depressão, o que preocupava muito o marido.
            Nancy Clutter: A filha mais nova, de 17 anos, que namorava com Bobby Rupp, muito linda e boa aluna, de quem toda a gente gostava.
            Kenyon Clutter: Filho mais novo do Clutter, de 15 anos, bom em trabalhos manuais, em carpintaria e máquinas, forte, mas inofensivo.

            Bobby Rupp, namorado de Nancy, que ainda chegou a ser ouvido como suspeito.
            Susan Kidwell: A melhor amiga de Nancy, que deu com ela morta, amiga de Rupp.

            Alvin Dewey: Um investigador do Kansas Bureau of Investigation (KBI) 
            Harold Nye: Investigador do Kansas Bureau of Investigation (KBI)
            Roy Church: Investigador do Kansas Bureau of Investigation (KBI)
            Clarence Duntz: Investigador do Kansas Bureau of Investigation (KBI)

            Willie-Jay: Assistente do capelão de Lansing do Estado do Kansas, que era uma espécie de mentor de Perry, aumentando-lhe a sua autoestima.
            Floyd Wells: um presidiário de Lansing que partilhara a cela com Perry, ouvindo o seu propósito de matar a família Clutter, denunciando-o mais tarde.

            Tex John Smith: Pai de Perry, que nunca o chegou a ir ver à cadeia
            Flo Buckskin: A mãe de Perry, com que o pai casou num circuito de rodeo.
            Bárbara Johnson: A única irmã de Perry ainda viva, casada e com filhos.
            Alfred Stocklein: Funcionário da Quinta River Valley
            Don Cullivan: Amigo da tropa de Perry, que vai ser sua testemunha de abonação.


            RESUMO BREVE DO LIVRO

Capítulo Primeiro: As últimas pessoas a vê-los
            Neste capítulo descreve-se a vida pacata da aldeia de Holcomb, de como viviam os Clutter e como estavam relacionados com as pessoas mais próximas até serem encontrados mortos em casa.
Herbert William Clutter, de 48 anos vivia na sua Quinta de River Valley, no Estado do Kansas. Era criado de gado e estava bem integrado na comunidade, pertencia a várias organizações, assumindo funções de liderança. Tinha quatro filhos, dos quais só dois estavam a viver com ele: a jovem Nancy, de 17 anos, e Kenyon de 15. A mãe, três anos mais nova que o marido era uma pessoa psiquicamente frágil, com quem ele se preocupava. Pertencia a várias organizações, uma delas a dos 4HH: (Head, Heart, Hands, Health). Tinha um empregado a trabalhar na quinta com a esposa, chamado Alfred Stocklein. Neste dia passava por ali Mr. Clarence Ewalt para ele lhe levar a filha Nancy Ewalt às cerimónias da Igreja Metodista. Porém, quando eles lá chegam não os encontram os Clutter em casa, e podia lá ser, eles não comparecem às cerimónias religiosas. Vão a casa de uma vizinha e amiga Susan Kidwel (Susie) e ela veio lá ver o que se passava, dando com eles mortos. Era o dia 15 de novembro de 1959. A polícia estadual compareceu logo no local, foi um choque terrível. A notícia espalhou-se rapidamente pela imprensa, rádio e televisão. Entretanto, Perry estava em Olathe, não muito longe dali a dormir num hotel, e Dick em casa dos seus pais e um irmão mais novo. Tinham acabado de sair da prisão.  


Capítulo Segundo: Pessoas desconhecidas
            Neste capítulo relata-se a constatação daquele hediondo crime, e os investigadores criminais iniciam o seu trabalho, à partida com poucas pistas, enquanto se vai descrevendo o percurso dos dois criminosos.
            O dia 16 de novembro era ali um dia importante de caça ao faisão, em que se iriam reunir com Clutter, o veterinário, Dr. Dale, o dono de uma leitaria, Carl Myers, e Everett Ogburn, negociante. A investigação estava a cargo do chefe do gabinete da justiça de Garden City, Alvin Adams Dewey, e são nomeados mais três investigadores: Harold Kye, Ron Churck e Clarence Duntz. A aldeia estava cheia de pessoas vindas de todo o lado, com muitos jornalistas, a rádio e a televisão. Os investigadores recolhem as pistas, fazem os primeiros interrogatórios, em que se inclui Bobby Rupp, namorado de Nancy, mas não são levados a lados nenhum, e não faltavam as denúncias. Era tal a pobreza de resultados que afetou emocionalmente Alvin Dewey, muito pressionado para esclarecer o caso, a receber telefonemas a toda a hora, repercutindo-se esse mal-estar à mulher e aos filhos. Enfim, chegaram à conclusão de que os Clutter seriam a família que tinha menos probabilidade de ser ali assassinada. Nada mais de desanimador.
            Entretanto, Dick e Perry deslocam-se para o sul, onde fazem mais uma série de assaltos e passam cheques sem cobertura. Fazem compras mirabolantes, que depois põem no prego, fazendo com isso mais dinheiro. De seguida seguem para o México, onde se sentem mais protegidos da justiça americana. Porém, aquele país não era aquilo que eles esperavam, pagavam a dois dólares por dia a um mecânico auto, o ambiente não lhes era favorável ao seu modus operandi, e eles resolvem regressar, aos seus “queridos” Estados Unidos. Pelo caminham tentam roubar um carro a qualquer condutor solitário, encontram uma com quem fazem grande amizade, e preparavam-se para o matar, embora soubessem que era pai de cinco filhos, quando aconteceu o que para eles foi um “milagre diabólico”: apareceu à frente da viatura um soldado negro, que o bom samaritano também quis dar boleia, e gorou-se o golpe. 

Capítulo Terceiro: A solução
            Neste capítulo são descobertos os assassinos, é feita a sua captura, iniciados os interrogatórios até serem comprovados os factos, aqui conseguidos através da confissão dos acusados, que são levados a julgamento.
            O caso estava parado, mas acontece que Dick, dos olhos vesgos, tivera como companheiro de cela Floyd Wells, e ainda na prisão o ouvira falar da Quinta de River Valley, onde havia lá uma família muito rica, a dos Clutter, que até teria um cofre. Durante muito tempo ele mostrou-se interessado em saber coisas deles, chegando a confessar-lhe que o um dia que saísse os iria assaltar e matar a todos. Claro, Floyd Wells não acreditou. Acontece que ele, ainda dentro da prisão, acabou por saber daquele horrível massacre, e logo verificou que teria sido ele a fazê-lo. Durante uns tempos não disse nada a ninguém com medo de represálias, mas mais tarde confessou a um companheiro de cela, que o convenceu a confessar o facto. Foi a partir daqui que se conheceu o nome dos assassinos. Porém, ainda havia de comprovar os factos, pois as provas existentes eram frouxas, ainda o que os poderia levar à condenação seria a confissão dos factos. Ainda demoram algum tempo a dar com eles num Chevrolet furtado, apesar do cerco que lhe moviam. Presos são logo interrogados separadamente. Perry nega qualquer relação com o crime, mas Dick, que apesar de se armar em forte era o mais fraco, perante a prova da fotografia das solas das botas, já exausto acaba por confessar o crime, dizendo que quem matara as pessoas fora Perry. A partir daqui foi fácil levá-los a julgamento.
            Quem era Dick? Era um homem que teve uma origem humilde. Aos oito ou oito nove anos o pai adoeceu e teve de ser sustentado pela assistência pública e caridade dos vizinhos. Depois o pai recuperou e passaram a viver medianamente. Os pais eram considerados boas pessoas, embora pobres. Dick tinham mais um irmão e era tratado muito severamente pelo pai. Na escola foi um aluno excecional, bom no desporto, queria estudar engenharia, talvez conseguisse uma bolsa de estudo através do futebol, pois os pais não tinham posses para o pôr a estudar, mas teve medo e resolveu empregar-se, foi condutor de ambulâncias, pintor de automóveis, mecânico. Depois casou com uma jovem de dezasseis anos e tiveram três filhos. O pai dela era padre e odiava-o. Meteram-se em despesas, eram uma família grande. As coisas corriam mal, deixou-se envolver por outra mulher, que o assediava. Divorciou-se e voltou a casar. Teve um acidente de automóvel que o atingiu na cabeça. O dinheiro não chegava e ele começou a passar cheques sem cobertura e a assaltar casas, sendo condenado a cinco anos de prisão. Com a vida destruturada divorciou-se ainda na prisão da segunda mulher. Quando saiu começou a trabalhar em Oblate, vivendo com os pais, portava-se “lindamente”, até que Perry o veio ali desafiar para o trabalho “limpinho”. 

Capítulo Quarto: O “Canto”
            Neste capítulo descreve-se a prisão dos réus, a sua estadia na prisão do Kansas e depois na Ala da Morte, o seu julgamento, como todos os seus trâmites, e a execução dos condenados à forca: a que ali chamavam o “Canto”.
            Em janeiro de 1959, a casa onde os acusados estão presos é ocupada pelo sub-xerife, Wendle e a sua esposa Josephine, que trata da sua alimentação e da lavagem das roupas. Perry resolve à última hora não assinar a confissão, segundo disse, para repor a verdade, confessando que matara as quatro pessoas. Ia fazer isto para não fazer sofrer mais a mãe de Dick, que assim se sentiria mais aliviada. Dick prepara uma fuga, e Perry estabelece contacto com um amigo da tropa, que mais tarde acaba por ser sua testemunha de abonação, Don Cullivan. Dick tem algumas visitas. Perry faz amizade com um coiote que vem comer à sua cela. Ele tinha dificuldade em dar-se com os homens, mas conseguia facilmente fazer-se amar pelos animais, e distribuir por eles o seu amor. O julgamento foi marcado para 22 de março de 1960. Os advogados de Dick e Perry, Arthur Fleming e Harrison Smith são nomeados para fazer a defesa, tratam de adiar o julgamento, solicitam relatórios médicos, pedem para que eles sejam internados em hospitais psiquiátricos –, o habitual nestas circunstâncias.
            Junta-se ao processo, entretanto, uma carta de Perry a confessar o seu crime e a fazer um pouco da sua biografia. O pai dele dava espetáculos de rodeo juntamente com a mãe, que era índia. Mais tarde tiveram um acidente e tiveram de deixar aquela vida erradia, foi para o Alasca. Eram quatro irmãos, o Tex, inteligente, que mudou o nome para James, era muito ciumento, um dia chegou a casa e a sua bela esposa tinha-se suicidado com um tiro de caçadeira, e o mesmo fez ele a seguir, por não suportar a sua morte. Havia a sua irmã Fern, que também não gostou do nome que os pais lhe deram e escolheu Joy, mas não terá ido para mais alegre nome, com problemas de bebida mais tarde mandou-se abaixo de um andar de um prédio, em que mudou. Teve a sorte de cair num toldo de um estabelecimento comercial, a lona amorteceu a queda, mas por azar foi cair debaixo de um táxi, que a cilindrou. Tinha apenas um irmão viva, com dois filhos, que lhe chegou a escrever uma carta quase acusatória para a prisão, que tinha medo dele. O pai ou a mãe deram-lhe uma vez uma tareia por uma tropelia que fez. No Alasca os pais davam-se mal, a mãe metia marinheiros em casa. Um dia, a mãe, que era alcoólica, pegou na furgoneta e fugiu com os filhos. Ele andou ao Deus dará por ali, sem qualquer controlo. A mãe vivia com um rapaz. O pai raramente visitava os filhos, porque a mãe os escondia, mas uma vez encontrou-os e então ele fugiu para casa do pai. O pai veio trazê-lo à mãe. Dick era nervoso, sofria dos rins, e desde pequeno que costumava urinar na cama. Foi internado num colégio de freiras e depois no Exército de Salvação, mas era lá maltratado. Depois foi para a tropa, para a marinha de guerra. Esteve no Japão e atirou com um japonês de uma ponte abaixo e destruiu um café, sendo levado a Conselho de Guerra. Esteve quinze meses na Coreia e quando regressou teve o mérito de ser recebido com honras especiais, por ser o primeiro veterano a regressar da Guerra da Coreia ao Alasca. Não se soube integrar e entrou na criminalidade, um dia sofreu um grave acidente de mota que lhe partiu uma perna em vários sítios e o deixou meio inválido, sempre a tomar aspirinas para as dores. Foi então julgado e condenado de cinco a dez anos. Ao sair da prisão foi sondado para mais este crime. O mesmo depoimento por escrito fez Dick, mas menos extenso, ali confessando as suas tendências pedófilas.
            Iniciado o julgamento foram escolhidos os 14 jurados. Procedeu-se à audição das testemunhas de acusação. Foram então exibidas as fotografias das vítimas, que deixaram as testemunhas e os jurados muito impressionados. Mostradas que foram, os réus não teriam escapatória à pena de morte. Realmente, as fotografias eram horríveis. À tarde fazem os depoimentos as testemunhas abonatórias, intervêm a acusação e a defesa. O julgamento durou alguns dias. Por fim os jurados pronunciaram-se pela condenação à forca, e os réus ainda se riram da sentença, dizendo: “Os jurados não se deixaram comover”. Mandaram-nos então para a Ala da Morte, onde foram encontrar George York e Douglas Latham, que depois de considerem que este mundo não valia nada resolveram começar a matar pessoas, e foram sete, achando que lhe estavam a fazer um favor. Outro condenado que estava ali era o jovem universitário, esquizofrénico, Lowell Lee Andrews, que certo dia resolveu matar a sua irmã, o seu pai e a sua mãe para lhes ficar com a fortuna. A execução de Dick e de Perry foi marcada para sexta-feira, dia 13 de maio seguinte. Mas Dick queixa-se que a sua defesa foi ineficaz a Everett Sterman, Presidente da Comissão da Ordem dos Advogados do Estado Kansas e o julgamento ainda é repetido dois anos depois. Foram de novo condenados à forca e marcada a execução da pena para 04 de abril de 1965, que se realizou conforme a lei daquele Estado.   


            APRECIAÇÃO GERAL
           
A Sangue-Frio é um romance realista no mais elevado sentido do termo, que Truman Capote classificou de “não-ficção”, em que nos narra um quádruplo assassinato na pacata aldeia de Holcombe, de cerca de 270 pessoas pacíficas, honestas e trabalhadoras. Mas terá exagerado, um autor, mesmo distanciando-se dos factos, deixa sempre um reflexo de si mesmo na sua obra. Porém, a forma magistral como o faz, apresentando-a com grande clareza, e de modo faseado, atraem de princípio ao fim o leitor, que se vai gradualmente documentando sobre tão hediondo crime, e por vezes mudando a sua opinião sobre os factos. O autor, não só nos descreve o modo horripilante como foram encontrados os corpos daquela família, como nos mostra a reação estupefacta das pessoas, a actuação dos investigadores policiais, dos juízes, dos jurados, dos advogados, dos suspeitos, dos carcereiros, dos jornalistas, ao mesmo tempo que nos descreve o percurso dos assassinos, e lhes faz uma breve biografia. O livro deu origem a um filme nomeado para cinco óscares de Hollywood, que o projetou ainda mais.

            O autor, que também teve uma infância conturbada, parece estar apto a narrar esta história, mal se depreende que é ou não contra a pena de morte, procura ser imparcial, dá a palavra a toda a gente, para que todos se pronunciem. Um leitor que não tenha uma opinião preconcebida, tão depressa anseia por ver os acusados condenados à morte ou à prisão perpétua, como a seguir tem pena deles, que são uns desgraçados, uns infelizes, e pensa que a solução era interna-los em hospitais psiquiátricos que os recuperassem, se tal ainda fosse possível. Eles eram, de facto, uns miseráveis, que tiveram uma infância terrível, uma juventude descuidada, sofreram graves carências, vexames enormes, humilhações de toda a espécie, tinham perdido a alegria de viver, o equilíbrio emocional, o próprio sentido de humanidade. Eles estavam vivos, mas tinham a alma destruída. Para isso também contribui terem sofrido graves acidentes de viação que lhes afetaram a cabeça, provavelmente o cérebro. Foram condenados à morte, mas eles por dentro, como seres humanos já estavam mortos há muito tempo.

            Os acontecimentos que relata são já por si aterradores, um quádruplo assassinato, todos mortos com um tiro de caçadeira na cabeça, e de muito perto, algo repugnante, paradoxal, irracional, pois tratava-se de uma família feliz, a quem não se conhecia inimigos, bem integrada socialmente: um pai muito considerado e bem-disposto, trabalhador, ligado à religião metodista e membro ativo das principais organizações da povoação, uma mãe bondosa, ainda que de saúde frágil, que ficava muito por casa, uma filha linda, estudiosa, atraente, de quem toda a gente gostava, um filho ainda rapaz, enérgico, cheio de alegria de viver. Esta seria talvez a última família que alguém suspeitaria que viesse a ser ali tão barbaramente assassinada, assim pensaram os investigadores. Não sabiam como começar, não se sabia o móbil do crime.  

            Para os investigadores o caso não era simples, daí que andassem por ali à deriva, e só se esclarecesse quando apareceu um testemunho providencial. Estavam perante um crime sem sentido, tanto mais que o pai tinha aparecido numa caixa de papelão, e o filho num sofá, dava a ideias que os criminosos não queriam fazer sofrer ninguém, agiam de modo delicado. Havia ali uma ausência de ódio dos criminosos em relação às vítimas que os deixava intrigados –, todas foram mortas com um tiro na cabeça, porventura para não sofrerem mais do que necessário, um simples sobressalto. Mas se eles eram sensíveis em relação ao sofrimento alheio, eram completamente indiferentes à vida, exterminando-as sem dó nem piedade. E depois, quando capturados, manifestavam uma total ausência de culpa, como que matar os Clutter não tivesse qualquer importância, neste mundo, para eles sem sentido, cruel, como mais tarde lhes manifestaram abertamente os seus companheiros da Ala da Morte, George York e James Latham, dois soldados que assassinaram sete pessoas sem qualquer motivo, como se lhes estivessem a fazer um favor.

            O livro aparentemente descreve um crime violento, mas no fundo é um trabalho que nos obriga a muita reflexão, acabando por ser um aturado estudo sobre a criminalidade nos Estados Unidos, lendo-o, ficámos a perceber melhor o grau de violência da sociedade americana, a importância que tem a educação dos filhos, a necessidade de uma boa socialização das pessoas. O livro ajuda-nos a perceber com conhecimento de causa o problema da violência e da criminalidade, dá-nos evidências de como as pessoas, perante grandes adversidades podem ficar desenraizadas socialmente, e psiquicamente desequilibradas, perdendo a autoestima e passando a odiar o mundo, sem a noção dos valores morais mais elementares. Sim, porque aquele crime não decorreu de um ato repentino, foi pensado com muita antecedência. Como é possível que pessoas aparentemente normais, que se julga ter a noção do bem e do mal, de repente descarrilem, percam a sua humanidade a ponto de agirem a “sangue-frio”, indiferentes à vida humana, à dor do próximo, tornando-se um verdadeiro perigo para a sociedade?!

            Para escrever este livro o autor teve que investigar muito, ouvir alguns intervenientes do processo, pedir a colaboração de vários entendidos sobre a matéria, fazendo por fim uma exposição circunstanciada dos factos, mas nós aqui podemos ser mais conclusivos, embora o problema não seja de fácil solução, e a erradicação destes atos abomináveis não possa ser ser total. Para quem é mais justiceiro, os presos da Ala da Morte: o autor do triplo assassinato da sua própria família; o duo, causador do séptuplo assassinato ao acaso; o duo que praticou o quádruplo assassinato familiar, todos foram condenados à morte e enforcados, fez-se a justiça, a “vingança” da sociedade, como diz um condenado, enfim, ficámos livres deles, que não matam mais ninguém, a sua morte dá-nos a ilusão de tal condenação ter também um efeito dissuasor. Ora bem, estudos recentes dizem que este efeito dissuasor não está comprovado, que nas sociedades de menor criminalidade foi mesmo abolida até a pena de morte. A melhor solução ainda será prevenir estes casos, acudir, pois, aos seres humanos na infância e na juventude, dando-lhes uma educação com muito amor e alguma austeridade; e que nas escolas os alunos continuem a ser acompanhados, instruídos e socializados de modo a evitar-se o seu descontrolo, o bulying, a pedofilia, instruindo-lhes e criando-se-lhes qualidades de trabalho e de organização; e, por fim, mesmo deixadas as pessoas entregues a si próprias, ainda ali a sociedade deve continuar a apoiá-las, para que não fiquem totalmente indefesas perante as adversidades da vida, descrentes de si próprias, do mundo e de Deus, de quaisquer valores. Só assim se reduzirá o número destes casos. A Sangue-Frio é um excelente livro.

26/07/2018
Martz Inura




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