HONORÉ DE BALZAC
Papá Goriot
EDIÇÕES AMIGOS DO LIVRO, LISBOA
O
HOMEM
Honoré
de Balzac nasceu em 20 de Maio de 1799. Era originário de uma família
burguesa, com o pai muito mais velho do que a mãe. A sua adolescência não foi
fácil, tentou mesmo o suicido, atirando-se ao Rio Loire. O pai quis que fosse
para Direito e pô-lo a estudar na Sorbonne, mas ele não era um aluno aplicado, aqueles
estudos não o entusiasmavam, foi então estagiar com um advogado, onde ainda
podia ser notário. Mas ele queria ser escritor, deixou esse emprego, para
desgosto dos pais, que permitiram que tentasse a sua sorte em Paris, mas tinha
um ano para mostrar a sua vocação literária. Escreveu um ensaio, Cromwel, que não obteve grandes elogios.
Em 1826 meteu-se na ideia ser editor, com o qual se endividou. Só em 1833 obtém
o seu primeiro grande êxito, Eugénia
Grandet. Era um homem muito voltado para a escrita, a que se dedicava com
perseverança e rigor. Mas isto não o impedia de ter as suas paixonetas, algumas
com mulheres casadas, e mais velhas. Encheu-se de dívidas, e isto serviu como estímulo
para continuar a escrever e as tentar pagar. Em 1842 comprometeu-se com os
seus editores a escrever A Comédia Humana,
que compreenderia 137 novelas, e que pressupunha estudos sobre os costumes,
sobre a Filosofia, e sobre a análise social, uma enormidade, que não iria
realizar. Tinha muitas amizades, entre elas, a de Eveline Hanska, uma polaca
que se correspondeu com ele durante dezassete anos, e com quem veio a casar no
fim da sua vida. Mas ele tinha uma doença cardíaca e sofria de bronquite. Em 18
de Agosto de 1850 morria em Paris no meio dos seus inacabados projectos.
A
OBRA
A obre de Balzac é composta por
libretos, peças de teatro, poesia, ensaios, noventa e cinco novelas. Ele é o
introdutor de o Realismo na
Literatura Ocidental, abandonou os dramas da altura para se debruçar sobre a
realidade. Delas se destacam as seguintes:
- A Mulher de Trinta Anos (1829)
- Les Chouans (1829)
- Engénia Grandet (1833)
- Papá Goriot (1834)
- A Pele de Onagro (1835)
- As Ilusões Perdidas (1837-43)
- O Lírio do Vale (1835)
- A Prima Bette (1846)
- O Primo Pons (1847)
Breve
resumo do romance Papá Goriot
O romance decorre em Paris, por
volta de 1819. As cenas desenrolam-se à volta de uma pensão da viúva Vauquer,
mulher mais voltada para as contas que para os interesses particulares seus inquilinos. Ali vivem
Eugénio de Rastignac, estudante de direito, que vai ser o grande protagonista
do romance, Goriot, um homem de 79 anos, antigo dono de uma fábrica de
massas, Vautrin, pessoa enigmática, com uma consciência perversa.
O jovem Eugénio de Rastignac vai ser
introduzido no meio parisiense pela viscondessa de Beauséant, onde é apresentado à
condessa Anastácia Restaud, por quem se sente atraído. Mas um dia fala de um
tal Goriot e é expulso daquela casa. Depois foi a condessa Beauséant que lhe
confidenciou que a sua prima Delfina Restaud é filha de Goriot, assim como a
Anastácia Nucingen, banqueiro na cidade. Ele fora um fabricante de massas, e
elas tinham vergonha de ser suas filhas, ainda que tivessem recebido dele mais
de um milhão de francos.
Conhecedor dos podres daquela
sociedade, voltada para as honrarias, para o luxo, escrava do dinheiro, Eugénio
de Rastignac resolve subir no seu seio, seduzindo Delfina e provocando ciúmes à
irmã, o que permitiu estimular aquela relação. Entretanto, foi aconselhado por
Vautrin, que a melhor de ascender naquele meio seria deixar-se enamorar por
Vitorina, que era filha de gente rica, só era preciso arranjar maneira de o
irmão dela morrer, para que ficasse herdeira única. Para isso exige uma boa recompensa,
a que o amigo não se nega inequivocamente. Ele vai então arranjar o duelo entre ele e um seu amigo, que o vai matar. Delfina encontra-se com Eugénio e culpa o marido de
não poder ver o pai.
Na pensão, Eugénio de Rastignac fala
com Goriot e confessa-lhe que está apaixonado por um tal Delfina, que le descobre ser sua filha, o que comove o velho,
pois com isso pensa que ela vai ficar com um homem que realmente a ame, e aproximá-la
mais de si. No seu mundo não existe senão as filhas, por quem tudo sacrificou.
Apoia a relação dele com a filha, e deleita-se só em ouvir-lhe falar
dela. Eles vão-se encontrar mais vezes. Entretanto, Vautrin arranja um duelo
entre um seu amigo e o irmão de Vitorina. O duelo tem lugar e, claro, o irmão dela é
morto. Porém, no mesmo dia Vautrin é preso pela polícia, afinal é Jacques Collin,
um criminoso há muito procurado.
Assoladas por graves problemas financeiros, um
dia depois as filhas de Goriot vêm ter com o pai para lhe pedir uma ajuda de
última hora, pois têm urgentes despesas a pagar, face aos seus luxos desmedidos, e uma dívida de jogo de um dos maridos. Mas o pai está falido, gastou
tudo o que tinha e não tinha com elas. As duas ficam iradas, pensam que a
fortuna do pai não tem fundo, e acusam-no de as abandonar. Ele enerva-se e tem
o que hoje se pode chamar de um acidente vascular cerebral, adoecendo gravemente.
É a partir daqui que Bianchon, um estudante de medicina, e Eugénio, vão tentar
ajudá-lo na sua doença.
Goriot está mal, deseja falar com as
filhas uma última vez. Eugénio de Rastignac vai então à sua procura, já que ele
está moribundo, pode ser a última vez que elas o vêem. Porém, uma tem de ir
ao um baile galante, outra está com problemas com o marido, não acreditam na
gravidade da doença do pai, e os maridos estão-se nas tintas para que ele
morra. Goriot ouve uma conversa em que soube do desinteresse das filhas por
ele, amaldiçoando o amor que tinha por elas, que eram umas
ingratas. Embora a agonia do pai demorasse, as filhas não vieram vê-lo, e depois,
para fazer face a algumas despesas, Eugénio de Rastignac ainda teve de recorrer
à venda de um relógio valioso que Delfina Restaud lhe oferecera. A
agonia do velho foi longa, mas as filhas não se predispuseram a ir visitá-lo à
modesta pensão onde estava a morar. Finalmente Papá Goriot morre, e tem de ser mais
uma vez Eugénio de Rastignac a arcar com as despesas do funeral, ao qual
compareceram apenas os criados das duas filhas, ele foi o único que chorou por
ele no enterro. A igreja mandou dois padres, mas eles também tiveram de
ser pagos.
Personagens
mais importantes
- Papa Goriot: É um homem já velho e viúvo, bondoso e austero, que,
sacrificado pelo luxo das suas duas filhas, Delfina e Anastácia, se remetera
para aquela pensão. Tinha sido dono de uma fábrica de massas, de quem as suas
filhas tinham vergonha, por estarem casadas com aristocratas. A sua situação de
miséria era alvo do ridículo dos inquilinos da pensão.
- Eugénio de Rastignac: É o protagonista do romance. Um jovem
estudante de Direito, que tinha muitos sonhos, mas que sólidos princípios
morais obstavam a que enveredasse por caminhos ínvios.
- Bianchon: Estudante de medicina, amigo de Eugénio de Rastignac, que
o vai ajudar ao fim nos cuidados com Goriot.
- Vautrin: É o “enganador da morte”, o homem mistério, com problemas
com a justiça, muito sabido e impenetrável, que questiona os valores morais de
Eugénio.
-
Delfina Nucingen: Filha de Goriot,
casa com Nucingen, por isso também chamada Sr. Nucingen. Muito voltada para as vaidades do mundo, quase
vazia de humanidade.
-
Anastácia Restaud. Filha de Goriot,
casada com Restaud, por isso também chamada Sr.ª Restaud. Fútil e egoísta como
a irmã.
-
Viscondessa Beauséant: Espécime feminino da
sociedade burguesa parisiense. É ela que introduz Eugénio no seio da burguesia
snobe e endinheirada.
-
Sr ª Vauquer: É a dona da pensão,
viúva de cerca 50 anos, muito agarrada ao dinheiro, fria e interesseira.
-
Sr.ª Michonneau: Mulher já vivida,
com um passado dissoluto, que vive agora de expedientes. Denuncia Vautrin, que
é afinal: Jacques Collin.
-
Sílvia: Criada da pensão
-
Poiret: Criado da Srª Michonneau
-
Vitorina: Vive na pensão, rejeitada
pelo pai em favor do irmão
-
Cristóvão: Moço de recados da pensão.
Comentário
geral sobre o romance
Papá
Goriot é um romance já integrado no ciclo da Comédia Humana, com uma linguagem fluida e energética. Compõe-se de
quatro partes: Uma pensão familiar, na
qual se descreve o ambiente em que ele vive; A entrada na sociedade, em que as personagens se debatem com o meio
social em que estão integrados, e onde predomina o egoísmo, a procura de honrarias, a
usura, o luxo e a desregulação, próprios da burguesia de então; O Engana-a-morte, com a denúncia de
Vautrin, e as perfídias de uma sociedade que não olha a meios para atingir os
fins; e por fim A morte do pai Goriot,
em que se mostra a vaidade, a hipocrisia, a indiferença, enfim, a desumanidade.
O autor denuncia a nova sociedade que se estava a formar, que punha demasiado
peso no factor económico, conseguindo antever a Karl Max os subterfúgios da
burguesia liberal francesa, pós Napoleão Bonaparte, com o seu racionalismo
individualista, próprio do capitalismo, que aquele depois sistematizará no Materialismo Histórico.
Nem todos os críticos são unânimes a
classificar o estilo de Balzac, aqui exemplarmente expresso neste romance.
Ortega y Gasset, por exemplo, fica chocado com os vícios, o egocentrismo da
sociedade retratada pelo autor, e diz: Se
me perguntassem porque me parece inaceitável a obra de Balzac, responderia:
porque o quadro que ela me oferece não passa de um lodaçal. Porém, depois
pudemos confirmar a pertinência do autor, no retrato que fez daquela sociedade,
com a exploração da classe operária que lhe adveio, que não era exclusiva da
cidade de Paris. A maioria dos críticos reconheceu logo o valor e a importância
da sua obra, Balzac era um escritor operário, os seus livros por vezes
subordinavam-se a exigências de um contrato com os livreiros, não permitindo
que ele se apurasse ainda mais. Lanson, outro dos seus críticos, reconhecia-lhe
méritos na sua obra, e uma vez comentou: Fica-se
pasmado perante tamanha força criadora… e é um mundo que vive, pletórico de verdade.
Todos os defeitos se evolam perante a grandiosidade do conjunto. Balzac é
hoje um escritor mundialmente reconhecido.
Depois de algumas décadas de
romantismo, que começava a cansar, ele começou a descrever a sociedade tal como
a via, relatando o bem e o mal, não enfeitando as coisas, não incidindo apenas no
drama, mas tentando apreender toda a realidade. Trouxe mais objectividade à descrição da vida, deu um
papel mais importante à mulher, ironizou com a hipocrisia social, relevou o cepticismo
face ao dogmatismo, deu intertextualidade aos assuntos, recorrendo à ciência do
tempo, que se estava a afirmar com o Positivismo,
tornou a linguagem mais austera, mais precisa, quase sem floreados, com algum
psiquismo pelo meio a emoldurá-la; as personagens principais dos romances já
não tão subjectivas como no Romantismo,
elas contêm as fraquezas e insuficiências do meio em que vivem. Daí ele estar
na introdução do Realismo na moderna Literatura, influenciando os escritores de todo o mundo. Na França, Gustave
Flaubert; em Portugal, Eça de Queiroz; no Brasil, Machado de Assis; na
Inglaterra Charles Dickens; na Rússia, Dostoievski e Tolstoi, e por aí fora. Honoré
de Balzac foi um grande escritor e Papá
Goriot uma romance marcante na Literatura Universal.
16/11/2017
Martz Inura
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