DINIS MACHADO
O que Diz Molero
QUETZAL, 2009
Posfácio de Nuno Artur Silva
O
HOMEM
Dinis Ramos Machado nasceu em Lisboa
em 21 de Março de 1930, e faleceu nesta mesma cidade em 3 de Outubro de 2008,
vítima de um cancro pulmonar. Filho de um árbitro de futebol, frequentou o
Curso Geral do Comércio, que não chegou a concluir, enveredando pela carreira
de jornalista desportivo. Não gostava de estar fechado entre quatro paredes a
ouvir professores, preferia ir ver fitas de cinema ou jogar à bola, não
passou do terceiro ano – tirou o seu Curso Superior na Escola da Vida. Tinha
uma cultura muito diversificada, para além do desporto gostava especialmente de
cinema, de literatura, sem esquecer o género policial. Esteve ligado à banda
desenhada, escreveu guiões e diálogos para o cinema e para a televisão.
A
OBRA
Dinis Machado, para além dos seus
trabalhos profissionais ligados ao jornalismo desportivo, fez incursões pelo
cinema, pela televisão, andou pelas traduções, pelo romance policial, no qual
usava o pseudónimo Dennis McSahde, para fugir do estigma de que este género literário
vinha marcado, como sendo coutada dos americanos desde Edgar Allan Poe. Um
romance destes que aparecesse da autoria de um português seria logo rejeitado, Reinaldo Ferreira,
que se destacou no género, usava o pseudónimo de «Repórter X», depois outros
foram surgindo, hoje Francisco José Viegas já pode escrever romances policiais
sem sentir os preconceitos da crítica. Mas já na altura o nosso autor enobrecia o género, ao introduzir-lhes heróis de
José Luís Borges, ou personagens retiradas do D. Quixote de Cervantes. Contudo,
a obra que o celebrizou foi O Que Diz
Molero, publicada em 1977. Citemos as algumas das suas criações:
Com o pseudónimo de Dennis MacShade
- Mão direita do Diabo (1967); Requiem para D.
Quixote (1967); Mulher e arma com
guitarra espanhola (1987); Blackpot [inédito] (2009);
Como Dinis Machado
- O que diz Molero (1977); Discurso de Alfredo
Marceneiro a Gabriel Garcia Marquez Lisboa (1984); Reduto quase final
(1989); Gráfico de vendas com orquídea: e outras formas de arrumação de
conhecimentos: 20 textos de 1977 a 1993 (1999).
O romance O que diz Molero teve uma adaptação ao teatro representada por Nuno Artur Silva, José Pedro Gomes e António Feio,
numa sala do Teatro Nacional D. Maria II, merecendo
críticas muito lisonjeiras.
O
ROMANCE, O que
Diz Molero
Sinopse
O que diz Molero conta a
história de um rapaz de origem humilde, cujo nome próprio não é referido no
livro, que, depois de passada a juventude resolve encetar uma grande viagem à
volta do mundo. Molero, investido na pele de detective, é encarregado por Austin e Mister
DeLuxe, seus supervisores, de traçar o percurso do rapaz. Os
relatórios que Molero vai fazendo e enviando vão sendo estudados por estes dois
super-inspectores, e é através do seu exame que vamos sabendo da vida do rapaz:
as aventuras da sua infância e adolescência, os livros que leu, os amigos que
teve, as mulheres que amou, os países por onde passou. Pedaços fragmentados de
uma vida que darão ao leitor pistas para traçar o perfil de alguém que procura um
sentido para a sua existência. O livro é constituído por longos parágrafos e
não está dividido em capítulos. Vamos tentar dar aqui uma visão sintética do
seu conteúdo, recorrendo ao número da página em que os assuntos são tratados (Esta
edição tem com o posfácio 142 páginas):
11 – «Teve uma infância estranha». Sim, quem não a tem? Quando nascemos tudo é novo para nós, o que nos apetece mesmo é chorar. «Em última análise todas as infâncias o são», disse Mister DeLuxe. Depois o pai ficava bêbedo e jogava bowling contra as garrafas de vinho e cerveja que bebera, pintalgando de sons a noite.
14 - «Quarenta páginas dedicadas a Paris». Claro, La Petite Mireille.16 – A história de «Leduc, … o da cadeira de rodas». Um lado mau da vida.
17 - «Ele tinha um tio napolitano». O tempo do Rato Mickey, em que o tio não acertava no escarrador.
23 – «Em certa medida Molero diverte-se a páginas sessenta e oito». Sim, à entrada da adolescência.
26 – «Flaubert, Madame Bovary sou eu». Somos os que criamos. Sim, este livro retrata um pouco o que foi Dinis Machado, sim, terá que ser.
28 – Na «Seita dos calmeirões, os Vai ou Racha». A irreverência juvenil. 32 – «Contavam-se histórias do Ângelo…», danado para a porrada. É aqui que aprece toda a caterva de malvados do bairro.
43 – «Apenso ao Relatório», o espólio de Leduc». Um rol de misérias. 45 – «Não se chegou a apurar a razão do fim do romance com La Petite Mireille». Sim, o melhor às vezes é o que fica por dizer.
48 – «O pai escorregou numa casca de banana» e morreu, isto basta.
48 – «Ele não chegou a endireitar os dentes». Pois não, tinha perdido o pai.
53 – «Molero fala-lhe da outra parte da verdade que lhe escapa». Há sempre algo que não conseguimos compreender. E é lá talvez que devamos procurar a explicação para tudo.
54 – «Mais ou menos na altura em que a tia começou a regular mal da cabeça». Um lado negro da vida, quando foi ver uma fita de Drácula.
61 – A fase da imaginação infantil em que «Molero transcreve a reza do Vampiro Humano». 64 – «Então a tua tia chalou?». Todos somos um tanto malucos.
71 – «Erculano trouxe com ele a espera da palavra…». Note-se Herculano sem H.
74 – «Todos os indícios estão na infância do rapaz». Claro, fomos feitos lá, «mas trata-se de uma constatação que não adiante nem atrasa».
78 – «Por artimanhas muito suas… Molero conseguiu chegar à fala em Marselha com Madame Mireille Letour». Tinha que ser.
81 – «Entre os vários parêntesis que Molero abre» um texto escrito pelo rapaz. 84 – «A páginas cento e noventa e oito…». As balizas da infância do rapaz.
89 – «O rapaz fez a Guerra Mundial cirandando…». O período difícil da Segunda Guerra Mundial.
93 – «O último cliché no bairro» com um poema dedicado à menina Mariana.
94 – «No comboio a caminho de França». Quando viu mais belo de todos os rostos de mulher e escreveu o livrinho de poemas Angel Face. Mister DeLuxe seguindo o raciocínio de Flaubert sobre Madame Bovary, concluiu que Angel Face seria o rapaz.
94 – «A tusa é que interessa». Endireitar o mastro, a sexualidade a dominar a vida. 98 – «Nesta altura da história entra Cláudio». Com o romance da tal Aurora na cabeça. Uma entrada na literatura e no cinema.
104 – A peça que foi uma revelação para ela: «A da guerra não há outra». Uma rajada de “Realismo Mágico”. Leia-se: «Aquela em que os soldados vencedores desfolhavam flores sobre os corpos dos vencidos». Isto é surreal.
110 – «O rapaz levou-o para a outra margem». Alguém que se estava a afogar. Pode-se observar aqui o seu lado humanista. 113 – «Além dos acessos de nausée já confessados…», alguns desvarios do rapaz.
114 – «Molero soube depois… que o rapaz foi para a África». Mas também passa pela Pensilvânia e sei lá que mais países. A sua peregrinação pelo mundo é um tanto forçada ao jeito de Jorge Luís Borges e Gabriel García Márques, mas ainda assim origina, como resume a páginas 129: a) febrezinha mística isso passa; b) vozear impertinente entre claustros; c) divinização, como direi; d) verborreia e tal e tal; e) visita autoguiada; f) exorcização do real; g) louvor com girândola; h) balanço de um dado comércio das ideias: i) a science-fiction short story; j) aventura chalada de um gajo. Está aqui todo o seu estilo literário.
131 – «Aqui ninguém pode passar…». Pois quando se excede fica-se preso na teia de aranha chamada Xântila. Surrealismo puro, onde também se fala dos Três Cowboys, se toca Stravinsky, se ouve Bach, Mozart e Beethoven, se lê Rimbaud ou se vê Miró, Van Gogh, Goya mas também Cezanne, se passa pela Cartilha Maternal, Júlio Verne, Miguel Cervantes, Truffaut e aparece uma nova estrela, Eugénio de Andrade, de quem Dinis Machado recebeu estímulos literários e com quem trabalhou nas Caixas de Previdência, tudo na buscava da estrela-trenó do homem chamado Welles.
148 – «Premonição de cilindro de relva entrançada, testamento, alegoria, êxtase sideral povoado de referências míticas, conto infantil à escala interestelar, simples ardil para trocar as voltas ou seja lá o que for». Sim, Austin com Mister DeLuxe que «dêem a Modero as férias indispensáveis para uma convalescença perfeita», e nós que acabamos de ler o livro deliciemo-nos a tomar um café ou mesmo um copo de água, a saborear mentalmente o que ficou deste romance.
Estilo
e Influências
Ora cá está um assunto que merece um
aprofundamento que aqui não poderá ser dado, mas que é digno porventura de um
tratamento mais vasto para se saber até onde Dinis Machado vai buscar as suas
influências. E não é para desmerecer o autor, antes para relevar a sua elevada
e multifacetada cultura. Um trabalho destes seria uma sua biografia cultural,
quase uma romagem pela cultura portuguesa de uma dada época, a visão do mundo
de um homem bem entrosado naquilo de que ele é feito. E se umas influências são
internas, isto é, derivam da própria personalidade do autor, das suas vivências,
outras têm a ver com os meios culturais que frequentou, as obras que lhe
moldaram a alma. As suas influências culturais são multiformes, vêm sobretudo
do jornalismo e da televisão, da música e do cinema, da pintura e da
literatura. Um livro tem muito do seu autor, disso, Dinis Machado faz questão
de salientar. A páginas 26 está escrito: «como dizia Flaubert, Madame Bovary
sou eu». E mais à frente Austin acrescentou: «tudo o que criamos é apenas o que
somos». O livro está repleto de
personagens patuscas, conhecidas pelo seu apelido, como os Vai ou Racha, o Pé
de Cabra, o Bigodes Piaçaba, o Gil Penteadinho, o Mané Borbulhas, o Aranhiço, o
Chico Dominó, o Zeca Trampa, o Peida Gadocha, o Roque Sacristão, o Tozé
Gaguinchas, o Bexigas Doidas, o Vovô Resmungas, o Descoiso, a Mafalda Capoeira,
o Tonecas Arenas, a Dona Ermelinda e tantas outras.
A influência do cinema é muito
grande na vida de Dinis Machado, um jovem que abandonava as aulas para ir ver
fitas, e que antes de escrever livros organizou “Ciclos de Cinema”, escrevia
argumentos e diálogos para filmes. Esta influência, podemos detectá-la nesta
obra pela sua referência ao Rato Mickey, a Flash Gordon, a Robinson Crusoé, a Frankenstein,
ao actor Béla Lugosi, na sua apetência pelas histórias de vampiros. E ainda quando
se refere a John Ford, infirmando o seu apego à aventura e aos westerns, que terão povoado a sua
juventude, e também a realizadores que marcaram uma época como Howard Hawks, George
Cukor, Henry Fonda, Fellini, a actores poderosos e convincentes como Clark
Gable, Spencer Tracy, Dirk Bogarde, Gary Cooper e John Wayne, a actrizes,
autênticas ninfas do universo masculino da sua época como Greta Garbo, Ingrid
Bergman, Katharine Hepburn. Alguns realizadores parecem tê-lo marcado, como
quando fala de um modo admirativo de Orson Welles e do seu Citizen Kane, que andava aqui à procura de novas formas, a reunir
retalhos, a aperfeiçoar montagens, tendo presente a investigação, a rotura com
o sistema. De Ernest Lubitsch terá apreendido as engrenagens engenhosas e a
maliciosa sexualidade das personagens. De François Truffaut aprendeu a transgredir
as regras para apurar a forma. De Akira Kurosawa deve ter admirado a maneira
como ele sabia fazer a síntese entre o passado e o presente, a história e o
quotidiano, o modernismo e a tradição.
Na pintura é perceptível a influência de Joan Miró, que cita mais do que uma vez no livro, um pintor, escultor e gravador, que era atraído pelas formas, pelas figuras imaginárias, glosava um léxico composto por manchas, pontos e linhas, carregados de um intenso cromatismo. Dinis Machado fará o mesmo ao recorrer a colagens de textos e ao dar às descrições uma coloração intensa, faz-nos olhar não só para o que estamos a ler mas para o todo, para termos uma visão de conjunto. Os dois artistas, o pintor e o escritor, deixam contudo, sempre um fio condutor a unificar as suas obras. A linguagem de Dinis Machado em O que Diz Molero tem muito de Miró, é por vezes surrealista, parece querer despojar-se da realidade à procura de recriar o mundo à sua maneira, quase caindo em absurdos. É ao lê-la no seu conjunto que vemos melhor o efeito que a ela nos pode produzir na mente. Também citou Rembrandt, como uma homenagem a um dos clássicos, mestre de todos os tempos, mas também Matisse, como que se mostrando seduzido pelo seu apego às cores puras e vivas, às colagens de trechos justapostos, e Cezanne do impressionismo, com um traço mais livre, mais preocupado com a ideia do que com o objecto, e Van Gogh, do pós-impressionismo, com as suas pinceladas soltas, em certo período da sua vida curvilíneas, aparentemente imprecisas, mas cheias de uma luz intensa, vivificante, com que a obra do nosso autor de vez em quando se identifica. Nestas suas predilecções parece desenhar-se uma certa fuga ao realismo.
Na literatura, onde podemos ver as suas predilecções pelos clássicos como Camões ou Gil Vicente e Bernardim Ribeiro, mas também Júlio Dantas, os poetas Goethe, Cesário Verde, lisboeta de gema, Manuel Bandeira e Fernando Pessoa, que leu todo. E mais romancistas cita, como Miguel Cervantes com a sua linguagem solta, familiar, bem-humorada, Flaubert da Madame Bovary, Rimbaud com o simbolismo e a representação deformada da realidade, de que ele gostava, Dostoievski do psicologismo, Samuel Beckett, com a teoria do absurdo. A escrita de Dinis Machado, com alguns acentos mais ou menos expressos de maneira espontânea e automática, fazem lembrar o surrealista André Breton e o pós-surrealista Kafka, ainda mais absurdo. O surrealismo está presente na feitura de este romance, que ele trata de um modo muito subtil, aproveitando a realidade mais profunda para a emoldurar de cadinhos de texto da mais pura poesia. Este livro está cheio de apontamentos filosofais, irradiando brilhos de cultura que são uma autêntica provocação. É também visível influência de Jorge Luís Borges, um escritor argentino com ascendência portuguesa, com o seu amor aos livros, o seu estilo dispersivo e o seu gosto por misturar os acontecimentos do mundo. E não será de estranhar também influência de Gabriel García Márquez, Prémio Nobel uns anos antes, ao seguir o seu gosto pelo “Realismo Mágico”, que o nosso autor leu, e cuja influência é bem patente no exagero de algumas descrições, tidas como normais, a distorção tempo e do espaço, a coexistência do real e do fantástico, a superstição. Ler a páginas 74: quando «o rapaz viu o mais belo de todos os rostos de mulher»; e a páginas 107: «finalmente, à boca de cena, depois de os soldados vencidos serem ressuscitados pelo poder divinatório das flores»; e a páginas 109: «estou a preparar uns sapatos para pôr os cem metros em nove segundos». O modo como descreve os temas sexuais: a páginas 104-5: «o rapaz entrou num período de deboche que atingiu a sua saturação no dia em que a Morango cobriu de chantilly as nádegas de uma adolescente e disse ao rapaz para as lamber. Molero diz que o rapaz estourou por essa altura». Esta influência também virá de Henry Miller. Fala de ciganos, e faz ao fim a sua extraordinária volta ao mundo ao estilo de Cem Anos de Solidão.
Uma
apreciação final da obra
Não basta dizer que este romance é
bom, é preciso dizer o porquê. E não é difícil, comecemos pela linguagem que Dinis
Machado aqui utiliza magistralmente, assente na cidade de Lisboa, mais
precisamente no Bairro Alto, onde nasceu, uma linguagem solta, coloquial, em
que o calão está presente, muito próxima do povo, sem dúvida sedutora. O ritmo é
dinâmico, impetuoso, por vezes electrizante, tão caudaloso que os parágrafos
acabam por ser extensos, e nem vai precisar de dividir o livro em capítulos.
Ele consegue recuperar as figuras típicas do bairro, dar vida aos seus espaços menos
iluminados, descer até à gente mais humilde, retratando os quadros do seu
quotidiano mais intimista, incidindo sobretudo nos jovens, a matéria-prima de
que se faz a humanidade, com pouco peso na estrutura dos romances modernos para adultos. A
sua diegese é matizada por uma pluralidade de formas artísticas, que vão do
saber prático à literatura, da filosofia à música, do teatro ao cinema, reconstruindo
a subcultura de toda uma comunidade. A sua escrita não é linear, e mais sobretudo
a partir do meio do livro, mas feita de colagens, de misturas, onde coexistem a
tragédia e a comicidade, a realidade e a fantasia, sim, é quase uma manta de
retalhos, mas tem sempre um fio condutor a estruturá-la.
Pondo-nos perante um processo
investigativo, onde o mistério esperta a curiosidade, este livro, que se previa
expositivo, é literário: A certa altura, ao tentar interpretar o relatório de
Molero, depois de ter acendido outro cigarro, Austin sugeriu: «Temos
aqui uma anotação, na margem da página catorze, uma anotação feita a lápis»,
disse ele. «Diz: coração, bússola doida». «Literário», disse mister DeLuxe, «e,
além de literário, devia ser para apagar porque está escrito a lápis» (página 13). Eminentemente literário, óbvio, e divertido. Pois
é este o estilo narrativo que prende o leitor, que o autor prefere a outros,
que utilizam textos mais próximos da realidade com que defrontamos no nosso
quotidiano, mas que não apelam tanto à imaginação. Ora neste livro as histórias
com sabor a maravilhoso são amarradas umas às outras com uma oralidade nem
sempre compreensível, será alegórica, surrealista, deixando-nos por vezes com a
noção de que qualquer coisa nos escapa, e é esta indefinição, esta
interrogação, que é capaz de nos fazer reflectir, que nos seduz. Estamos
perante algo misterioso, talvez fantástico, há que investigar o sentido das
palavras, repensar a intenção das personagens, indagar sobre o fim mais geral
do romance. Sem que o procuremos ou esperemos, damos por nós a ler este livro como
se ele fosse escrito numa prosa feita de palavras maravilhadas, por uma de
poesia que faça eco na nossa alma.
No seu processo criativo Dinis
Machado começa por utilizar os seus instrumentos investigativos, próprios do
romance policial, para estruturar a seguir o livro da sua componente psicológica, tentando
chegar ao pathos do rapaz, que descreve
ao gosto surrealista, corrompendo a realidade, na esteira do “Realismo Mágico”.
Mergulhado sobre a cultura do meio, aquilo que nos parece corriqueiro é escrito
como algo de extraordinário, e como parece projectar sobre nós, leitores,
brilhos de uma cascata imensa de ideias. Quando paramos para as analisar, como
que nos sentimos perante um caleidoscópio de sensações e reflexões «interestelares»,
qual jazida de diamantes multicores que acabemos de descobrir num campo de
papoilas. Talvez depois da leitura haja muito mais a pesquisar ali dentro. Sim,
«a vida de um homem é sempre mais pesada, e também mais leve, sempre mais
ampla, do que a avaliação feita por outro» (página 53). Nestes três
ingredientes: policial, psicológico e fantasista está a sedução deste romance,
sem dúvida original, com qualquer onda de sonhos que nos fustiguem de um prazer,
que mesmo não sendo inteiramente apreendidos, são vividos de uma alegria irreflectida,
louca, deixando em nós uma marca de um deleitamento que há-de demorar tempo a
digerir. Trata-se de um realismo eivado de fantasia, de um “Realismo Exorcizado”.
Eis como com poucas páginas se pode fazer um grande livro, capaz de deixar a
sua marca na Literatura Portuguesa no século XX.
15/02/2016
Martz
Inura
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