BIOGRAFIA
Recebeu diversas honrarias. Em 2004 foi
admitida na Academia Americana de Artes e Letras, em 2010 recebeu o Prémio
Nacional de Literatura e em 2010 foi-lhe atribuída a Medalha Presidencial da
Liberdade. Recebeu honoris causa na San Francisco State University e na
Havard University. Foi ainda agraciada com o Prémio Gabriela Mistral. Recebeu
dezenas de outras distinções, de instituição que se quiseram cobrir com o seu
prestígio e a sua fama.
Criou a Fundação Isabel Allende em 1996, dedicada a apoiar programas que promovam e preservem os direitos fundamentais de mulheres e crianças em homenagem à sua filha, Paula Frías Allende, que morreu de uma doença rara em 1992, e a inspirou a escrever o romance Paula. A Casa dos Espíritos foi passada a filme, sendo parte das cenas filmadas na Herdade do Cercal, Alentejo, Portugal. Ver foto em baixo.
OBRA
A obra de Isabel Allende é vasta e
variada. Há, porém, quem a considere uma escritora anémica, diga que não é pelo
número de venda de livros que o valor de um escritor pode ser avaliado. Nem
todos terão a excelência do que é aqui analisado. Já sabemos que se ela não
fosse sobrinha de Salvador Allende e obtivesse a naturalidade americana nunca
seria tão reconhecida, mas isto não serve para lhe retirar o seu mérito de
escritora, que é extraordinário. A sua obra inclui, para além do trabalho na
imprensa, contos, livros infantis, peças de teatro e romances, destacando-se os
seguintes:
– De Amor e Sombra (1984)
– Eva Luna (1987)
– O Plano Infinito (1991)
– Paula (1995)
– Retrato de Sépia (2000)
– Cidade dos Deuses Selvagens (2002)
– Longa Pétala de Mar (2019)
– Mulheres de Minha Alma (2020)
– A Ilha Sob o Mar (2009)
– O Caderno de Maia (2011)
– Violeta (2021)
– O Vento Sabe Meu Nome (2023)
O ROMANCE A Casa dos Espíritos
a.
PERSONAGENS
PRINCIPAIS
Clara
del
Valle, a primeira geração de mulheres fortes que vão dar vida ao romance. Aos
dez anos ficou quase muda e teve de ser tratada ao seu mutismo. Desde cedo se
revela como portadora de qualidades paranormais: move os objetos com o olhar,
fala com os espíritos, tem premonições. Mesmo assim é atraente e Esteban Truela
desde o primeiro momento que viu nela algo de extraordinário, e faz udo para casar
como ela. É a matriarca da família, mesmo tendo uma marido violento e
despótico, ela consegue dominar os aspetos cruciais daquela família. Possui um
diário que vai servir de base à narrativa.
Esteban Trueba, um homem corajoso e ambicioso, que não aceita ser pobre.
Consegue finalmente impor-se socialmente. É obcecado pelo poder e riqueza, e
torna-se violento, autoritário, por vezes cruel. É implacável para que se lhe
opõe. É o patriarca da família, muito conservador, quer nos costumes quer na
política, por vezes impulsivo e autoritário. Depois de enriquecer, graças à sua
capacidade de trabalho e iniciativa, com os anos torna-se senador. É um homem
da Direita, não suporta comunistas. Apesar da sua dureza tem um lado sensível,
a sua vida vai-lhe revelar muitas surpresas.
Branca
Trueba
nascera já envolta em muito amor. Mais tarde foi levada para a fazenda Las Três
Marias que o seu pai recuperara da ruína em que estava. Era uma mulher mais
segura de si, determinada e apaixonada. Apaixonou-se por Pedro Terceiro García,
filho de um inimigo do pai, de classe inferior. Engravida dele e Trueba leva-a
para a cidade e casa-a à pressa com um conde francês, Jean Santigny, que por aí
vagueia, depois de o subornar com muito dinheiro. A filha está confusa, e depois
de a tentarem convencer que o seu apaixonado tinha morrido, aceita a situação
para se tornar mais independente. Não dormia sequer com o conde, é o símbolo da
resistência à opressão.
Pedro
Terceiro
García é um jovem revolucionário, sedutor, que gosta de cantar e tocar flauta
andina. Desde jovem que convive com Branca, por quem acaba de se apaixonar. O
namoro é tido às escondidas, porque o pai de Branca não tolera aquele
relacionamento por ele ser filho de Pedro Segundo García, de quem é imigo, e
para mais comunista, exercendo uma profissão tão pouco digna de cantor. Vê que
lhe retiram a sua amada, mas não perde a esperança de a encontrar. Obtém alguma
notoriedade social como músico de cariz revolucionário. Representa a luta contra
a injustiça e a perseverança do amor.
Alba
Trueba,
a terceira mulher desta geração de matriarcas, será um pouco autobiográfica.
Herda da sua avó a sua generosidade e espiritualidade, e do avô o seu
temperamento forte e determinado. É filha de Branca e de Pedro Terceiro García.
Corajosa e idealista, envolve-se com um jovem revolucionário, Miguel, tendo por
isso de enfrentar várias dificuldades. O seu avô não aprova tal namoro, pois como
sabemos não suportava comunistas, que vê em todo o lado. É perseguida e presa, sofrendo
sevícias às mãos da polícia política. Representa a luta contra a opressão. É a
narradora e põe em relevo alguns aspetos da Ditadura Militar, que não respeita
nem a Esquerda nem mesmo alguma Direita.
Férula,
irmã de Trueba, uma mulher dedicada à família, primeiro à mãe, e depois à
cunhada, Clara, de quem se torna possessiva lá em casa a tratar dos filhos dela.
É muito religiosa e moralista, rígida nas suas crenças. Faz uma vida solitária
e sacrificial. Não casou e atribui muita da sua infelicidade ao irmão, que
acaba por a expulsar de casa para não infernizar a vida de Clara, a quem tenta
dominar com o seu exagerado desvelo. É uma personagem um tanto ambígua,
representa a frustração, o ressentimento, a infelicidade.
b. SINOPSE DO LIVRO
(encurtada, para não se perder o prazer de ler o livro)
I – Rosa,
a Bela: Casa dos Del Valle. A filha Rosa, noiva de Esteban Trueba, morre
envenenado por veneno talvez destinado ao pai e a irmã Clara, que tinhaprecisto
uma morte, com remorsos fica muda durante anos.
II – Las Três Marias: Devastado com esta morte, Trueba sai das minas
onde trabalha, e volta para a terra, tentando recuperar a fazenda Las Tres
Marias, pertencente à família
III – Clara, a Clarividente: Trueba as tarde procura noiva, e vai a casa
dos Del Valle. Clara já tinha começado a falar, dizendo-se que se ia casar. Os
dois casam e têm Blanca, Jaime e Nicolau.
IV – O Tempo dos Espíritos: Esteban Trueba constrói uma grande casa. Vem
para ali morar a sua irmã, Férula, muito afeiçoada à mulher. Clara cria ali um
ambiente isotérico, em que entram em comunicação com os espíritos.
V – Os Amantes: Blanca apaixona-se Pedro Terceiro Garcia, filhos de
trabalhadores de Las Três Marías de uma classe social inferior e com ideias
libertárias, que o pai desaprova.
VI – A Vingança: Trueba descobre que Pedro Terceiro Garcia engravidou a
ssua filha Blanca, esmurra esta e persegue aquele, a quem, depois de uma luta
corta três dedos, mas poupa a vida.
VII – Os Irmãos: Para fugir à vergonha, Clara e Blanca voltam para a
cidade. Onde Jaime é médico e Nicolau espiritualista. Trueba casa filha co o
Conde de Satigngy, que a troco de dinheiro aceita casar co ela grávida.
VIII – O Conde: Blanca é convencida que Pedro Terceiro está morto, aceita
casar com o conde e vão viver para longe num palácio. Descobre que o seu marido
é um homem perverso e no último mês de gravidez foge para casa dos pais.
IX – A Menina Alba: Blanca acaba por dar à luz uma filha, Alba, que
rapidamente se vai integrando na família, granjeando a simpatia de todos. Com o
tempo o próprio avô, homem violento, acaba por se afeiçoar a ela.
X – Período
da Decadência: Dá-se a morte Clara, e com ela desaparece a alma daquela
casa. Esteban Trueba, está cada vez mais rico e dedica-se à política.
XI – O Despertar: Alba é alegria daquela casa. É rebelde. Aos dezoito
anos apaixona-se por Miguel, um jovem ligado ao movimento estudantil, um tanto
esquerdista, contrário às ideias do avô.
XII – A Conspiração: No país a situação política complica-se, a esquerda
ganha as eleições e é boicotada pela direita. Há tomada de fazendas, greves,
falta de alimentos, é o caos.
XIII – O Terror: O presidente é deposto, Jaime é morto. Nicolau exila-se.
Blanca e Pedro Terceira conseguem um salvo-conduto para o Canadá. Alba é
presa.
XIV – A Hora da Verdade: Alba tem uma relação com Miguel, revolucionário
procurado pelos golpistas. É torturada e violada na prisão, e ainda vai ser o
seu avô, que através de uma velha amizade vai mover influências para a mesma
ser libertada.
Epílogo:
Alba, que antes de ser liberta esteve num campo de prisioneiras políticas e
sofreu na pele a dor da opressão, uma vez solta recebeu uma carta do avô a
pedir-lhe para escrever a história da sua família para que ela não se perdesse.
Do filme a Casa dos Espíritos
(1993) de Bille August, com Jeremy. Irons: como Trueba. Meryl Steep: Clara. Glenn
Close: Férula. Winona Ryder: Blanca. António Banderas: Pedro Terceiro
c.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
A
Casa dos Espíritos de Isabel Allende é uma saga familiar
que abrange quatro gerações da família Trueba, traçando suas vidas através de
um período tumultuado da história chilena. Ao longo do romance, os membros da
família Trueba enfrentam amores proibidos, conflitos de classe, violência e
perdas, enquanto o país mergulha em crises políticas e sociais. A história
entrelaça o real e o mágico, o passado e o presente, à medida que a matriarca
Clara, sua filha Blanca, e sua neta Alba tentam encontrar seus caminhos num mundo
patriarcal, marcado por opressões e injustiças. O livro é um retrato épico do
amor, poder, e resistência, narrado com uma rica mistura de realismo mágico e análise
social, capturando a essência de uma era e o espírito inquebrável de uma
família.
O romance integra-se na corrente do
realismo mágico, tem inegáveis influências de Gabriel García Márquez, embora
isto não lhe retire valor, pois a autora seguiu a corrente latino-americana da
época, a quem deu um cariz pessoal e uma subtil perspetiva feminina. Ela soube
lidar com a modernidade e a tradição, o poder e a oposição, o real e o
imaginário. Ao patriarquismo autoritário, ela impôs personagens femininas
fortes, que por artes mágicas vão resistindo a essa opressão, constituindo um
veículo de transformação social. O real e o imaginário, o misticismo, estão bem
evidentes no romance, sobretudo em Clara, a clarividente. As casas carregam
todo o peso do passado das personagens, são um reservatório de memórias
mobilizadoras, fortalecendo de esperança os presentes.
É um prazer ler este livro, a sua
escrita é extraordinariamente fluída, rica em detalhes e cheia de lirismo, como
alguém disse, íntima e épica. A
autora faz um retrato histórico-social bastante realista da sua época,
abordando temas como o conflito de gerações, em que a mulher desempenha um
papel subalterno, mas que pela sua centralidade familiar acabam por ter um
papel determinante. Na política, em que destaca as desigualdades sociais e a
luta de classes, a opressão e a rebelião; o conservadorismo e o progressismo.
Ali se revela um facto que esbate a diferença entre esquerda e direita. É
Esteban Trueba, um inveterado político de direita, que nos fins da vida vai
tentar salvar a neta, Alba, nas mãos dos golpistas, que não respeitam nem a
esquerda nem a direita menos radical. Também não ignora a parte romântica,
descrevendo com detaçlhe os amores dramáticos que foram acontecendo.
A
Casa dos Espíritos de Isabel Allende não teve inicialmente grande
aceitação. Foi enviada para publicar a inúmeras editoras sul-americanas, que a
rejeitaram. Mas uma vez lançada no mercado livreiro, o seu êxito foi imediato.
Digamos que merecidamente, pois estamos na presença de um grande romance, que
aborda a sociedade no seu todo, com personagens fortes e uma linguagem rica. Todavia,
temos de reconhecer que se não fosse ela ser sobrinha do malogrado Salvador
Allende, morto em1973, durante o ataque ao Palácio Presidencial de Santiago do
Chile, que tanto brado deu no mundo, e ainda por ter adquirido a naturalidade
estadunidense em 1993, o seu êxito nunca seria tão retumbante. O romance acabou
por ser adaptado ao cinema, ao teatro e à ópera, o que demonstra o interesse
que despertou. Integra-se num contexto histórico dramático e como nos dá uma
cosmovisão da América Latina daquele tempo.