sábado, 18 de fevereiro de 2023

FREDRIK BACKMAN


Um Homem Chamado Ove
Fredrik Backman
Tradução de Alberto Gomes
Editorial Presença (2016)
 

 O HOMEM                

       Fredrik Backman nasceu a 2 de junho de 1981 em Helsinborg, Scania, na Suécia. De início escreveu em jornais como o Helsinborgs Dagblad e o Moore Magazine, depois entusiasmou-se com a criação de blogues na Internet, onde alcançou grandes audiências. Ele tem uma cultura variada, o conhecimento da vida das pessoas comuns, e uma grande capacidade discursiva. Tornou-se famoso na Blogosfera, e em 2012 ousou entrar na área do romance, escrevendo Um Homem Chamado Ove, que teve sucesso imediato, sendo traduzido em mais de trinta línguas, sendo um bestseller. Em 2015 foi adaptado ao cinema. Os seus livros têm tido muita aceitação, sendo dos mais vendidos no seu país. Casou com Neda, tem dois filhos. É um escritor jovem, do qual ainda há muito a esperar.

A OBRA


A sua obra, tem muitos textos aproveitáveis nos jornais e na Internet, mas destacam-se aqui os seus romances:

Um Homem Chamado Ove (2012)
Coisas que o Meu Filho Precisa de Saber acerca do Mundo (2012 na Suécia, 2019 na GB)
A Minha Avó Pede Desculpa (2015
Britt-Marie Esteve Aqui (2014 na Suécia e 2016 na GB)
E a Cada Manhã o Caminho de Casa fica Mais Longe (2016)
Beartown (Também designado The Scandal) (2017)
The Deal of a Lifetime (2017)
Us Against You (2018)
Gente Ansiosa (2019 na Suécia, 2020 na GB)
The Winners (2022) [Beartown, Us Against You e The Winners constituem uma trilogia]



 

O LIVRO: UM HOMEM CHAMADO OVE:

 

a.       PERSONAGENS PRINCIPAIS



  Ove: a personagem principal do romance. Para alguns o pior vizinho do mundo. Um homem mal-humorado que perdeu cedo a mãe, e mais tarde o pai, e a esposa, Sonja. Tem 59 anos, foi aposentado quase à força, sente-se estranhado e perdeu o amor à vida. Herdou um Saab, que tem em muito estimação. É um tradicionalista, pouco dado à mudança. Sempre deprimido, pensou em se suicidar diversas vezes, mas pequenas incidentes com os vizinhos o vão impedir, prendendo-o à vida, que ao ser mais vivida se tornou mais suportável.
   Sonja: a falecida esposa, uma mulher muito bonita e conversadeira, que lhe fazia muita companhia, preenchendo a sua vida. Era professora. Teve um acidente que a mandou para uma cadeira rodas. Mesmo tendo já desaparecido, está muito presente na mente do marido, que a continuou a amar. 

  Parvaneh: a vizinha de Ove, de ascendência iraniana, tagarela, que tem paciência para o aturar, acabando por o compreender e ter algum domíno sobre ele. Está grávida e tem duas filhas.
  Patrick: marido de Parvaneth, consultor, com quem Ove não simpatiza, apelidando-o de o Esgalgado. Partiu uma perna em casa ao cair de um escadote

    Rune: um amigo de Ove, com quem este tem alguns desentendimentos, tornando-se seu inimigo. Mais tarde aparece com a doença de Alzheimer, e a sua relação vai mudar. Querem-no internar num lar.
    Anita: mulher de Rune, que se opõe ao seu internamento. 

    Anders: um vizinho vivendo do lado oposto da rua, dono de uma empresa de reboques. Tem um Audi, carro estrangeiro, que ele não vê com bons olhos a circular na Suécia. 
    Blond Weed: a namorada com quem Anders se anda a pavonear, cujo nome desconhece, e lhe dá esta alcunha brejeira. 

    Adrian: o carteiro do bairro, com quem Ove tem vários relacionamentos. 
    Jimmy: um vizinho obeso bem disposto com quem Ove convive. 
    Mirsad: jovem de 20 anos, bastante inseguro, homossexual. Ove, talvez por isso não simpatiza com ele, porém, quando o pai o expulsa da sua convivência, acaba por o receber na sua casa
   Lena: uma repórter local que procura obter uma entrevista de Ove, que salvou uma pessoa de morrer debaixo de um comboio. Afinal ele tinha um fundo bom. 
   O Gato: um bicho inicialmente detestado por Ove, que acaba por ser resgatado por ele e Parvaneh de morrer congelado na neve. Aquela deixou-o em cada de Ove a recuperar, e ele deixou que o animal ali ficasse minorando a sua solidão.


b.                   BREVE RESUMO

        O livro narra a vida de um homem chamado Ove que vive amargurado na sua velha casa. É um tanto antiquado, confunde um iPad com um computador, é contra as marcas de carro estrangeiras, não confia na Internet, não gosta de pagar impostos. Um dia faz uma ronda ao bairro bastante, exaltado por uma questão de estacionamento de um carro, e os vizinhos têm de vir cá fora acalmá-lo. Aborrece-se então com eles e fecha-se em casa, evitando quaisquer contactos. Por vezes sente-se invadido pela tristeza e sai às de carro, mas demasiado devagar, arreliando os outros condutores. É antipático no seu relacionamento com as pessoas, mesmo com Parvaneh, uma senhora de origem iraniana, compreensiva com a sua situação, que está grávida. Ainda carregava o peso da morte da mãe e do pai, e mais recentemente a da mulher, passam-no à reforma a contragosto – a sua vida é insípida. É então que lhe vem a primeira vez à cabeça suicidar-se, quando se prepara para consertar uma velha bicicleta. Tem mais uma conversa antipática com Parvaneh e o marido Patrick, a quem chama Esgalgado. Amolgaram-lhe a caixa do correio num acidente quando vieram para ali, e isto não foi em abono deles. Vai ter que restaurar a casa, que fizera com as suas próprias mãos. Entretanto, o vizinho Patrick cai de um escadote ao abrir uma janela, e a mulher vem pedir-lhe para o levar de carro hospital, mas ele esta maldisposto e não se mostra muito solícito e a ajudar. Ainda se vai aborrecer com Parvaneh, que é persistente e o convence a levá-lo, embora siga sempre mal-humorado. As duas filhas dela mostram-se brincalhonas dentro do carro, mas ele não lhes dá grande importância, não se sente com cara de palhaço. Está abatido e pensa em suicidar-se mais uma vez.

        Ove dá consigo a recordar a sua falecida mulher, Sonja, quando a encontroou num comboio. Ela gostava de falar e ele de estar calado. Na estação não tem jeito nenhum para tirar um bilhete de comboio com o seu cartão na máquina, porém, quando um homem cai à linha férrea vai lá retirá-lo com rapidez, salvando-lhe a vida. Faz uma viagem de carro atribulada na neve, e um gato aparece mais uma vez a rondar-lhe a casa. Há o evocar de um passeio com Sonja e o pai, que conduzia uma carrinha de caixa aberta. Ele e Parvaneh encontram o gato quase congelado na neve, conseguem salvá-lo e ela leva-o para casa dele, onde o deixa pousado num manta a recuperar. Ele não o quer por ali, mas como a falecida mulher gostava muito de um gato chamado Ernest, acabou por ficar com ele. Sentado no seu Saab, olha o casal Rune e Anita, que foram seus padrinhos de casamento. Estão a pensar em internar Rune num lar por ele sofrer de Alzheimer. Já fala com o gato e é procurado pela repórter, Lena, que o quer entrevistar por ele ter salvado a vida a um homem que caiu à via-férrea. Ele não dá importância ao caso. Volta a recordar-se de Sonja, sua falecida mulher, que teve um acidente num autocarro. Ficou inválida, por uma questão de burocracia não faziam a rampa para ela entrar com a cadeira de rodas na escola e ele foi lá e fez uma sozinho à sua custa. Ove vai buscar Patrick ao hospital que vem com a perna engessada, e leva consigo o gato, Parvaneh e as filhas, que o desenham.

        Uns dias depois, Ove fica de novo tão deprimido que pensa em suicidar-se, tomando uns comprimidos que sobraram de Sonja. Deixa sair o gato, mas o animal volta para casa ao ouvi ladrar ladrarum cão. O casal da frente chama por ele e com este incidente volta a fechar o frasco. É Anita que lhe vem pedir uma chapa "ordenada", que ele corrige para ondulada. Um jovem vem-lhe trazer uma carta, fora aluno da sua mulher, e precisa que lhe ajudem a reparar uma bicicleta. Anda a trabalhar para comprar um Renault e não se mostra muito solícito. Evoca a explicação de Sonja de ele se zangar com Rune, só porque o amigo comprou um BMW. Repara afinal a bicicleta ao rapaz. Não gosta do efeminado Mirsad, é preconceituoso que tem em relação aos homossexuais. Arranja tempo para fazer uma visita ao túmulo de sua mulher, Sonja, pedindo-lhe desculpa pelo atraso, recordando os fins dela, morta de cancro. Chega a casa nesse dia e tem um ataque de solidão. Vai então ao sótão buscar uma espingarda que pertencera ao pai de Sonja. Detesta homens de camisa branca, ou seja, os médicos e enfermeiros. O gato tinha saído, programa mais uma vez suicidar-se, mas entretanto chega a intrusiva Parvaneh a bater-lhe à porta e esconde a arma. Uma parelha de camisas-brancas vem ali a casa de Rune tratá-lo. Ove conversa com Patrick, e pede-lhe para lhe arranjar um reboque e atravessa o seu carro para não deixar sair a ambulância que viera buscar Rune, por aquele sítio não uam passar. Eles vão levar Rune dali e Ove põe-se a chorar.

        Está um farrapo humano. É então que decide mesmo suicidar-se. Escreve uma carta a Parvaneh, com quem, apesar de tudo se sente mais ligado, a explicar como deseja ser sepultado. Vai-se suicidar de camisola e cuecas para não sujar a roupa de sangue, pois quer ir bem vestido para a cova, onde repousa Sonja. Deixa mesmo dinheiro para o funeral. Por casualidade é interrompido por Adrian e Mirsad, que lhe vêm ali pedir ajuda, porque o pai de Mirsad pô-lo fora de casa. Adrian disse que talvez fosse bom ele deixá-lo ali dormir por uma noite. Repara numa foto da mulher e baixa a arma. Mais uma vez estragam os seus planos para se suicidar. Aceita a custo que o rapaz fique ali a viver com ele uns dias, enquanto Rune parece que vai ser internado. Entretanto, a polícia vem ali prender três jovens drogados e falar com Ove para ele tirar o carro e o reboque que ele estacionou ali a atravancar a rua, mas ele já os tinha retirado e vai de novo à campa de Sonja dizer-lhe que ainda não vai poder ir para junto dela. Querem internar Rune, mas a mulher, Anita, consegue opor-se aos três enfermeiros. Com o tempo Ove sente-se mais envolvido com a vizinhança e com o caso de Rune. Todavia, estava a pensar em pôr Mirsad fora da sua casa, ele era um larilas. As suas relações com Jimmy, um vizinho gordo, e com Mirsad, entretanto melhoraram. Ele com a morte da mulher ficara muito abalado, parara de viver, mas arrebitara. Um dia vai mesmo com eles no seu carro comprar um iPad. Mais tarde é abalado com um problema cardíaco, tendo de ser levado ao hospital, e possivelmente operado, Parvaneh opõe-se, diz que ele não tem nada, não tem jeitinho nenhum para morrer. Levam-no a um médico que o medica e diz que ele tem o coração dilatado, pode durar meses ou, com sorte, anos. E assim regressa a casa e se chega ao epílogo.  

 

Ove, Parvaneh e as filhas no filme Um Homem Chamado Otto de Hannes Holm, com Tom Hanks

 

c.        COMENTÁRIO GERAL

       

        O livro seduz-nos por dar relevância à vida de um homem amargurado e solitário, feita de pequenas coisas, de insignificâncias que acabam por ser decisivas, descrevendo-nos situações por vezes caricatas. Tem um discurso fluente e explora a sátira, conseguindo, pois, encontrar muito que contar de uma pessoa que à primeira vista não teria muita história. A narrativa é quase uma fábula, usa e abusa da ironia e do sarcasmo. Ove está permanentemente mal-humorado, é por vezes contraditório, patético, enfadonho, contudo, a sua vida, que à partida nos parece com pouco sentido, tem por trás dela muito por explicar, muita humanidade merecedora de ser revelada.

        Mas voltemos agora àquilo que este romance tem de menos bom. Há quem considere este livro vulgar, muito vago, e até superficial, para agradar ao público atual. A sua estrutura é minimalista, e as personagens, se lhe excetuarmos Ove e Parvaneh, pouco ricas. Podemos também considerá-lo repetitivo, sem uma linguagem grandiosa, porém, é curioso que o autor consegue mesmo assim torná-lo aliciante, revelando-lhe um conteúdo desconcertante, ao dar várias nuances às suas situações, como sejam a sua predisposição para o suicídio, propósito sempre frustrado, bem como o seu visceral mau humor e ar malvado, que visto com a compreensão de Parvaneh, é apenas superficial.

        O autor vendeu, e rapidamente, milhões de exemplares deste livro, o seu êxito comercial foi enorme, contudo, este facto não corresponde ao real valor da obra, que, embora interessante, está obviamente sobrevalorizada. Hoje o mundo digital tende a sobrepor-se ao mundo real, as redes sociais e o mediatismo podem distorcer o valor dos livros, e não só. Imaginemos a tão pouco aceitação inicial das obras de Franz Kafka, James Joyce, Marcel Proust, Vladimir Nabokov, Stephen King, Agatha Christie, e mesmo J. K. Rowling, entre muitos outros. Os editores nem sequer aceitaram editar as suas primeiras obras, deram-lhe várias negas, alguns nem as conseguiram publicar em vida, e elas eram verdadeiras obras-primas.

        Um Homem Chamado Ove foi, pois, muito badalado nas redes sociais, onde o autor tem muita visibilidade cibernética, deu dinheiro a ganhar a muita gente, não falta para aí quem diga bem dele. Não sendo na nossa modesta opinião um romance extraordinário, a sua narrativa surpreende-nos apesar de tudo pelo seu realismo patético, pela sua narrativa fluída e divertida, conseguindo descrever-nos a pardacenta e conturbada vida de Ove com assomos de originalidade. Há um sentido profundo por trás de toda a sua simplicidade narrativa: o ser humano nunca é inteiramente mau, e por traz da sua aparente malvadez há sempre uma explicação de natureza psíquica e biológica. Fredrik Backman continua a escrever, é um jovem, e ainda nos pode vir a surpreender a com uma verdadeira obra-prima. 



        17/02/2023
        Martz Inura